D.E. Publicado em 20/06/2018 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a pena privativa de liberdade definitiva para 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | RAQUEL COELHO DAL RIO SILVEIRA:10309 |
Nº de Série do Certificado: | 36FA6A676484A347 |
Data e Hora: | 13/06/2018 15:12:04 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela defesa de João Manuel Franco contra a sentença de fls. 236/239, que o condenou pela prática dos delitos previstos no artigo 2º da Lei nº 8.176/91 e art. 55 da Lei nº 9.605/98, em concurso formal impróprio, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, além do pagamento de 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito consistentes em prestação de serviço à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos.
Em razões de recurso de fls. 245/254, a defesa pleiteia a reforma da sentença. Alega a ocorrência de bis in idem ou a derrogação do crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91 pelo delito especial do art. 55 da Lei dos Crimes Ambientais. Sustenta, ainda, a absolvição por ausência de dolo, uma vez que já havia protocolado requerimento de regularização junto aos órgãos competentes. Subsidiariamente, pede a fixação da pena no mínimo legal, assim como a redução da pena de prestação pecuniária.
A acusação apresentou contrarrazões de recurso às fls. 257/274.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial conhecimento do recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento (fls. 284/289).
É o relatório.
Sem revisão, nos termos regimentais.
VOTO
Extrai-se dos autos que João Manoel Franco foi denunciado pela prática dos delitos do artigo 55, caput, da Lei nº 9.605/98 e art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 c/c o art. 70 do Código Penal, porque explorou substância mineral (arenito) para emprego na construção civil, sem a competente autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral, bem como executou extração de recurso mineral (arenito) sem a licença da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, no dia 26 de fevereiro de 2013, por volta das 10 horas, na estrada municipal da Fazenda Ibijuba, zona rural do município de Descalvado/SP.
Narra a peça acusatória que, em atendimento à comunicação elaborada diretamente à guarnição local, a Polícia Militar Ambiental diligenciou na zona rural referida e verificou a ocorrência de extração de substância mineral no interesse da empresa individual "João Manoel Franco Attualitá Mosaico - ME".
Consta ainda da denúncia que no local havia três pessoas - identificadas como Odair Braghini, Antonio Braghini e Edson Roberto Lopes - trabalhando na atividade de lavra de desmonte de rocha com emprego de um martelete pneumático desconectado a um compressor de ar, cinco barras de ferro para levantar o material rochoso, cinco ponteiras de ferro e quatro marretas.
Segundo a narrativa acusatória, o minério era beneficiado no próprio local e pronto para a comercialização. Também restou consignado que os sinais e vestígios detectados, assim como as informações prestadas pelos trabalhadores, apontam que as primeiras rupturas nas rochas eram feitas com explosivos.
A acusação também revela que os policiais constataram a movimentação de terra e rochas para o interior do maciço florestal composto por vegetação nativa secundária em estágio avançado de regeneração natural, de modo a soterrar vegetação característica de sub-bosque, em área correspondente a 0,016 hectares.
Por fim, menciona que o réu João Manoel Franco era o responsável pela administração da empresa, a qual não detinha licença/autorização para extração de substância mineral (fls. 87/92).
O Juízo de primeiro grau condenou o réu João Manoel Franco pelo cometimento dos delitos do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/91 em concurso formal impróprio com o crime do art. 55 da Lei nº 9.605/98, com imposição de pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito (fls. 236/239).
Em apelação, o acusado pleiteia, em síntese, seja reconhecida a ocorrência de bis in idem ou a derrogação do crime previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/91 pelo delito especial do art. 55 da Lei dos Crimes Ambientais, assim como pugna pela sua absolvição por falta de dolo. Subsidiariamente, pede a fixação da pena no mínimo legal e a redução da pena de prestação pecuniária.
Passo a apreciar a matéria devolvida.
Inicialmente, rejeito a alegação de que haveria bis in idem ou, ao menos, a derrogação do crime do art. 2º da Lei nº 8.176/91 pelo delito do art. 55 da Lei dos Crimes Ambientais.
Os objetos jurídicos protegidos pelos tipos penais são distintos. Com efeito, o crime de "produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo", na modalidade usurpação, tutela a ordem econômica, em especial o patrimônio público, haja vista a propriedade da União sobre os recursos minerais, nos termos do art. 20, inciso IX, da Constituição Federal. Cuida-se de um crime de dano que tem como objetivo proteger o patrimônio da pessoa jurídica de direito público.
Já o art. 55 da Lei nº 9.605 /1998 visa à proteção do meio ambiente, cujo titular é a sociedade, tanto que sequer exige a apropriação do minério para sua configuração.
Logo, não há que se falar em derrogação, mas sim em concurso formal, uma vez que o agente pratica dois crimes e ofende bens jurídicos diversos mediante uma só ação.
No mais, a defesa ainda pleiteia a absolvição do réu, ao fundamento da inexistência de dolo, já que "foram sendo providenciadas pelo Apelante, todas as tratativas necessárias, para a regularização da atividade no local, atividade esta que já existia" (fl. 248).
Tal argumento não merece provimento.
Destaco que os tipos penais em questão não exigem dolo específico para sua configuração, sendo suficiente o dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente de extrair recurso mineral sem a competente licença ou em desacordo com a obtida (art. 55 da Lei nº 9.605/98) e de explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo (art. 2º da Lei nº 8.176/91).
Ao contrário do aduzido pela defesa o dolo na conduta do agente é inconteste.
O Boletim de Ocorrência Ambiental de fls. 146/149 aponta que na data dos fatos o responsável pela empresa apresentou somente a solicitação de licença prévia e de instalação nº 430/4487, protocolada junto à CETESB em 13.12.2012, bem como o protocolo de abertura do processo nº 820.461/2012 no DNPM, emitido em 19.04.2012.
Os documentos de fls. 117/119 confirmam que o réu efetivamente havia protocolado seus requerimentos no ano de 2012. No entanto, os ofícios encaminhados pelo DNPM e pela CETESB (fls. 38/39) não deixam dúvidas de que na data dos fatos a empresa administrada pelo réu não detinha autorização e nem licença para o desenvolvimento da atividade de extração de recurso mineral, uma vez que seus requerimentos ainda estavam em andamento. Aliás, ambos os documentos são expressos no sentido de que o simples requerimento não é suficiente para o início das atividades.
Importante destacar, ainda, que o fato da empresa ter regularizado suas atividades em momento posterior (fls. 58/61, 153/156 e 143/145) não é suficiente para afastar os crimes. Isso porque o agente, de forma consciente e voluntária, quis ou ao menos assumiu o risco de produzir o resultado ao optar por desempenhar a atividade de extração mesmo sem a finalização do procedimento de requerimento da licença e autorização.
O próprio réu afirmou em sede policial que "tem conhecimento dos fatos e ratifica os termos do BO de fls. 08/13, confirmando que em fevereiro de 2013, quando fiscalizado pela PMamb. não estava de posse das competentes licenças para o exercício da atividade", além de mencionar que explora a região desde os anos oitenta (fls. 53/54).
Em juízo, o réu novamente confessou a conduta e reafirmou a exploração dos recursos minerais sem a licença e autorização dos órgãos competentes (fl. 204).
Portanto, afasto a inexistência de dolo na conduta do acusado, especialmente neste caso que se trata de pessoa que atua na área de extração de minérios e, por óbvio, deve ter conhecimento das normas a serem seguidas no desempenho da atividade.
Por fim, não há dúvida quanto à prova da materialidade (fls. 40/47, 120, 122, 130/131, 135/136 e 148/149) e autoria delitiva (fls. 192 e 204), as quais não foram impugnadas especificamente pelas partes, razão pela qual mantenho a condenação de João Manoel Franco pela prática dos crimes previstos no artigo 2º da Lei nº 8.176/91 e 55 da Lei nº 9.605/98.
Passo a análise da dosimetria da pena.
A defesa pleiteia a fixação da pena no mínimo legal, assim como a redução da pena substitutiva de prestação pecuniária.
Neste ponto, verifico que a r. sentença assim procedeu quanto à dosimetria da pena:
Crime do art. 2º da Lei nº 8.176/91
Verifico que, na primeira fase, o magistrado apreciou de forma desfavorável ao réu a circunstância judicial do motivo do crime, haja vista o objetivo de obtenção de lucro.
O artigo 59 do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
De fato, a pena deve ser elevada na hipótese de restar demonstrado que a finalidade principal da atividade de extração era a obtenção de lucro. No caso dos autos, a busca pela vantagem pecuniária é inegável, já que a atividade de extração de recurso mineral visava à sua comercialização, conforme admitido pelo acusado em juízo (fl. 204).
Portanto, mantenho a apreciação negativa da circunstância judicial do motivo do crime, com majoração da pena-base do delito em 1/8 (um oitavo) da diferença entre a pena mínima e a máxima, fração que considero razoável, proporcional e não foi impugnada pelas partes, do que resulta a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 15 (quinze) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Na segunda fase da dosimetria, observo que o juízo a quo reconheceu a atenuante da confissão, a qual também preservo, haja vista o fato do réu ter reconhecido tanto na fase investigativa quanto em juízo que efetuou a extração dos recursos minerais sem a licença e autorização. Além disso, a própria sentença se valeu deste argumento para condenar o acusado.
Por conseguinte, o réu faz jus à atenuação da pena por conta da confissão (art. 65, III, "d", do CP), no patamar de 1/2 (metade), fração razoável e não contestada, do que resulta na pena de 1 (um) ano de detenção e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Por fim, ausente o reconhecimento de causas de aumento e diminuição de pena, em relação à terceira fase da dosimetria, estabeleço a pena definitiva do réu em 1 (um) ano de detenção e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo para o crime do art. 2º da Lei nº 8.176/91.
Crime do art. 55º da Lei nº 9.605/98
Na primeira fase, o artigo 59 do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
A Lei dos Crimes Ambientais, por sua vez, estipulou alguns critérios específicos para a individualização da pena, os quais estão previstos no art. 6º da Lei nº 9.605/98.
No caso em apreço, verifico que, na primeira fase, o magistrado não apreciou de forma desfavorável ao réu nenhuma circunstância judicial, razão pela qual a pena deve ser mantida no mínimo legal de 6 (seis) meses de detenção.
Na segunda fase da dosimetria, houve o reconhecimento da agravante do art. 15, inciso II, "a", da Lei dos Crimes Ambientais, assim como a atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do Código Penal).
A agravante da obtenção de vantagem pecuniária deve ser mantida, já que a atividade de extração dos recursos minerais visava à comercialização do arenito, conforme se extrai do depoimento do próprio acusado e das circunstâncias do caso.
Igualmente preservada a atenuante da confissão, tendo em vista a admissão do fato criminoso pelo réu.
Por conseguinte, considerando as disposições do art. 67 do Código Penal, a atenuante da confissão (art. 65, III, "d", do CP - relacionada à personalidade do agente) deve ser compensada com a agravante relativa ao motivo do delito (art. 15, inciso II, "a", da Lei dos Crimes Ambientais), do que resulta na pena de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Em relação a terceira fase da dosimetria, ausentes causas de aumento e diminuição de pena, estabeleço a pena definitiva em 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo pela prática do crime do art. 55 da Lei dos Crimes Ambientais.
Importante salientar que, conforme visto no início do voto, aplica-se à hipótese vertente o concurso formal de delitos. No entanto, ao contrário da tese adotada pelo juízo a quo, não entendo pela existência de concurso formal impróprio. Isso porque o acusado, mediante uma só ação e com um único propósito (exploração do recurso mineral), praticou dois crimes, de acordo com o artigo 70 do Código Penal, devendo ser aplicada a maior pena cominada em concreto, com acréscimo de 1/6 (um sexto) a 1/2 (metade).
Dessa forma, adoto a fração de aumento de 1/6 (um sexto), proporcional e razoável, sobre a pena de 1 (um) ano de detenção (pena mais grave), do que resulta a pena definitiva de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção.
Insta salientar que a pena de multa, na hipótese de concurso formal, deve ser somada, nos termos do art. 72 do Código Penal, totalizando neste caso 20 (vinte) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
Diante das alterações, restam preservados o regime prisional inicial e a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito nos moldes estabelecidos pela decisão de primeiro grau.
No entanto, a defesa requer a redução da pena restritiva de direito de prestação pecuniária, a qual foi estabelecida em 10 salários mínimos.
De acordo com o art. 45, § 1º, do Código Penal, a pena restritiva de direito na modalidade de prestação pecuniária "consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários". A mesma disposição se encontra no art. 12 da Lei nº 9.605/98 para os delitos contra o meio ambiente.
Cuida-se, portanto, de espécie de pena restritiva de direito que tem como finalidade o pagamento em pecúnia à vítima do crime ou a entidade pública ou privada com fim social.
No caso em apreço, entendo que a quantia fixada pela sentença mostra-se proporcional as circunstâncias dos delitos. Ademais, o réu não comprovou nos autos que sua situação econômica é incompatível com o valor estabelecido, motivo pelo qual a mantenho em 10 (dez) salários mínimos.
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a pena privativa de liberdade definitiva para 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, mantidos os demais termos da sentença.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | RAQUEL COELHO DAL RIO SILVEIRA:10309 |
Nº de Série do Certificado: | 36FA6A676484A347 |
Data e Hora: | 13/06/2018 15:12:07 |