Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/05/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000820-65.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000820-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS
APELANTE : JOSIAS LOURENCO DA SILVA espolio
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : LUCINEIDE ASSIS
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : RAFAEL SERGIO LIMA DE OLIVEIRA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00008206520074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

EMENTA

PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO PORTADOR DO VÍRUS DA AIDS. DOENÇA GRAVE E INCURÁVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A extinção do processo por ilegitimidade de parte somente se afigura possível se a emenda determinada pela autoridade judicial não for atendida, o que não ocorreu no caso em tela, em que sequer foi oportunizada a regularização.
2. Verifica-se, in casu, que consta no polo ativo da demanda o de cujus representado por sua esposa. Ainda que, tecnicamente, não conste como parte autora o espólio representado pelo herdeiro, seria de um rigor desproporcional extinguir a ação sem julgamento de mérito, por ilegitimidade de parte. Isso porque tal irregularidade é facilmente sanável e teria sido solucionada com a simples intimação da parte autora para regularização da representação.
3. Decisão diversa ofenderia frontalmente o disposto pelo artigo 76 do Código de Processo Civil, bem como os princípios constitucionais do acesso à justiça, bem como da instrumentalidade das formas, visto que a ação foi ajuizada no ano de 2007, ou seja, há onze anos.
4. Além disso, o feito encontra-se completamente instruído, inclusive com produção de prova pericial e testemunhal, não sendo possível, após todo o trâmite processual, negar a prestação ao jurisdicionado em razão de erro formal, o qual deveria ter sido sanado logo no início da demanda.
5. Possibilidade de aplicação do artigo 1.013, § 3º, I, do CPC, já que aperfeiçoada a relação processual.
6. O laudo resultante da perícia indireta realizada nos autos concluiu que o segurado era portador do vírus HIV, com manifestação da enfermidade desde abril de 2001, data em que passou a usufruir do benefício de auxílio-doença. O perito afirmou, ainda, que o benefício foi cancelado por decisão burocrática do INSS, no ano de 2005, quando o de cujus se encontrava inválido e totalmente incapacitado para o trabalho.
7. Conforme se depreende do laudo, ao segurado foi concedida a chamada "alta programada", em que não é realizada nova perícia antes da alta do paciente.
8. Ora, se a moléstia em questão é incapacitante e se o benefício foi cessado indevidamente, é cabal a configuração do dano material, sendo imprescindível o ressarcimento de tais valores pelo Estado.
9. O montante da indenização deve corresponder aos valores que deveriam ter sido pagos entre janeiro e agosto de 2005 a título de auxílio-doença, acrescidos de juros de mora a partir da citação e correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice, conforme recente decisão proferida no REsp n. 1.492.221 pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.
10. No que tange aos danos morais, é necessário salientar que o fato de a verba possuir caráter alimentar já é o suficiente para se presumir que o cancelamento indevido tenha acarretado prejuízos de ordem moral ao segurado e à sua família.
11. Note-se que não se trata de mero cancelamento de benefício ou de um simples equívoco cometido pela Administração. Parece clara a existência de dano moral em uma situação em que o segurado, acometido de grave enfermidade, se vê privado de um benefício assistencial ao qual faz jus e cuja falta causou graves transtornos a ele e à sua família, tendo em vista sua incapacidade laborativa.
12. No tocante ao quantum indenizatório, a condenação em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais não se mostra excessiva, considerando as circunstâncias do caso concreto, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
13. Honorários advocatícios devidos pelo INSS à parte autora em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
14. Precedentes.
15. Apelação provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 02 de maio de 2018.
NELTON DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000820-65.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000820-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS
APELANTE : JOSIAS LOURENCO DA SILVA espolio
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : LUCINEIDE ASSIS
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : RAFAEL SERGIO LIMA DE OLIVEIRA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00008206520074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

RELATÓRIO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação de rito ordinário ajuizada por Josias Lourenço da Silva, representado por Lucineide Assis da Silva, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o recebimento de reparação por danos morais e materiais devido ao cancelamento do benefício de auxílio-doença.


O MM. Juiz a quo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, IV, do CPC/1973, por ausência de capacidade processual da parte autora (f. 225).


A parte autora apelou, sustentando, em síntese, que:


a) deveria ter sido intimada para regularização do polo ativo, sob pena de ofensa ao artigo 13 do CPC, bem como ao princípio da instrumentalidade das formas, sendo que os herdeiros do "de cujus" possuem legitimidade para a propositura da lide, devendo, portanto, a sentença ser anulada;


b) o "de cujus" tinha direito ao recebimento do benefício previdenciário, tanto que, meses após a cessação do auxílio-doença, o segurado veio a óbito em decorrência das doenças constatadas na perícia indireta realizada em juízo;


c) que o cancelamento do benefício trouxe a Josias e sua família sérios danos de ordem moral e material, pois o valor recebido a esse título tinha natureza alimentar e ajudava na manutenção da casa.


Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.


É o relatório.


NELTON DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000820-65.2007.4.03.6107/SP
2007.61.07.000820-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal NELTON DOS SANTOS
APELANTE : JOSIAS LOURENCO DA SILVA espolio
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : LUCINEIDE ASSIS
ADVOGADO : SP068651 REINALDO CAETANO DA SILVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : RAFAEL SERGIO LIMA DE OLIVEIRA e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00008206520074036107 2 Vr ARACATUBA/SP

VOTO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Inicialmente, necessário se faz decidir a questão da legitimidade ativa arguida pelo réu em suas razões recursais.


No caso em apreço, o de cujus veio a óbito em 19.08.2005, tendo a ação sido ajuizada em 16.01.2007 por meio da representação de sua esposa. Cabe anotar que, na espécie, os documentos acostados aos autos comprovam a condição de herdeira de Lucineide Assis da Silva, casada com o de cujus, o qual havia sido beneficiário de auxílio-doença.


Cumpre asseverar que o espólio tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação, sendo representado pelo inventariante, nos termos do disposto pelo artigo 75, VI, do Código de Processo Civil. Não havendo inventariante, o espólio será representado judicialmente pelo administrador provisório. De acordo com o artigo 1.797, I, do Código Civil, a administração provisória dos bens cabe, preferencialmente, ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão. Nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:


"MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DECORRENTE DO PRÓPRIO ATO DE CONCESSÃO. PAGAMENTO RETROATIVO AOS HERDEIROS. LEGITIMIDADE DO ESPÓLIO. ORDEM CONCEDIDA. PRECEDENTES. 1. - A jurisprudência desta Corte admite a legitimidade dos herdeiros para pleitearem direitos transmitidos pelo falecido antes mesmo de inaugurado o inventário. Precedentes. (...)" (STJ, MS 20365/DF, Primeira Seção, Rel. Min. Sérgio Kukina, Dje 14/04/2014).
"PROCESSO CIVIL. MORTE DE UMA DAS PARTES. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. ESPÓLIO. REPRESENTAÇÃO PELO ADMINISTRADOR PROVISÓRIO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE INVENTARIANTE. SUSPENSÃO DO FEITO. DESNECESSIDADE. NULIDADE PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Não há a configuração de negativa de prestação jurisdicional nos embargos de declaração, se o Tribunal de origem enfrenta a matéria posta em debate na medida necessária para o deslinde da controvérsia, ainda que sucintamente. A motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato ao art. 535 do CPC. 2. De acordo com os arts. 985 e 986 do CPC, enquanto não nomeado inventariante e prestado compromisso, a representação ativa e passiva do espólio caberá ao administrador provisório, o qual, comumente, é o cônjuge sobrevivente, visto que detém a posse direta e a administração dos bens hereditários (art. 1.579 do CC/1916, derrogado pelo art. 990, I a IV, do CPC; art. 1.797 do CC/2002). 3. Apesar de a herança ser transmitida ao tempo da morte do de cujus (princípio da saisine), os herdeiros ficarão apenas com a posse indireta dos bens, pois a administração da massa hereditária restará, inicialmente, a cargo do administrador provisório, que representará o espólio judicial e extrajudicialmente, até ser aberto o inventário, com a nomeação do inventariante, a quem incumbirá representar definitivamente o espólio (art. 12, V, do CPC). 4. Não há falar em nulidade processual ou em suspensão do feito por morte de uma das partes se a substituição processual do falecido se fez devidamente pelo respectivo espólio (art. 43 do CPC), o qual foi representado pela viúva meeira na condição de administradora provisória, sendo ela intimada pessoalmente das praças do imóvel. 5. Recurso especial parcialmente provido". (RESP 200501433211, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - TERCEIRA TURMA, DJE DATA:13/05/2010.) (grifei)

Verifica-se, in casu, que consta no polo ativo da demanda "Josias Lourenço da Silva, neste ato representado por sua mulher Lucineide Assis da Silva". Ainda que, tecnicamente, não conste como parte autora o espólio representado pelo herdeiro, seria de um rigor desproporcional extinguir a ação sem julgamento de mérito, por ilegitimidade de parte. Isso porque tal irregularidade é facilmente sanável e teria sido solucionada com a simples intimação da parte autora para regularização da representação.

A extinção do processo por ilegitimidade de parte somente se afigura possível se a emenda determinada pela autoridade judicial não for atendida, o que não ocorreu no caso em tela, em que sequer foi oportunizada a regularização.


Decisão diversa ofenderia frontalmente o disposto pelo artigo 76 do Código de Processo Civil, cuja redação é no sentido de que, uma vez verificada a incapacidade processual ou irregularidade da representação das partes, o juiz deverá assinar prazo razoável para que seja sanado o vício.


A extinção do processo da maneira em que se deu também viola os princípios constitucionais do acesso à justiça, bem como da instrumentalidade das formas, visto que a ação foi ajuizada no ano de 2007, ou seja, há onze anos. Além disso, o feito encontra-se completamente instruído, inclusive com produção de prova pericial e testemunhal, não sendo possível, após todo o trâmite processual, negar a prestação ao jurisdicionado em razão de erro formal, o qual deveria ter sido sanado logo no início da demanda.


A respeito desta questão, colhem-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MORTE DE FAMILIAR. DEMANDA AJUIZADA PELO ESPÓLIO. ILEGITIMIDADE ATIVA. NULIDADE QUE NÃO SE PROCLAMA. INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. APLICAÇÃO. PROSSEGUIMENTO DO FEITO APÓS A EMENDA DA INICIAL. 1. A jurisprudência tem, de regra, conferido soluções diversas a ações i) ajuizadas pelo falecido, ainda em vida, tendo o espólio assumido o processo posteriormente; ii) ajuizadas pelo espólio pleiteando danos experimentados em vida pelo de cujus; e iii) ajuizadas pelo espólio, mas pleiteando direito próprio dos herdeiros (como no caso). 2. Nas hipóteses de ações ajuizadas pelo falecido, ainda em vida, tendo o espólio assumido o processo posteriormente (i), e nas ajuizadas pelo espólio pleiteando danos experimentados em vida pelo de cujus (ii), a jurisprudência tem reconhecido a legitimidade do espólio. 3. Diversa é a hipótese em que o espólio pleiteia bem jurídico pertencente aos herdeiros (iii) por direito próprio e não por herança, como é o caso de indenizações por danos morais experimentados pela família em razão da morte de familiar. Nessa circunstância, deveras, não há coincidência entre o postulante e o titular do direito pleiteado, sendo, a rigor, hipótese de ilegitimidade ad causam. 4. Porém, muito embora se reconheça que o espólio não tem legitimidade para pleitear a indenização pelos danos alegados, não se afigura razoável nem condicente com a principiologia moderna que deve guiar a atividade jurisdicional a extinção pura e simples do processo pela ilegitimidade ativa. A consequência prática de uma extinção dessa natureza é a de que o vício de ilegitimidade ativa seria sanado pelo advogado simplesmente ajuizando novamente a mesma demanda, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, alterando apenas o nome do autor e reimprimindo a primeira página de sua petição inicial. 5. Em casos com esses contornos, a jurisprudência da Casa não tem proclamado a ilegitimidade do espólio, preferindo salvar os atos processuais praticados em ordem a observar o princípio da instrumentalidade. 6. No caso em exame, como ainda não houve julgamento de mérito, é suficiente que a emenda à inicial seja oportunizada pelo Juízo de primeiro grau, como seria mesmo de rigor. Nos termos dos arts. 284, caput e parágrafo único, e 295, inciso VI, do CPC, o juiz não poderia extinguir o processo de imediato e sem a oitiva do autor com base em irregularidades sanáveis, somente cabendo tal providência quando não atendida a determinação de emenda da inicial.
7. Recurso especial provido para que o feito prossiga seu curso normal na origem, abrindo-se prazo para que o autor emende a inicial e corrija a impropriedade de figurar o espólio no polo ativo, nos termos do art. 284, caput e parágrafo único, e 295, inciso VI, do CPC". (STJ, RESP 1143968/MG, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dje 01/07/2013). (grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR DA HERANÇA APÓS O SEU FALECIMENTO. LEGITIMIDADE ATIVA DO ESPÓLIO CONFIGURADA. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA, CELERIDADE E INSTRUMENTALIDADE. 1.- A Corte Especial deste Tribunal firmou o entendimento de que, "embora a violação moral atinja apenas o plexo de direitos subjetivos da vítima, o direito à respectiva indenização transmite-se com o falecimento do titular do direito, possuindo o espólio e os herdeiros legitimidade ativa ad causam para ajuizar ação indenizatória por danos morais, em virtude da ofensa moral suportada pelo de cujus". (AgRg nos EREsp 978.651/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 10.2.11). 2.- Sustenta o agravante que, no caso, o espólio não detém legitimidade para a propositura da ação de indenização por danos morais, tendo em vista que a inclusão indevida do nome do titular do direito nos cadastros de restrição ao crédito ocorreu após o seu falecimento, razão pela qual não há que se falar em transmissibilidade do direito à reparação patrimonial devida. 3.- Todavia, não lhe assiste razão, pois, ainda que o dano moral pleiteado pela família do falecido constitua direito pessoal dos herdeiros, não transmitido por herança, o que afastaria a legitimidade do espólio para pleiteá-lo, eventual extinção do processo, nesse caso, representaria ofensa aos princípios da economia, celeridade e instrumentalidade, na medida em que a simples alteração dos nomes dos autores supriria tal vício. Precedentes. 4.- Agravo Regimental improvido". (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1126313 / PR, Terceira Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, Dje 17/09/2012) (grifei)

Assim, afasto a preliminar em questão e verifico ser aplicável ao caso o artigo 1.013, § 3º, I, do CPC, já que aperfeiçoada a relação processual.


Passo, então, à análise do mérito.


O Poder Público possui responsabilidade objetiva fundamentada pela teoria do risco administrativo, com o consequente enquadramento dos atos lesivos praticados por seus agentes no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, contudo, para que seja possível a responsabilização objetiva, deve-se comprovar a conduta lesiva, o resultado danoso e o nexo de causalidade, os quais estão presentes na hipótese dos autos.


O benefício de auxílio-doença foi concedido ao de cujus, em 25.04.2001, por ser portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). No entanto, em 17.03.2005, ao constatar que o segurado não mais apresentava incapacidade laborativa, a autarquia ré cessou o pagamento da benesse, vindo o esposo da autora a falecer cinco meses depois.


A parte autora, deste modo, pleiteia o pagamento de danos materiais e morais, alegando que o de cujus teria falecido em razão do cancelamento indevido do auxílio-doença, pois ainda se encontrava doente e debilitado à época em que ocorreu a alta programada.


O INSS, por outro lado, defende que o cancelamento do benefício ocorreu em obediência às normas procedimentais vigentes, tendo em vista que o contágio pelo vírus da AIDS nem sempre acarreta incapacidade laborativa.


Nos termos da legislação de regência, o auxílio-doença é devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias (art. 59, caput, Lei nº 8.213/91), inexistindo, portanto, um período mínimo ou máximo para o beneficiário recebê-lo.


Ocorre que, muito embora este Relator tenha o entendimento de que não se pode imputar ao INSS o dever de indenizar o segurado pelo simples fato de ter agido no exercício do poder-dever que lhe é inerente, consistente na verificação do preenchimento dos requisitos legais necessários à concessão dos benefícios previdenciários, no caso específico dos autos, se tratando de doença grave, incurável e progressivamente degenerativa, como é a AIDS, o cancelamento do auxílio-doença, não há dúvidas, se deu forma indevida.


O laudo resultante da perícia indireta realizada nos autos concluiu que o segurado era portador do vírus HIV, com manifestação da enfermidade desde abril de 2001, data em que passou a usufruir do benefício de auxílio-doença. O perito afirmou, ainda, que o benefício foi cancelado por decisão burocrática do INSS, no ano de 2005, quando o de cujus se encontrava inválido e totalmente incapacitado para o trabalho (f. 167-182).


Conforme se depreende do laudo, ao segurado foi concedida a chamada "alta programada", em que não é realizada nova perícia antes da alta do paciente. Tal procedimento ensejou um cancelamento indevido do benefício, uma vez que o segurado encontrava-se incapacitado para o trabalho, tanto que veio a falecer cerca de cinco meses depois.


Ora, se a moléstia em questão é incapacitante e se o benefício foi cessado indevidamente, é cabal a configuração do dano material, sendo imprescindível o ressarcimento de tais valores pelo Estado.


O montante da indenização deve corresponder aos valores que deveriam ter sido pagos entre janeiro e agosto de 2005 a título de auxílio-doença, acrescidos de juros de mora a partir da citação e correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice, conforme recente decisão proferida no REsp n. 1.492.221 pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.


No que tange ao dano moral, sustentou a parte autora que este se configurou em razão de o INSS haver constrangido, psicológica e socialmente, o segurado a retornar ao trabalho, mesmo inapto, expondo-o ao preconceito social, bem como pelo fato de a autarquia ré ter cancelado, indevidamente, a única renda da família.


É necessário anotar que o fato de a verba possuir caráter alimentar já é o suficiente para se presumir que o cancelamento indevido tenha acarretado prejuízos de ordem moral ao segurado e à sua família. Isso porque o não pagamento da verba privou a família de sua única fonte de renda, já que o de cujus não se encontrava em condições de trabalhar e, consequentemente, prover o sustento de sua esposa e seus filhos.

Note-se que não se trata de mero cancelamento de benefício ou de um simples equívoco cometido pela Administração. Parece clara a existência de dano moral em uma situação em que o segurado, acometido de grave enfermidade, se vê privado de um benefício assistencial ao qual faz jus e cuja falta causou graves transtornos a ele e à sua família, tendo em vista sua incapacidade laborativa.


Tais informações são ratificadas pela prova testemunhal. Os depoimentos da testemunha e do informante do juízo demonstram que, após a cessação do benefício, o de cujus necessitava do auxílio de terceiros para a subsistência familiar.


Ora, é cabal a configuração da ocorrência de dano moral em razão da cessação indevida do benefício.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue a linha do mesmo entendimento:


"PREVIDENCIÁRIO. INDEVIDO INDEFERIMENTO DE PRORROGAÇÃO DO AUXÍLIO-DOENÇA. ACÓRDÃO DE ORIGEM QUE, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS, CONCLUIU PELA EXISTÊNCIA DE DANO MORAL. REVISÃO DA CONCLUSÃO ADOTADA NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. I. Hipótese em que a Corte de origem analisou o conteúdo fático-probatório dos autos e concluiu que o indeferimento do pedido de prorrogação do auxílio-doença, em setembro de 2007, foi indevido, considerando-se que o laudo pericial demonstrou claramente "a progressão da doença (neoplasia maligna do encéfalo sem cura disponível) e a necessidade de o segurado realizar uma segunda cirurgia em janeiro de 2008, em razão do seu agravamento". Diante desse quadro e, considerando que o segurado necessitou da ajuda de terceiros para sua subsistência e de sua família, que passou por dificuldades financeiras, com risco de despejo, ante a negativa do pagamento do benefício, durante a grave enfermidade de que padecia o segurado, o pedido de condenação do INSS ao pagamento de indenização por danos morais foi julgado procedente. II. Concluiu o Tribunal a quo que, "a somar-se à prova documental, as testemunhas ouvidas em Juízo confirmaram que o segurado Alécio demandava cuidados especiais enquanto estava enfermo, bem como que seus familiares necessitaram do auxílio de terceiros para arcar com seu sustento no transcorrer do infortúnio, inclusive com o risco de serem despejados. Ou seja, observa-se que, além de conviverem com a dor de uma enfermidade incurável, tiveram que passar por privações financeiras durante lapso temporal de 6 meses. Logo, revela-se reprovável a conduta do INSS de cancelar o benefício de auxílio-doença anteriormente concedido, deixando o segurado e sua família sem qualquer renda durante um período extremamente delicado, em que o primeiro lutava contra enfermidade de inquestionável gravidade. (...) a parte autora comprovou dor, angústia e sofrimento relevantes com a cessação do benefício previdenciário em momento delicado, no qual o segurado, portador de câncer agressivo que estava progredindo, tanto que necessitava realizar uma segunda cirurgia, e impossibilitado de laborar, teve o auxílio-doença cancelado. Via de conseqüência, a renda da família, que é humilde, foi suprimida pelo lapso temporal de aproximadamente seis meses, necessitando do auxílio de terceiros para sobreviver, como comprovado pela prova oral". III. Assim sendo, conclusão em sentido contrário - no sentido de que a parte autora não teria comprovado dor, angústia e sofrimento relevantes, surgidos do cancelamento do benefício - demandaria incursão na seara fático-probatória dos autos, inviável, na via eleita, a teor do enunciado 7 da Súmula do STJ. IV. Agravo Regimental improvido." (STJ, AgRg no AREsp 519033/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Assusete Magalhães, Dje 23/10/2014) (grifei)

No tocante ao quantum indenizatório, a condenação em R$ 10.000,00 (dez mil reais) não se mostra excessiva, considerando as circunstâncias do caso concreto, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.


Fixo os honorários advocatícios devidos pelo INSS à parte autora em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.


Pelo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para condenar o INSS ao pagamento de danos materiais e morais à parte autora, nos termos da fundamentação supra.


É como voto.





NELTON DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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