D.E. Publicado em 10/05/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de ação de rito ordinário ajuizada por Josias Lourenço da Silva, representado por Lucineide Assis da Silva, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o recebimento de reparação por danos morais e materiais devido ao cancelamento do benefício de auxílio-doença.
O MM. Juiz a quo julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 267, IV, do CPC/1973, por ausência de capacidade processual da parte autora (f. 225).
A parte autora apelou, sustentando, em síntese, que:
a) deveria ter sido intimada para regularização do polo ativo, sob pena de ofensa ao artigo 13 do CPC, bem como ao princípio da instrumentalidade das formas, sendo que os herdeiros do "de cujus" possuem legitimidade para a propositura da lide, devendo, portanto, a sentença ser anulada;
b) o "de cujus" tinha direito ao recebimento do benefício previdenciário, tanto que, meses após a cessação do auxílio-doença, o segurado veio a óbito em decorrência das doenças constatadas na perícia indireta realizada em juízo;
c) que o cancelamento do benefício trouxe a Josias e sua família sérios danos de ordem moral e material, pois o valor recebido a esse título tinha natureza alimentar e ajudava na manutenção da casa.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
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VOTO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Inicialmente, necessário se faz decidir a questão da legitimidade ativa arguida pelo réu em suas razões recursais.
No caso em apreço, o de cujus veio a óbito em 19.08.2005, tendo a ação sido ajuizada em 16.01.2007 por meio da representação de sua esposa. Cabe anotar que, na espécie, os documentos acostados aos autos comprovam a condição de herdeira de Lucineide Assis da Silva, casada com o de cujus, o qual havia sido beneficiário de auxílio-doença.
Cumpre asseverar que o espólio tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação, sendo representado pelo inventariante, nos termos do disposto pelo artigo 75, VI, do Código de Processo Civil. Não havendo inventariante, o espólio será representado judicialmente pelo administrador provisório. De acordo com o artigo 1.797, I, do Código Civil, a administração provisória dos bens cabe, preferencialmente, ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão. Nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Verifica-se, in casu, que consta no polo ativo da demanda "Josias Lourenço da Silva, neste ato representado por sua mulher Lucineide Assis da Silva". Ainda que, tecnicamente, não conste como parte autora o espólio representado pelo herdeiro, seria de um rigor desproporcional extinguir a ação sem julgamento de mérito, por ilegitimidade de parte. Isso porque tal irregularidade é facilmente sanável e teria sido solucionada com a simples intimação da parte autora para regularização da representação.
A extinção do processo por ilegitimidade de parte somente se afigura possível se a emenda determinada pela autoridade judicial não for atendida, o que não ocorreu no caso em tela, em que sequer foi oportunizada a regularização.
Decisão diversa ofenderia frontalmente o disposto pelo artigo 76 do Código de Processo Civil, cuja redação é no sentido de que, uma vez verificada a incapacidade processual ou irregularidade da representação das partes, o juiz deverá assinar prazo razoável para que seja sanado o vício.
A extinção do processo da maneira em que se deu também viola os princípios constitucionais do acesso à justiça, bem como da instrumentalidade das formas, visto que a ação foi ajuizada no ano de 2007, ou seja, há onze anos. Além disso, o feito encontra-se completamente instruído, inclusive com produção de prova pericial e testemunhal, não sendo possível, após todo o trâmite processual, negar a prestação ao jurisdicionado em razão de erro formal, o qual deveria ter sido sanado logo no início da demanda.
A respeito desta questão, colhem-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, afasto a preliminar em questão e verifico ser aplicável ao caso o artigo 1.013, § 3º, I, do CPC, já que aperfeiçoada a relação processual.
Passo, então, à análise do mérito.
O Poder Público possui responsabilidade objetiva fundamentada pela teoria do risco administrativo, com o consequente enquadramento dos atos lesivos praticados por seus agentes no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, contudo, para que seja possível a responsabilização objetiva, deve-se comprovar a conduta lesiva, o resultado danoso e o nexo de causalidade, os quais estão presentes na hipótese dos autos.
O benefício de auxílio-doença foi concedido ao de cujus, em 25.04.2001, por ser portador de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). No entanto, em 17.03.2005, ao constatar que o segurado não mais apresentava incapacidade laborativa, a autarquia ré cessou o pagamento da benesse, vindo o esposo da autora a falecer cinco meses depois.
A parte autora, deste modo, pleiteia o pagamento de danos materiais e morais, alegando que o de cujus teria falecido em razão do cancelamento indevido do auxílio-doença, pois ainda se encontrava doente e debilitado à época em que ocorreu a alta programada.
O INSS, por outro lado, defende que o cancelamento do benefício ocorreu em obediência às normas procedimentais vigentes, tendo em vista que o contágio pelo vírus da AIDS nem sempre acarreta incapacidade laborativa.
Nos termos da legislação de regência, o auxílio-doença é devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias (art. 59, caput, Lei nº 8.213/91), inexistindo, portanto, um período mínimo ou máximo para o beneficiário recebê-lo.
Ocorre que, muito embora este Relator tenha o entendimento de que não se pode imputar ao INSS o dever de indenizar o segurado pelo simples fato de ter agido no exercício do poder-dever que lhe é inerente, consistente na verificação do preenchimento dos requisitos legais necessários à concessão dos benefícios previdenciários, no caso específico dos autos, se tratando de doença grave, incurável e progressivamente degenerativa, como é a AIDS, o cancelamento do auxílio-doença, não há dúvidas, se deu forma indevida.
O laudo resultante da perícia indireta realizada nos autos concluiu que o segurado era portador do vírus HIV, com manifestação da enfermidade desde abril de 2001, data em que passou a usufruir do benefício de auxílio-doença. O perito afirmou, ainda, que o benefício foi cancelado por decisão burocrática do INSS, no ano de 2005, quando o de cujus se encontrava inválido e totalmente incapacitado para o trabalho (f. 167-182).
Conforme se depreende do laudo, ao segurado foi concedida a chamada "alta programada", em que não é realizada nova perícia antes da alta do paciente. Tal procedimento ensejou um cancelamento indevido do benefício, uma vez que o segurado encontrava-se incapacitado para o trabalho, tanto que veio a falecer cerca de cinco meses depois.
Ora, se a moléstia em questão é incapacitante e se o benefício foi cessado indevidamente, é cabal a configuração do dano material, sendo imprescindível o ressarcimento de tais valores pelo Estado.
O montante da indenização deve corresponder aos valores que deveriam ter sido pagos entre janeiro e agosto de 2005 a título de auxílio-doença, acrescidos de juros de mora a partir da citação e correspondentes à taxa Selic, vedada a cumulação com qualquer outro índice, conforme recente decisão proferida no REsp n. 1.492.221 pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.
No que tange ao dano moral, sustentou a parte autora que este se configurou em razão de o INSS haver constrangido, psicológica e socialmente, o segurado a retornar ao trabalho, mesmo inapto, expondo-o ao preconceito social, bem como pelo fato de a autarquia ré ter cancelado, indevidamente, a única renda da família.
É necessário anotar que o fato de a verba possuir caráter alimentar já é o suficiente para se presumir que o cancelamento indevido tenha acarretado prejuízos de ordem moral ao segurado e à sua família. Isso porque o não pagamento da verba privou a família de sua única fonte de renda, já que o de cujus não se encontrava em condições de trabalhar e, consequentemente, prover o sustento de sua esposa e seus filhos.
Note-se que não se trata de mero cancelamento de benefício ou de um simples equívoco cometido pela Administração. Parece clara a existência de dano moral em uma situação em que o segurado, acometido de grave enfermidade, se vê privado de um benefício assistencial ao qual faz jus e cuja falta causou graves transtornos a ele e à sua família, tendo em vista sua incapacidade laborativa.
Tais informações são ratificadas pela prova testemunhal. Os depoimentos da testemunha e do informante do juízo demonstram que, após a cessação do benefício, o de cujus necessitava do auxílio de terceiros para a subsistência familiar.
Ora, é cabal a configuração da ocorrência de dano moral em razão da cessação indevida do benefício.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça segue a linha do mesmo entendimento:
No tocante ao quantum indenizatório, a condenação em R$ 10.000,00 (dez mil reais) não se mostra excessiva, considerando as circunstâncias do caso concreto, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Fixo os honorários advocatícios devidos pelo INSS à parte autora em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Pelo exposto, DOU PROVIMENTO à apelação para condenar o INSS ao pagamento de danos materiais e morais à parte autora, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
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Data e Hora: | 08/05/2018 09:33:10 |