D.E. Publicado em 18/06/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 12/06/2018 18:09:42 |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação de regresso ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS contra VESUVIOS REFRATARIOS LTDA, objetivando a condenação da ré ao ressarcimento dos valores que despendeu a título de benefício previdenciário em favor do Sr. André Carlos Ambrósio, empregado da ré que sofreu acidente de trabalho, bem como a condenação da ré à constituição de capital a fim de garantir o ressarcimento das despesas que ainda terá de despender a este título.
À fl. 91, foi decretada a revelia da ré e aplicados os seus efeitos.
A sentença julgou procedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC, para condenar a ré a:
Em suas razões de apelação, esclarece a parte ré que a vítima foi mantida nos seus quadros de empregados da empresa e, após esforços juntamente com o INSS, foi readaptada, retornando às atividades profissionais em abril de 2011. Defende a impossibilidade de pagamento do benefício previdenciário denominado "auxílio-doença" à vítima, assim como de imposição de quaisquer ônus à apelante, em razão da reabilitação da vítima e retomada de sua capacidade laboral. Sustenta que o segurado não faz jus ao recebimento do auxílio-acidente que atualmente o INSS lhe paga, pois este benefício somente é pago enquanto não recuperada a capacidade laboral. Invoca os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Aduz que a coexistência de benefícios pecuniários em razão de um mesmo fato gerador, a saber: as indenizações arbitradas pela Justiça do Trabalho (pensão vitalícia, danos materiais, morais e estéticos) e o auxílio-acidente pago pelo INSS, ensejam enriquecimento sem causa do acidentado.
Requer o seguinte:
Com as contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A) AÇÕES DECORRENTES DO ACIDENTE DE TRABALHO E SUA COMPETÊNCIA:
A Constituição Federal excetuou, expressamente, algumas situações de competência quando o Instituto Nacional do Seguro Social for parte, atribuindo-a, seja para a Justiça Comum, seja para a Justiça do Trabalho.
Assim, definiu a competência da Justiça Comum Estadual para julgamento de ações indenizatórias propostas pelo segurado contra o INSS, a fim de se obter o benefício e serviços previdenciários relativos ao acidente de trabalho.
Isto pois a Constituição Federal exclui, expressamente, as causas de acidente de trabalho da competência da Justiça Federal e a competência da Justiça Estadual é residual. Confira:
O C. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão com a edição da Súmula nº 501, com o seguinte teor:
A Emenda Constitucional nº 45/2004, por sua vez, alterou o artigo 114, inciso VI, para definir como competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra empregador.
Esse entendimento restou consolidado com a adição da Súmula Vinculante nº 22, com o seguinte teor:
E, por fim, as ações regressivas interpostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de empregadores, a fim de ver ressarcidas as despesas suportadas com o pagamento de benefícios previdenciários, causadas por atos ilícitos dos empregadores, devem ser julgadas pela Justiça Federal, porquanto o debate não diz respeito à relação de trabalho, mas à responsabilização civil do empregador, a ensejar a aplicação da regra geral contida no art. 109, I, da Constituição Federal.
Confira os seguintes precedentes:
Assim, como se vê, são três as ações possíveis:
(i) ações indenizatórias propostas pelo empregado-segurado contra o INSS, a fim de se obter o benefício e serviços previdenciários relativos ao acidente de trabalho, de competência da Justiça Comum Estadual;
(ii) ações indenizatórias por danos materiais, morais e estéticos, decorrentes de acidente de trabalho, ajuizadas pelo empregado contra o empregador, de competência da Justiça do Trabalho;
(iii) ações regressivas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra o empregador, a fim de ver ressarcidas as despesas suportadas com o pagamento de benefícios previdenciários, causadas por negligência do empregador quanto às normas de segurança, de competência da Justiça Comum Federal.
Na primeira, verifica-se se o segurado faz jus ou não ao benefício previdenciário pleiteado. Na segunda, verifica-se a existência ou não de responsabilidade do empregador pelos danos sofridos, nos termos da legislação trabalhista. Na terceira, verifica-se a existência ou não de responsabilidade civil do empregador pelo ressarcimento dos benefícios pagos pelo INSS, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
São, pois, ações distintas e autônomas, submetidas à competência de Justiças diversas.
Necessário realizar estes breves esclarecimentos, diante do teor das razões de apelação, a fim de fundamentar a seguinte conclusão: não cabe à Justiça Federal apreciar se o benefício concedido e pago pelo INSS é devido o não. Somente a Justiça Estadual possui competência para tanto.
À Justiça Federal cabe tão-somente apreciar se estão presentes os requisitos da responsabilidade civil do empregador pelo ressarcimento dos benefícios pagos pelo INSS, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91.
Passo à apreciação da questão.
B) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI Nº 8.213/1991 E CONTRIBUIÇÃO AO SAT/RAT:
Os artigos 120 e 121 da Lei nº 8.213/91 asseguram ao INSS o direito de regresso contra o empregador nos casos de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho. Verbis:
E, com a Emenda Constitucional nº 20/98, restou expressamente estabelecido que tanto a Previdência Social quanto o setor privado são responsáveis pela cobertura do risco de acidente do trabalho.
Essa responsabilidade funda-se na premissa de que os danos gerados culposamente pelo empregador ao INSS, decorrente de acidente do trabalho, não podem e não devem ser suportados por toda a sociedade em razão de atitude ilícita da empresa que não cumpre normas do ambiente de trabalho, além de possuir o escopo de evitar que o empregador continue a descumprir as normas relativas à segurança do trabalho.
Ademais, o fato de o empregador contribuir para o custeio do regime geral de previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), atualmente denominada Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), não exclui a responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho.
Isso porque a cobertura do SAT/RAT abrange somente os casos em que o acidente de trabalho decorre de culpa exclusiva da vítima, de caso fortuito ou de força maior.
Não abrange, portanto, os casos em que o acidente de trabalho decorre de negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho.
Por fim, consigno que a constitucionalidade do referido dispositivo vem sendo reiteradamente reconhecida pelos Tribunais.
Colaciono os seguintes precedentes:
Portanto, não há inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91, tampouco bis in idem em relação ao SAT/RAT.
C) RESPONSABILIDADE CIVIL:
A responsabilidade do empregador, em relação ao ressarcimento dos valores despendidos pelo INSS com benefícios previdenciários concedidos em razão de acidentes de trabalho, é subjetiva (exige culpa ou dolo).
São pressupostos da responsabilidade civil subjetiva: a) ação ou omissão do agente; b) do dano experimentado pela vítima; c) do nexo causal entre a ação e omissão e o dano; d) da culpa do agente, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil, verbis:
a) Ação ou omissão e b) Culpa:
Consoante art. 19, §1º, da Lei nº 8.213/91, o empregador é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador. Confira:
E mais que isso, conforme art. 157, da Consolidação das Leis do Trabalho, é dever do empregador fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho. Confira:
Assim, é o empregador a responsável não apenas pela adoção de medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, mas também pela fiscalização do seu cumprimento.
No âmbito das ações de regresso, considerando que se trata de responsabilidade subjetiva e que o art. 120 da Lei nº 8.213/91 exige "negligência do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene no ambiente de trabalho", entende-se que a conduta do empregador apta a ensejar a responsabilidade pelo ressarcimento ao INSS é a negligência do empregador consistente na desobediência, dolosa ou culposa, das normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho.
Por exemplo, pode-se citar o não oferecimento de equipamento de segurança aos empregados, a não adoção de procedimentos de segurança, o não oferecimento de treinamento aos empregados, dentre outras.
c) Dano:
É o resultado naturalístico sofrido pelo empregado em razão do acidente de trabalho, que constitui também o motivo da concessão do benefício previdenciário pelo INSS.
d) Nexo de causalidade:
É o liame causal entre a negligência do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho e o dano sofrido pelo empregado.
Vale dizer: a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho deve ser a causa do acidente de trabalho e, portanto, do dano.
Assim, se a conduta negligente do empregador em relação às normas regulamentares referentes à segurança e higiene no ambiente de trabalho for a única causa do acidente de trabalho, há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento da totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário.
Por sua vez, se tanto a conduta negligente do empregador quanto a do empregado forem causas do acidente de trabalho (concurso de causas), há responsabilidade do empregador pelo ressarcimento somente da metade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário.
E, por fim, se se tratar de culpa exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior, não há responsabilidade.
Confira os seguintes precedentes:
D) PROVAS DOS AUTOS:
De início, ressalto que, nos termos do art. 333 do CPC, incumbe ao INSS comprovar a existência de culpa do empregador (fato constitutivo do direito do autor) e, por outro lado, cabe ao empregador demonstrar a existência de culpa concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior (fatos impeditivos do direito do autor).
Pois bem.
Depreende-se dos autos que o INSS instruiu a inicial com cópias da ação indenizatória que tramitou perante o E. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (fls. 29/54) e cópias do procedimento administrativo referente à concessão do benefício (fls. 56/71).
Dos depoimentos prestados na esfera trabalhista verifica-se que houve culpa do empregador, pois foi determinado ao empregado acidentado que operasse máquina para a qual não havia recebido treinamento.
Neste sentido, destaco seguintes trechos dos depoimentos do empregado acidentado e de sua testemunha: "(...) o operador da máquina tirou férias e o encarregado mandou o depoente operá-la mesmo sem ter treinamento" (fl. 47) e "(...) que o reclamante foi designado pelo encarregado para trabalhar no misturador no dia do acidente; que o reclamante foi designado para fazer tudo na máquina, e não apenas auxiliar" (fl. 48).
Aliás, destaco também o seguinte trecho do depoimento do próprio preposto do empregador: "(...) que foi instalada uma nova máquina no setor e foi nela que o reclamante se acidentou; que o reclamante não era o operador dessa máquina, pois o operador era o Vagner; que o reclamante se acidentou na máquina no 2º dia de operação dela (...) que o reclamante não recebeu treinamento para trabalhar na máquina porque não foi designado para operá-la" (fl. 47).
Como se vê, o preposto da empresa-ré reconheceu que o empregado acidentado não era o operador da máquina que operava quando sofreu o acidente, assim como que já era o 2º dia em que ele operava aquela máquina.
Desse modo, ainda que se cogitasse que não há prova de que a empresa tenha determinado, por meio do encarregado, ao empregado acidentado que operasse máquina para a qual não tinha treinamento, é inescapável a conclusão de que houve ao menos negligência da empresa-ré quanto à fiscalização do cumprimento das normas e procedimentos de segurança.
Isso porque, neste caso, a empresa-ré teria permitido ou não teria percebido que o empregado acidentado estava operando, por dois dias consecutivos, máquina para a qual não tinha treinamento.
Por sua vez, a empresa-ré deixou de contestar a inicial e o MM. Juiz a quo, em 18/07/2011, decretou a sua revelia e determinou a aplicação dos seus efeitos (fl. 91).
E, em 12/08/2011, a parte ré requereu vista dos autos fora de cartório, o que restou indeferido pelo MM. Juiz a quo, tendo em vista que os autos já estavam conclusos para sentença (fls. 95/96). Não houve interposição de recurso contra esta decisão e, em 24/08/2012, foi prolatada a sentença recorrida.
Portanto, no caso dos autos, o INSS logrou demonstrar a deficiência e precariedade da segurança do trabalhador, restando caracterizada a culpa do empregador e, por outro lado, o empregador sequer tentou demonstrar a existência de culpa concorrente ou exclusiva do empregado, de caso fortuito ou de força maior.
Assim, a empresa-ré deve ressarcir ao INSS a totalidade dos valores pagos pelo INSS a título de benefício previdenciário, bem como os que vierem a ser pagos enquanto perdurar aquela obrigação (isto é, enquanto perdurar o pagamento do benefício previdenciário).
E) PAGAMENTOS FUTUROS E CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL:
Considerando que se trata de ação de regresso de benefício previdenciário cujo pagamento perdurará após o trânsito em julgado deste processo, é possível a condenação da empresa-ré ao ressarcimento dos valores que vierem a ser pagos pelo INSS (parcelas vincendas).
Isso porque, embora o benefício previdenciário denominado auxílio-doença (NB nº 52.998.964-30) tenha sido pago por tempo determinado (de 23/04/2008 a 11/04/2011 - fls. 158), este veio a ser convertido em auxílio-acidente (NB nº 54.592.221-05), em 12/04/2011 (fl. 160), e o pagamento deste pode perdurar após o trânsito em julgado.
Todavia, não é possível a constituição de capital, prevista no art. 475-Q do CPC, pois tal procedimento refere-se especificamente às hipóteses em que indenização incluir prestação de alimentos. Confira:
E, embora os benefícios pagos pelo INSS ao empregado acidentado ou aos seus familiares possuam natureza alimentar, a verba que o empregador deve ressarcir, em regresso, ao INSS não possui natureza alimentar.
Confira os seguintes precedentes:
F) ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA:
Por fim, apenas para que não se alegue omissão, consigno que a parte apelante também sustenta que a concessão de auxílio-acidente enseja enriquecimento sem causa do empregado acidentado, pois ele está recebendo pensão vitalícia da empresa em razão da condenação na ação trabalhista.
Pois bem. A tese não merece prosperar.
Primeiro porque, como já dito, a Justiça Federal não tem competência para aferir se o pagamento do auxílio-acidente é devido ou não, pois a Constituição Federal exclui, expressamente, as causas de acidente de trabalho da sua competência.
Desse modo, ainda que houvesse alguma ilegalidade na concessão do benefício, este Tribunal não poderia, como requer a apelante no primeiro pedido formulado nas suas razões recursais, reconhecer que o segurado não faz jus ao benefício auxílio-acidente.
Segundo porque não há cumulação indevida entre a pensão paga pela empesa ao empregado acidentado e o ressarcimento pago pela empresa ao INSS, pois se tratam de indenizações distintas, pagas a pessoas distintas.
Confira o seguinte precedente:
Por todas as razões expostas, a sentença deve ser integralmente mantida.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação da parte ré, nos termos do voto.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067 |
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Data e Hora: | 16/04/2018 14:27:36 |