D.E. Publicado em 03/08/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do réu e negar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Maria Lúcia Savino Bohac ajuizou a presente ação previdenciária em face do INSS e da corré Cecília Kimiko Nakagawa, objetivando o restabelecimento do pagamento de seu benefício de pensão por morte no valor integral, tendo em vista o rateio no importe de 50% determinado pelo INSS em prol da corré, deferido em 25.04.2007.
Proferida sentença acolhendo parcialmente o pedido da autora, tão-somente para condenar a Autarquia a suspender os descontos no benefício da parte autora, referentes aos valores atrasados que a corré Cecília recebeu em decorrência do desdobro da pensão por morte, bem como a restituir os valores já abatidos da referida benesse (NB 139.954.366-0), foram interpostas apelações pela autarquia previdenciária e pela parte demandante.
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Baptista Pereira, em seu brilhante voto de fls. 643/651, houve por bem dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do réu, apenas para obstar a restituição à parte autora dos valores já descontados de sua pensão por morte, bem como negar provimento à apelação da demandante, ao argumento de que Ficou demonstrado que, simultaneamente ao casamento formal com a autora, e sem que ocorresse a separação de fato, o de cujus manteve com a corré uma relação de união estável, em que configurada a convivência pública, contínua e duradoura, por meio da qual constituiu uma nova família, esclarecendo que o fato de a corré ter ajuizado ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato em face do espólio e herdeiros do segurado instituidor, demanda julgada improcedente, não tem o condão de obstar o seu pleito na presente ação previdenciária. Ponderou, ainda, que Tampouco há que se alegar prolação de decisão contra legem, sob o argumento de incompatibilidade entre o reconhecimento da união estável, decorrente de concubinato impuro de longa duração, e a coexistência de vínculo conjugal sem a separação de fato.
Pedi vista dos autos apenas para melhor reflexão quanto aos aspectos fáticos e jurídicos que envolvem a presente causa.
A questão a ser dirimida nos presentes autos diz respeito à qualidade de dependente da corré Cecília, que embora reconhecida administrativamente, é contestada pela demandante, que entende deve ser declarada a única titular da pensão decorrente da morte do Sr. Carlos Bohac, falecido em 09.07.2006 (fls. 18).
Nesse contexto, embora a corré Cecília tenha apresentado comprovantes de existência de conta bancária conjunta com o de cujus (fls. 109/110), contrato de locação de imóvel, no qual ela e o finado figuram como locatários (111/116) e comprovantes de domicílio em comum (fls. 35, 117 e 120), e que a prova oral produzida autos da Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável movida pela corré tenha sido no sentido de que esta e o extinto viviam como marido e mulher (fls. 390/407), não há como deixar de considerar que a sentença proferida na referida demanda declaratória, proferida pelo Juízo da 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de São Paulo (fl. 508/510) e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fl. 522/531), julgou improcedente o pedido, deixando de reconhecer a existência de união estável entre a requerida Cecília e o finado Carlos Bohac.
Em princípio, meu entendimento seria no sentido de que a referida sentença, ao definir o estado das partes envolvidas, produziria efeitos erga omnes, de modo que este Tribunal não deteria competência para elidir os efeitos daquele julgado.
Em outras palavras, em tese, seria incabível a rediscussão do que foi decidido pelo Juízo de Direito, competente para a declaração, em caráter definitivo, da situação jurídica mantida pelo de cujus, sob pena de incorrer em grave afronta à segurança jurídica.
Observe-se, por oportuno, a lição de Humberto Theodoro Júnior sobre o tema (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, edição eletrônica, item 520):
No mesmo sentido, o seguinte precedente do TRF da 1ª Região:
Ocorre que, no presente caso, em particular, a própria sentença proferida pela Vara de Família reconheceu que A autora (ora corré) faz prova, tanto documental quanto oral, de um relacionamento duradouro, por décadas. O casal se expunha socialmente, alugava imóveis, assistia-se mutuamente, inclusive nas doenças e na morte. Enfim, tratava-se como tal, a ponto de poder ser reconhecida como casada de fato (...) (fl. 509). Da mesma forma o voto condutor do acórdão emanado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual consignou ter ficado devidamente comprovado que o falecido mantinha duas relações paralelas, permanecendo com a vida conjugal mas ao mesmo tempo iniciando relação afetiva com a autora- apelante (atual corré). (...) A prova documental, sobretudo fotográfica, indicando inúmeras situações de convivência, inclusive social, bem como a abertura de conta bancária conjunta, além da locação comum de imóvel (...), acrescida das referências testemunhais, é de se ter por suficiente; mas, quando não fosse por isso, bastaria para tal fim a circunstância de ter o falecido, buscando amparar a autora (Sra. Cecília), a indicando como beneficiária para fins previdenciários, na qualidade de companheira (fl. 526/527). A improcedência do pedido de reconhecimento de relação marital entre a corré Cecília e o falecido decorreu apenas do fato de a Justiça Estadual, em ambas as instâncias, entender que a persistência do casamento da ora autora Maria Lucia com o extinto constituiria fato impeditivo ao reconhecimento da união estável com a Sra. Cecilia, bem como à extração de efeitos quanto ao relacionamento havido.
Sendo assim, e considerando que, do quadro probatório, é possível inferir que o falecido manteve concomitante ao seu casamento relacionamento amoroso a configurar união estável, entendo que a situação fática posta em exame deve ser analisada sob a ótica da legislação previdenciária, que sempre foi mais liberal que o direito de família, ramo do direito mais suscetível às injunções de ordem moral. Aliás, nessa linha, basta lembrar que a Lei n. 5.890, de 08.07.1973, ao modificar a Lei Orgânica da Previdência Social, introduziu a companheira mantida há mais de 05 anos como dependente do segurado instituidor, sendo que a Constituição da República de 1967, modificada pela Emenda Constitucional nº 01, de 1969, que vigorava à época, sequer contemplava a união estável como entidade familiar.
O benefício de pensão por morte nada mais é do que a substituição do segurado falecido, até então provedor das necessidades de seus dependentes, pelo Estado. Assim sendo, no caso concreto, vislumbra-se situação em que restam configuradas a condição de esposa e a de companheira simultaneamente, sendo imperativo o reconhecimento do direito das duas ao benefício em questão, haja vista que ambas vinham sendo sustentadas pelo Sr. Carlos Bohac. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:
Em síntese, não há como censurar a conduta do INSS ao deferir à autora e à corré Cecília o benefício de pensão por morte, rateando-o em proporções iguais para ambas.
Diante do exposto, acompanho o ilustre relator integralmente.
É como voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial e de apelações interpostas em face de sentença proferida em ação de conhecimento em que se pleiteia a suspensão do desdobro da pensão por morte NB 21/141.445.811-5, bem como a indenização dos valores descontados, pelo réu, de sua pensão por morte.
O MM. Juízo a quo, entendendo que a corré faz jus à manutenção da cota de 50% do benefício de pensão por morte decorrente do óbito de seu companheiro, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o réu a suspender os descontos no benefício da autora referentes aos valores atrasados que a corré recebeu em decorrência do desdobro de sua pensão por morte, bem como restituir os valores já abatidos de seu benefício (NB 1395463660) em decorrência desse desdobramento, e pagar as prestações vencidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora, fixando a sucumbência recíproca.
Inconformado, o réu apela, pleiteando a reforma parcial da r. sentença, quanto à devolução dos valores já descontados e também em relação à correção monetária.
De sua vez, a autora apela, pleiteando a reforma da r. sentença.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, e independe de carência (Lei 8.213/91, Art. 74 e Art. 26).
Para a concessão do benefício são requisitos a qualidade de dependente, nos termos da legislação vigente à época do óbito, bem assim a comprovação da qualidade de segurado do falecido, ou, independentemente da perda da qualidade de segurado, o preenchimento dos requisitos para concessão da aposentadoria (Lei 8.213/91, Art. 15 e Art. 102, com a redação dada pela Lei 9.528/97; Lei 10.666/03).
O óbito de Carlos Bohac ocorreu em 09/07/2006 (fls. 18) e sua qualidade de segurado é incontroversa (fls. 126)
A demanda diz respeito à legitimidade da corré Cecilia Kimiko Nakagawa em receber cota-parte da pensão por morte, do falecido instituidor.
A dependência econômica da companheira é presumida, consoante se infere do disposto no Art. 16, I e § 4º da Lei 8.213/91 (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011).
Para comprovar a alegada união estável, a corré juntou aos autos comprovante de conta bancária conjunta com o de cujus (fls. 109/110), contrato de locação do imóvel, no qual constam a corré e o falecido como locatários (111/116) e comprovantes de domicílio em comum (fls. 35, 117 e 120).
A prova oral produzida em Juízo, nos autos da Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável, autuada sob o nº 0333650-44.2009.8.26.0100, movida pela corré, corrobora a prova material apresentada, eis que as testemunhas inquiridas confirmaram que a autora e Carlos Bohac conviveram como marido e mulher (fls. 390/407).
Como posto pelo douto Juízo sentenciante, a testemunha da corré ouvida nos presentes autos:
O MM. Juízo a quo debruçou-se suficientemente sobre as provas coligidas aos autos, sendo certo que o reconhecimento da existência de dependência econômica da corré em relação ao instituidor da pensão por morte decorreu da análise do conjunto probatório, nele englobadas as provas documentais e testemunhais.
Ficou demonstrado que, simultaneamente ao casamento formal com a autora, e sem que ocorresse a separação de fato, o de cujus manteve com a corré uma relação de união estável, em que configurada a convivência pública, contínua e duradoura, por meio da qual constituiu uma nova família.
Necessário esclarecer que o fato de a corré ter ajuizado ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato em face do espólio e herdeiros do segurado instituidor, demanda julgada improcedente, não tem o condão de obstar o seu pleito na presente ação previdenciária.
Isto porque, a depender da natureza da questão jurídica controvertida nos autos em que se instituiu a coisa julgada, pode ou não haver repercussão sobre a ação de cunho previdenciário.
A sentença proferida em ação declaratória de reconhecimento e extinção de união estável, de competência do juízo da Vara de Família, uma vez transitada em julgado, produz efeitos sobre as discussões envolvendo o Direito de Família, tais como o exercício do poder familiar e o dever de prestar alimentos; ou sobre matéria de sucessão, como a transmissão da herança e a partilha dos bens.
As decisões de mérito proferidas pela Justiça do Trabalho, por outro turno, na linha do entendimento que tenho manifestado, para além dos resultados estritamente trabalhistas, produzem efeitos previdenciários, pois, além de condenar o empregador no pagamento das verbas salariais e indenizatórias, obrigam-no a efetuar os recolhimentos contributivos, os quais produzirão consequências diretas na relação jurídica entre o segurado e o Instituto Nacional do Seguro Social, a quem cabe administrar tais contribuições e, com base nelas, deferir os respectivos benefícios.
Ressai a autonomia das lides propostas perante juízos com competência material distinta, as quais podem repercutir ou não sobre outra área do Direito, em relação às mesmas partes.
Tampouco há que se alegar prolação de decisão contra legem, sob o argumento de incompatibilidade entre o reconhecimento da união estável, decorrente de concubinato impuro de longa duração, e a coexistência de vínculo conjugal sem a separação de fato.
Conforme já se pronunciou o Egrégio Supremo Tribunal Federal, "a superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. (...) O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei", em acórdão cuja ementa foi redigida nos seguintes termos:
Na mesma linha, cito precedentes jurisprudenciais que se orientam no sentido da possibilidade de concomitância entre o casamento legítimo e a existência de relação de união estável:
No âmbito desta Corte, tem-se adotado o mesmo entendimento, in verbis:
Outrossim, cabe ressaltar que o Pretório Excelso reconheceu a existência da repercussão geral da questão constitucional sobre a possibilidade de reconhecer direitos previdenciários à pessoa que, durante longo período e com aparência familiar, manteve união com pessoa casada. (RE nº 669465/SE, Relator Ministro Luiz Fux). Nestes termos:
Por esta razão, incabível se falar em ofensa à legislação ordinária.
No que respeita à suspensão dos descontos na pensão por morte recebida pela autora com DIB 21/141.445.811-5, observa-se dos autos que não foi imputada a má-fé à parte autora, nem tampouco houve impugnação desta parte na apelação do réu.
Por sua vez, o e. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa-fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral-Mérito, DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
Cito, ainda, o seguinte precedente:
O c. STJ já decidiu no mesmo sentido:
Todavia, em relação aos descontos já efetuados pelo INSS, não há que se falar em restituição à parte autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF :
Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas pela autarquia.
Destarte, é de se reformar em parte a r. sentença, tão só, para obstar a restituição à parte autora dos valores já descontados na pensão por morte.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º do Art. 85, do CPC. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A, da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Posto isto, dou parcial provimento à remessa oficial e à apelação do réu, nos termos em que explicitado, e nego provimento à apelação da autora.
É o voto.
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Data e Hora: | 03/07/2018 19:09:09 |