Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/05/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011634-69.2012.4.03.6105/SP
2012.61.05.011634-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : EDINEIA APARECIDA DOS SANTOS
ADVOGADO : SP266176 WASHINGTON LUIZ PEREIRA DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP124143 WILSON FERNANDES MENDES e outro(a)
No. ORIG. : 00116346920124036105 8 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. SFH. AÇÃO OBJETIVANDO REVISÃO DE CLÁUSULAS DE CONTRATO DE MÚTUO E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. POSSIBILIDADE. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. IMÓVEL ARREMATADO POR TERCEIRO. EXTINÇÃO DO CONTRATO. INTERESSE PROCESSUAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SEGURO. VENDA CASADA. SAC. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. JUROS REMUNERATÓRIOS E MORATÓRIOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. VENCIMENTO ANTECIPADO. CRITÉRIO DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. SALDO RESIDUAL. AMORTIZAÇÃO EXTRAORDINÁRIA.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão de cláusulas de contrato de mútuo celebrado pelo SFH. O Juiz considerou que, "na data do ajuizamento desta ação, o contrato já estava liquidado com o vencimento antecipado da dívida com a consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária".
2. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, nos contratos de alienação fiduciária de coisa imóvel, a extinção do contrato de mútuo não ocorreria por ocasião da consolidação da propriedade do bem em favor do agente fiduciário, fato este que apenas daria início a uma nova fase do procedimento de execução extrajudicial, o que permitiria a purgação da mora até a assinatura do auto de arrematação decorrente da venda do bem.
3. É imperioso assinalar em premissa inaugural que a interpretação da situação dos autos passa toda ela pelos postulados do Código de Defesa do Consumidor, dado estar a relação jurídica entabulada na lide fundada em contrato firmado à luz daquela disciplina.
4. Não obstante dúvidas que pudessem pairar acerca da aplicabilidade dos dispositivos do código do consumerista aos contratos bancários e de financiamento em geral, o Colendo Superior Tribunal de Justiça recentemente colocou uma pá de cal sobre a questão, com edição da Súmula 297.
5. A aplicabilidade do CDC às instituições financeiras não tem o alcance que se pretende dar, uma vez que os contratos bancários também estão regidos por normas específicas impostas pelo Banco Central do Brasil.
6. A jurisprudência pátria tem entendido pela inexistência de abusividade da cláusula contratual que prevê a contratação de seguro habitacional pelos mutuários, inclusive nos contratos disciplinados pela Lei nº 9.514/97.
7. No Sistema de Amortização Constante/SAC, que rege o contrato questionado nos autos, tanto as prestações como o saldo devedor são reajustados pelo mesmo indexador, de forma que o valor da prestação se mantém num valor suficiente para a constante amortização da dívida, reduzindo o saldo devedor até a sua quitação no prazo acordado.
8. Essa metodologia extirpa a possibilidade de apuração de saldo residual ao final do contrato e, consequentemente, não permite que se apure prestação tão ínfima que não quite sequer os juros devidos no mês, o que, em tese, devolveria essa parcela não paga ao saldo devedor, incidindo juros sobre juros.
9. "O art. 6º, e, da Lei n. 4.380/1964 não estabelece limitação aos juros remuneratórios nos contratos vinculados ao SFH" (Súmula 422 do STJ). Legítima, pois, a taxa estipulada no contrato.
10. Não há previsão legal para se proceder à amortização da dívida pelo valor reajustado da prestação antes da atualização do saldo devedor.
11. Não há se falar em descabida cumulação de juros de mora e multa, na medida em que suas incidências dependem de fatos geradores específicos e independentes entre si.
12. O vencimento antecipado da dívida e a consequente execução extrajudicial referente a imóvel dado em garantia, nos termos do acordado na cláusula vigésima oitava do contrato de financiamento, nada mais são que consectários da impontualidade e inadimplência no pagamento das prestações.
13. A mora da devedora decorreu da própria natureza da obrigação assumida, que se caracteriza pela simples falta de pagamento no prazo avençado.
14. A pretensão da parte autora, manifestada em razões de apelação, de anular o processo de execução extrajudicial por inobservância da norma do artigo 31 do Decreto-Lei nº 70/66, não deve ser conhecida porque não foi deduzida perante a instância originária, configurando inovação recursal.
15. Apelação conhecida, em parte, a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer, em parte, da apelação e negar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 23 de abril de 2019.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 30/04/2019 13:46:03



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011634-69.2012.4.03.6105/SP
2012.61.05.011634-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : EDINEIA APARECIDA DOS SANTOS
ADVOGADO : SP266176 WASHINGTON LUIZ PEREIRA DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP124143 WILSON FERNANDES MENDES e outro(a)
No. ORIG. : 00116346920124036105 8 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela Edinéia Aparecida dos Santos contra sentença que julgou improcedente o pedido de revisão de cláusulas de contrato de mútuo celebrado pelo SFH, pois, "na data do ajuizamento desta ação, o contrato já estava liquidado com o vencimento antecipado da dívida com a consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária" (fls. 221/223).

A apelante alega que: a) "os pressupostos autorizadores da resolução contratual, notadamente a constituição regular da mora e consolidação da posse do imóvel em nome da credora não se concretizaram"; b) "não houve notificação pessoal da devedora quanto ao procedimento expropriatório realizado pela CEF e aos débitos em aberto, o contrato está extinto, razão por que não há se falar intimação do devedor para purgação da mora após a resolução do contrato"; c) "o contrato não foi resolvido uma vez que não houve a constituição formal da mora" (fls. 143/157).

Contrarrazões às fls. 162/172.

É o relatório.


VOTO

Inicialmente, a apelante alega que "não houve notificação pessoal da devedora quanto ao procedimento expropriatório realizado pela CEF e aos débitos em aberto, o contrato está extinto, razão por que não há se falar intimação do devedor para purgação da mora após a resolução do contrato".

Ocorre que, como se colhe da informação e documentos trazidos aos autos pela requerida, a propriedade o imóvel objeto do financiamento discutido na lide foi consolidada em nome da CEF, tendo sido registrada a referida operação no respectivo Cartório de Registro Imobiliário em 13 de fevereiro de 2012 (fl. 92), em data anterior, portanto, ao ajuizamento desta demanda, que foi proposta em 03 de setembro de 2012.


Como se vê, em princípio, a parte autora não ostentaria interesse para a propositura desta ação, já que à época não mais detinha a propriedade do imóvel cujo financiamento pretende discutir.


Esse entendimento, entretanto, deve ser relativizado, seguindo orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça, verbis:

RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. AÇÃO REVISIONAL. INTERESSE DE AGIR. ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL EM EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. MANUTENÇÃO DO INTERESSE JURÍDICO DO MUTUÁRIO NA REVISÃO DO CONTRATO.

1. Inocorre a ausência de interesse de agir do mutuário ou a perda superveniente do objeto da ação revisional em decorrência da adjudicação do imóvel ocorrida em sede de execução extrajudicial. 2. A jurisprudência firme desta Corte reconhece que, mesmo nos contratos extintos, em que ocorre a figura da quitação concedida pelo credor ao devedor, mantém-se a viabilidade da ação revisional, razão, aliás, da edição da Súmula n. 286/STJ. 3. O mutuário de contrato de empréstimo comum, consoante o enunciado sumular n. 286/STJ, poderá discutir todos os contratos eventualmente extintos pela novação, sem que, atualmente, sequer cogite-se reconhecer a ausência do seu interesse de agir, inclusive quando, em tais relações negociais, há expressa quitação das dívidas que serão, ao final, revisadas. 4. Igualdade de tratamento que deve ser assegurada ao mutuário do Sistema Financeiro Habitacional. 5. Necessária a avaliação do bem no seio da execução, seja no CPC, seja na Lei 5.741, ou mesmo no DL 70/66, para que, quando da venda judicial ou extrajudicial, possa ele ser ofertado com base em seu valor real, e, assim, por terceiro arrematado ou pelo credor adjudicado. 6. Importante a também a correta liquidação do saldo devedor, cotejando-o ao valor da avaliação e, daí, concluir-se pela existência ou não de saldo positivo em favor do executado. 7. Nesse desiderato, plena é a utilidade da ação revisional de contrato proposta pelo mutuário, razão por que é de se reconhecer a existência do interesse de agir nessas hipóteses. 6. Recurso Especial a que se nega provimento.

(REsp 1119859/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 31/08/2012)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. FCVS. REVISÃO DE CONTRATO JÁ EXTINTO PELO PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido da possibilidade de revisão judicial de contratos já extintos pelo pagamento ou objeto de novação.

2. A revisão judicial do contrato originário poderá proporcionar ao mutuário vantagens superiores ao desconto que ele obteve por intermédio do acordo que celebrou com o agente financeiro, para a quitação antecipada.

3. Deve ser levado em conta, ainda, o fato de que o contrato objeto da presente demanda conta com a garantia de quitação do saldo devedor com recursos do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, a afastar a responsabilidade do mutuário no tocante ao referido débito.

4. Não se pode falar, assim, em impossibilidade jurídica do pedido ou mesmo em ausência de interesse processual.

5. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg no REsp 878525/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, DJe 30/04/2008).

PROCESSO CIVIL - SFH - INOVAÇÃO DO PEDIDO - QUITAÇÃO DO CONTRATO - FALTA DE INTERESSE NA REVISÃO CONTRATUAL AFASTADA - APLICAÇÃO DO ART. 515, § 3º DO CPC/73 - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. Em sede recursal não é admissível a inovação da causa de pedir e do pedido, em razão da existência de vedação legal expressa (art. 264 do CPC/73). É possível a revisão judicial dos contratos bancários extintos pela novação ou pela quitação. Entendimento consolidado no enunciado da Súmula 286 do STJ. Aplicação do art. 515, § 3º do CPC/73. No que pese a aplicação aos contratos de financiamento imobiliário o Código de Defesa do Consumidor, as regras pertinentes ao financiamento devem ser aquelas próprias do sistema financeiro da habitação, com aplicação subsidiária daquelas relativas ao sistema financeiro nacional, ao qual estão submetidas as instituições financeiras de um modo geral A diferença de taxa de juros nominal e efetiva decorre da aplicação do SFA que implica, na prática, o cálculo de juros sobre juros. Os juros embutidos nas prestações mensais, porém, não caracterizam anatocismo vedado por lei, já que esse método de cálculo define o valor das prestações destinadas à amortização do financiamento, mediante a aplicação de determinada taxa de juros e em certo prazo, com capitalização de juros que não encontra óbice na legislação vigente. Apelação parcialmente provida. Sentença anulada. Pedido improcedente.

(TRF3, Ap 00027716820064036127, Rel. Desembargador Federal Fausto de Sanctis, 11ª Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 03/04/2018).


Passo a analisar as alegações dos mutuários formuladas na ação de revisão de contrato de mútuo: a) aplicabilidade do CDC; b) houve venda casada em relação ao seguro; c) o SAC implica capitalização de juros; d) limitação da taxa de juros; e) inversão do critério de amortização do saldo devedor; f) impossibilidade de cumulação de juros remuneratórios, moratórios e multa; g) ilegalidade da cláusula que prevê o vencimento antecipado da dívida (fls. 7/9).


Código de Defesa do Consumidor

O Colendo Superior Tribunal de Justiça colocou uma pá de cal sobre a questão da aplicabilidade dos dispositivos do código consumerista aos contratos bancários e de financiamento em geral com edição da Súmula 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".


No mesmo sentido, o STF firmou entendimento no julgamento da ADI nº 2.591/DF, todavia, excetuou da abrangência do CDC "a definição do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas na exploração da intermediação de dinheiro na economia".


CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC ]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.

4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.

5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia.

6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO.

7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.

8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA.

9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro.

10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.

11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

(ADI nº 2591, Relator Min. Carlos Velloso, Relator p/ Acórdão: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, j. 07.06.06).


Portanto, a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras não tem o alcance que se pretende dar, uma vez que os contratos bancários também estão regidos por normas específicas impostas pelo Banco Central do Brasil.


Seguro habitacional

Em relação à alegação de ilegalidade no condicionamento da concessão de empréstimo à contratação de seguro, não assiste razão aos agravantes, vez que expressamente previsto pelo artigo 20 do Decreto-Lei nº 73/66:


Art 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguro s de:

a) danos pessoais a passageiros de aeronaves comerciais;

b) responsabilidade civil do proprietário de aeronaves e do transportador aéreo;

c) responsabilidade civil do construtor de imóveis em zonas urbanas por danos a pessoas ou coisas;

d) bens dados em garantia de empréstimos ou financiamentos de instituições financeiras públicas;

e) garantia do cumprimento das obrigações do incorporador e construtor de imóveis;

f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária;

g) edifícios divididos em unidades autônomas;

h) incêndio e transporte de bens pertencentes a pessoas jurídicas, situados no País ou nêle transportados;

i) (Revogado pela Lei Complementar nº 126, de 2007)

j) crédito à exportação, quando julgado conveniente pelo CNSP, ouvido o Conselho Nacional do Comércio Exterior (CONCEX);

l) danos pessoais causados por veículos automotores de vias terrestres e por embarcações, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não;

m) responsabilidade civil dos transportadores terrestres, marítimos, fluviais e lacustres, por danos à carga transportada.

Parágrafo único. Não se aplica à União a obrigatoriedade estatuída na alínea "h" deste artigo.


Com efeito, ao se debruçar sobre o tema, a jurisprudência pátria tem entendido pela inexistência de abusividade da cláusula contratual que prevê a contratação de seguro habitacional pelos mutuários, inclusive nos contratos disciplinados pela Lei nº 9.514/97. Neste sentido, transcrevo os seguintes julgados:


CONTRATOS. SISTEMA FINANCEIRO IMOBILIÁRIO. REVISÃO.

I. Não há incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos regidos pelo SFI se não há demonstração de cláusulas efetivamente abusivas.

II. Inexistência de anatocismo na execução de contrato celebrado com adoção do Sistema de Amortização Constante - SAC.

III. Não se verifica ilegalidade ou abusividade na cláusula que prevê a contratação de seguro habitacional.

IV. Repetição de indébito inexistente.

V. Recurso desprovido.

(TRF3, AC nº 0009185-22.2013.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Souza Ribeiro, 2ª Turma, e-DJF3 09/06/16).

PROCESSO CIVIL - SFH - REVISÃO CONTRATUAL - LEI 4380/64 - LEI ORDINÁRIA - SFI - SEGURO - CDC - TEORIA DA IMPREVISÃO.

1. A Lei 4.380/64, editada sob o rito ordinário, não foi recepcionada pela CF/88 com força de lei complementar, vez que não estabeleceu normas gerais do sistema financeiro nacional, o que só ocorreu com a edição da Lei 4.595/64.

2. As regras do Sistema Financeiro da Habitação - SFH não são aplicadas aos contratos firmados pelo SFI, conforme dispõe o artigo 39, I da Lei nº 9.514/97. As regras do Sistema Financeiro Imobiliário - SFI permitem a captação de recursos para financiar a casa-própria, sem os provenientes do FGTS, concedendo-se maior autonomia às partes na celebração do contrato, já que podem pactuar livremente critérios de reajustes, taxa de juros e sistema de amortização, observada a legislação vigente, sendo a capitalização de juros um dos princípios básicos do SFI.

3. Não há abusividade da cláusula em relação à contratação do seguro habitacional imposto pelo agente financeiro, haja vista que é a própria lei nº 4.380/64, em seu artigo 14 e o Decreto-lei 73/66, em seus artigos 20 e 21 que disciplinam as regras gerais para os contratantes. Ademais, não restou comprovado nos autos que o valor cobrado a título de seguro esteja em desconformidade com as normas ou se apresente abusivo em relação às taxas praticadas por outras seguradoras em operação similar.

4. No que pese a aplicação aos contratos de financiamento imobiliário o Código de Defesa do Consumidor, as regras pertinentes ao financiamento devem ser aquelas próprias do sistema financeiro da habitação, com aplicação subsidiária daquelas relativas ao sistema financeiro nacional, ao qual estão submetidas as instituições financeiras de um modo geral.

5. A teoria da imprevisão aplica-se em casos excepcionais, quando o acontecimento não previsível pelas partes contratantes traga grave alteração da base negocial a impossibilitar o cumprimento da prestação. As oscilações do contrato decorrentes da inflação, em princípio, não autorizam a invocação dessa teoria.

6. Apelação desprovida.

(TRF3, AC nº 0005035-82.2006.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal Mauricio Kato, 5ª Turma, e-DJF3 Judicial 31/03/15).


Limitação da taxa de juros a 10% ao ano

Não há falar em limitação dos juros remuneratórios na medida em que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o artigo 6º, "e", da Lei 4.380/64 não estabelece a limitação da taxa de juros, dispondo apenas sobre as condições para a aplicação do reajuste previsto no artigo 5º da mesma lei:


AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO NO ÂMBITO DO SFH - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO DO MUTUÁRIO E DEU PROVIMENTO AO APELO DA CASA BANCÁRIA NO TOCANTE À NÃO LIMITAÇÃO DOS JUROS A 10%. INSURGÊNCIA DO MUTUÁRIO/AUTOR.

1. "No âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, a partir da Lei 8.177/91, é permitida a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária do saldo devedor. Ainda que o contrato tenha sido firmado antes da Lei n.º 8.177/91, também é cabível a aplicação da TR, desde que haja previsão contratual de correção monetária pela taxa básica de remuneração dos depósitos em poupança, sem nenhum outro índice específico" (REsp 969.129/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, nos moldes do artigo 543-C do CPC).

2. Segundo o acórdão no Recurso Repetitivo 1.070.297, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação até a entrada em vigor da Lei 11.977/2009 não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (Decreto 22.626/33, art. 4º). Assim, para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. O Tribunal local declarou ter sido contratada a utilização da Tabela Price como sistema de amortização do importe mutuado, asseverando que a sua utilização não redunda em capitalização de juros. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7, conforme entendimento sedimentado nos moldes do art. 543-C do CPC. Precedentes recentes: AgRg no AREsp 483.497/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 16/09/2014; AgRg no AREsp 535.836/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 19/09/2014 e AgRg no REsp 1355599/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 21/10/2014.

3. É legal a cobrança do Coeficiente de Equiparação Salarial - CES, mesmo antes do advento da Lei nº 8.692/93, desde que prevista contratualmente, caso dos autos. Precedentes.

4. Não há falar em limitação dos juros remuneratórios a 10% ao ano, pois esta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.070.297/PR, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 09/09/2009 nos moldes do artigo 543-C do CPC, entendeu que o artigo 6º, "e", da Lei 4.380/64 não estabelece a limitação da taxa de juros, dispondo apenas sobre as condições para a aplicação do reajuste previsto no artigo 5º da mesma lei.

5. A pretensão de devolução em dobro dos valores pagos a maior não prospera, porquanto a jurisprudência desta Corte Superior preconiza que tal determinação somente se admite em hipóteses de demonstrada má fé, o que não ocorreu na espécie.

6. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp nº 1.043.793, Rel. Min. Marco Buzzi , j. 04.11.14).


Assim, é legítima a estipulação da taxa juros remuneratórios no contrato (nominal e efetiva).


É oportuno observar, ainda, que o STJ, confirmando o posicionamento acima, editou a Súmula n. 422, segundo a qual "o art. 6º, e, da Lei n. 4.380/1964 não estabelece limitação aos juros remuneratórios nos contratos vinculados ao SFH".


Assim, impõe-se que os juros pactuados sejam cumpridos pelas partes em virtude dos princípios da força obrigatória dos contratos e da liberdade de contratação.


Nesse sentido:


(...)

Os contratantes obrigam-se ao cumprimento do que está estabelecido nas cláusulas contratuais, o que implica que devem ser observadas e não interpretadas contrariamente.

(AC 90.01.12736-3/MG, Relator Juiz Leite Soares, Quarta Turma, DJ de 08.06.1992, p. 16.227).

(...)

Em matéria contratual, prevalecem as regras livremente pactuadas, em consonância com o clássico princípio expresso no brocardo latino: "pacta sunt servanda".

(AC 90.01.00528-4/BA, Rel. Juiz Vicente Leal, Terceira Turma, DJ de 04.02.1993, p. 2.186).


Sistema de Amortização Constante/SAC

A parte autora alega que o método de amortização do SAC gera a incidência de juros sobre juros.


O contrato em discussão não permite a presença do anatocismo denunciado.


Nos contratos habitacionais, em particular, para que fosse possível o anatocismo, seria necessário que, em algum momento, nessa "conta corrente", fosse contabilizada uma parcela de juros não quitada em momento anterior e, em razão disso, ao ser lançada no saldo devedor, viesse novamente a sofrer a incidência de juros.


Essa situação faz-se presente nos contratos em que o sistema de amortização admite que o valor da prestação seja inferior ao devido no respectivo mês e, ainda, não suficiente para compor os encargos atinentes aos juros, remetidos então ao saldo devedor; somente aí se poderia falar, em tese, de juros sobre juros.


No Sistema de Amortização Constante/SAC, que rege o contrato questionado nos autos, tanto as prestações como o saldo devedor são reajustados pelo mesmo indexador, de forma que o valor da prestação se mantém num valor suficiente para a constante amortização da dívida, reduzindo o saldo devedor até a sua quitação no prazo acordado.


Assim, essa metodologia extirpa a possibilidade de apuração de saldo residual ao final do contrato e, consequentemente, não permite que se apure prestação tão ínfima que não quite sequer os juros devidos no mês, o que, em tese, devolveria essa parcela não paga ao saldo devedor, incidindo juros sobre juros.


Desse modo, pela sistemática adotada pelo SAC, não se há de falar em prática de anatocismo.


Critério de amortização do saldo devedor

No que diz respeito à atualização do saldo devedor, realizada pelo agente financeiro antes de proceder à amortização da prestação paga, conclui-se que tal prática se mostra necessária para garantir que o capital objeto do empréstimo seja remunerado pelo tempo em que ficou à disposição do mutuário.


O STJ decidiu em recurso representativo de controvérsia (CPC, art. 543-C): "'Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação' (Súmula n. 450/STJ)" (Corte Especial, REsp 1110903/PR, Rel. Aldir Passarinho Junior, DJe 15/02/2011).


Cumulação de juros remuneratórios e moratórios

As finalidades das taxas dessas modalidades de juros são totalmente distintas. Os juros remuneratórios ou compensatórios se prestam a compensar o mutuante pela utilização do capital por parte do mutuário, durante todo o período em que este fizer uso do dinheiro. Os juros moratórios, por outro lado, têm caráter indenizatório, como meio de buscar a pontualidade no adimplemento da obrigação, tendo sua incidência somente em caso de atraso no cumprimento da obrigação, incidindo sobre o capital mutuado pelo período em que o tomador do empréstimo estiver em atraso (AC 2006.38.00.039166-7/MG, Rel. Juiz Federal Convocado Iran Velasco Nascimento, Sexta Turma, e-DJF1 de 09/11/2009, p. 219; STJ, REsp 194262/PR, Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ de 08/02/2000; STJ, EDcl no REsp 1005046/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 23/03/09).


Não há se falar em descabida cumulação de juros de mora e multa, na medida em que suas incidências dependem de fatos geradores específicos e independentes entre si.


Tem-se, pois, como cabível a cumulação da multa com juros moratórios, incidente deste o inadimplemento.


Vencimento antecipado

O vencimento antecipado da dívida e a consequente execução extrajudicial referente a imóvel dado em garantia, nos termos do acordado na cláusula vigésima oitava do contrato de financiamento, nada mais são que consectários da impontualidade e inadimplência no pagamento das prestações.


Mora do devedor

A mora da devedora decorreu da própria natureza da obrigação assumida, que se caracteriza pela simples falta de pagamento no prazo avençado. Ademais, não se acolheu nenhuma das teses acima alegadas.

Inovação recursal

A pretensão da parte autora, manifestada em razões de apelação, de anular o processo de execução extrajudicial por inobservância da norma do artigo 31 do Decreto-Lei nº 70/66, não deve ser conhecida porque não foi deduzida perante a instância originária, configurando inovação recursal.


Dispositivo

Ante ao exposto, nego provimento à apelação.


É o voto.



WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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