D.E. Publicado em 07/08/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | WILSON ZAUHY FILHO:10079 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21705314D3605 |
Data e Hora: | 26/07/2018 18:13:13 |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por LEONEL NEVES DOS SANTOS e MARILDA APARECIDA CASTRO NEVES DOS SANTOS contra sentença proferida em ação ordinária movida por eles em face da COMPANHIA EXCELSIOR DE SEGUROS objetivando a condenação da ré ao pagamento de cobertura securitária por vícios construtivos, bem como de multa contratual e indenização por danos materiais decorrentes de despesas com mudança e aluguel de outro imóvel.
Narra a inicial que os autores adquiriram direitos sobre um imóvel por meio de instrumento particular de promessa de compra e venda firmado em 01/11/1983, inclusive celebrando contrato de financiamento no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH.
Após serem imitidos na posse do imóvel, os requerentes passaram a constatar diversos defeitos de construção, como trincas em paredes, apodrecimento de venezianas e do madeiramento do telhado e umidade nas paredes.
Entendem ter direito à cobertura securitária contratada, além de multa contratual pelo seu não pagamento no prazo estipulado em contrato e de indenização pelos custos com a mudança e locação de outro imóvel enquanto perdurarem as necessárias reformas.
Realizada perícia no imóvel (fls. 352/390).
Uma primeira sentença foi proferida pelo Juízo Estadual, julgando julgou parcialmente procedente a ação para condenar a ré ao pagamento de R$ 8.600,00, a título de indenização decorrente do contrato de seguro habitacional, com incidência de multa contratual de 100% sobre esse valor (fls. 517/524).
Embargos de declaração opostos pela ré foram rejeitados (fls. 527/536 e 537).
A E. Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria de votos, deu provimento à apelação da Companhia Excelsior para julgar improcedente o pedido dos autores (fls. 648/655).
Posteriormente, aquela Corte reconheceu a incompetência absoluta da Justiça Estadual e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal, anulando-se a sentença e julgando prejudicados os embargos infringentes da parte autora (fls. 657/684 e 759/767).
Embargos de declaração opostos pelos autores foram rejeitados (fls. 784/788).
O Juízo da Primeira Vara Federal de Santos indeferiu o ingresso da CEF na lide, reconhecendo a incompetência absoluta da Justiça Federal e determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual (fls. 841/843).
Embargos de declaração opostos pela CEF foram acolhidos para reconhecer seu interesse e mantê-la no polo passivo do feito, juntamente com a Companhia Excelsior de Seguros. Ratificados os atos processuais praticados no Juízo Estadual, exceto os decisórios (fls. 845/847 e 957/959).
A União foi incluída no polo passivo do feito, na qualidade de assistente simples (fl. 966).
Contestação pela CEF (fls. 973/981).
A sentença foi publicada em 12/06/2014 e reconheceu a prescrição da pretensão da parte autora, julgando extinto o processo com resolução de mérito e condenando os autores em honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa, observados os benefícios da gratuidade de justiça (fls. 1011/1015).
Embargos de declaração opostos pelos autores foram rejeitados (fls. 1016/1019 e 1020/1023).
Os autores apelam sustentando, preliminarmente, a incompetência absoluta da Justiça Federal. Como preliminar do mérito, a inocorrência da prescrição e, no mérito propriamente dito, defendem a procedência de seu pleito inicial (fls. 1026/1041).
Contrarrazões pelos réus e pela União (fls. 1107/1107-verso, 1108/1116 e 1119/1123).
É o relatório.
VOTO
Da competência da Justiça Federal
A questão debatida diz com o ingresso da Caixa Econômica Federal, como representante dos interesses do FCVS, em processo em que se discute cobertura securitária em razão de vícios na construção de imóveis.
O denominado FCVS - Fundo de Compensação de Variações Salariais - foi criado pela Resolução nº 25/67 do Conselho de Administração do hoje extinto Banco Nacional de Habitação (BNH), destinado inicialmente a "garantir limite de prazo para amortização da dívida aos adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação".
A partir da edição do Decreto-lei nº 2.476/88, que alterou a redação do artigo 2º do Decreto-lei nº 2.406/88, o FCVS, além de responder pela quitação junto aos agentes financeiros de saldo devedor remanescente em contratos habitacionais, passou também a "garantir o equilíbrio do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação, permanentemente e a nível nacional".
Essa redação - e consequente atribuição de responsabilidade ao FCVS- permaneceu inalterada sob a égide da subsequente Medida Provisória nº 14/88 e também da Lei nº 7.682/88 (em que se converteu aquela MP).
Posteriormente, a Medida Provisória nº 478/2009 declarou extinta, a partir de 1º de janeiro de 2010, a apólice do SH/SFH, vedando, a contar da publicação daquela MP (29/12/2009), a contratação de seguros nessa modalidade no tocante às novas operações de financiamento ou àquelas já firmadas em apólice de mercado.
Os contratos de financiamento já celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH com cláusula prevendo os seguros da apólice do Seguro Habitacional do Sistema Financeiro da Habitação - SH/SFH passaram, então, com o advento da referida MP 478/2009, a ser cobertos diretamente pelo FCVS, sem a intermediação das seguradoras, as quais na sistemática anterior funcionavam de todo modo apenas como prestadoras de serviços. Tanto assim que os mencionados contratos foram literalmente repassados ao FCVS, a quem se incumbiu a garantia do equilíbrio da apólice do SH/SFH "no âmbito nacional até 31 de dezembro de 2009", sendo responsável também pela cobertura, a partir de 1º de janeiro de 2010, entre outras coisas, das "despesas de recuperação ou indenização decorrentes de danos físicos ao imóvel [...], observadas as mesmas condições atualmente existentes na Apólice do SH/SFH, concernentes aos contratos de financiamento que, em 31 de dezembro de 2009, estiverem averbados na Apólice do SH/SFH".
Da exposição de motivos que acompanhou a MP nº 478/2009 consta aguda análise do quadro securitário atinente aos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e do papel progressivo do FCVS nesse contexto. Confira-se o quanto interessa ao caso presente:
Por meio do Ato Declaratório nº 18/2010 do Congresso Nacional, a mencionada Medida Provisória nº 478/2009 perdeu a eficácia em decorrência da expiração do prazo de vigência em 1º de junho de 2010.
A Lei nº 12.409/2011, fruto da Medida Provisória nº 513, de 26 de novembro de 2010, assim dispôs:
A Medida Provisória nº 633/2013, por sua vez, introduziu na referida legislação o artigo 1º-A, determinando a intervenção da Caixa Econômica Federal, como representante dos interesses do FCVS, nas respectivas ações judiciais.
Quando da conversão da aludida medida na Lei nº 13.000/2014, a redação do dispositivo foi ainda mais aprimorada, passando a assim estabelecer:
O que se vê de todo o escorço histórico acima traçado é que, não obstante no passado respondessem em Juízo nas ações em que se discutia a cobertura securitária dos contratos do SFH, desde os idos de 1988 as empresas de seguro que operavam no âmbito do SFH não mais se responsabilizavam efetivamente pela correspondente indenização, funcionando apenas como meras prestadoras de serviços para a regulação dos sinistros, meras operacionalizadoras do sistema, cabendo, contudo, à União, por meio do FCVS, suportar as respectivas despesas. Assim, evidente o interesse daquele Fundo no ingresso nos feitos (na qualidade de PARTE) em que se discute sobre a cobertura atribuída ao FCVS em relação aos sinistros ocorridos no tocante às apólices públicas.
A perda de eficácia da Medida Provisória nº 478/2009 em nada desfigura esse quadro.
Aliás, a partir do advento das Leis nºs. 12.409/2011 e 13.000/2014 isso fica ainda mais evidente, já que tal legislação somente veio a consolidar e por fim positivar o quadro de responsabilidade do FCVS que se tinha até então, restando claro e induvidoso que a cobertura securitária de danos físicos ao imóvel garantido por apólice pública (Ramo 66) é atualmente suportada pelo Fundo, independentemente da data de assinatura do contrato de origem, daí porque decorre logicamente que o representante do FCVS - no caso, a CEF - intervirá necessariamente na lide - vale repetir, na qualidade de parte -, assim como, de resto, definido pelas referidas leis. Nada mais óbvio: se cabe ao FCVS cobrir o seguro da apólice pública, daí decorre que ostenta interesse para intervir na lide em que se discute tal cobertura securitária, respondendo isoladamente nos autos pela responsabilização debatida na lide quanto a essa cobertura securitária.
Também de relevo notar que a partir da edição da Medida Provisória nº 1.671, de 24 de junho de 1998 (sucessivamente reeditada até a MP nº 2.197-43/2001), tornou-se possível a contratação de seguros de mercado ou privados (ramo 68) e ainda a substituição/migração da apólice pública para a privada. Restou ainda vedada a partir do ano de 2010 a contratação de apólices públicas, sendo oferecidas no âmbito de contratos habitacionais desde então somente as privadas (já que em decorrência da edição da MP nº 478/2009, que perdeu a eficácia mas irradiou efeitos concretos no mundo dos fatos, e por força do disposto no artigo 1º, incisos I e II da Lei nº 12.409/2011, não se permitia a contratação dessas apólices públicas a partir de 2010, que foram tidas por extintas, cabendo ao FCVS tão somente arcar com as indenizações daquelas existentes e devidamente averbadas no SH/SFH em 31 de dezembro de 2009).
Imperioso constatar que as apólices privadas acima referidas (ramo 68) encontram-se fora do espectro de responsabilidade do FCVS, competindo às seguradoras o correspondente pagamento de indenização no caso de ocorrência de sinistro.
Então, inescapável concluir que, em se tratando de ação em que se debate sobre cobertura securitária - apólice pública (ramo 66) (em contrato firmado, logicamente, até dezembro de 2009) - em razão de danos físicos verificados nos imóveis objeto de financiamento habitacional, a Caixa Econômica Federal, enquanto representante dos interesses do FCVS, deve intervir no feito, respondendo isoladamente como demandada, já que ao Fundo incumbe o pagamento da indenização correspondente.
Não é por outro motivo que a Resolução nº 364 do Conselho Curador do FCVS - norma infralegal autorizada pelo legislador a tratar do tema -, editada sob o pálio da redação atribuída pela Medida Provisória nº 633/2013 à Lei nº 12.409/2011, que já outorgava à cef a representação judicial dos interesses do Fundo, assim dispõe:
Retomando o histórico legislativo de forma esquemática, temos o seguinte quadro:
À vista da fundamentação acima sedimentada que faço em observância e com atenção ao quanto disposto no artigo 489, § 1º, inciso VI do Código de Processo Civil/2015, deixo de aplicar, com a devida vênia, por entendê-lo, ademais, superado pela análise levada a cabo quanto à legislação de regência, o precedente assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento dos embargos de declaração nos embargos de declaração no recurso especial nº 1.091.393 (que se deu em julgamento conjunto com os EDcl nos EDcl no REsp nº 1.091.363, de igual temática, ambos submetidos ao rito de recursos repetitivos previsto no artigo 543-C do CPC/1973), em que aquela e. Corte firmou a seguinte tese: 1) somente nos contratos celebrados no período compreendido entre 2/12/1988 e 29/12/2009 (entre as edições da Lei nº 7.682/88 e da MP nº 478/09) resta configurado o interesse da Caixa Econômica Federal; 2) ainda assim, mesmo que se trate de contrato firmado no referido lapso, somente há interesse da CEF se se tratar de apólices públicas ( ramo 66 ), excluindo-se, portanto, apólices privadas (ramo 68); 3) de todo modo, mister a comprovação documental do interesse jurídico, mediante demonstração não apenas da existência de apólice pública, mas também do comprometimento do fcvs , com risco efetivo de exaurimento da reserva técnica do Fundo de Equalização de Sinistralidade da Apólice - FESA.
Ademais, observo que o C. STJ firmou o entendimento acima mencionado (EDcl nos EDcl nos RESPs nºs. 1.091.363 e 1.091.393) em sessão de julgamento realizada em 10 de outubro de 2012 e em processos logicamente intentados em momento anterior, portanto, sem que tivesse sido enfrentada por aquela E. Corte a novel disciplina trazida pela Lei 13.000/2014 (fruto da conversão da Medida Provisória nº 633/2013), mais uma razão que me motiva a não aplicar os referidos precedentes para a solução do caso concreto.
Essa, aliás, é a constatação levada a cabo pela E. Ministra daquele Corte Laurita Vaz em decisão firmada em 17 de novembro de 2016, verbis:
Como motivado no decorrer da presente decisão, competindo ao FCVS a cobertura securitária - apólice pública (ramo 66) - de danos físicos verificados nos imóveis objeto de financiamento habitacional, à Caixa Econômica Federal, enquanto representante dos interesses do Fundo, deve ser deferida a intervenção/atuação (como ré) nos processos em que se discute a mencionada cobertura, não se cogitando sequer da demonstração de comprometimento dos recursos do Fundo - o que, sobre ser desnecessária dada a atual situação deficitária do FCVS (de notório conhecimento público), mostra-se ainda logicamente despicienda, pois a sua participação no feito decorre do interesse jurídico ínsito à sua responsabilidade pela cobertura do seguro debatido.
Com efeito, a CEF demonstra que o contrato de seguro em questão, firmado em 01/11/1983, vincula-se à apólice pública - ramo 66 (fls. 975, 985 e 987), sendo certo que pertine a sua admissão no processo na condição de ré, em substituição à seguradora inicialmente demandada, o que justifica a competência da Justiça Federal para o conhecimento e processamento do feito.
Por tais razões, afasto a alegação preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal.
Da prescrição
Para a fixação do termo inicial do prazo prescricional, é necessário se considerar a data da ciência inequívoca dos vícios ou da recusa da indenização pela seguradora, consoante entendimento pacífico no âmbito do C. Superior Tribunal de Justiça, exemplificado nos seguintes precedentes:
Ainda sob a égide do Código Civil de 2002, aquela Corte veio a editar a Súmula n° 101, sedimentando o entendimento de que é aplicável o prazo prescricional de um ano à ação de indenização do segurado em grupo contra a seguradora, in verbis:
Tal entendimento igualmente se verifica nas hipóteses de cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo habitacional, como se vê no seguinte precedente:
No caso dos autos, verifica-se que os autores celebraram contrato de promessa de compra e venda de imóvel e apólice de seguro em 01/11/1983 (fls. 13/14). Pretendem eles o pagamento de cobertura securitária em razão de diversos vícios de construção.
Registre-se que não consta dos autos que tenham informado o sinistro à seguradora, muito menos que esta tenha se recusado ao pagamento da cobertura securitária ora pretendida.
Muito embora os requerentes não façam menção a qualquer data em que teria tomado ciência da existência dos vícios em questão, trouxeram eles aos autos cópia de matéria jornalística datada de 04/08/1995 (fls. 37/38), na qual se alude a um afundamento de solo que teria impactado diversos imóveis do conjunto habitacional em que residem.
É de se ver que tal comportamento autoriza concluir que, já por aquela data, tinham eles ciência dos vícios dos quais seu imóvel padece, passando a correr o prazo prescricional e, com isto, ao tempo do ajuizamento desta ação já se teria verificado a prescrição (ajuizamento em 30/04/2004).
Ainda que assim não fosse, consta dos autos que o contrato de seguro em questão teve sua extinção em 29/06/2001 (fls. 985 e 987).
Se tomada esta data como termo inicial para o prazo prescricional, é certo que a prescrição teria se operado já em junho de 2002.
Obiter dictum, ainda que se entenda aplicável, ao caso, o prazo prescricional vintenário das ações pessoais, tal como previsto no art. 177 do Código Civil de 1916, este prazo teria sido reduzido para um ano com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, hipótese em que a pretensão autoral estaria igualmente prescrita.
Por fim, com o reconhecimento da prescrição, não se há de falar em responsabilidade civil da seguradora ou da CEF, tampouco em aplicação de multa contratual.
Por tais razões, deve a sentença ser mantida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 26/07/2018 18:13:10 |