Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/07/2018
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0028507-92.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.028507-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A) : ELZA DA SILVA BILEIRO
ADVOGADO : SP229341 ANA PAULA PENNA BRANDI
RÉU/RÉ : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00411238020104039999 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI (ARTS. 11, VII, 39, I, 48, §§, 55, § 3º, 106, 142, 143, L. 8.213/91). ERRO DE FATO. CONTROVÉRSIA ENTRE AS PARTES. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO. VALORAÇÃO DE PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL. PARÂMETROS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE CAMPESINA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR À IMPLEMENTAÇÃO DO REQUISITO ETÁRIO. PROVA MATERIAL NÃO CONTEMPORÂNEA À CARÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO DA PROVA EM NOME DO MARIDO PARA PERÍODO POSTERIOR À SEPARAÇÃO DO CASAL. IUDICIUM RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
1. A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta. Ressalte-se, ainda, que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".
2. Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa. A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas.
3. Para que seja reconhecido erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada, pressupõe-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido.
4. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
5. É patente a inexistência de erro de fato no julgado, seja em decorrência da controvérsia entre as partes quanto ao efetivo exercício de atividade rural, seja porque houve pronunciamento judicial expresso sobre o fato.
6. A prova material e a prova testemunhal produzidas nos autos da ação subjacente foram apreciadas e valoradas pelo Juízo originário, que entendeu pela insuficiência de ambas para comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior à implementação do requisito etário e em número de meses idênticos aos da respectiva carência para fins da aposentação por idade.
7. O Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível.
8. Não constou dos autos da demanda subjacente qualquer elemento de prova de atividade rural em nome da autora, apenas em nome de seu marido, de quem estava separada. Incabível a extensão da eficácia probatória da prova material em nome de cônjuge para o período posterior à separação do casal.
9. O aproveitamento por extensão de documentos em nome de terceiro deve guardar correlação lógica com a situação que se pressupõe comum. Explico. Razoável a presunção de que, ante a comprovação de que algum dos membros do núcleo familiar trabalhava em regime de economia familiar, os demais também o fizessem, eis que é pressuposto necessário e comum dessa atividade o apoio mútuo e o esforço comum, sem os quais o grupo não conseguiria se manter. A mesma presunção, entretanto, não vale para o diarista ou empregado rural, eis que o fato de um dos membros exercer funções laborativas nesta qualidade, não faz presumir que os demais também o façam, ante a inexistência de pressuposto comum ou de caraterística integrativa da parte ao todo.
10. É forte o entendimento de que, ainda que não se exija prova material para todo o período de carência, a prova material indiciária deve se referir ao menos à parte desse interregno, isto é, deve haver concomitância temporal entre a prova material inicial e o lapso que se pretende comprovar em juízo, mormente quando verificado significativo decurso de tempo entre um e outro. Precedentes desta Corte, do c. STJ e da TNU.
11. Verba honorária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
12. Rejeitada a matéria preliminar. Em juízo rescindendo, julgada improcedente a ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar suscitada e, em juízo rescindendo, julgar improcedente a presente ação rescisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de julho de 2018.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 13/07/2018 11:35:29



AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0028507-92.2013.4.03.0000/SP
2013.03.00.028507-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
AUTOR(A) : ELZA DA SILVA BILEIRO
ADVOGADO : SP229341 ANA PAULA PENNA BRANDI
RÉU/RÉ : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
No. ORIG. : 00411238020104039999 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de ação rescisória proposta por ELZA DA SILVA BILEIRO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento no artigo 485, V e IX, do CPC/1973, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que lhe seja concedida aposentadoria por idade rural.


Aduziu que o julgado rescindendo violou disposição literal dos artigos 11, VII, 39, I, 48 e parágrafos, 55, § 3º, 106, 142 e 143 da Lei n.º 8.213/91, bem como incorreu em erro de fato, eis que, no seu entender, o conjunto probatório formado nos autos da demanda subjacente seria suficiente à comprovação da atividade rural exercida pelo período de carência.


Em atenção à determinação de fl. 119, a autora juntou procuração e declaração de hipossuficiência econômica (fls. 123-125).


À fl. 127, foram deferidos à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, dispensando-a do depósito prévio.


Citado (fls. 129-130), o réu apresentou contestação, às fls. 131-137, alegando, em preliminar, a carência da ação e, no mérito, a inexistência de erro de fato.


Instada para réplica (fl. 139), a autora se quedou silente (fl. 139v).


À fl. 140, o feito foi dado por saneado, oportunizando-se a apresentação de razões finais. A autora se manteve inerte (fl. 141) e o INSS se manifestou à fl.142.


O Ministério Público Federal opinou pela procedência da ação, nos juízos rescindendo e rescisório (fls. 144-148).


É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Rejeito as preliminares de carência da ação, relativas ao suposto caráter recursal, à inadequação da via eleita para rediscussão do quadro fático da lide subjacente e à viabilidade da rescisão do julgado pelos fundamentos pugnados pela parte autora, por se confundirem com o mérito da demanda rescisória.

A autora fundamenta a ação rescisória no artigo 485, V e IX, do CPC/1973, sob a alegação de violação ao disposto nos artigos 11, VII, 39, I, 48 e parágrafos, 55, § 3º, 106, 142 e 143 da Lei n.º 8.213/91, bem como ocorrência de erro de fato, eis que, no seu entender, o conjunto probatório formado nos autos da demanda subjacente seria suficiente à comprovação da atividade rural exercida pelo período de carência necessário à aposentação por idade.

Nascida em 18.08.1952 (fl. 43), a autora postulou na ação subjacente, ajuizada em 03.11.2009 (fl. 22), a concessão de aposentadoria por idade rural, mediante o reconhecimento de sua condição de trabalhadora rural, na qualidade de boia-fria ou volante (fls. 23-24).

Por ter completado a idade mínima necessária em 2007 deveria comprovar o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior à implementação do requisito etário ou ao requerimento do benefício, equivalente à carência, no caso, de 156 (cento e cinquenta e seis) meses, ou seja, entre 1994 e 2007.

Para comprovação do alegado, juntou àqueles autos:

1) sua certidão de casamento, ocorrido em 23.11.1970, na qual constou qualificada como "doméstica" e se marido como "lavrador" (fl. 45);

2) certidão de nascimento de filhos, ocorridos em 14.04.1976, 03.10.1981 e 19.07.1988, em que constou qualificada como "doméstica" e seu marido como "lavrador" (fls. 46-48);

3) extrato do CNIS de seu marido, constante dos autos do procedimento administrativo, com a seguinte anotação da servidora autárquica "apresentou 2 CTPS do marido que estão sem identificação (pg da foto frente ) porisso (sic) não juntei ao processo" (fl. 49).

Foram ouvidas testemunhas, em 20.05.2010 (fls. 83-84):

Testemunha Antônio Carlos Rodrigues: "o depoente se casou em 1989. conheceu a autora um ano antes de se casar. Conheceu-a trabalhando junto, no José Roberto Maríngoli. Trabalhou com a autora, na lavoura até 2002, pois em 2003 foi trabalhar na Prefeitura. Trabalharam juntos também no Flávio Donnabella, Luís Teixeira, Toratti, Roque Amadeu, etc. a autora continua trabalhando como bóia-fria, o que faz até o presente. Sabe disso, porque é vizinho da autora e a vê saindo para o trabalho. A autora trabalha o ano inteiro. Ela realiza todo tipo de serviço de lavoura. Trabalhavam sempre transportados por turmeiros. Não tinham registro em carteira. Eram diaristas. Lembra-se dos turmeiro Ismael, Aparecido Elias e Reginaldo. Sabe que a autora sai para o trabalho, porque a vê entrando na perua de turmeiro, com roupa de trabalho rural e mochila nas costas. A autora foi casada com Sebastião e tem oito filhos. Não sabe informar quando ela se separou. Sebastião também trabalhava na zona rural."

Testemunha Maria das Dores Cândido Souza: "conhece a autora há 20 anos. Nesse período ele (sic) sempre trabalhou na roça, como bóia-fria. A depoente sabe disso porque ela também trabalha como bóia-fria e já trabalharam em períodos concomitantes na mesma fazenda. Atualmente a autora esta trabalhando na fazenda Serrinha. Ela trabalha o ano todo, tanto na colheita como nos tratos culturais. A autora é casada, mas está separada do marido, não sabendo há quanto tempo. A depoente não tem registro em carteira. Sabe que a autora também não tem. O proprietário da fazenda Serrinha é o "Roquinho". A depoente também esta trabalhando atualmente nesta fazenda. Atualmente está apanhando café. Também trabalharam para o Toratti, Flávio Donabella, Olavo Barbosa, etc. não se em que anos trabalharam juntas, mas todo ano eram chamadas."

Em 1ª Instância, o pedido foi julgado procedente (fls. 87-89), sentença reformada em 2º grau de jurisdição, dando-se provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o pedido, conforme decisão monocrática terminativa de mérito (fls. 110-112), proferida pelo Juiz Federal convocado Leonardo Safi, da qual destaco o seguinte:

"[...] No caso, embora a parte autora tenha apresentado início de prova material do trabalho no campo, como a certidão de casamento, celebrado em 23.11.1970 e as certidões de nascimento de seus filhos: José Silvanir, nascido em 14.04.1976, Fernandes nascido em 03.10.1981 e Vanessa, nascida em 19.07.1988, nas quais se verifica o ex-cônjuge qualificado profissionalmente como lavrador, o conjunto probatório conduz à improcedência do pedido inicial. Isso porque não há documentos contemporâneos em nome da autora que indiquem o exercício de atividades rurais, na forma da legislação de regência.
Outrossim, não há como estender à autora a condição de rurícola do seu ex-cônjuge até o ano de 2004, tendo em vista a separação do casal.
Por sua vez, a prova testemunhal não e mostrou suficiente para demonstrar o exercício do labor rural no período carência para a concessão do benefício pretendido, nos termos da fundamentação exposta.
Assim, deve ser julgado improcedente o pedido inicial. [...]" (grifo nosso)

Sem interposição de recurso pelas partes, foi certificado o trânsito em julgado ocorrido em 07.06.2013 (fl. 114).

A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).

Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais".

Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.

De outro lado, para que seja reconhecido erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada na forma do artigo 485, IX, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, exige-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido.

Ainda, o erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.

Nesse sentido, encontra-se sedimentada a jurisprudência dos Tribunais superiores e desta Corte:

"EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. PENSÃO POR MORTE DE EX-COMBATENTE. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO AGRAVADA PUBLICADA EM 25.02.2016. 1. A hipótese de rescindibilidade insculpida no artigo 485, IX, do CPC de 1973, em que fundado o pedido, resulta configurada quando "a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido", sendo indispensável, em ambos os casos, "que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato" (CPC, artigo 485, §§ 1º e 2º). [...] o erro apto a ensejar a desconstituição do julgado é aquele que, corrigido, impõe outra solução para a causa, ou seja, deve ser capaz de influir de forma definitiva para a conclusão do julgado.[...]" (STF, 1ª Turma, AgRg/AR 1931, relatora Ministra Rosa Weber, DJe 10.03.2017)

"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. EX-COMBATENTE. ART. 485, IX, DO CPC. ERRO DE FATO. INEXISTÊNCIA. LEI 4.242/63. CONCEITO AMPLO DE EX-COMBATENTE. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. 1. O erro que dá ensejo à ação rescisória é o que passa despercebido pelo juiz e não aquele incidente sobre fato que foi alvo de divergência entre as partes e pronunciamento judicial. [...]" (STJ, 2ª Turma, REsp 1349189, relatora Ministra Eliana Calmon, DJe 19.06.2013)

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, VII e IX DO CPC/73. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. REQUISITOS PARA QUALIFICAÇÃO DOS DOCUMENTOS COMO "NOVOS" NÃO DEMONSTRADOS. EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO RURAL DO COMPANHEIRO. INVIABILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI NÃO DEMONSTRADA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUIRA CONCEDIDO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CPC, C/C O ART. 5º, XXXVI DA C.F. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. [...] 5 - O erro de fato apto a ensejar a configuração da hipótese de rescindibilidade prevista no artigo 485, IX, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil/73 é aquele que tenha influenciado decisivamente no julgamento da causa e sobre o qual não tenha havido controvérsia nem tenha sido objeto de pronunciamento judicial, apurável independentemente da produção de novas provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00189594320134030000, relator Desembargador Federal Paulo Domingues, DJe 19.05.2017)

É patente a inexistência de erro de fato no julgado, seja em decorrência da controvérsia entre as partes quanto ao efetivo exercício de atividade rural, seja porque houve pronunciamento judicial expresso sobre o fato.

Verifica-se que a prova material e a prova testemunhal produzidas nos autos da ação subjacente foram apreciadas e valoradas pelo Juízo originário, que entendeu pela insuficiência de ambas para comprovação do exercício de atividade rural no período imediatamente anterior à implementação do requisito etário e em número de meses idênticos aos da respectiva carência para fins da aposentação por idade.

No que tange à prova material, uma vez que os únicos documentos apresentados se encontravam em nome do marido da autora, bem como que se encontravam separados, entendeu o julgador originário pela inexistência de prova material quanto à continuidade do mourejo campesino após a separação do casal.

Não se olvida remansosa jurisprudência no sentido de ser extensível à mulher a condição de rurícola nos casos em que os documentos apresentados, para fins de comprovação da atividade campesina, indiquem o marido como trabalhador rural (confira-se: STJ, 3ª Seção, EREsp 1171565, relator Ministro Nefi Cordeiro, DJe 05.03.2015).

Entretanto, na situação concreta, a dissolução do convívio conjugal não mais permite presumir que a atividade rural posteriormente exercida pelo ex-marido também tivesse sido exercida pela autora, razão pela qual o julgador originário entendeu não lhe ser possível o aproveitamento dos vínculos empregatícios rurais de seu ex-marido.

Quanto ao ponto, ressalto que as testemunhas, quando inquiridas sobre a questão, não souberam informar desde quando o casal havia se separado.

Ademais, o aproveitamento por extensão de documentos em nome de terceiro deve guardar correlação lógica com a situação que se pressupõe comum. Explico. Razoável a presunção de que, ante a comprovação de que algum dos membros do núcleo familiar trabalhava em regime de economia familiar, os demais também o fizessem, eis que é pressuposto necessário e comum dessa atividade o apoio mútuo e o esforço comum, sem os quais o grupo não conseguiria se manter. A mesma presunção, entretanto, não vale para o diarista ou empregado rural, eis que o fato de um dos membros exercer funções laborativas nesta qualidade, não faz presumir que os demais também o façam, ante a inexistência de pressuposto comum ou de caraterística integrativa da parte ao todo.

Por oportuno, destaco trecho do voto condutor da relatora Desembargadora Federal Marisa Santos, no julgamento proferido, em 22.06.2017, à unanimidade desta 3ª Seção, com relação à Ação Rescisória n.º 2015.03.00.004818-6:

"[...] O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem, mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos. [...]"

Descartados os vínculos rurais do ex-marido, as demais provas materiais (certidões de seu casamento e nascimento dos filhos) não são contemporâneas ao período de carência, tal como manifestamente expressado no julgado rescindendo.

É forte o entendimento de que, ainda que não se exija prova material para todo o período de carência, a prova material indiciária deve se referir ao menos à parte desse interregno, isto é, deve haver concomitância temporal entre a prova material inicial e o lapso que se pretende comprovar em juízo, mormente quando verificado significativo decurso de tempo entre um e outro.

Nesse sentido, tem-se o enunciado de Súmula n.º 34 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais - TNU ("Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar."), bem como os seguintes precedentes do c. Superior Tribunal de Justiça e desta Corte:

"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. TRABALHADOR RURAL. APOSENTADORIA POR IDADE. PERÍODO LEGAL DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA. INEXISTÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 149/STJ. AÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Nenhum dos documentos apresentados comprova o exercício da atividade rural no período de carência (138 meses - artigos 142 e 143 da Lei nº 8213/91) imediatamente anterior ao requerimento do benefício (2004), havendo apenas a prova testemunhal colhida. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que "conquanto não se exija a contemporaneidade da prova material durante todo o período que se pretende comprovar o exercício de atividade rural, deve haver ao menos um início razoável de prova material contemporânea aos fatos alegados, admitida a complementação da prova mediante depoimentos de testemunhas" (AgRg no REsp 1150825/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 23/10/2014). 3. Incide a Súmula 149/STJ ("A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário"), cuja orientação foi confirmada no julgamento do REsp n. 1.133.863/RN, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Terceira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, uma vez que, no presente caso, a prova testemunhal não se fez acompanhar de qualquer documento contemporâneo ao tempo de atividade reclamado. 4. Ação rescisória improcedente." (STJ, 3ª Seção, AR 3994, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, v.u., DJe 23.09.2015)

"PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE DE TRABALHADOR RURAL. ÓBITO DO CÔNJUGE. INÍCIO MATERIAL DE PROVA. AUSÊNCIA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RESP 1.352.721/SP. - A aposentadoria por idade de rurícola exige idade mínima de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher), bem assim comprovação do exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência da benesse, conforme tabela progressiva, de cunho transitório, inserta no art. 142 da Lei nº 8.213/91, a ser manejada conforme o ano de implementação do requisito etário, ficando afastada a obrigatoriedade de contribuições. - Possibilidade de demonstração do labor campesino, mediante utilização de princípios de provas em nome do cônjuge da postulante da aposentadoria por idade, mesmo após o falecimento deste. - Nessa circunstância, os documentos indiciários devem guardar proximidade ao lapso de carência, exigindo-se, ainda, prova testemunhal robusta, no sentido de que a solicitante persistiu a labutar nas lides rurais, até completar a idade mínima à aposentação postulada. - In casu, muito embora as testemunhas tenham afirmado que a parte autora exerceu labor rural pelo interregno de carência, os elementos havidos como princípios de prova documental desservem à finalidade probante, à falta de contemporaneidade com o lapso no âmbito do qual haveria de ser demonstrada a faina campestre. - Precedente do STJ submetido à sistemática dos recursos representativos de controvérsia (REsp nº 1.352.721/SP), no qual se deliberou que a falta de eficaz princípio de prova material do labor campesino traduz-se em ausência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, abrindo ensejo à extinção do processo sem resolução de mérito. - Embargos infringentes desprovidos. - Extinção do processo, de ofício, sem resolução do mérito.(TRF3, 3ª Seção, EI 00330343420114039999, relatora Desembargadora Federal Ana Pezarini, v.u., DJe 01.12.2017)

Fazia-se imprescindível que a autora tivesse apresentado início de prova material em nome próprio e relativa ao período de carência, a fim de, em conjunto com outros meios probatórios (como a prova oral), demonstrar que permaneceu no mourejo rural por todo o período equivalente à carência do benefício e imediatamente anterior à implementação do requisito etário para sua aposentação.

Outrossim, ainda que se conheça de entendimento contrário à necessidade de início de prova material contemporânea ao período que se pretende comprovar como exercido na lida campesina, trata-se de questão controvertida até os dias atuais, atraindo a aplicação do enunciado de Súmula n.º 343 do e. STF.

O julgado não se afastou dos parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época. Tem-se que o Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível.

A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas. Nesse sentido, confira-se precedentes desta 3ª Seção:

"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V e IX DO CPC/73. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL ACERCA DO LABOR RURAL DA AUTORA. VIOLAÇÃO AO ART. 55, § 3º DA LEI DE BENEFÍCIOS AFASTADA. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA. INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO NOVO CPC, C/C O ART. 5º, XXXVI DA C.F. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. [...] 2 - A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 485, V do Código de Processo Civil/73 ( atual art 966, V do CPC) decorre da não aplicação de uma determinada lei ou do seu emprego de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade, dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária. 3 - O julgado rescindendo reconheceu como não comprovado o labor rural durante todo o período afirmado na ação originária, negando aos documentos juntados pelo requerente para sua comprovação a qualidade de início de prova material conforme previsto no art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91. Pleito rescisório que reside precipuamente na rediscussão dos requisitos para o reconhecimento do tempo de serviço como trabalhadorA rural invocado pela parte autora, com o questionamento do critério de valoração da prova produzida na ação originária adotado pelo julgado rescindendo, fundamentado no livre convencimento motivado, com sua revaloração segundo os critérios que o autor entende corretos. 4 - Hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do artigo 485 do CPC/73 não configurada, pois das razões aduzidas na petição inicial não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo incorrido em interpretação absolutamente errônea da norma regente da matéria, não configurando a violação a literal disposição de lei a mera injustiça ou má apreciação das provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00333455420084030000, relator Desembargador Federal Paulo Domingues, DJe 03.02.2017)

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. AÇÃO RESCISÓRIA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. PROVA ORAL INCONSISTENTE. DOCUMENTO NOVO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI AFASTADA. MERO REEXAME DA PROVA PRODUZIDA NA AÇÃO ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. PRELIMINAR REJEITADA. AGRAVO IMPROVIDO. [...] 2 - Mantida a decisão agravada que resolveu de maneira fundamentada a questão, afastando a pretensão rescisória direcionada exclusivamente ao questionamento do critério de valoração da prova produzida na ação originária e adotada Na r. decisão rescindenda, fundamentado no livre convencimento do julgador. 3 - Prova testemunhal inconsistente. 4 - Não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo incorrido na hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V, do artigo 485 do CPC, pois a autora não comprovou sua atividade rural e, se assim foi, não há que se falar em violação à disposição de lei a mera injustiça ou má apreciação das provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, Ag/AR 00193564420094030000, relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, DJe 30.03.2016)

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. PRELIMINAR CONFUNDE-SE COM O MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. ALEGAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO DO FALECIDO À APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ERRO DE FATO NÃO CARACTERIZADO. DOCUMENTOS NOVOS INSERVÍVEIS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. [...] 18. Entendo não terem sido violados os dispositivos apontados. Com base no princípio do livre convencimento motivado, a prestação jurisdicional foi entregue de acordo com uma das soluções possíveis para a situação fática apresentada, à luz da legislação de regência. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00007730620124030000, relatora Desembargadora Federal Daldice Santana, DJe 26.11.2014)

Dessa forma, não reconheço a ocorrência de erro de fato ou violação à literal disposição das normas que regulam o direito dos trabalhadores rurais à aposentadoria por idade.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar suscitada e, em iudicium rescindens, julgo improcedente a presente ação rescisória, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015.

Custas na forma da lei.

Condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal para as dívidas civis, conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.

É como voto.

CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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