Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/07/2010
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001682-68.2005.4.03.6119/SP
2005.61.19.001682-5/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Fazenda do Estado de Sao Paulo
ADVOGADO : PRISCILA REGINA DOS RAMOS e outro
APELANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
APELADO : JANAINA NUNES PEREIRA incapaz
ADVOGADO : LUCIANE MARTINS PEREIRA e outro
REPRESENTANTE : CICERO JOSE NUNES PEREIRA
ADVOGADO : LUCIANE MARTINS PEREIRA e outro

EMENTA

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. UNIÃO FEDERAL. FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO. LEGITIMIDADE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIABETES TIPO 1. FAMÍLIA QUE NÃO DISPÕE DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS PARA OFERECER À CRIANÇA DOENTE OS CUIDADOS NECESSÁRIOS. DIREITO À SAÚDE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ARTIGO 196 E SEGUINTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI Nº. 8.080/90.
1. Tanto a União Federal quanto a Fazenda do Estado de São Paulo são partes legítimas para integrarem o pólo passivo da demanda em face da responsabilidade solidária dos entes federativos que compõe o Sistema Único de Saúde - SUS, podendo, em razão disso, quaisquer deles integrar referida posição processual na demanda em que se pretende o fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico.
2. Quanto ao mérito da causa, trata-se a autora de pessoa menor impúbere, com onze anos de idade, portadora de diabetes infantil do tipo 1, tornando-se dependente de insulina, fitas de glicosímetro para controle da glicemia, e demais medicamentos de custo elevado, além de necessitar de uma alimentação especial, baseada em alimentos naturais e dietéticos, também onerosos.
3. Com efeito, restou provado, por meio de documentos e de laudo técnico, que a autora necessita de medicamentos especiais e onerosos para manter a sua saúde, sendo certo que tais remédios demandam condição financeira que a sua família não ostenta.
4. Ora, a ordem social erigida pela Constituição Federal de 1988 tem como objetivo o bem-estar de todos, encontrando fundamento no sumo princípio da dignidade humana, decorrendo daí a preocupação do legislador constituinte originário em dispor que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196) e, com relação à criança e ao adolescente, ordena, de forma incisiva, no artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à vida, à saúde.
5. Anote-se que além de o direito à vida e à saúde encontrarem-se capitulados entre os direitos fundamentais do homem, foi editada a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
6. Assim, tais diretrizes ganharam força e operatividade com a vigência do referido diploma legal, assegurando, pois, o acesso igualitário e universal aos serviços de saúde, bem como à integralidade da assistência, dispondo a lei que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º), sendo objetivo do Sistema Único de Saúde, entre outros, a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (art. 5º, III), além de prever que está incluída no campo de atuação do SUS a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (art. 6º, I, d).
7. Ora, se é dever da família, da sociedade e do Estado, garantir à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde, no caso em tela, não dispondo a família da apelada de meios para fazê-lo, compete à sociedade e ao Estado a viabilização dos recursos para garantir a referida proteção. Frise-se, o comando constitucional assevera que se trata de dever que goza de absoluta prioridade, não podendo a Administração descurar quando instada a oferecer meios adequados e razoáveis, segundo a necessidade e as circunstâncias do caso concreto.
8. Cabe registrar, ainda, que o artigo 1º, da Lei Paulista 10.782/2001 prevê que "O Sistema Único de Saúde - SUS prestará atenção integral à pessoa portadora de diabetes em todas as suas formas assim como dos problemas de saúde a ele relacionados, tendo como diretrizes (art. 1º): a universalidade, a integralidade, a equidade, a descentralização e a participação da sociedade na definição e no controle das ações e dos serviços de saúde, nos termos da Constituição Federal,da Constituição Estadual e do Código de Saúde do Estado de São Paulo e suas leis reguladoras (inc. I); bem como o direito à medicação e aos instrumentos e materiais de auto-aplicação e autocontrole,visando a maior autonomia possível por parte do usuário (inciso V).
9. Ademais, o direito à vida, por si só, já bastaria para dispensar qualquer fundamentação, constituindo pressuposto de todos os demais direitos. Assim, esse direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, deve se sobrepor quando confrontado com qualquer outro. Qualquer empenho destinado a salvar uma vida é digno de louvor, não sendo plausível qualquer tentativa de escusa por parte do Estado, seja sob o frágil argumento de alto custo de dispêndio monetário ou a falta de previsão orçamentária para tanto ou, ainda, sob o argumento de ser mero financiador e gestor do SUS e não executor de suas atividades, não podendo propiciar a concessão de tratamento e medicamento aos necessitados.
10. Outrossim, não merece prosperar, in casu, a alegação de intervenção indevida do Poder Judiciário ao determinar ao determinar o fornecimento dos medicamentos que melhor atendam a necessidade da autora, sendo certo que restou demonstrado nos autos a sua mais absoluta necessidade, bem como a impossibilidade da família em oferecer o tratamento adequado com a dignidade merecida, não podendo prevalecer eventual negativa de tratamento em detrimento do direito à vida.
11. Em suma, é dever do Estado, garantir, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde daqueles que necessitam de sua atuação em face da própria hipossuficiência. No caso em tela, não dispondo a família da apelada de meios para fazê-lo, compete à sociedade e ao Estado a viabilização dos recursos para garantir a referida proteção.
12. Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e da Egrégia Turma.
13. Apelações a que se nega provimento, para manter íntegra a sentença recorrida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a questão preliminar de ilegitimidade ad causam e negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 08 de julho de 2010.
VALDECI DOS SANTOS
Juiz Federal Convocado


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RELATÓRIO

Trata-se de apelações, em sede de ação ordinária, ajuizada com o objetivo de obter provimento jurisdicional para condenar as rés a fornecerem à autora os medicamentos necessários para o tratamento de diabetes infantil tipo 1, relacionados no relatório de seu médico e na receita acostada à inicial, indispensáveis à sua sobrevivência.

A r. sentença (fls. 162/178) julgou procedente o pedido, com resolução do mérito do processo, a teor da norma contida no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, confirmando a tutela antecipada que fora deferida (fls. 32/35).

Apelou a Fazenda do Estado de São Paulo (fls. 183/191), argüindo preliminar de ilegitimidade passiva de parte e, no mérito, aduzindo, em suma, que o direito à saúde, embora fundamental, não é absoluto ou irrestrito, estando sujeito a restrições constitucionais, à disponibilidade do tratamento pleiteado, ao orçamento, etc., sob pena de inviabilidade do sistema. Assim sendo, tratamento particular, oneroso ou específico, significa impor tratamento desigual, em detrimento do acesso universal igualitário das pessoas ao atendimento. Ademais, cabe ao Ministério da Saúde regulamentar e direcionar sua atuação, com base nos recursos disponíveis, estabelecendo o critério técnico e a ordem de extensão do atendimento a ser prestado no que se refere à distribuição de medicamento a pacientes necessitados, sendo certo que a obrigação de fornecer os bens indicados na inicial caracteriza indevida ingerência do Poder Judiciário no Poder Executivo.

Apelou também a União Federal (fls. 204/215), arguindo preliminar de ilegitimidade passiva, e, no mérito alegando, em suma, que a concessão de medicamento e tratamento médico por meio de liminares e processos judiciais, ainda que não intencionalmente, repercute na alocação de recursos públicos e em toda a população beneficiária pelo SUS. Assim, a concessão diferenciada de tratamento médico para um paciente quebra a isonomia e impessoalidade entre os beneficiários, além de comprometer a realidade orçamentária, com reflexos diretos no custeamento mínimo existencial garantido a todos aqueles que dependem da saúde pública, devendo prevalecer a saúde da coletividade. Ademais, inviável o fornecimento de medicamentos não-credenciados pelo SUS, sendo certo que a Insulina Humalog solicitada pode ser substituída pela Insulina Regular, pugnando pela reforma da sentença fustigada.

Foram oferecidas contra-razões aos recursos interpostos (fls. 194/201 e 219/225).

O Ministério Público Federal opinou (fls. 231/235) pelo não provimento dos recursos.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

É o relatório.


VALDECI DOS SANTOS
Juiz Federal Convocado


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VOTO

Senhores Julgadores, insta, primeiramente, deslindar a questão preliminar de ilegitimidade passiva, argüida tanto pela Fazenda do Estado de São Paulo, quanto pela União Federal, e a primeira observação cabível é a de que a sentença decidiu-a de forma proficiente (fls. 164/165). Porém, tendo as partes apelantes retornado ao tema, cabe observar apenas que ambas as rés são parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda em face da responsabilidade solidária dos entes federativos que compõe o Sistema Único de Saúde - SUS, podendo, em razão disso, quaisquer deles integrar o pólo passivo da demanda em que se pretende o fornecimento de medicamentos ou de tratamento médico.

Nesse sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu o seguinte: 1. "(...) 3. A Lei Federal n.º 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. 5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 6. Recurso especial improvido." (RESP nº 656.979/RS, 2ª Turma, rel. Min. Castro Meira, DJ, 07/03/2005, p. 230). 2. "(...) 2. Sendo o Sistema Único de Saúde (SUS) composto pela União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, impõe-se o reconhecimento da responsabilidade solidária dos aludidos entes federativos, de modo que qualquer deles tem legitimidade para figurar no pólo passivo das demandas que objetivam assegurar o acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros." (RESP nº 772.264/RJ, 2ª Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 09/05/2006, p. 207). 3. "(...) 7. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles. Precedentes: REsp 878080/SC; Relatora Ministra ELIANA CALMON; SEGUNDA TURMA; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264/RJ; Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA SEGUNDA TURMA; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979/RS, Relator Ministro CASTRO MEIRA, DJ 07.03.2005." (AGA nº 842.866/MT, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ 03/09/2007, p. 127). 4. "(...) 4. O Estado, o Distrito Federal e o Município são partes legítimas para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de pessoa carente, podendo a ação ser proposta em face de quaisquer deles. Precedentes: REsp 878080/SC; Segunda Turma; DJ 20.11.2006 p. 296; REsp 772264/RJ; Segunda Turma; DJ 09.05.2006 p. 207; REsp 656979/RS, DJ 07.03.2005" (AGA nº 1044354/RS, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, 03/11/2008).

No mesmo sentido também já decidiu esta Egrégia Turma, como atestam os seguintes excertos de julgados: 1. "1. É solidária a obrigação dos entes federados, integrantes do Sistema Único de Saúde, pelo fornecimento de tratamentos e medicamentos necessários à garantia da saúde e vida, por isso inviável - nos limites do recurso - o reconhecimento da ilegitimidade passiva da União Federal. 2. Consolidada a jurisprudência, firme no sentido da prevalência da garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde deve prover os meios para o fornecimento de medicamento e tratamento que sejam necessários, segundo prescrição médica, a pacientes sem condições financeiras de custeio pessoal ou familiar, sem o que se afasta o Estado da sua concepção de tutela social, reconhecida e declarada pela Constituição de 1988." (AG nº 301.890/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, DJF3, 23/09/2008); 2. "A União é parte legítima nesta contenda, em face de sua obrigação constitucional de resguardar e promover a saúde à população, solidariamente com os Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, transferindo a gestão da saúde aos três níveis de governo, ainda que cada esfera política compartilhe atribuições diversas. 2 - O SUS pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido." (AG nº 311.500/SP, rel. Des. Fed. Nery Júnior, DJF3, 09/09/2008). 3. "É solidária a obrigação dos entes federados, integrantes do Sistema Único de Saúde, pelo fornecimento de tratamentos e medicamentos necessários à garantia da saúde e vida, por isso inviável o reconhecimento da ilegitimidade passiva da União Federal" (AC nº 1.177.761/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, DJU, 23/05/2007, p. 722).

Assim sendo, rejeito a questão preliminar de ilegitimidade de parte argüida pela Fazenda do Estado de São Paulo e pela União Federal.

Adentrando ao exame do mérito da causa, verifico que a autora, menor impúbere, com onze anos, à época dos fatos, é portadora de diabetes infantil do tipo 1, tornando-se dependente de insulina, fitas de glicosímetro para controle da glicemia, e demais medicamentos de custo elevado, além de necessitar de uma alimentação especial, baseada em alimentos naturais e dietéticos, também onerosos.

Portanto, o gasto médio mensal que a apelada tem com os medicamentos atinge a cifra de R$ 600,00 (seiscentos reais) aproximadamente, além da dificuldade enfrentada para encontrar os remédios, os quais muitas vezes têm de ser encomendados. Todavia, a sua família não dispõe de condição financeira para tratá-la da maneira de que esta necessita e com os cuidados que o seu estado de saúde exige, necessitando de auxílio do Estado, por meio do SUS.

Com efeito, verifico que restou, de fato, comprovado nos autos, por meio de documentos e até mesmo laudo técnico, que a autora necessita de medicamentos especiais e onerosos para manter a sua saúde, sendo certo que tais remédios demandam condição financeira que, conforme visto, a sua família não possui.

Ora, a ordem social erigida pela Constituição Federal de 1988, tem como objetivo o bem-estar de todos, encontrando fundamento no sumo princípio da dignidade humana, decorrendo daí a preocupação do legislador constituinte originário em dispor que a saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196) e, com relação à criança e ao adolescente, ordena, de forma incisiva, no artigo 227, o seguinte: "É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão."

Ademais, além de o direito à vida e à saúde encontrarem-se capitulados entre os direitos fundamentais do homem, foi editada a Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.

Assim, tais diretrizes ganharam força e operatividade com a vigência do referido diploma legal, assegurando, pois, o acesso igualitário e universal aos serviços de saúde, bem como à integralidade da assistência, dispondo a lei que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício (art. 2º), sendo objetivo do Sistema Único de Saúde, entre outros, a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas (art. 5º, III), além de prever que está incluída no campo de atuação do SUS a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (art. 6º, I, d).

Dessa forma, se é dever da família, da sociedade e do Estado, garantir à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde, no caso em tela, não dispondo a família da apelada de meios para fazê-lo, compete à sociedade e ao Estado a viabilização dos recursos para garantir a referida proteção. Frise-se, o comando constitucional assevera que se trata de dever que goza de absoluta prioridade, não podendo a Administração descurar quando instada a oferecer meios adequados e razoáveis, segundo a necessidade e as circunstâncias do caso concreto, certo que, na hipótese, restou asseverado pelo perito judicial que "o uso de Insulina Lantus e Humalog ao invés da NPH e Simples tem a vantagem de diminuir a incidência de crises hipoglicêmicas, crises convulsivas e de cetoacidose." (fls. 137), não sendo, pois, razoável aceitar o argumento de que é possível a substituição das insulinas requeridas pela autora por essas últimas, visto que poderia debilitar o seu estado de saúde.

Cabe registrar, ainda, que o artigo 1º, da Lei Paulista 10.782/2001 prevê que "O Sistema Único de Saúde - SUS prestará atenção integral à pessoa portadora de diabetes em todas as suas formas assim como dos problemas de saúde a ele relacionados, tendo como diretrizes (art. 1º): a universalidade, a integralidade, a equidade, a descentralização e a participação da sociedade na definição e no controle das ações e dos serviços de saúde, nos termos da Constituição Federal,da Constituição Estadual e do Código de Saúde do Estado de São Paulo e suas leis reguladoras (inc. I); bem como o direito à medicação e aos instrumentos e materiais de auto-aplicação e autocontrole,visando a maior autonomia possível por parte do usuário (inciso V).

Apenas à guisa de registro, inobstante referida legislação estadual, em 2006 foi editada a Lei Federal nº. 11.347, que dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos e materiais necessários à sua aplicação e à monitoração da glicemia capilar aos portadores de diabetes inscritos em programas de educação para diabéticos, restando amplamente demonstrada a preocupação do legislador com a matéria em questão.

Ademais, o direito à vida, por si só, já bastaria para dispensar qualquer fundamentação, constituindo pressuposto de todos os demais direitos. Assim, esse direito fundamental assegurado pela Constituição Federal, deve se sobrepor quando confrontado com qualquer outro. Qualquer empenho destinado a salvar uma vida é digno de louvor, não sendo plausível qualquer tentativa de escusa por parte do Estado, seja sob o frágil argumento de alto custo de dispêndio monetário ou a falta de previsão orçamentária para tanto ou, ainda, sob o argumento de ser mero financiador e gestor do SUS e não executor de suas atividades, não podendo propiciar a concessão de tratamento e medicamento aos necessitados.

Aliás, acerca do tema, preleciona a ministra da Suprema Corte brasileira, Cármen Lúcia Antunes Rocha (O Direito à Vida, Editora Fórum, 2004, p. 260) que "o caput do art. 5º da Constituição Federal cuida de proteger, imediatamente, como direito básico e primário do cidadão à vida. Neste sentido, a vida não pode ser compreendida apenas como dado biológico, mas em todos os seus aspectos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). Daí que, se a vida é direito primário do cidadão, o direito à existência também segue a mesma linha, pois consiste no exercício do indivíduo em lutar pelo viver, de defender a própria vida, de estar vivo, de permanecer vivo."

Cabe ressaltar que o princípio da dignidade da pessoa humana deve caminhar ao lado do direito à vida, pois de nada valeria um sem a existência do outro.

Como bem assevera Ingo Wolfgang Sarlet (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004, p. 59): "o que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças"

Em razão disso, o Superior Tribunal de Justiça já deixou exarado o seguinte: "(...). 5. O Sistema Único de Saúde - SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 6. Configurada a necessidade de recorrido ver atendida a sua pretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida, sendo certo que a saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado." (AGA nº 842.866/MT, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, DJ, 03/09/2007, p. 127).

No âmbito desta Corte Regional não é outro o entendimento, conforme atestam os seguintes julgados proferidos por esta Egrégia Turma: 1. ""CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL CIVIL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO - DOENÇA GRAVE - LEGITIMIDADE DA UNIÃO - OBRIGAÇÃO ESTATAL SOLIDÁRIA - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - DEVER DE FORNECER O MEDICAMENTO. I - Se por um lado é factível que, nos moldes da descentralização instituída pelo SUS, não caiba à União o fornecimento de medicamentos, por outro, impende ressaltar que o direito à percepção de medicamentos decorre primeiramente do direito à vida, garantido no "caput" do art. 5º da Constituição Federal, pelo qual o Estado deve zelar. Também é garantido o direito à saúde (art. 6º), sendo de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios o cuidado com ela (art. 23, II), bem como a organização da seguridade social, garantindo a "universalidade da cobertura e do atendimento", (art. 194, parágrafo único, I). II - O STF e o STJ já decidiram que a obrigação de fornecer remédios aos necessitados decorre de preceito constitucional, sendo solidária a responsabilidade da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. III - Nos termos do artigo 196 da Constituição Federal a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Em seu artigo 198, a Constituição da República assegura que as ações e serviços públicos de saúde devem ter como diretriz o atendimento integral, linha mestra elevada à categoria de princípio pela Lei nº 8.080/90, cujo artigo 7º, II, edita: "Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: (...) II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;" IV - Por integralidade da assistência deve-se entender o fornecimento de remédios àqueles que precisam, atividade incluída no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme se extrai do artigo 6º, I, "d", da já mencionada Lei nº 8.080/90. V - Os documentos acostados aos autos demonstram ser autora portadora de Diabetes Mellitus Tipo 1, apresentando quadro de hipoglicemias assintomáticos, tendo havido sensível melhora com o uso da insulina glargina (Lantus). Há provas também, não contestadas, de que os remédios dos quais a autora precisa lhe oneram em mais de novecentos reais mensais, quantia bastante elevada para a imensa maioria dos brasileiros. VI - Os comandos emanados da Constituição da República Federativa do Brasil e da Lei (Lei nº 8.080/90) são destinados a proteger um bem maior - o direito à vida -, não sendo admissível alegações de cunho meramente financeiro para obstar o fornecimento de medicamento a quem necessita. Assim, sopesados todos os valores envolvidos, aqueles relacionados ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à saúde, à assistência social e à solidariedade, devem prevalecer sobre eventuais restrições financeiras. Precedentes. VII - Apelações e remessa oficial improvidas."" (ApelRee 1462871, Processo 20046114005669-0, rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, DJF3 CJ1 06.04.2010, p. 237); 2. "Consolidada a jurisprudência, firme no sentido da prevalência da garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde deve prover os meios para o fornecimento de medicamento e tratamento que sejam necessários, segundo prescrição médica, a pacientes sem condições financeiras de custeio pessoal ou familiar, sem o que se afasta o Estado da sua concepção de tutela social, reconhecida e declarada pela Constituição de 1988." (AG nº 301.890/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, DJF3, 23/09/2008). 3. " (...). 2. O SUS pressupõe a integralidade da assistência, de forma individual ou coletiva, para atender cada caso em todos os níveis de complexidade, razão pela qual, comprovada a necessidade do medicamento para a garantia da vida da paciente, deverá ser ele fornecido. 3 - Sob a óptica de princípios constitucionais - da dignidade humana, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade - infere-se que a lesão grave e de difícil reparação se mostra, na verdade, na expectativa de vida do paciente. 4 - É fundamental que o fornecimento gratuito atinja toda a medicação necessária ao tratamento dos necessitados, significando que não só são devidos os remédios padronizados pelo Ministério da Saúde, como todos aqueles que porventura sejam necessários às particularidades de cada paciente." (AG nº 311.500/SP, rel. Des. Fed. Nery Junior, DJF3, 09/09/2008). 4. "(...). Tem relevância e fundamento constitucional a pretensão deduzida, pois afirmou e consagrou o constituinte como fundamental o direito à saúde, atribuindo ao Poder Público a obrigação de promover políticas públicas específicas, e conferindo ao economicamente hipossuficiente a especial prerrogativa de reivindicar do Estado a garantia de acesso, universal e gratuito, a todos os tratamentos disponíveis, preventivos ou curativos, inclusive com o fornecimento de medicamentos necessários à preservação do bem constitucional. 4. A Constituição de 1988, ao instituir o sistema único de saúde, erigiu à condição de princípio o atendimento integral (artigo 198, II), concretizando o compromisso pleno e eficaz do Estado com a promoção da saúde, em todos os seus aspectos, mediante a garantia de acesso a hospitais, tecnologias, tratamentos, equipamentos, terapias, e medicamentos, e o que mais necessário à tutela do direito fundamental. 5. A compreensão do direito, assim construído em consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana, permite rejeitar os fundamentos de ordem econômica que, com freqüência, são deduzidos pelo Poder Público. Neste sentido, cabe salientar que o que se tem como preponderante, acima do interesse econômico, orçamentário e administrativo do ente público onerado, foi, por opção inequívoca e legítima do constituinte, o direito individual e social à saúde, especialmente em relação aos economicamente hipossuficientes que para controle e tratamento de doença grave necessitam, como condição de sobrevivência com dignidade, de medicamentos especiais, de custo além de suas posses, e não fornecidos, voluntária e gratuitamente, pelo Poder Público." (AC nº 1.177.761/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, DJU, 23/05/2007, p. 722).

Outrossim, não merece prosperar, in casu, a alegação de intervenção indevida do Poder Judiciário ao determinar o fornecimento dos medicamentos que melhor atendam a necessidade da autora, sendo certo que restou demonstrado nos autos a sua mais absoluta necessidade, bem como a impossibilidade da família em oferecer o tratamento adequado com a dignidade merecida, não podendo prevalecer eventual negativa de tratamento em detrimento do direito à vida.

Quanto a esse ponto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, na obra acima mencionada, afirma o seguinte: "Mesmo quando algumas ações não estão previstas em lei como prestações devidas pelo Estado para a garantia do direito à saúde, pode-se aplicá-lo diretamente quando estiver em risco a continuidade da vida humana, que só possa ser garantida com a intervenção estatal. Nesses casos, o fundamento encontra-se na obrigação de o Estado garantir um nível de vida para seus cidadãos que seja compatível com o princípio da dignidade da pessoa humana, cabendo ao Judiciário determinar o cumprimento dessa obrigação. (...). É claro que haverá sempre a necessidade de realizar um juízo de ponderação para identificar as situações em que o direito à saúde deve prevalecer sobre a distribuição de competências entre o Poder Judiciário e os demais Poderes. Entendo que, em situações nas quais a intervenção judicial é a única via para garantir o mínimo necessário para a vida digna, está justificado impor ao Estado o cumprimento de suas obrigações constitucionais referentes aos direitos a prestações". (opus cit., p. 266/267).

Também a propósito já decidiu esta Egrégia Turma, como se verifica no seguinte excerto de julgado: "Os princípios invocados pelo Poder Público, inseridos no plano da legalidade, discricionariedade e economicidade de ações e custos, mesmo como emanações do princípio da separação dos Poderes, não podem prevalecer sobre valores como vida, dignidade da pessoa humana, proteção e solidariedade social, bases e fundamentos de nossa civilização. Nem mesmo o requisito formal da licitação, cuja legislação conhece hipóteses de dispensa e inexigibilidade, pode impor-se em circunstâncias tão especiais, de perigo de vida ou à saúde, o que, por evidente, não autoriza que, com tal pretexto, sejam praticadas arbitrariedades, desvios de poder e de finalidade." (AC nº 1.177.761/SP, rel. Des. Fed. Carlos Muta, DJU, 23/05/2007, p. 722).

Em suma, é dever do Estado, garantir, com absoluta prioridade, o direito à vida e à saúde daqueles que necessitam de sua atuação em face da própria hipossuficiência. No caso em tela, não dispondo a família da apelada de meios para fazê-lo, compete à sociedade e ao Estado a viabilização dos recursos para garantir a referida proteção, impondo-se, pois, a confirmação da sentença atacada.

Ante o exposto, rejeito a questão preliminar de ilegitimidade de parte e nego provimento às apelações, para manter íntegra a sentença recorrida.

É como voto.


VALDECI DOS SANTOS
Juiz Federal Convocado


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