D.E. Publicado em 04/10/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e às apelações interpostas, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial, havida como submetida, e de apelações interpostas em face de sentença proferida nos autos de ação de conhecimento em que se pleiteia o cancelamento do desdobramento da pensão por morte NB 21/070.136.442-4, bem como a restituição dos valores indevidamente descontados do benefício da autora, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora.
O MM. Juízo a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS a cancelar o desdobramento da pensão por morte, devendo pagar à autora o benefício em seu valor integral, a contar da data de entrada do requerimento admistrativo (DER), em 30.08.2010, acrescido de juros e correção monetária, e honorários advocatícios nos percentuais mínimos previstos nos Arts. 85, §§ 3º e 4º, inciso II e § 5º, do CPC, concedendo a tutela específica para determinar a imediata cessação do desdobramento do benefício.
Inconformada, apela a corré Guiomar Julião de Amorim, em busca da reforma da r. sentença. Preliminarmente, pugna pela concessão dos benefícios da gratuidade da Justiça. No mérito, sustenta, em síntese, que o seu direito à pensão por morte foi reconhecido em processo administrativo no qual restou clara a relação conjugal que manteve com o segurado instituidor. Argumenta que no período desse relacionamento, o de cujus estava separado de fato da autora, primeira esposa. Aduz que, comprovada a sua qualidade de dependente, faz jus à cota-parte de 50% da pensão por morte.
Por sua vez, a autarquia previdenciária, em suas razões recursais, requer, em sede de preliminar, a suspensão da eficácia da tutela concedida, até o julgamento de sua apelação por esta Corte Regional. Subsidiariamente, pleiteia que o termo inicial da concessão do benefício integral em favor da autora seja fixado na data de concessão da pensão à corré. Pugna, ainda, pela aplicação do Art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, no que concerne aos cálculos de juros e correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A pensão por morte é devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, e independe de carência (Lei 8.213/91, Art. 74 e Art. 26).
Para a concessão do benefício são requisitos a qualidade de dependente, nos termos da legislação vigente à época do óbito, bem assim a comprovação da qualidade de segurado do falecido, ou, independentemente da perda da qualidade de segurado, o preenchimento dos requisitos para concessão da aposentadoria (Lei 8.213/91, Art. 15 e Art. 102, com a redação dada pela Lei 9.528/97; Lei 10.666/03).
O óbito de Ademar Regis de Souza ocorreu em 04/04/1991 (fls. 31) e sua qualidade de segurado é incontroversa nos autos.
A controvérsia nos autos restringe-se à questão sobre a legitimidade da corré Guiomar Julião Amorim para habilitar-se como co-beneficiária da pensão instituída pelo segurado falecido, pois a qualidade de dependente da autora, enquanto cônjuge, já foi reconhecida administrativamente pelo INSS, ao deferir-lhe o benefício NB 21/070.136.442-4, em 04/04/1991 (fls. 342), o qual recebeu com exclusividade até março/2012. No mesmo sentido, a certidão de casamento, a fls. 36, comprova o casamento entre a autora e o de cujus, realizado em 15/05/1958.
A dependência econômica da companheira é presumida, consoante se infere do disposto no Art. 16, I e § 4º da Lei 8.213/91 (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011).
Verifico, em análise das cópias do processo administrativo que instrui os presentes autos (fls. 65/174), que, para comprovar a alegada união estável com o de cujus, a corré apresentou:
- cópia da certidão de óbito do ex-segurado, na qual consta que o mesmo faleceu em 04/04/1991, e que era residente e domiciliado na rua Francisco Tapajós, 502, Saúde, São Paulo/SP, que era casado com Ana Villani de Souza, e que deixou os filhos Mario, Siomara e Ana Lucia (fls. 70);
- cópia da certidão de casamento da corré com o ex-segurado, junto à Igreja Evangélica Assembleia de Deus, realizado em 06/05/1985 (fls. 74);
- cópia da certidão de nascimento do filho Rafael, nascido em 08/12/1989, em que constam, como genitores, a corré e o de cujus (fls. 75);
- envelopes de correspondência em nome do ex-segurado e em nome da requerente, como o mesmo endereço para ambos, na rua General Camisão, 31, Saúde, São Paulo/SP (fls. 77 e 98/99);
- comprovante de pagamento de imposto sobre a propriedade de veículos automotores, em nome da corré, em que consta o mesmo endereço (fls. 78);
- cópia de pedido de mercadoria em nome do ex-segurado à Av. Jabaquara, 424 - Saúde, São Paulo/SP (fls. 79);
- cópia de proposta de admissão de plano de assistência integral, em que consta o ex-segurado como titular e a corré como dependente (fls. 80);
- declarações testemunhais, por escrito, de 13 testemunhas, as quais confirma a relação marital havida entre a corré e o de cujus (fls. 82/96);
- cópias de recibo bancário em nome da interessada, com o mesmo endereço à rua General Camisão, 31 (fls. 97);
- cópias de recibos de aluguel em nome do ex-segurado, relativos aos meses de agosto/1985 a fevereiro/1991, em que consta o mesmo endereço (fls. 100/109).
Ademais, verifico que a prova oral produzida no procedimento de justificação administrativa corrobora a prova material apresentada, eis que as testemunhas inquiridas confirmaram que a corré e Ademar Regis de Souza conviveram como marido e mulher, ao longo da década de 1980 até o óbito, em 1991 (fls. 141/143). Também a prova oral colhida em Juízo confirma esse convívio, consoante os depoimentos prestados pelas testemunhas Aparecida de Paiva Gomes e Doralice Ferreira de Oliveira (fls. 299/308). As testemunhas Luiz Francisco Figueiredo Liberato Scioli, Marlene Santos de Souza e Maria Fernandes Gonçalves dos Santos, por sua vez, corroboraram apenas a relação conjugal entre a autora e o de cujus.
Desta forma, o conjunto probatório, analisado segundo o princípio do livre convencimento motivado, permite concluir que o segurado instituidor manteve duas relações maritais concomitantes. Tanto a autora como a corré Guiomar, com efeito, demonstraram, satisfatoriamente, a affectio maritalis.
A corré, por outro lado, também demonstrou, satisfatoriamente, a estabilidade da relação, o que afasta a hipótese de ter mantido mero relacionamento extraconjugal, fortuito e transitório, com o falecido.
Desta forma, ficou demonstrado que, simultaneamente ao casamento formal com a autora, e sem que ocorresse a separação de fato, o de cujus manteve com a corré uma relação de união estável, em que configurada a convivência pública, contínua e duradoura, por meio da qual constituiu uma nova família.
Necessário esclarecer que não há que se alegar haver prolação de decisão contra legem, em face do reconhecimento da relação marital havida entre a corré e o ex-segurado, sob o argumento de incompatibilidade entre o reconhecimento da união estável, decorrente de concubinato impuro de longa duração, e a coexistência de vínculo conjugal sem a separação de fato.
Conforme já se pronunciou o Egrégio Supremo Tribunal Federal, "a superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. (...) O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei", em acórdão cuja ementa foi redigida nos seguintes termos:
Na mesma linha, cito precedentes jurisprudenciais que se orientam no sentido da possibilidade de concomitância entre o casamento legítimo e a existência de relação de união estável:
No âmbito desta Corte, tem-se adotado o mesmo entendimento, in verbis:
Outrossim, cabe ressaltar que o Pretório Excelso reconheceu a existência da repercussão geral da questão constitucional sobre a possibilidade de reconhecer direitos previdenciários à pessoa que, durante longo período e com aparência familiar, manteve união com pessoa casada. (RE nº 669465/SE, Relator Ministro Luiz Fux). Nestes termos:
Por esta razão, incabível se falar em ofensa à legislação ordinária.
No que respeita à suspensão dos descontos na pensão por morte recebida pela autora, observa-se dos autos que não lhe foi imputada a percepção do benefício por má-fé.
Por sua vez, o e. Supremo Tribunal Federal pacificou a questão no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Confira-se:
Ainda, no julgamento do RE 587.371, o Pleno do STF ressaltou, conforme excerto do voto do Ministro Relator: "... 2) preservados, no entanto, os valores da incorporação já percebidos pelo recorrido, em respeito ao princípio da boa-fé , (...)" ( STF , RE 587371, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/2013, acórdão eletrônico Repercussão Geral-Mérito, DJe-122 divulg 23.06.2014, public 24.06.2014).
O Pleno do STF, ao julgar o RE 638115, novamente decidiu pela irrepetibilidade dos valores recebidos de boa fé, conforme a ata de julgamento de 23.03.2015, abaixo transcrita:
Cito, ainda, o seguinte precedente:
O c. STJ já decidiu no mesmo sentido:
Todavia, em relação aos descontos já efetuados pelo INSS, não há que se falar em restituição à parte autora, uma vez que foram realizados no âmbito administrativo, no exercício do poder-dever da autarquia de apurar os atos ilegais, nos termos da Súmula 473, do STF:
Uma vez descontado pelo INSS, não se pode cogitar na hipótese de devolução de valores, compelindo a Administração a pagar algo que, efetivamente, não deve. A natureza alimentar do benefício não abarca as prestações já descontadas e que não eram devidas pela autarquia.
Destarte, é de se reformar em parte a r. sentença para restabelecer o pagamento da cota-parte de 50% da pensão por morte à corré Guiomar Julião de Amorim, deferida administrativamente pelo INSS; determinar a suspensão dos descontos efetuados no benefício da autora e obstar a restituição dos valores já descontados, revogando-se a tutela anteriormente concedida.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º do Art. 85, do CPC. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A, da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Posto isto, dou parcial provimento à remessa oficial, havida como submetida, e às apelações interpostas, nos termos em que explicitado.
É o voto.
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