Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 23/11/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023514-11.2015.4.03.9999/SP
2015.03.99.023514-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : CANAMOR AGRO INDL/ E MERCANTIL S/A
ADVOGADO : SP162637 LUCIANO TADEU TELLES
APELADO(A) : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : SP000006 MARGARETH ANNE LEISTER E MARIA DA CONCEICAO MARANHAO PFEIFFER
INTERESSADO(A) : INDUSTRIAS MATARAZZO DE OLEOS E DERIVADOS LTDA
No. ORIG. : 00003910620138260549 1 Vr SANTA ROSA DE VITERBO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - EMPRESA "DE FACHADA" CRIADA EXCLUSIVAMENTE PARA A TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA DE ATIVOS (PRECEDENTES NESSE SENTIDO, DESTA CORTE E DO TJSP) - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA APENAS PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. As diligências requeridas pela embargante, além de poderem ser realizadas pela própria parte (sem qualquer interferência do juízo), são totalmente impertinentes para o deslinde da causa, tendo em vista o vasto teor probatório coligido nos autos (inclusive a título de prova emprestada de outros embargos com discussões rigorosamente idênticas). Ademais, o que importava (e importa) para o julgamento da causa não é saber se os cheques que a embargante emitiu são verdadeiros ou não e se há ex-empregados do Grupo Matarazzo que trabalham em outras empresas. Interessa saber a origem, existência e licitude do capital social integralizado em relação à embargante, e a idoneidade de seus acionistas para essa integralização. Agravo retido improvido.
2. Não há como se sustentar a nulidade da decisão que incluiu a embargante como devedora solidária na execução fiscal, pois o juiz atuou mediante provocação da Fazenda credora e a atuação jurisdicional se limitou à apreciação do requerimento formulado pela parte credora.
3. A questão central destes embargos é saber se a embargante é ou não uma pessoa jurídica realmente autônoma e independente em relação às empresas do Grupo Matarazzo, ou se se trata de mera empresa criada exclusivamente para a transferência fraudulenta de ativos, para afastar da penhora os bens do Grupo Matarazzo em relação aos débitos fiscais.
4. A conclusão é que a Canamor é mera empresa "de fachada"; sem qualquer existência fática, e criada pela Família Matarazzo para fraudar créditos de natureza tributária; tratando-se de pessoa jurídica decorrente de uma simulação absoluta (que acarreta a inexistência do ato jurídico de sua instituição e a absoluta ineficácia de sua personalidade jurídica meramente formal frente aos créditos fazendários).
5. Tratando-se de redirecionamento de execução fiscal, o termo inicial do prazo da prescrição intercorrente do crédito tributário (cinco anos) só se verifica depois de constatada a incapacidade patrimonial da devedora principal para o pagamento da obrigação. No caso de redirecionamento da execução fiscal contra sócios ou contra outras empresas do mesmo grupo econômico, a responsabilidade tributária é subsidiária, e só pode se dar se e quando o juiz verificar que a devedora principal não tem patrimônio idôneo e quanto verificada a relação de ilicitude e de responsabilidade entre a devedora principal e as pessoas a serem incluídas na lide. Essa responsabilidade não é automática, e a pretensão só surge com essas verificações (aplicando-se o princípio da actio nata).
6. Verifica-se simulação absoluta (fraudulenta), que gera a inexistência e a ineficácia do ato jurídico; sendo essa simulação passível de reconhecimento a qualquer tempo e não se sujeitando a qualquer convalescimento (por prescrição ou decadência). Além disso, por se tratar de ato jurídico inexistente, essa fraude dispensa ação judicial própria para seu reconhecimento; uma vez que, na realidade, tratando-se de "blindagem patrimonial" com transferência de bens, a empresa embargante, do ponto de vista jurídico e real, identifica-se com a empresa devedora principal da execução fiscal.
7. Como é da jurisprudência, no caso de constituição de empresas para transferência de ativos e "blindagem patrimonial" em fraude tributária, aplicam-se os artigos 50 do Código Civil e 135 do Código Tributário Nacional (o que autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra a empresa criada, independentemente de ação judicial autônoma ou de reconhecimento da fraude de execução).
8. Na simulação absoluta, nenhum ato jurídico quis se praticar, nem o aparente nem outro qualquer. Falta a consciência da vontade (elemento essencial ao suporte fático). Por ser mera aparência, não entra no mundo jurídico. Não sendo ato jurídico, não há ato inválido. Ocorre a inexistência de ato jurídico, e o reconhecimento desse vício opera efeito ex tunc (desde o início; a partir da criação do ato inexistente).
9. Caso em que, evidentemente, não se aplica o prazo prescricional (ou melhor, decadencial) à simulação absoluta, por envolver a prática de ato inexistente, que não convalesce com o decurso do tempo. O que inexiste não passa a existir e a produzir efeitos válidos só pelo fato de os interessados não impugnarem a ilicitude do ajuste simulatório. Para que haja prescrição, é necessária a ocorrência de ato de existe e que aparece. A simulação absoluta, decorrente de ato inexistente, não se submete a prazo prescricional. Ninguém pode se valer da própria torpeza.
10. Ainda que assim não fosse, a prescrição não se consumou; porquanto o débito tributário foi objeto de parcelamento entre os anos de 2000 e 2009, e, somente com a exclusão da devedora principal do REFIS (em 2009) a prescrição voltou a correr. Em 03/12/2012 foi que a credora requereu a inclusão da Canamor como codevedora, e essa inclusão se deu por decisão de 19/12/2012; sobrevindo a citação da embargante em 18/01/2013. Não houve, portanto, decurso do prazo de prescrição intercorrente do crédito tributário.
11. O encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/69 está incluído no valor da execução fiscal, substituindo, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios, em caso de improcedência desses.
12. Agravo retido a que se nega provimento. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 08 de novembro de 2018.
Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 09/11/2018 14:39:05



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0023514-11.2015.4.03.9999/SP
2015.03.99.023514-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOHONSOM DI SALVO
APELANTE : CANAMOR AGRO INDL/ E MERCANTIL S/A
ADVOGADO : SP162637 LUCIANO TADEU TELLES
APELADO(A) : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO : SP000006 MARGARETH ANNE LEISTER E MARIA DA CONCEICAO MARANHAO PFEIFFER
INTERESSADO(A) : INDUSTRIAS MATARAZZO DE OLEOS E DERIVADOS LTDA
No. ORIG. : 00003910620138260549 1 Vr SANTA ROSA DE VITERBO/SP

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de embargos à execução opostos em 19/02/2013 por CANAMOR AGRO-INDUSTRIAL E MERCANTIL S/A em face de execução fiscal ajuizada pela UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) em face de INDÚSTRIAS MATARAZZO DE ÓLEOS E DERIVADOS visando a cobrança de dívida ativa, na qual a empresa embargante foi incluída em vista do reconhecimento da integração da embargante ao mesmo grupo econômico da empresa devedora principal.

Na inicial, a parte embargante sustenta a nulidade da decisão que redirecionou a execução diante da atuação parcial do magistrado.

No mais, alega, em apertada síntese, que: a) nunca manteve qualquer relacionamento jurídico com a empresa executada e não exerce a mesma atividade, não podendo ser responsabilizada por seus débitos ou considerada sua sucessora fática; b) que não é possível desconsiderar a personalidade jurídica sem a existência de fraude à execução; c) que o reconhecimento da suposta simulação está prescrito; d) não há simulação nem houve fraude com o objetivo de lesar credores; e) não foram preenchidos os requisitos que ensejam a corresponsabilização prevista no artigo 124 do CTN; f) não participou na constituição do crédito tributário.

Discorre a embargante acerca de sua origem, afirma estar em pleno funcionamento, explica acerca da contratação de ex-funcionários do Grupo Matarazzo, defende que a aquisição da marca "Francis" se deu judicialmente e sustenta que a embargante não se confunde com Agro-Industrial Amália, com Maria Pia Matarazzo ou mesmo com as Indústrias Matarazzo.

Por fim alega a ocorrência de prescrição intercorrente, pois a citação da empresa devedora se deu em 28/08/2000 e o pedido de redirecionamento se deu apenas em 03/12/2012.

Requer a procedência dos embargos.

Valor atribuído à causa: R$ 3.071.205,97 (fl. 58). Com a inicial a embargante trouxe documentos aos autos. (fls. 59/4385 e fls. 4387/4391).

Os embargos ficaram suspensos em razão da oposição de exceção de suspeição pela embargante contra o juiz de direito; rejeitada a exceção pela Sexta Turma desta Corte Regional, os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (fls. 4396/4397).

A embargante agravou por instrumento contra o indeferimento do efeito suspensivo (nº 0008434-65.2014.4.03.0000), ao qual foi negado provimento por este Relator.

A União apresentou impugnação aos embargos em que sustenta que não houve prescrição em razão do tempo que transcorreu entre a exclusão da devedora originária do REFIS e a citação da embargante, que não houve nulidade da decisão que incluiu a embargante como devedora solidária e que houve simulação fraudulenta nos atos de constituição e administração da embargante (concebida apenas para livrar as empresas do Grupo Matarazzo em relação à responsabilidade pelos altos passivos fiscais) uma vez que a embargante e a devedora são uma só empresa, e apontando os elementos que indicam o intuito fraudulento da empresa embargante (unidade entre sócios e pessoas ligadas à família e às empresas do Grupo Matarazzo, titularidade de marca pela embargante (de um produto fabricado pela devedora), sucessão trabalhista reconhecida na Justiça do Trabalho, pagamento de acordos judiciais pelas empresas do Grupo Matarazzo após inclusão da embargante como codevedora nas execuções, e inidoneidade financeira da embargante para adquirir o patrimônio das empresas do Grupo Matarazzo). Requer a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução contra a embargante (fls. 4425/4435 e documentos 4436/4447).

O Juízo a quo determinou a juntada de cópia do termo de audiência e dos termos de depoimentos prestados em outros embargos em que figura a mesma embargante (fls. 4448/4460).

Manifestação da embargante, oportunidade em que requereu a expedição de ofício às sociedades Bayer, Artivinco e Banco CitiBank para que forneçam as informações mencionadas na petição inicial dos embargos (fls. 4465/4485).

A embargante trouxe documentos aos autos (fls. 4486/4494).

Manifestação da parte embargada a fls. 4497.

A decisão de fls. 4502 indeferiu diligências probatórias requeridas pela embargante e juntou documentos.

Contra tal decisão, a embargante interpôs agravo retido (fls. 4522/4530), recebido (fls. 4531) e respondido pela agravada (fls. 4535/4536).

Em 14/10/2014 sobreveio a r. sentença de improcedência dos embargos para rejeitar os pedidos formulados e reconhecer a condição de devedora solidária da embargante em relação ao objeto da execução embargada. Condenação da embargante ao pagamento de custas e despesas e aos honorários advocatícios no valor de R$ 30.000,00 devidamente atualizados (fls. 4537/4571, mantida às fls. 4585/4586).

Inconformada, apela a parte embargante reiterando o agravo retido e requerendo seu julgamento e, no mais, requerendo a reforma da r. sentença ou o decreto de sua nulidade, para que se exclua da lide a apelante ou se declare prescrita quanto a ela a dívida exequenda. Para tanto, repisa os argumentos expendidos na inicial dos embargos e, ainda, explica que questão da notícia de jornal referida na sentença seria qualquer indício de fraude ou simulação, bem como a questão do palacete. Por fim, alega ser incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em face do encargo legal constante da CDA (fls. 4618/4687).

Recurso respondido (fls. 4698/4713).

É o relatório.

VOTO

A r. sentença merece ser mantida em seu inteiro teor, nas exatas razões e fundamentos nela expostos, os quais tomo como alicerce desta decisão, lançando mão da técnica de motivação per relationem, amplamente adotada pelo Pretório Excelso e Superior Tribunal de Justiça (STF: ADI 416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014ARE 850086 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 05-06-2015 PUBLIC 08-06-2015 -- ARE 742212 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 08-10-2014 PUBLIC 09-10-2014; STJ: AgRg no AgRg no AREsp 630.003/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2015, DJe 19/05/2015 -- HC 214.049/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 10/03/2015 -- REsp 1206805/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 07/11/2014 -- REsp 1399997/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013).

Assim, passo à transcrição do julgado ora contrastado - NO QUE TEM DE ESSENCIAL PARA O DESATE DA QUESTÃO - acolhendo-o em técnica de motivação até agora usada no STF (RMS 30461 AgR-segundo, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 07-04-2016 PUBLIC 08-04-2016):

".........................................................................................

Quanto ao agravo retido interposto pela embargante (fls. 4522), mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos, pois as diligências requeridas pela agravante, além de poderem ser realizadas pela própria parte (sem qualquer interferência do juízo), são totalmente impertinentes para o deslinde da causa, tendo em vista o vasto teor probatório coligido nos autos (inclusive a título de prova emprestada de outros embargos com discussões rigorosamente idênticas). Ademais, o que importava (e importa) para o julgamento da causa não é saber se os cheques que a embargante emitiu são verdadeiros ou não e se há ex-empregados do Grupo Matarazzo que trabalham em outras empresas. Interessa saber a origem, existência e licitude do capital social integralizado em relação à embargante, e a idoneidade de seus acionistas para essa integralização (e isso, nem de longe, foi demonstrado pela embargante).

Procedo ao julgamento dos embargos no estado dos autos; uma vez que a parte embargada não tem qualquer interesse na produção de outras provas, e as provas requeridas pela parte embargante já foram indeferidas a fls. 4502.

Os embargos são improcedentes.

Não houve nulidade da decisão judicial, proferida por este juízo de direito, que determinou a inclusão da empresa embargante como devedora solidária na execução fiscal embargada.

Ao contrário do alegado pela embargante, a decisão que ensejou a inclusão da embargante como codevedora solidária foi proferida a requerimento da parte exequente, sem qualquer sugestão do juiz.

Foi a Fazenda Pública, tendo conhecimento de fatos julgados noutra ação, quem fundamentou e requereu a inclusão da embargante como devedora na execução fiscal; limitando-se a atuação do juiz à apreciação e deferimento desse requerimento, com base nos fatos alegados e documentos apresentados pela Fazenda Pública, no estrito e regular exercício da jurisdição. Não houve violação do princípio da imparcialidade, ainda que os fatos que ensejaram o deferimento da inclusão já fossem de conhecimento do magistrado por força de julgamento de outras ações em que fora parte a mesma embargante (Canamor).

Note-se que a embargante apresentou exceções de suspeição, contra este juiz de direito, em todas as execuções em que fora incluída no polo passivo. E todas as exceções de suspeição foram rejeitadas (tanto pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região).

Somente a título de exemplos, colacionam-se duas ementas de decisões proferidas em exceções de suspeição apresentadas pela Canamor contra este magistrado, em que se reconheceu a regularidade da atuação deste juiz:

EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO DO MM. JUIZ ESTADUAL DE SANTA ROSA DO VITERBO/SP, AGORA INTERPOSTA POR EMPRESA QUE SERIA "SUCESSORA" DA EXECUTADA PRINCIPAL - ARTIGO 135 CPC - MERA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DE CRÉDITO EXEQUENDO - HIPÓTESE QUE NÃO CONFIGURA A SUSPEIÇÃO DO JUIZ - EXCIPIENTE QUE DISTORCE A DINÂMICA DOS EVENTOS OCORRIDOS EM 1ª INSTÂNCIA PARA TENTAR INDUZIR O TRIBUNAL A RECONHECER A (INEXISTENTE) PARCIALIDADE DO MAGISTRADO QUE CONDUZ O EXECUTIVO FISCAL DE MODO OBJETIVO. 1. Trata-se de mais uma exceção de suspeição, com suposto fundamento nos artigos 304 e seguintes e 135, IV e V, todos do Código de Processo Civil, agora arguida por CANAMOR AGRO-INDUSTRIAL E MERCANTIL S/A, contra o MM. Juiz de Direito da Vara Cível e do respectivo Anexo Fiscal da Comarca de Santa Rosa do Viterbo/SP, investido de Jurisdição Federal, Dr. Alexandre César Ribeiro diante da suposta inimizade (artigo135, I, do CPC) com a família Matarazzo, em especial com a representante maior do grupo econômico executado (Indústria Matarazzo de Óleo e Derivados Ltda.). 2. Tornou-se comum a arguição de suspeição do ilustre magistrado estadual dr. Alexandre César Ribeiro pela executada principal Indústria Matarazzo de Óleo e Derivados Ltda. (sempre rechaçada: TERCEIRATURMA, EXCSUSP0031332-24.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, julgado em 02/05/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 10/05/2013 - SEXTA TURMA, EXCSUSP 0031321-92.2009.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA, julgado em 07/03/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 14/03/2013, além de outra), situação ora transplantada para a postura de empresa que parece tê-la sucedido e acabou sendo alojada no pólo passivo de executivo fiscal. 3. A hipótese dos autos não se enquadra em nenhuma daquelas previstas na lei, nem tão pouco caracteriza possibilidade de julgamento parcial (Artigo 135do Código de Processo Civil). 4. Magistrado que tomou suas decisões nos autos com base em informações trazidas pela própria exequente (fls. 87/143 - fls.532/560 dos autos da execução fiscal) e sobre fatos notórios que qualquer habitante da Comarca tem conhecimento porquanto veiculados nos meios de comunicação, sem qualquer nota de parcialidade. Os elementos constantes na decisão de 1º grau são objetivos e despidos de qualquer nota de inimizade entre o magistrado e a excipiente (aliás, uma pessoa jurídica...). Aliás, esta não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, consistente na comprovação de fatos que induzam qualquer fator de parcialidade no exercício da jurisdição que, embora de apreciação subjetiva, são imprescindíveis ao deslinde do incidente. 5. Percebe-se que para fundamentar esta exceção a excipiente distorceu claramente a dinâmica dos fatos ocorridos em 1ª Instância, o que é lamentável. (TRF3, Exceção de Suspeição Cível nº 0009118-97.2013.4.03.9999/SP, Rel. Des. Fed. JOHONSOM DI SALVO, J. 26/09/2013, DJe 04/10/2013).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. ARTIGO 135 CPC. INEXISTÊNCIA. EXCEÇÃO IMPROCEDENTE. 1. Cabe a esta Corte Federal apreciar exceção contra magistrado no exercício da jurisdição federal, como no caso de execução fiscal da Fazenda Nacional, em tramitação no Juízo Estadual. 2. A decisão proferida na execução fiscal originária foi proferida em termos técnicos, com fundamentos deduzidos no sentido de dar respaldo ao redirecionamento da ação de execução fiscal, fundada em responsabilidade tributária da excipiente por dívidas da executada originária. 3. Os elementos comprobatórios da suspeição remetem não à causa originária, mas a fatos havidos em outra execução fiscal, ajuizada não pela Fazenda Nacional, mas Estadual, na qual o magistrado teria atuado de forma parcial, por "aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa" e ser" interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes" (artigo 135, IV e V, CPC). 4. A exceção levantada, porém, não convence, pois o magistrado, deparando-se com execuções da Fazenda Estadual e Federal, em situações análogas, buscou não mais do que conferir-lhes esperada uniformidade de tratamento, evitando que condutas processuais fossem adotadas ou omitidas em prejuízo à solução efetiva, célere e isonômica nas diversas execuções fiscais ajuizadas. Não conduz à suspeição o ato do magistrado dirigido ao compartilhamento de dados e informações processuais públicas a fim de garantir solução lógica e racional de feitos com tramitação em separado, o que não representa hipótese de aconselhamento de parte ou interesse pessoal na causa. 6. Até onde possível constatar das decisões proferidas, e dos atos que foram impugnados, nada existe que não tenha teor e conteúdo técnico, voltado a atingiras finalidades processuais indicadas, sem demonstrar, como alegado, ato de perseguição, ódio, rancor, parcialidade ou qualquer outro sentimento capaz de gerar suspeição ou impedimento. 7. Exceção de suspeição julgada improcedente. (TRF3, Exceção de Suspeição Cível nº 0008590-29.2014.4.03.9999/SP, 3ª Turma, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, J. 24/07/2014, DJe 29/07/2014).

Mais. Segundo decidido noutra exceção de suspeição oposta pela Canamor, "A argumentação da excipiente carece de provas. O exercício é estritamente jurisdicional. Para eles há recursos processuais próprios. E só o fato de decidir contra a excipiente não revela o cabimento da peita. Nem se extrai do estilo de escrita modalidade alguma de suspeição. Relevante não olvidar que aquela não é ação de conhecimento, mas execução, inconfundíveis os princípios da imparcialidade e da neutralidade, este último adequado para feitos cujo escopo é o cumprimento do título.". (TJSP, Exceção de Suspeição nº 0032769-47.2012.8.26.0000, Câmara Especial, Rel. Des. Roberto Solimene, J. 07/05/2012).

Evidente que o juiz, tendo julgado outros feitos em que houve o reconhecimento da responsabilidade de alguma empresa como sucessora ou devedora solidária de tributos, pode (e deve) disponibilizar esse tipo de informações a outros credores (que já têm execução em trâmite na comarca) para que haja, ao final, um tratamento racional e uniforme da matéria; evitando decisões andamentos processuais diferentes para execuções de débitos de mesmas empresas e evitando crise das pretensões executórias e ineficácia dos processos de execução fiscal.

Não se pode olvidar que no processo de execução a função jurisdicional é parcial, pois a execução (ao contrário do processo de conhecimento) se realiza no interesse do credor e contra o patrimônio do devedor. Assim, no processo de execução, o juiz atua em benefício do credor, visando à satisfação de um direito já reconhecido por título executivo que tem a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade.

Assim, não há como se sustentar a nulidade da decisão que incluiu a embargante como devedora solidária na execução fiscal, pois o juiz atuou mediante provocação da Fazenda credora e a atuação jurisdicional se limitou à apreciação do requerimento formulado pela parte credora.

Quanto à questão de fundo (o mérito propriamente dito), cumpre observar o que é e como normalmente ocorre o processo de "blindagem patrimonial" envolvendo a criação de empresas a partir de outras sediadas em paraísos fiscais para "driblar" o fisco e as autoridades brasileiras.

A "blindagem patrimonial" é um procedimento destinado a excluir de penhora, partilha ou de incidência tributária determinados bens ou direitos.

Grosso modo, a pessoa cria uma holding (nova empresa, sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima), e transfere bens para ela, ficando a holding responsável em administrar e controlar esses bens. Não sendo mais os bens de propriedade do criador, a holding "blinda" o patrimônio contra "riscos" futuros, protegendo seus sócios, por exemplo, de problemas causados por uma execução fiscal, uma ação indenizatória, um divórcio, uma separação judicial, um filho havido fora do casamento, etc.

Em esclarecedor artigo de Bruno Ribeiro Castro (IED e o risco de lavagem de dinheiro), publicado no site Consultor Jurídico, é informado que:

Em várias investigações da Polícia Federal foi verificada a existência de indícios da participação de advogados, contadores e membros do sistema financeiro na criação e manutenção de empresas offshore em nome de "laranjas" e na sua utilização para ocultar e dissimular o patrimônio de criminosos brasileiros, possibilitando a sonegação fiscal e a lavagem de bens e capitais irregularmente remetidos para o exterior.
Além da criação e manutenção de empresas offshore em nome de laranjas, advogados, contadores e membros do sistema financeiro frequentemente oferecem a seus "clientes" dois principais modelos de blindagem patrimonial. O primeiro consiste no registro de novas sociedades limitadas no Brasil, tendo como sócias majoritárias as empresas offshore, com o objetivo de adquirir participação societária nas empresas nacionais dos "clientes", resultando na ocultação da verdadeira propriedade das empresas nacionais. O segundo consiste em tornar as empresas offshore sócias diretas das empresas nacionais dos "clientes", com o intuito de ocultar os seus verdadeiros proprietários e desvincular dos mesmos as obrigações tributárias resultantes das atividades operacionais das empresas adquiridas.
Nesses modelos de blindagem patrimonial, os "clientes" pretendem ocultar a verdadeira propriedade do seu patrimônio, prejudicando qualquer atividade dos agentes fiscalizadores estatais. Para tanto, procuram o auxílio de advogados, contadores e membros do sistema financeiro a fim de elaborar o referido modelo de "blindagem" patrimonial para poderem operar à margem de qualquer fiscalização estatal, escondendo a natureza, a fonte, a propriedade e o controle dos recursos gerados por suas organizações criminosas.
Hoje, a utilização de empresas offshore, aliada aos avanços tecnológicos da computação, como a rápida comunicação digital por meio da internet, permite o trânsito de recursos financeiros entre países com muita rapidez, segurança e sigilo, acobertando as operações proibidas com um manto de legalidade. Tais empresas propiciam, ainda, confidencialidade já que são constituídas em nome de sócios fictícios, em paraísos fiscais, tendo como seus verdadeiros proprietários os possuidores de suas ações, emitidas ao portador.
Ademais, o modelo de proteção patrimonial sugerido, criado e mantido por advogados, contadores e membros do sistema financeiro inclui um sofisticado mecanismo de capitalização das empresas offshore no exterior. Essas empresas além mar, via de regra, são abastecidas por recursos provenientes de atividade criminosa, irregularmente remetidos a paraísos fiscais por meio de doleiros.
Para justificar a utilização dos recursos provenientes de atividade criminosa, obviamente não contabilizados no Brasil, sem despertar suspeitas dos órgãos fiscalizadores estatais, o modelo proposto oferece uma engenharia financeira diversificada e adequada às necessidades de cada "cliente". Dentre as possibilidades existentes, o repatriamento dos recursos dos próprios "clientes" irregularmente remetidos a paraísos fiscais é uma estratégia recorrente.

A prática não é nova. A revista Época, em artigo denominado Be-a-bá do sonegador mostra como é operacionalizada a blindagem patrimonial:

Bê-á-bá do sonegador
Manuais entregues a clientes de escritórios de advocacia ensinam, na maior cara-de-pau, a esconder patrimônio da Receita Federal
MATHEUS MACHADO E MURILO RAMOS
Um brasileiro rico quer driblar a Receita Federal e esconder os bens no exterior? Um empresário quer organizar seu caixa dois? Não querem freqüentar aqueles prédios decadentes onde, imagina-se, estejam as salas de aparência clandestina de contadores e advogados dispostos a ajudá-los? Os problemas acabaram. Basta procurar um dos 20 escritórios de advocacia especializados em "blindagem" patrimonial - quase todos em prédios elegantes e áreas nobres -, desembolsar alguns milhares de dólares e levar para casa ações ao portador da empresa aberta num paraíso fiscal.
Simples assim, como uma cartilha de alfabetização, esse trâmite é detalhado em manuais que circulam entre algumas bancas de advogados situadas nas maiores cidades do país.
ÉPOCA teve acesso a duas dessas cartilhas. Uma delas foi editada pelo escritório Oliveira Neves, um dos maiores do país. Tem 33 páginas em papel timbrado de excelente qualidade e versão em espanhol. Extremamente didático, o documento tem um capítulo para tirar dúvidas sobre as operações e as leis uruguaias. O manual possui até um contrato em página com picote para ser preenchido e destacado. O outro guia, intitulado "Origem dos recursos", não tem autor definido. Em 17 páginas, descreve quatro maneiras de lavar dinheiro e montar um caixa dois.
A segunda cartilha começa recomendando uma conversa olho no olho para que se estabeleça uma relação de total confiança entre cliente e advogado. Só depois de uma primeira avaliação dos bens a serem escondidos da Receita Federal e do Banco Central, os donos do dinheiro são encaminhados para os "consultores", responsáveis por planejar a maracutaia. É nessa fase que as condições de pagamento são discutidas. O valor do serviço é proporcional ao tamanho do patrimônio, e fica sempre entre 6% e 8% da quantia que se pretende blindar. Existe até uma tabela de preços. O esquema mais usado pelo sonegador apela para as offshore, empresas de fachada abertas no exterior em nome de laranjas. Geralmente, são os beneficiários dessas empresas os verdadeiros donos do dinheiro.
A abertura de cada uma dessas empresas custa em torno de US$ 3.500. O freguês ainda tem de pagar uma anuidade de aproximadamente US$ 3 mil. O laranja, a pessoa que empresta o nome para a offshore, recebe US$ 1 mil de uma única vez. Geralmente, ele mora na cidade onde a empresa é aberta para facilitar a assinatura de documentos. Ainda no Brasil, o empresário é orientado a transferir seus bens para uma companhia limitada, que não é obrigada a publicar balanços.
Essa nova empresa será adquirida por outra, aberta num paraíso fiscal pelos advogados. Conforme recomendação do manual, o escritório de advocacia tem um esquema grande e próprio de lavagem de dinheiro, com suas offshore e, fundamental, uma empresa de factoring com operações no Brasil, mas que pertença a uma empresa de fachada no exterior. As factorings são empresas financeiras que antecipam pagamentos de cheques e duplicatas em troca de juros altos.
O passo seguinte é a compra da companhia limitada pela offshore aberta em nome de um laranja. O dinheiro da negociata sai da factoring do escritório de advocacia por meio de um empréstimo simulado.
Em seguida, forja-se um recibo de pagamento do empréstimo como se a quitação tivesse sido feita no exterior. Como garantia, o cliente recebe ações ao portador da offshore. Os papéis são a única forma de assegurar que o verdadeiro dono da offshore não é o laranja. Por fim, o cliente aluga da offshore a casa onde mora, a empresa em que trabalha e o carro que dirige. O esquema muitas vezes é feito no Uruguai. Lá, essas empresas de fachada são chamadas de Safi's (sociedades financeiras anônimas).
Foi por causa de fraudes com empresas offshore abertas no país vizinho que o escritório Oliveira Neves acabou sendo alvo da Receita e da Polícia Federal há quatro meses. O advogado Newton José Oliveira Neves, sócio majoritário da banca, foi preso na operação Monte Éden por ter ä arquitetado um esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal. Em depoimento à Polícia Federal, a funcionária do escritório Mara Saraiva Mariano confirmou o modus operandi. As operações de abertura de offshore ficam a cargo da Olinec Consulting International, o braço do Oliveira Neves em Montevidéu. Para ter uma idéia do volume de negócios realizados pelo escritório brasileiro, somente em setembro de 2004 foram criadas "25 ou mais" offshores para uso do próprio escritório e de seus clientes.
A ousadia dos escritórios não se encerra na blindagem patrimonial. Eles ensinam também a engordar o caixa dois das empresas à margem da fiscalização. Uma das modalidades incentivadas é o empréstimo em bancos no exterior. A empresa, em vez de dinheiro, toma como moeda de empréstimo títulos do Tesouro americano, os T-Bills. Vende esses documentos no Brasil a outras empresas e reforça a conta bancária. A venda dos títulos americanos não é registrada pelo Banco Central e o sigilo é garantido. Além disso, a empresa deixa uma porta aberta para remeter dinheiro para o exterior, uma vez que está em dívida com a instituição financeira estrangeira.
Se o cliente preferir, os advogados também ensinam a operar no mercado de ações mundo afora. Os lucros obtidos com essas operações são transferidos para o caixa da empresa no Brasil. Mas essa opção é mais vantajosa quando a empresa brasileira apresenta prejuízo no balanço contábil. Numa situação como essa, pode-se usar o lucro obtido no exterior para compensar as perdas. Como oficialmente a empresa não teve lucro, não será tributada.
Outro caminho é a Bolsa de Valores. Os advogados especializados recomendam que pessoas físicas façam operações que comecem e terminem no mesmo dia, as chamadas day trades. Nesses casos, a tributação é menor que a aplicada sobre as empresas. Com o lucro obtido pela diferença de alíquota, a pessoa física capitaliza a empresa. Pode, por exemplo, investir em imóveis e automóveis. Nos manuais, os advogados fazem questão de ressaltar que essa opção está inteiramente dentro da lei. Mas, na verdade, eles usam uma brecha da legislação que favorece pessoas físicas para beneficiar empresas.
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Aristóteles Atheniense, disse desconhecer os manuais. "Mas é evidente que eles contrariam o código de ética da OAB. Não se pode nem chamar essa prática de advocacia", afirma. Atheniense disse que a entidade vai investigar a autoria do manual e prometeu punição a eventuais responsáveis. Por ironia, a seção paulista da OAB é assistente do pedido de habeas corpus em favor de Oliveira Neves. O pedido está com o relator Carlos Veloso, o ministro do Supremo Tribunal Federal que livrou o ex-prefeito Paulo Maluf da cadeia.
A Receita Federal não quis se pronunciar sobre os manuais, mas fontes ligadas à repartição admitem que falta fiscalização em relação às offshore. "Ninguém sabe quem está por trás delas, criando-se um ambiente perfeito para fraudes. O ideal seria uma declaração anual, como acontece com o Imposto de Renda", afirma um especialista.
Manual de sonegação
O roteiro abaixo é oferecido por escritórios de advocacia. Mas atenção: segui-lo fará de você um sonegador
1° passo: Contrate um escritório de advocacia que ofereça o serviço de blindagem de seu patrimônio.
2° passo: Você será orientado por seus advogados a abrir uma companhia limitada, para onde deve transferir todos os seus bens. As Ltdas. não precisam publicar balanço.
3° passo: Seus advogados, que já são donos de uma empresa de factoring no Brasil e de uma offshore no exterior, abrem uma ou mais offshore nos paraísos fiscais em nome de laranjas.
4° passo: A empresa aberta em nome de laranja compra a companhia limitada que você criou no Brasil. Para financiar a compra, a offshore pede um empréstimo fictício à factoring de seus advogados.
5° passo: Seus bens passam a pertencer - apenas oficialmente, é claro - à offshore. Para as autoridades brasileiras, você não tem mais nada em seu nome. Está livre da fiscalização da Receita Federal.
6° passo: A offshore paga o empréstimo fictício a outra offshore, que é proprietária da factoring dos advogados. A operação, que não existe, ocorre fora do Brasil para driblar o Fisco.
7° passo: Os serviços lhe custarão entre US$ 100 mil e US$ 200 mil. Você ainda terá de pagar uma anuidade de US$ 3 mil. Sua garantia serão ações ao portador da offshore que "comprou" seus bens.

Aliás, recentemente, a imprensa brasileira noticiou essa forma de atuação por meio de "blindagem" patrimonial. Um hotel, que teria oferecido trabalho ao Deputado José Dirceu (um dos condenados pelo STF, por ação penal, no episódio conhecido como "Escândalo do Mensalão"), na verdade, era composto por uma offshore estabelecida no Panamá (paraíso fiscal). Um repórter da Rede Globo de televisão foi ao Panamá e, lá, obteve os dados do dono dessa empresa offshore, e esse "dono" era, na verdade, um simples empregado subalterno (auxiliar de escritório) de um escritório de advocacia especializado nesse tipo de serviço. No contrato social do hotel Saint Peter, Paulo Masci de Abreu, que ofereceu um emprego com salário de R$ 20 mil para o ex-ministro José Dirceu, aparece como um sócio minoritário. Tem uma cota no valor de R$ 1. Todas as outras cotas, que somam R$ 499 mil, pertencem a uma empresa estrangeira, Truston International Inc., com sede na cidade do Panamá. De acordo com o registro público do Panamá, o presidente da Truston é um cidadão panamenho, José Eugenio Silva Ritter. O nome dele aparece abreviado. José Eugênio Silva Ritter está ligado a centenas de empresas em um site criado por um ativista anticorrupção. O procurador da Truston no Brasil, como mostra o contrato do hotel Saint Peter, é Raul de Abreu, filho de Paulo Masci de Abreu.

Cumpre, ainda de forma introdutória, fazer brevíssimas anotações acerca dos fatos e do cenário histórico que circundam os fatos objeto deste processo judicial.

A cidade de Santa Rosa de Viterbo tem, hoje, cerca de 25.000 habitantes, e sua história está umbilicalmente ligada à Família Matarazzo; que é nacionalmente conhecida pelo grande império econômico.

Não se pode falar em Santa Rosa de Viterbo sem se falar na Família Matarazzo. Até mesmo a rodovia estadual que dá acesso a este município recebe o nome de "Conde Francisco Matarazzo Júnior". Inúmeros dos habitantes do município local nasceram e trabalharam, por vidas inteiras, em algumas das "seções" da antiga Fazenda Amália. Não há um único habitante de Santa Rosa de Viterbo que aqui tenha nascido ou vivido por mais de quarenta anos e que não tenha, em algum grau, certa relação com a Fazenda Amália ou com a família Matarazzo.

A principal propriedade da Família Matarazzo nesta cidade que tinha importância até mesmo maior que a do próprio Município é a Fazenda Amália; de enormes dimensões e dotada de um extenso parque (ou distrito) industrial (parte deste parque sendo de propriedade e de administração atual de outras empresas).

Na década de 1990, parte das atividades agroindustriais da família Matarazzo foi formalmente transferida a terceiros, especialmente ao Grupo Cury (do empresário Nelson Afif Cury outro grande devedor de tributos); sendo grande parte da Fazenda Amália transferida à empresa Canamor Agro Industrial S/A (que já teve os nomes de CEIET Agro Mercantil Ltda. e Vitercana Agro Mercantil Ltda.), de origem e de existência desconhecidas neste município e em relação às eventuais atividades econômicas.

A principal empresa agroindustrial da família Matarazzo localizada neste Município era a Agro Industrial Amália S/A, comandada por Maria Pia Esmeralda Matarazzo. Além dessa empresa, existiam a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados Ltda. (fabricante de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal), além da Canavieira Agro Pastoril e outras empresas ligadas à agroindústria. Em especial, a Agro Industrial Amália e a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados estão entre as maiores devedoras de tributos do Brasil, ao lado de outras empresas do mesmo Grupo Matarazzo.

Nesse cenário, houve a "venda" da Fazenda Amália e de outras propriedades rurais de grande dimensão à empresa Vitercana (hoje Canamor); e esta última, acabou por negociar, com um grande grupo agroindustrial regional, também ligado à produção canavieira (Grupo Biagi Pedra Agroindustrial S/A), o arrendamento de terras e a cessão, em comodato, da usina de cana-de-açúcar localizada no mesmo polo industrial da Fazenda Amália (fls. 796/816).

Paralelamente a isso, manteve-se, na mesma Fazenda Amália (agora de propriedade da Canamor), a fábrica da Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA), que continuou a ser administrada pela família Matarazzo (tendo Maria Pia Esmeralda Matarazzo como diretora e administradora). A IMODSA chegou a celebrar contrato de cessão de fábrica e de empregados à empresa UNISOAP (que era gerida por José Eduardo Matarazzo Kalil filho de Maria Pia), para a produção de produtos de higiene (especialmente aqueles com a marca Francis).

Aliás, nas terras da Canamor (ora embargante), até os dias de hoje, ainda está instalado um escritório da Agro Industrial Amália (que somente expede documentos para ex-funcionários dessa empresa desativada de fato, mas com gigantesco passivo tributário), onde atuam, como empregado e preposto da Agro Amália, os Srs. Valentin Bras Peroni e José Borges Garcia. Ainda, existe o estabelecimento (formado por barracões) de produção de sabonetes e derivados da IMODSA, que ainda tem como presidente Maria Pia Esmeralda Matarazzo (cf. depoimentos e declarações colhidos às fls. 4453/4460).

Seguiram-se os trâmites das inúmeras e vultosas execuções fiscais contra a Agro Industrial Amália, contra a IMODSA e contra as demais empresas do Grupo Matarazzo nesta comarca; e a devedora, sistematicamente, depois de oferecer bens à penhora (sempre bens de grandes dimensões, relacionados à produção industrial, localizados nesta ou até em outras cidades, e de dificílima alienação), embargava os executivos fiscais e, por via de regra, após longos anos, sagrava-se derrotada nos respectivos embargos.

Quando os executivos fiscais voltavam à comarca de Santa Rosa de Viterbo para expropriação e satisfação dos créditos tributários, descobria-se, então, que o patrimônio penhorado era inidôneo, porque arrematado em outras execuções, ou não tendo qualquer valor econômico (porque só teria serventia ao uso nos locais em que estavam instalados).

O Fisco, então, se voltava, em cada executivo, basicamente, contra a administradora Maria Pia Matarazzo e outros integrantes das empresas devedoras. Contudo, sempre sem sucesso; uma vez que nenhuma das pessoas naturais integrantes dos cargos diretivos das empresas do grupo econômico e familiar devedor possuía qualquer patrimônio penhorável formalmente registrado em seu nome.

Por isso, a partir do ano de 2008, a Fazenda Nacional, apurando informações colhidas extrajudicialmente neste município, e, mais precisamente, junto à Fazenda Amália, acabou apurando que a empresa Canamor, ora embargante, suposta adquirente do acervo patrimonial imobiliário da Família Matarazzo, seria mera empresa "de fachada"; constituída apenas ao desvio do acervo patrimonial do grupo empresarial para afastar esse patrimônio da constrição judicial decorrente dos débitos tributários legitimamente constituídos (ou seja, constitui-se uma empresa nova, com capital social desconhecido e protegido por empresa sediada em paraíso fiscal, e deixa-se a empresa anterior com expressivos passivos tributários; frustrando-se a pretensão fiscal).

Assim, a Fazenda Nacional pleiteou a inclusão da Canamor nos polos passivos dos executivos fiscais; tendo este magistrado indeferido todos os requerimentos fazendários, por entender, então, que não estavam devidamente comprovados os requisitos necessários ao procedimento.

Porém, interpostos agravos de instrumento pela exequente, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região concedeu efeito ativo e deu provimento aos recursos; sendo a Canamor incluída na execução embargada pelos fundamentos apontados pela Fazenda Nacional.

Após a inclusão da Canamor como codevedora nos executivos fiscais federais, como "num passe de mágica", a Agro Industrial Amália S/A passou a formalizar parcelamentos de seus débitos tributários junto à Fazenda Nacional (mesmo não tendo aquela empresa qualquer patrimônio, renda ou atividade econômica). Além disso, a Canamor opôs dois embargos às execuções fiscais federais, que foram julgados improcedentes por este juízo de direito de Santa Rosa de Viterbo, após ampla produção de provas (Processos nºs 549.01.2009.000036-0 e 549.01.2008.002602-9 atualmente em fase de recursos junto ao Tribunal Regional Federal da Terceira Região).

Feitas essas considerações introdutórias, examina-se o conteúdo dos embargos.

A questão central em exame é saber se a embargante é ou não uma pessoa jurídica realmente autônoma e independente em relação às empresas do Grupo Matarazzo, ou se se trata de mera empresa criada exclusivamente para a transferência fraudulenta de ativos, para afastar da penhora os bens do Grupo Matarazzo em relação aos débitos fiscais.

A conclusão adianta-se é que a Canamor é mera empresa "de fachada"; sem qualquer existência fática, e criada pela Família Matarazzo para fraudar créditos de natureza tributária; tratando-se de pessoa jurídica decorrente de uma simulação absoluta (que acarreta a inexistência do ato jurídico de sua instituição e a absoluta ineficácia de sua personalidade jurídica meramente formal frente aos créditos fazendários).

Para fundamentação dessa conclusão e como já seria de se esperar não há provas diretas. Não existem documentos e testemunhas demonstrando cessão ou transferência gratuita explícita de ativos entre pessoas. Não há confissão específica da simulação absoluta e nenhuma prova singela demonstra, por si, os fatos alegados pela Fazenda Nacional. Mais isso é óbvio e já seria de se esperar; porque ninguém que pratica uma fraude pretende deixar vestígios desse ato ilícito. Por isso, a prova indiciária sempre assume especial importância nesse contexto processual.

No caso, há inúmeros e fortíssimos elementos que, concatenados, fazem prova contundente da total inidoneidade dos atos de criação e da manutenção da existência (repita-se, só formal) da empresa Canamor (embargante) no cenário jurídico.

É patente que o ato simulado, por essência, será tão mais bem sucedido quanto menores forem os vestígios por ele deixados. Melhor será a simulação quanto mais verdadeiro parecer o ato simulado. Ninguém realiza uma simulação para que ela seja descoberta pelas autoridades. Portanto, a simulação só é provada por indícios e por provas indiretas; especialmente em hipóteses como a destes embargos, em que há especial dificuldade na apuração da origem dos ativos da embargante pelo fato de ser ela integrada por empresa sediada em paraíso fiscal (Ilhas Virgens Britânicas).

De acordo com o magistério do professor Sílvio de Salvo Venosa:

É difícil e custosa a prova da simulação. Por sua própria natureza, o vício é oculto. As partes simulantes procuram cercar-se de um manto para encobrir a verdade. O trabalho de pesquisa da prova deve ser meticuloso e descer a particularidades.
Raramente, surgirá no processo a chamada "ressalva" (contracarta ou contradocumento, documento secreto), isto é, documento que estampa a vontade real dos contratantes e tenha sido elaborado secretamente pelos simulantes. Em razão disso, devem as partes prejudicadas recorrer a indícios para a prova do vício.
O intuito da prova da simulação em juízo é demonstrar que há ato aparente a esconder ou não outro. Raras vezes, haverá possibilidade da prova direta. Os indícios avultam de importância. Indício é rastro, vestígio, circunstância suscetível de nos levar, por via de inferência, ao conhecimento de outros fatos desconhecidos. A dificuldade da prova nessa ação costuma desencorajar os prejudicados.
O CPC de 1939 estatuía, no art. 252, que "o dolo, a fraude, a simulação, e, em geral, os atos de má-fé poderão ser provados por indícios e circunstâncias".
O estatuto processual em vigor não repetiu a disposição. Reza, porém, seu art. 332: "Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa."
Acrescenta, a propósito, o art. 335: "Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial."
Como vemos, é ampla a possibilidade de o juiz valer-se dos indícios para pesquisar a simulação. A presunção também é outro meio de prova útil no caso. Presunção é a ilação que o julgador tira de um fato conhecido para chegar a um fato desconhecido.
É importante, para concluir pela simulação, estabelecer um quadro, o mais completo possível, de indícios e presunções. São indícios palpáveis para a conclusão positiva de simulação: parentesco ou amizade íntima entre os contraentes; preço vil dado em pagamento para coisa valiosa; falta de possibilidade financeira do adquirente (que pode ser comprovada com a requisição de cópia de sua declaração de Imposto de Renda); o fato de o adquirente não ter declarado na relação de bens, para o Imposto de Renda, o bem adquirido.
Um dos principais indícios de simulação é a pesquisa da causa simulandi. A primeira pergunta que deve fazer o julgador é: possuíam os contraentes motivo para praticar um ato simulado? Assim como o criminoso tem um móvel para o crime, os simuladores têm um móvel para a prática do negócio viciado.
A segunda pergunta que se deve fazer no exame de um caso de simulação é: possuíam os contraentes necessidade de praticar o negócio simulado? Tal necessidade pode ser de variada natureza. O caso concreto dará a resposta.
A resposta afirmativa a essas duas questões induz o julgador a decidir pela existência da simulação.
Outros indícios, porém, formarão o complexo probatório: alienação de todo o patrimônio do agente ou de grande parte dele; relações já citadas de parentesco ou amizade íntima entre os simuladores, bem como relação de dependência hierárquica ou meramente empregatícia ou moral; antecedentes e a personalidade do simulador; existência de outros atos semelhantes praticados por ele; decantada falta de possibilidade financeira do adquirente: preço vil; não-transferência de numerário no ato nas contas bancárias dos participantes; continuação do alienante na posse da coisa alienada; o fato de o adquirente não conhecer a coisa adquirida. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003. pp.483-4).

Como primeiro ponto, segundo narrativa da própria embargante (na petição inicial destes embargos), sua constituição adveio da pura e simples tentativa de tornar legal a aquisição de propriedade imóvel rural por estrangeiro no Brasil, haja vista a vedação imposta pela Lei nº 5.709/1971. Assim, diz a embargante, foi instituída como empresa nacional, tendo por sua principal acionista a empresa Dynor Inc., sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (conhecido paraíso fiscal), para viabilizar que o Sr. Roberto Shalders de Oliveira Roxo (ou outros "investidores" estrangeiros não nominados), por esse expediente, se tornasse dono da Fazenda Amália.

Claro que, somente por esse fato, já fica indicada a intenção fraudulenta da instituição da Canamor, pois esta empresa teria sido instituída apenas para, por meios transversos, afastar óbice legal à aquisição de uma propriedade rural por estrangeiro.

O segundo ponto reside na forma de constituição e evolução societária da empresa embargante.

A embargante foi constituída e evoluiu de forma empresarial, o mínimo, "curiosa" (cf. fls. 826/890).

Verte-se dos autos que a embargante teria sido constituída, coincidentemente, no ano de 1990, com a concordata da usina de açúcar e álcool da família Matarazzo. Em março de 1990, a empresa Continental Essedê Empreendimentos S/A, que tinha por objeto social a criação e manutenção de redes de telefonia, associou-se a Roberto Shalders de Oliveira Roxo, criando a CEIET Serviços de Telefonia Ltda., com capital de Cr$ 100,00, e, acresceu-se, como objeto social, a compra e venda de imóveis por conta própria.

Menos de seis meses depois, em setembro de 1990, a embargante (com o nome de CEIET), admitiu como nova sócia a sociedade Patty Investiments Ltda., sendo esta uma "off shore" com sede nas Bahamas, ampliando seu âmbito da atuação para atividade agrícola, e passando a se denominar CEIET Agro Mercantil Ltda. e sendo aumentado seu capital social para Cr$ 500.000,00. Cinco dias após, ainda em setembro de 1990, a Continental Essedê, detentora de Cr$ 50,00 em cotas, retira-se da sociedade, e transfere suas cotas a Roberto Shalders de Oliveira Roxo.

Em janeiro de 1991, a embargante aumentou seu capital para Cr$ 536.129.118,00, e, em julho de 1991, a Patty Investiments Ltd. se retira da composição da embargante, e é sucedida pela "off shore" Dynor Inc., sediada nas Bahamas.

Seis meses mais tarde, em 26/12/1991, a Dynor passa a ser representada por Carlos Amaro Pereira Viana (anterior diretor da Continental Essedê), e o capital social da embargante passa para Cr$ 8.109.720.000,00. Essa alteração contratual foi testemunhada por Paulo Alexandre Vidonsck e tem como advogado subscritor Décio Vidonsck (que é irmão de Nelson Widonsck um dos sócios diretores da IMODSA Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados Ltda.).

Em março de 1992, a CEIET muda sua sede para Santa Rosa de Viterbo, na Fazenda Amália; mesma propriedade que pertencia à Família Matarazzo.

Em abril de 1992, Roberto Shalders de Oliveira Roxo se retira da composição da embargante, e é substituído por Paulo Augusto de Carvalho Certain; que figura, ao mesmo tempo, como sócio minoritário e representante da sócia majoritária (Dynor Inc.), sendo ele o diretor da empresa embargante. Ainda em abril de 1992, a embargante adquire grande parte do maquinário da Fazenda Amália, e, em maio de 1992, muda sua denominação para Vitercana Agro Mercantil Ltda.

Note-se que a empresa embargante, embora constituída para criação e manutenção de redes de telefonia, nunca efetuou a instalação de um único cabo telefônico.

Em 24/06/1992, a Vitercana Ltda. passa a atuar como sociedade anônima (S/A), sendo o ato secretariado por Lutero Wilson Wiezel.

Outros acionistas entram na empresa embargante: Nelsix, Necter e Nelprimo, tendo como representante Paulo Augusto de Carvalho Certain; sendo, ainda, representadas pelo quotista gerente João Abdalla Neto. Todas essas empresas também têm a mesma sede da embargante, sendo representadas, também, por Paulo Augusto de Carvalho Certain e por Antonio Feitosa.

Em setembro de 1994, a embargante acresce, aos seus objetos sociais, a indústria e comércio de sabões, produtos de higiene, perfumaria e cosméticos, e, em mesma data, firma contrato de licenciamento da marca Francis (que havia, supostamente, adquirido da IMODSA como forma de pagamento de aluguéis vencidos); sendo esse contrato de licenciamento firmado com a mesma empresa que houvera transferido a marca para a embargante (fls. 1529 e ss.).

Posteriormente, a embargante (ainda sob o nome de Vitercana), quita hipotecas dos imóveis do Grupo Matarazzo na região, e adquire as demais glebas de terras que compunham a Fazenda Amália.

Em abril de 1998, a embargante amplia seu objeto social para incluir a produção e distribuição de energia elétrica; adquirindo a Usina Itaipava e a vende à recém-constituída empresa Grandview do Brasil Ltda.

Em novembro de 1998, a embargante passa a se chamar Canamor Agro Industrial e Mercantil; tendo como diretores Gilda Mercês Bueno, e Paulo Augusto de Carvalho Certain. Em 05/11/1999, fica eleito como diretor o Sr. Antonio Fernando Alves Feitosa.

Perceba-se que, muito claramente, a Canamor jamais produziu bens e serviços que lhe permitisse, de forma própria, a elevação de seu capital social e a compra das terras e acessórios. Do mesmo modo, nenhum dos integrantes (acionistas) comprovou ter recursos suficientes para a aquisição das ações ou outras unidades do capital social da embargante. Aliás, o que se vê é uma constante modificação de capital social, sucessão dos nomes de acionistas e procuradores e total falta de comprovação de origem do dinheiro que formou a embargante.

O terceiro ponto que merece especial realce é o de que a Canamor, segundo se verifica da prova oral emprestada (fls. 3018/3024 e 4453/4460), ao final, acabou mantendo, curiosamente, em seus quadros administrativos de maior importância, duas pessoas residentes e domiciliadas nesta cidade de Santa Rosa de Viterbo, e que eram, coincidentemente, funcionárias (secretária e contador) da antecessora Agro Industrial Amália S/A. Cuida-se das pessoas de Gilda Mercês Bueno e de José Renato Micheletti.

Ora, é extremamente incomum (e altamente suspeito) que uma nova empresa, que não tinha relação alguma com a empresa de quem adquiriu o extenso patrimônio (e que estava em franco e evidente processo de dilapidação patrimonial), após adquirir os ativos dessa empresa em situação pré-falimentar, contratasse como principal secretária e como contador e administrador duas pessoas que trabalhavam, nas mesmas funções, na empresa de quem se adquiriu esse patrimônio.

A Sra. Gilda Mercês Bueno, como ela mesma asseverou em juízo (fls. 3021/3022), é pessoa que somente tem qualificação de ensino médio, sem qualquer especialização técnica ou profissional que justificasse sua contratação para o exercício de função de alto grau e de confiança junto a uma empresa (Canamor) em relação à qual sequer a depoente conhecia sua existência. Pior que isso, Gilda admitiu que foi convidada a trabalhar na Canamor por uma pessoa que sequer conhecia (Dr. Paulo Augusto de Carvalho Certain); o que só vem a reforçar que a Canamor nada mais fez do que, simplesmente, dar seguimento, sob nova roupagem jurídica, às atividades de sua antecessora Agro Industrial Amália.

Em relação ao Sr. José Renato Micheletti, a perplexidade é ainda maior,pois se trata de pessoa que exerce a administração, de fato, da embargante; sendo, contudo, um simples contabilista e sem qualquer formação específica na área de administração de empresa (fls. 3023/3024).

Totalmente inconcebível que uma empresa como a Canamor, supostamente formada por uma sociedade integrada por empresa estrangeira (Dynor Inc.) e por outros acionistas que nem conheciam as pessoas de Gilda e de José Renato, contratasse, por mero acaso, justamente estas duas pessoas para o exercício de cargos de tamanha importância!

Não se ignora, evidentemente, a possibilidade de que uma empresa contrate empregados de outra empresa quando compra patrimônio desta última. Contudo, o que é incomum e ilógico é que essa contratação se dê para cargos de tão alta relevância administrativa e sem qualquer justificativa plausível; mormente porque a Canamor, em tese, seria uma pessoa jurídica constituída para a consecução de interesses de uma pessoa estrangeira, e deveria ser administrada, por pressuposto, consoante diretrizes a serem fixadas pela Dynor Inc.; empresa em relação à qual Gilda e José Renato não mantinham qualquer relação (nem a conheciam).

O quarto ponto que revela a absoluta incongruência na instituição e no funcionamento da Canamor é o de que referida empresa, em atividade completamente alheia ao seu objeto social, acabou por adquirir, curiosamente, de outra empresa do mesmo Grupo Matarazzo (a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados), de forma extremamente suspeita, uma marca de extraordinário valor de mercado e conhecida nacionalmente. Trata-se da marca "Francis", mais conhecida pelo uso em sabonetes e xampus para uso humano.

Segundo se extrai dos autos, quando ainda se chamava Vitercana Agro Mercantil S/A, a Canamor adquiriu referida marca, mediante acordo (transação) celebrado em processo de execução se sentença oriundo de uma ação de cobrança de locativos de um galpão de sua propriedade e que estava arrendado à Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA), também integrante do Grupo Matarazzo (fls. 1946/1999).

Sabe-se que, em atos fraudulentos, as partes figurantes procuram emprestar credibilidade e juridicidade ao ato, pois é evidente que a fraude somente tem êxito quanto mais verossímil parecer e quanto menos vestígios deixar. Por isso, não é incomum o uso de ações judiciais para que determinadas operações sejam "esquentadas", parecendo lícitas.

Na espécie, o que se deu foi que a embargante e a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados (integrante do mesmo grupo econômico da empresa Agro Industrial Amália S/A), conluiadas, aproveitando-se do fato de a última estar instalada em parque industrial da Fazenda Amália; simularam a existência de uma falsa locação de área, para que, mediante o ajuizamento de ação judicial, se tornasse formalmente viável a transferência (somente formal) da marca "Francis" da IMODSA à embargante, a despeito de a atividade da adquirente não ter qualquer relação com o uso da marca "Francis", e a despeito de, após essa "transferência", ter a IMODSA permanecido a usar a mesma marca e a ocupar a mesma área sobre a qual teria havido o inadimplemento dos supostos locativos.

Explica-se. Curiosamente, mesmo depois de adquirir a marca de extraordinário valor comercial (por seu conteúdo nacional e notoriamente conhecida dos consumidores) mediante valor especialmente exíguo decorrente de suposta locação de galpão comercial, a Canamor acabou "cedendo" à IMODSA o uso da mesma marca "Francis"; tanto que a IMODSA continuou a produzir e a comercializar os produtos da marca até data recente.

Observe-se que, curiosamente, embora fosse a Canamor a titular da marca "Francis"; a IMODSA (Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados) chegou a investir pesadas somas de dinheiro em publicidade para alavancar a marca; sendo esse empreendimento encabeçado pelo filho de Maria Pia Matarazzo (principal administradora da devedora principal, Agro Industrial Amália).

Conforme se verifica das matérias jornalísticas adiante colacionadas, está claro que a IMODSA chegou a investir R$ 7 milhões na marca "Francis"; conduta essa evidentemente antagônica se se considerar que referida marca, em tese, já nem pertencia à empresa investidora (embargante).

MATARAZZO INVESTE R$ 7 MILHÕES
A porção mais bem-sucedida do que restou do maior império empresarial da história do País, as INDÚSTRIAS REUNIDAS FRANCISCO MATARAZZO (IRFM), a fabricante de sabonetes UNISOAP, responsável pela comercialização e desenvolvimento de produtos Francis, lança sua maior campanha publicitária para apresentar a reformulação de parte da linha. Ao investir R$ 7 milhões em propaganda, o objetivo é alavancar a participação da marca. Os produtos da marca Francis são fabricados pela INDÚSTRIA MATARAZZO DE ÓLEOS E DERIVADOS (IMOD). De acordo com o Diretor Superintendente da UNISOAP, José Eduardo Matarazzo Kalil, a previsão é atingir a participação de mercado de 25% nos próximos três anos. Para 2005, serão investidos R$ 20 milhões em marketing, segundo o executivo. "O setor de cosméticos cresce em média de 3% a 4% ao ano, e Francis tem registrado crescimento de 35%", comenta Kalil. O Francis clássico responde por 45% do faturamento, o Hydratta, por 15%, enquanto o Light, mais popular, por 40%. (in GAZETA MERCANTIL, 26/11/2004).
WHITE REPOSICIONA A MARCA FRANCIS
17/11/2004 18:32
Jonas Gonçalves
A White Propaganda criou para a marca de produtos de higiene e beleza Francis (da Unisoap) uma campanha que prioriza, em uma primeira etapa, comerciais e ações nos pontos-de-venda.
Os dois filmes criados e que estarão no ar a partir do próximo dia 21 são protagonizados por homens famosos e que fazem sucesso junto ao público feminino, visando a ressaltar o conceito de que "usando sabonete Francis, seu dia será surpreendente".
No primeiro filme, produzido para divulgar a linha Francis Hydratta, os atores Rodrigo Santoro e Marcos Paulo estão em um elevador quando uma mulhercomum entra. Ao encontrá-los, desmaia de emoção. No segundo comercial, estrelado pelos também atores Marcello Antony e Márcio Garcia, os dois conversam em um bar sobre mulheres, quando uma passa e chama a atenção deles pela ótima fragrância exalada.
Segundo o presidente da White, Maurício Queiroz, os esforços para reestruturar e reposicionar a marca Francis no mercado "se somam às ações promovidas pela equipe de vendas da agência junto aos atacadistas e varejistas, a fim de captar o perfil do consumidor dos produtos".
Com 32 anos de mercado, a marca Francis possui tradição, mas deseja aumentar a sua participação. O diretor-superintendente da Unisoap, José Eduardo Matarazzo Kalil, afirmou que "os investimentos em comunicação neste momento serão de R$ 7 milhões. No entanto, para 2005, o orçamento destinado chegará a R$ 20 milhões, dada a meta estabelecida de saltar de 16% para 25% a participação no mercado de sabonetes". Além desse nicho, a Unisoap pretende consolidar a marca Francis em outros segmentos de higiene pessoal, como produtos para cabelos. "Em dois anos, pretendemos chegar a 10% no mercado de shampoos, por exemplo", ressaltou.
A campanha tem como responsáveis pelo atendimento Zeca Batista e Tuca Belfiore. A criação é de Márcio Vieira e Rafael Guedes, com direção de criação de Vieira. A produtora dos filmes é a Cinemacentro, com direção de cena de Marcelo Barbosa, fotografia de Jr. e trilha da Lua Nova.
(disponível na internet, no site http://www.portaldapropaganda.com/comunicacao/2004/11/0022 - Acessado em 16/05/2009).

Demais disso, a IMODSA, além de fazer uso da marca "Francis", por meio de seu administrador: José Eduardo (filho de Maria Pia Matarazzo), acabou negociando a "parceria" com o Grupo Bertin (dono de conhecido frigorífico brasileiro, e, igualmente, grande devedor tributário) em relação ao uso da marca "Francis"; parceria essa que, por coincidência, acabou resultando na compra da mesma marca "Francis" pelo Grupo Bertin; figurando como vendedora da marca nada mais nada menos que a Canamor (embargante).

Essa relação estabelecida entre a IMODSA e o Grupo Bertin fica bem retratada no trecho que segue, extraído de reportagem jornalística de âmbito regional:

DIREÇÃO DA ÚLTIMA INDÚSTRIA DOS MATARAZZO NA REGIÃO NEGA VENDA DE AÇÕES PARA OUTRA EMPRESA.
03/12/2004 - 16:35
PARCERIA, APENAS
A direção da indústria de sabonetes Francis, localizada em Santa Rosa de Viterbo, nega a venda de ações ao grupo Bertin. Garante que foi firmada apenas uma parceria com o frigorífico da cidade de Lins, o maior exportador de carne do país, que fornece matéria prima para a fábrica de sabonetes.
A ÚLTIMA
A Francis é a última indústria em mãos dos descendentes do outrora poderoso grupo de Francesco Matarazzo, já falecido. Atualmente, tem à frente um neto: José Francisco, filho da Condessa Maria Pia Matarazzo (foto à direita), que ainda mantém por lá belíssimo palacete cercado por um bosque e amplos jardins.
BONS TEMPOS
Era lá que outrora, quando não estava na Europa, o velho conde Francesco gostava de passar suas férias e fins de semana. Nesse tempo também pertenciam ao grupo Matarazzo, ali não muito longe do palacete, fábricas de papelão, de ácido cítrico e uma usina de açúcar.
VENDIDAS
As fábricas foram vendidas a outros grupos e a usina de açúcar arrendada para um usineiro da região.
(Disponível na Internet, no "site" -Acessado em 09/05/2009).

O quinto ponto que evidencia a verdadeira identidade entre a Canamor, a IMODSA e a Agro Industrial Amália é que se veiculou e se veicula, mesmo após mais de quinze anos da suposta compra dos bens da Agro Industrial Amália pela Canamor, que a Canamor é mera administradora do Grupo Matarazzo.

Como se verifica do recorte de periódico desta cidade de Santa Rosa de Viterbo (fls. 2530), a Canamor cedeu, em comodato, a moradores da cidade de Santa Rosa de Viterbo, na condição de administradora das propriedades do Grupo Matarazzo, algumas casas localizadas na Fazenda Amália.

Ora, é evidente que nenhuma informação seria publicada de forma a vincular a Canamor com as empresas do Grupo Matarazzo caso nada existisse a esse respeito. E isso é sintomático; pois é evidente que se, de fato, a Família Matarazzo estivesse mesmo desvinculada da Fazenda Amália e de sua administração; jamais seria a empresa Canamor indicada pela imprensa regional como sendo administradora da Família Matarazzo.

Ainda, o recorte de reportagem jornalística de fls. 1000 indica claramente que, na época das negociações havidas para o arrendamento da usina de cana de açúcar para o Grupo Biagi, Maria Pia Matarazzo era considerada como dona da empresa Vitercana (antigo nome da embargante); o que foi confirmado ao jornalista pelo próprio Maurílio Biagi Filho (diretor do Grupo Biagi, que acabou efetivamente utilizando a usina depois das negociações com Maria Pia Matarazzo).

Esse fato foi confirmado pelo mesmo jornalista André Nagib Moussa em depoimento prestado na Justiça do Trabalho (fls. 1001/1002).

E, ainda, Gilda Mercês Bueno (uma das representantes da Canamor), inquirida pela Justiça do Trabalho acerca da propriedade da Vitercana (ou Canamor) chagou ao ponto (absurdo) de dizer que a empresa Vitercana "não tem dono", e só era administrada por uma "diretoria" (fls. 1002).

A Justiça do Trabalho, reconhecendo a identidade entre as empresas (Canamor e Agro Industrial Amália) determinou a inclusão da Canamor na condição de codevedora trabalhista, e, ao final, num "passe de mágica", a Agro Industrial Amália quitou os débitos tributários.

Portanto, evidente que Maria Pia Esmeralda Matarazzo é e sempre foi a dona das terras, e a transferência formal da propriedade para a embargante (empresa "off shore") só se deu para fraudar a legislação tributária e impedir que o fisco penhorasse bens da Família Matarazzo.

Óbvio que se Maria Pia Matarazzo não tivesse relação com a Vitercana (hoje Canamor), não seria o nome de Maria Pia que estaria sendo divulgado envolvendo as negociações do arrendamento da usina de cana de açúcar desde aquela época.

Aliás, em Santa Rosa de Viterbo, "até as pedras sabem" que é Maria Pia Esmeralda Matarazzo a real proprietária da Fazenda Amália e da Usina de Açúcar e Álcool; sendo ela quem realiza as negociações envolvendo o arrendamento das terras e da usina, e, inclusive, mantendo um Palacete ("palacete da Maria Pia") encravado nas terras da Fazenda Amália até os dias de hoje.

O sexto ponto a demonstrar a existência de verdadeira fraude no término (apenas formal) das atividades das empresas Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados e a Agro Industrial Amália reside no fato de que essas empresas, consoante se infere das informações processuais de fls. 4507/4516, praticamente somente ostentam dívidas fiscais. Nem a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados, nem a Agro Industrial Amália, apresentam pedidos de falência contra elas ajuizados nesta comarca; essas empresas não são devedoras civis ou comerciais em relação ao resultado de suas atividades, e praticamente não possuem uma única execução civil em trâmite nesta comarca. Elas só têm um monumental passivo tributário.

É claro, por mero juízo de experiência e de lógica, que empresas de grande porte que se extinguem por falta de viabilidade econômica não deixariam apenas débitos tributários (como ocorreu com as todas as empresas do Grupo Matarazzo). Evidente que uma empresa que somente deixa débitos perante o fisco e que aliena seus ativos a terceira pessoa, assim procede de forma proposital e fraudulenta apenas para afastar formalmente seus bens à penhora nos executivos fiscais.

Empresas decentes e que atuam conforme a lei, quando atravessam crise econômica, apresentam débitos comerciais, civis, trabalhistas e fiscais (não somente débitos fiscais).

A confirmar essa conclusão, tem-se que Agro Industrial Amália está atualmente pagando, regularmente expressiva verba indenizatória a que foi condenada por força de ação judicial que tramitou neste foro, em favor de José Luiz Gasperini (irmão do ex-prefeito de Santa Rosa de Viterbo); conforme fls. 1189/1197.

Aliás, em inúmeros processos de execução fiscal resultou comprovado esse fato; porque depois de longos anos sem sucesso do Fisco na apuração de bens da Agro Industrial Amália; justamente depois de ser incluída a empresa Canamor no polo passivo de outros executivos fiscais e de reclamações trabalhistas, acabou havendo a celebração de parcelamento por parte das devedoras originárias do Grupo Matarazzo (as quais, no entanto, estão desativadas há vários anos e não apresentam qualquer faturamento). Conferir, a respeito, as cópias de fls. 1004/1197.

O sétimo ponto que confirma a revoltante e fraudulenta constituição e operação da empresa Canamor no cenário local consiste no fato de que um de seus acionistas é, coincidentemente, genro de Maria Pia Esmeralda Matarazzo.

Conforme se extrai de periódico, extraído da internet (http://www.folhadaregiao.com.br/jornal/2004/03/21/colunasocial.php?PHPSESSID=87 6781f4f30d255ed60ec6a5f2943c2c - Acessado em 17/05/2009):

Araçatuba, domingo, 21 de março de 2004
TRADIÇÃO
Nossa cidade tem uma dívida de gratidão para com a família Abdalla. Foi João José Abdalla quem doou a vasta área para o aeroporto internacional, além de inúmeros outros benefícios que ele trouxe para a cidade. Atualmente seu sobrinho João Abdalla Neto (na foto) se divide entre São Paulo e Araçatuba, para coordenar seus investimentos em nosso meio, como a fazenda, a criação de gado leiteiro especial, a fábrica do leite "Milk Mel" e a administração do loteamento Habiana II. A esposa Eliana o acompanha sempre que pode porque trabalha com a mãe Maria Pia Matarazzo, nas empresas que possuem. Como se vê são filhos de gente tradicional do Velho São Paulo, mas afeitos ao trabalho. Ele é um verdadeiro cidadão araçatubense

Portanto, evidenciada a íntima relação entre o Sr. João José Abdalla, acionista da Canamor (embargante), e a Família Matarazzo; pois aquele é, nada mais, nada menos, que o "genro" de Maria Pia Matarazzo (diretora da Agro Industrial Amália e da Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados). A empresa embargante (a despeito de alegar nada ter a ver com a família Matarazzo), informou, em sua petição inicial, que Eliana Rachetti não é filha de Maria Pia Matarazzo; porém, a embargante afirma que Maria Pia tem a Sra. Eliana na conta de verdadeira filha ("filha de criação"); do que se verifica a intimidade e a relação "familiar" entre o esposo (ou convivente) da "filha de criação" de Maria Pia Matarazzo e a empresa embargante.

Por isso, chega a ser uma ofensa à inteligência do Juízo a embargante sustentar que, mesmo tendo sido integrada por um "genro" de Maria Pia Matarazzo, a embargante é pessoa totalmente autônoma e independente do Grupo Matarazzo.

Aliás, o uso de nomes de pessoas ligas por laços de amizade ou de família constitui, como se sabe, elemento importantíssimo da prova da fraude simulatória envolvendo desvio patrimonial em matéria de ocultação de bens para efeito de penhora (como todos sabem).

Em oitavo ponto, verifica-se que Paulo Augusto de Carvalho Certain, um dos integrantes da embargante, é ex-funcionário de outra empresa do mesmo Grupo Matarazzo (cf. fls. 779 Indústrias Reunidas F. Matarazzo); o que revela mais uma evidente relação da família Matarazzo com a empresa Canamor (o que não é mera "coincidência").

Como nono fundamento, evidenciou-se a completa inação da empresa embargante relativamente à demonstração da origem de seu patrimônio.

Evidente que os recursos utilizados para a aquisição do latifúndio existente nesta comarca (Fazenda Amália) deveriam ter vindo de algum lugar de origem lícita para que a embargante demonstrasse a licitude de sua constituição e de suas atividades econômicas.

Porém, ao reverso disso, na verdade, nada veio aos autos acerca da origem do patrimônio da empresa embargante. A embargante não alegou ou comprovou a transferência dos recursos que foram utilizados para sua constituição; não comprovou a origem dos bens e dos valores que utilizou para a suposta "compra" da propriedade rural; não demonstrou a capitalização patrimonial decorrente da integralização das suas ações (valores mobiliários); não alegou ou demonstrou seu atual objeto social real (já que não exerce nenhuma atividade econômica e apenas realiza arrendamento de suas terras e da usina de cana-de-açúcar).

Alega a embargante que seu capital social foi formado por "investidores estrangeiros" interessados em adquirir terras no Brasil. Porém, não há menção aos nomes desses "investidores", a origem dos capitais desses "investidores", e a relação desses "investidores" com as pessoas que administram a Canamor (Gilda Mercês Bueno e José Renato Micheletti).

Aliás, em seus depoimentos acerca da administração da Canamor, nem Gilda Mercês Bueno e nem José Renato Micheletti indicaram a existência de qualquer controle ou prestação de contas feita pela Canamor à sua acionista Dynor Inc.

E caso a embargante fosse empresa com finalidade lícita e formada por recursos legítimos, certamente seria fácil a prova das origens de seu patrimônio, mediante demonstração de registros de entrada de capital estrangeiro, extratos bancários de transferência de recursos, recibos de integralização de ações, etc. Mas, repita-se, nada disso veio aos autos!

A embargante, ao invés de procurar provar a origem de seu patrimônio e a identidade dos "investidores" estrangeiros que a compõem; procurou, ao reverso, atacar a honestidade do Juiz de Direito e da Fazenda Pública; em postura desleal e totalmente repugnante; demonstrando falta de lealdade processual e distorcendo os fatos, inclusive mediante oposição de exceções de suspeição manifestamente destituídas de fundamento (que foram todas rejeitadas pela superior instância).

Aliás, até o presente momento, não veio aos autos um único documento juridicamente aceitável acerca da composição do quadro societário ou da origem do patrimônio da Dynor Inc., e, menos ainda, dos recursos que Antonio Alves Feitosa teria utilizado para a subscrição e integralização de suas ações no capital social da embargante. Disse ele que teria adquirido as ações na Canamor com créditos que possuía pela prestação de serviços. Porém, não esclareceu quais eram esses créditos, a origem e os valores desses créditos, e os serviços que prestara para a obtenção desses créditos.

O décimo fundamento é que duas das empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico da embargante (Sevendine - Agro-pastoril Ltda. e Sevenel - Agro-pastoril Ltda.) tiveram, coincidentemente, o mesmo endereço de suas sedes no imóvel que existia a casa de moradia de Valentim Brás Peroni (que ainda é atual empregado da Agro Industrial Amália, desde a década de 1970 fls. 4460, 4503/4506 Rua Santa Catarina nº 568). Ora, caso a embargante fosse autônoma e sem ligações com a Família Matarazzo, por qual motivo duas de suas empresas coligadas teriam como sócio a pessoa de um empregado (atual) da Agro Industrial Amália e teriam se estabelecido com sede na casa de moradia desse mesmo empregado? Realmente, não há respostas logicamente aceitáveis para isso!

E o pior é que, ouvido em depoimento judicial (fls. 4460), Valentim disse que jamais foi sócio de empresas (o que demostra que seu nome foi apenas "emprestado" para a constituição dessas pessoas jurídicas fictícias, ligadas à embargante Canamor, a pedido de sua empregadora Agro Industrial Amália S/A).

Ou seja, mais uma ligação evidente entre o Grupo Matarazzo e a Canamor: um dos únicos e últimos empregados da Agro Industrial Amália (Valentin Bras Peroni) integrou o quadro societário de duas empresas ligadas à Canamor (Sevendine - Agro-pastoril Ltda. e Sevenel - Agro-pastoril Ltda.); e cedeu, como endereço formal dessas empresas, sua antiga casa de moradia, na Rua Santa Catarina nº 568, em Santa Rosa de Viterbo; além de ter ele (Valentin) figurado como sócio dessas empresas, juntamente com Gilda (a atual preposta da Canamor em Santa Rosa de Viterbo).

O décimo primeiro fundamento é o de que a embargante, mesmo já estando estabelecida nesta comarca há mais de vinte anos, ainda mantém estreitas ligações com a Família Matarazzo.

Verte-se dos depoimentos de Gilda Mercês Bueno (fls. 4453/4455) e de José Renato Miqueletti (fls. 4456/4458) que existe, encravado nas terras da Fazenda Amália, um "Palacete", que é utilizado pela família de Maria Pia Esmeralda Matarazzo, e que a estrada que serve esse palacete (conhecida por Estrada da Maria Pia) passa pelas terras da Fazenda Amália (de propriedade da embargante).

Ainda, colhe-se desses mesmos depoimentos e declarações que José Eduardo Matarazzo Kalil (filho de Maria Pia Esmeralda Matarazzo) utiliza uma gleba de terras e propriedade da embargante Canamor para criação de cavalos por ele utilizados para o esporte denominado polo equestre. Estranhamente, porém, alegam que essa área, arrendada pelo filho de Maria Pia, é paga anualmente; porém, nem José Renato e nem Gilda informaram o valor desse arrendamento e as condições desse contrato.

Portanto, mais uma ligação entre a Canamor e a Família Matarazzo: o filho de Maria Pia usa terras da Canamor para criar cavalos e para a prática de polo equestre.

O décimo segundo e principal ponto que demonstra a evidente fraude na constituição da empresa embargante decorre da confissão judicial prestada pelo Sr. Antonio Fernando Alves Feitosa (fls. 937/939). Referida pessoa, titular de 49% do capital social da Canamor, admitiu que é acionista dessa empresa há cerca de dez anos (desde 2001), mas que jamais integralizou as ações subscritas (fls. 3019). Ao ser indagado sobre a forma de seu ingresso na empresa embargante, Antonio Fernando Alves Feitosa disse que "[...] se tornou acionista da Canamor entre os anos de 1999 e 2001. Subscreveu as ações da empresa de uma vez só, embora ainda não tenha quitado essas ações, nem em parte. Esse fato se deu porque, na época, como o depoente já era advogado da empresa Vitercana e mantinha contatos com os advogados da empresa Dynor, estes advogados, como havia dúvidas sobre a juridicidade da aquisição de terras brasileiras por empresa estrangeira, acabaram propondo ao depoente que subscrevesse ações da Canamor para, oportunamente, quanto tivesse condições, pagar os valores das referidas ações, "transacioná-las", ou devolvê-las a quem de direito. Quer esclarecer que o depoente está em negociações com a empresa Canamor para verificar da possibilidade do pagamento das ações subscritas por intermédio de créditos que o depoente possui a título de honorários advocatícios. Não há formalização de nenhum instrumento entre o depoente e a Canamor acerca da possibilidade de pagamento acima aventada".

Indaga-se: como uma pessoa poderia subscrever ações de uma empresa, integrada por uma offshore e pelo "genro" de Maria Pia Matarazzo, e permanecer por mais de uma década sem, ao menos, integralizar um único centavo desse capital social adquirido?

Óbvio que Antonio Fernando Alves Feitosa atua como mero "laranja" ou "testa de ferro" do Grupo Matarazzo; apenas e tão somente "emprestando seu nome" para formalidade de constituição societária da empresa embargante.

A empresa Canamor, de fato, pertence à família Matarazzo, que usou o nome de uma empresa sediada em paraíso fiscal para figurar como controladora da Canamor, por meio do procedimento de "blindagem patrimonial".

Esse acionista não fez menção da origem dos supostos "créditos" que teria utilizado para integralização de seu capital social na empresa. E, além do mais, a lei de regência das sociedades anônimas (Lei nº 6.404/76, art. 7º) só permite a integralização das ações com dinheiro ou entrega de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro (o que não foi o caso). Portanto, a entrada de Antonio Fernando Alves Feitosa no quadro societário da embargante foi uma fraude, pois ele não integralizou as ações que subscreveu, embora tenha adquirido as ações como se fosse com pagamento à vista (fls. 2887 e 2900).

Como décimo terceiro fundamento, observa-se que a embargante não demonstrou, em nenhum momento e por nenhuma prova, nestes embargos, a origem concreta dos vultosos recursos financeiros utilizados para a pretensa aquisição da Fazenda Amália.

Aqui, não se refere apenas à demonstração da existência do valor de dinheiro em conta corrente usado pela embargante para o "pagamento" do preço na aquisição das terras; pois esse é um elemento meramente acessório e acidental. Necessário e exigível era que a embargante demonstrasse, concreta e eficazmente, a origem de fato e de direito do dinheiro supostamente por ela utilizado na compra do latifúndio nesta comarca de Santa Rosa de Viterbo. É muito fácil para alguém, visando simular uma compra inexistente, obter certa importância de dinheiro (até de empréstimo), colocar essa importância em sua conta corrente, realizar a transferência desse valor a outrem como prova de pagamento do "preço", e, depois de feita essa simulação, simplesmente devolver o dinheiro à sua origem.

Assim, o que interessa para a prova do negócio, não é a demonstração da transferência de recursos financeiros. É necessário que se demonstre, além disso, a origem e a licitude dos recursos utilizados, e, especialmente, os motivos de fato para a realização do negócio jurídico.

No entanto, embora estes embargos tramitem há cerca de dois anos, em nenhum momento a embargante juntou um único documento comprobatório da origem dos recursos utilizados para a constituição de seu patrimônio.

Anote-se, a propósito, que esse ônus seria exclusivamente da embargante, pois seria impossível exigir da parte embargada a prova do fato negativo. Bastaria à embargante juntar documentos bancários de comprovação dos valores que recebeu a título de integralização de ações ou cotas, venda de imóveis ou outros bens de sua propriedade, comprovantes de doações ou outros ativos recebidos licitamente para a constituição de seu capital social, etc. Mas nada disso veio aos autos.

Ao contrário, a embargante é empresa formada por uma offshore, que se caracteriza exatamente pela "blindagem" propiciada por paraísos fiscais em relação à apuração da existência e origem de seus recursos financeiros (usualmente empregadas para a lavagem ou ocultação de capitais).

Offshore é uma empresa (pessoa jurídica) situada no exterior, sujeita a regime legal "extraterritorial" em relação ao país de domicílio de seus associados.

Essas contas são abertas nos países de legislação de origem britânica usando-se um conceito jurídico de trust originário da common law inglesa, que foi trazido para a Inglaterra pelos cruzados, que aprenderam o conceito de waqf islâmico, pelo qual é feito um contrato (trust instrument ou deed of trust), através do qual a propriedade (inclusive imobiliária, tangível e intangível) de um bem passa para o nome de outra pessoa (ou pessoas, ou organizações), em benefício de outrem, e nos países que adotam o Direito Romano usa-se como artifício para assegurar o anonimato o conceito jurídico de Fundações. Assim, nos países que adotam a common law os trustees é que detêm o título legal de propriedade, mas são obrigados a mantê-la e administrá-la em benefício de outrem, do beneficiário; nos países que adotam o Direito Romano a propriedade passa a pertencer a uma Fundação. Nos países (paraísos fiscais) que permitem a operação desse tipo de trusts ou de Fundações, um Banco só tem conhecimento do nome dos trustees (administradores, uma espécie de procuradores) dessas contas ou dos gestores da Fundação, ignorando completamente quem seja o real beneficiário, ou o real dono, do dinheiro ali depositado. Assim, é impossível que venham prestar informações sobre quem são os proprietários do dinheiro depositado nessas contas, mesmo que haja alguma determinação judicial nesse sentido: o Banco simplesmente não sabe. Desta forma, o sigilo absoluto é garantido, e é impossível de ser quebrado.

Diversamente do alegado pela embargante, há uma regulamentação jurídica relativa aos paraísos fiscais e uso de empresas "off shores". A Instrução Normativa SRF nº 188, de 6 de agosto de 2002 (D.O.U. de 9.8.2002) relaciona países ou dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas, e prevê que:

Art. 1º Para todos os efeitos previstos nos dispositivos legais discriminados acima, consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade as seguintes jurisdições:
[...]
VI - Comunidade das Bahamas
[...]
XLI - Panamá;
[...]
LIII - Ilhas Virgens Britânicas.

Ainda, a embargante não alegou ou comprovou razões de fato e de direito para a suposta aquisição da Fazenda Amália; principalmente em razão do fato de jamais ter a embargante exercido atividade econômica direta na aludida propriedade.

A embargante se limita à manutenção do arrendamento de uma usina de cana-de-açúcar, e permitiu com que a empresa Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA) permanecesse, por longos anos, utilizando gratuitamente da marca Francis sem qualquer contraprestação; além de permitir com que a mesma empresa utilizasse imóvel da embargante na fabricação de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal sem qualquer pagamento de aluguel (anote-se que não houve a juntada de qualquer comprovante idôneo de pagamento de aluguel ou de arrendamento pela IMODSA à embargante; seja em relação ao uso da marca Francis, seja em relação ao uso prolongado do galpão industrial para a fabricação de sabonetes neste município).

O mais estranho é que a empresa embargante, segundo interrogatório prestado por José Renato Miqueleti (fls. 4458), mesmo vivendo apenas do arrendamento de vastíssimo patrimônio imobiliário (de terras), apresenta resultados negativos (deficitários), em razão de "empréstimos" tomados pela embargante (de causas desconhecidas). Porém, curiosamente, esses "empréstimos" não foram tomados com instituições financeiras ou com particulares. Foram tomados com a própria sócia estrangeira (Dynor), e, apesar disso, a embargante nada paga por esses empréstimos, e toda a receita da autora é consumida com "despesas de manutenção"; sem, porém, que o interrogando sobresse declinar essas despesas.

Assim, chega-se ao absurdo (para utilizar o termo corriqueiramente empregado pelo advogado da embargante) de, mesmo tendo a empresa autora um patrimônio de terras estratosférico, mesmo sendo a embargante dona de imensas áreas de terras nesta comarca e que estão sendo arrendadas para produção de cana de açúcar, e mesmo recebendo a embargante vultosos valores por esses arrendamentos (pagos pela Pedra Agroindustrial pertencente à Família Biagi), a embargante (que nada produz em termos econômicos) alega ter empréstimos com sua sócia estrangeira e nada pagar por esses empréstimos; e, ainda, a embargante alega usar toda (ou praticamente toda) sua receita (oriunda dos arrendamentos) para "despesas de manutenção".

O curioso é que, sendo a embargante proprietária das terras e não mantendo indústrias ou outras atividades de investimento, ela somente deveria ter lucros, pois é evidente que uma empresa dona de vastíssima extensão de terras e que nada produz, não deveria e não poderia ter gastos superiores às suas receitas oriundas desses arrendamentos.

Na verdade, essas "despesas de manutenção", no procedimento de fraude tributária, nada mais são do que a conhecida a forma de "distribuição de lucros" nos casos de blindagem patrimonial. O dinheiro recebido pela embargante é remetido, por meio de outras empresas "de fachada", para os verdadeiros donos da embargante (ou seja, a Família Matarazzo).

No que tange a eventual tese de prescrição intercorrente do crédito tributário, fica essa defesa rechaçada, na medida em que não houve desídia da Fazenda na cobrança de seus créditos.

Como já afirmado nesta sentença, a credora agiu com profunda diligência nas execuções fiscais propostas. Contudo, empresa devedora principal, valendo-se sempre de expedientes protelatórios (ora oferecendo bens inócuos à penhora, ora embargando a execução, ora interpondo recursos protelatórios); após o que se verificou tanto a inexistência de bens idôneos da devedora originária quanto a inatividade econômica e financeira dela.

Assim, somente a partir de tais apurações de inocuidade patrimonial da devedora principal foi que a exequente teve a condição e o motivo para investigar a situação patrimonial da devedora principal e da fraude que foi produzida na simulada transferência patrimonial à embargante.

Desse modo, incogitável a ocorrência da prescrição, na medida em que a credora somente teve ação exercitável contra a embargante a partir de quando apurou a inexistência de acervo patrimonial idôneo pela devedora principal, e a partir de quando pôde apurar a existência do ato jurídico simulado na constituição da embargante e na transferência do expressivo patrimônio imobiliário (blindagem patrimonial).

Não basta o decurso do prazo de cinco anos para o reconhecimento da prescrição intercorrente. É necessária a demonstração da inércia da Fazenda; sem o que não se há falar em prescrição.

A matéria, aliás, foi pacificada em julgamento submetido à sistemática dos Recursos Repetitivos, com a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. DECLARAÇÃO DE OFÍCIO. VIABILIDADE. ART. 219, §5º, DO CPC. CITAÇÃO. INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA 7 DO STJ.
1. A configuração da prescrição intercorrente não se faz apenas com a aferição do decurso do lapso quinquenal após a data da citação. Antes, também deve ficar caracterizada a inércia da Fazenda exequente. 2. A Primeira Seção desta Corte também já se pronunciou sobre o tema em questão, entendendo que "a perda da pretensão executiva tributária pelo decurso de tempo é consequência da inércia do credor, que não se verifica quando a demora na citação do executado decorre unicamente do aparelho judiciário" (REsp n. 1102431 / RJ, DJe 1.2.10 - regido pela sistemática do art. 543-C, do CPC). Tal entendimento, mutatis mutandis, também se aplica na presente lide. 3. A verificação acerca da inércia da Fazenda Pública implica indispensável reexame de matéria fático-probatória, o que é vedado a esta Corte Superior, na estreita via do recurso especial, ante o disposto na Súmula 07/STJ. 4. Esta Corte firmou entendimento que o regime do § 4º do art. 40 da Lei 6.830/80, que exige a prévia oitiva da Fazenda Pública, somente se aplica às hipóteses de prescrição intercorrente nele indicadas, a saber: a prescrição intercorrente contra a Fazenda Pública na execução fiscal arquivada com base no § 2º do mesmo artigo, quando não localizado o devedor ou não encontrados bens penhoráveis. Nos demais casos, a prescrição, a favor ou contra a Fazenda Pública, pode ser decretada de ofício com base no art. 219, § 5º, do CPC. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1222444/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª Turma, J. 17/04/2012, DJe 25/04/2012).

Consta dos autos da execução fiscal que a credora, tão logo teve ciência do fato gerador da corresponsabilidade da embargante, requereu o redirecionamento à embargante (empresa fraudulentamente concebida e gerida, somente, para servir de "blindagem patrimonial" da família Matarazzo).

Não houve inércia da Fazenda, o que impede a declaração da prescrição intercorrente, mesmo em se tratando de citação de sucessora:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. CITAÇÃO APÓS O PERÍODO DE CINCO ANOS, CONTADOS DA CITAÇÃO DA DEVEDORA ORIGINÁRIA. INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. A situação debatida nos autos é peculiar. Não versa sobre o redirecionamento da Execução Fiscal contra o sócio administrador da empresa, em razão de dissolução irregular (o que afasta a hipótese de sobrestamento do apelo, pois a matéria é distinta da debatida no RESP 1.201.993/SP, pendente de julgamento no rito do art. 543-C do CPC), mas sim decorrente da possível sucessão empresarial (art. 133 do CTN). 2. O Tribunal de origem ratificou a decisão do juízo de primeiro grau, isto é: a) a discussão a respeito da sucessão empresarial é inviável em Exceção de Pré-Executividade, pois demanda dilação probatória; e b) embora a citação da empresa em tese sucessora tenha ocorrido em período que superou o prazo de cinco anos, contados da citação da sucedida, a Fazenda Nacional jamais ficou inerte. 3. O presente apelo ataca apenas a última parcela da decisão (tema da prescrição), dotado de autonomia para, acaso acolhido, reformar o acórdão hostilizado. A empresa defende a tese de que basta o transcurso do lustro para o reconhecimento da prescrição intercorrente. 4. O STJ, no julgamento do RESP 1.222.444/RS, julgado no rito do art. 543-C do CPC, pacificou a orientação de que "A configuração da prescrição intercorrente não se faz apenas com a aferição do decurso do lapso quinquenal após a data da citação. Antes, também deve ficar caracterizada a inércia da Fazenda exequente". 5. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1355982/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, J. 06/12/2012, DJe 18/12/2012).

Conforme já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO FISCAL EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA NÃO-COMPROVAÇÃO. 1. Para caracterizar a prescrição intercorrente não basta que tenha transcorrido o qüinqüídio legal entre a citação da pessoa jurídica e a citação do sócio responsabilizado. Faz-se necessário que o processo executivo tenha ficado paralisado por mais de cinco anos por desídia da exequente, fato não demonstrado no processo. 2. A utilização da exceção de pré-executividade tem aplicação na Execução Fiscal somente quando puder ser resolvida por prova inequívoca, sem dilação probatória. 3. Na presente hipótese, o Tribunal de origem firmou entendimento de que não é caso de exceção de pré-executividade. Rever tal entendimento encontraria óbice na Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 996.480/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, J. 07/10/2008, DJe 26/11/2008).

Ainda, de acordo com precedente do Tribunal Regional Federal da Terceira Região; aplicável por analogia ao caso presente:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INOMINADO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PÓLO PASSIVO. INCLUSÃO DE SÓCIO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Segundo a jurisprudência consolidada da Turma, a prescrição, quanto ao sócio, no caso de redirecionamento da execução fiscal, exige não apenas o decurso do prazo de cinco anos entre a citação do contribuinte e a do responsável tributário, mas igualmente que o qüinqüênio tenha advindo de inércia por culpa exclusiva da exeqüente, vez que, enquanto sanção, não pode a prescrição ser aplicada diante de conduta processual razoável e diligente. Ademais, sendo a responsabilidade subsidiária, tem-se, como corolário lógico, que o sócio somente pode responder, pela dívida da empresa, depois de esgotadas as possibilidades de execução em face do contribuinte, daí porque não se pode computar prescrição, em favor do responsável tributário, se a exeqüente, em face dele, não pratica omissão, por estar obrigada, primeiramente, a exaurir a responsabilidade tributária principal. 2. Caso em que apurado, no exame dos fatos da causa, que não houve paralisação do feito, por prazo superior a cinco anos, entre a citação da empresa e a dos sócios, por inércia e culpa exclusiva da exeqüente, pois durante todo o período foram promovidas diligências e atos processuais na busca da satisfação do seu crédito tributário, tendo sido, inclusive, afetado o curso da prescrição por conta de parcelamentos, contratados mas inadimplidos, além do que, não se pode negar, a demora na citação decorreu, igualmente, do trâmite necessário e normal, à conta dos mecanismos inerentes à jurisdição. 3. Agravo inominado provido para afastar a prescrição. (TRF-3, A.I. 333634, Proc. 2008.03.00.015374-3/SP, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, 3ª Turma, j. 05/02/2009, DJF3 17/02/2009, p. 305).

Note-se que, tratando-se de redirecionamento de execução fiscal, o termo inicial do prazo da prescrição intercorrente do crédito tributário (cinco anos) só se verifica depois de constatada a incapacidade patrimonial da devedora principal para o pagamento da obrigação. No caso de redirecionamento da execução fiscal contra sócios ou contra outras empresas do mesmo grupo econômico, a responsabilidade tributária é subsidiária, e só pode se dar se e quando o juiz verificar que a devedora principal não tem patrimônio idôneo e quanto verificada a relação de ilicitude e de responsabilidade entre a devedora principal e as pessoas a serem incluídas na lide. Essa responsabilidade não é automática, e a pretensão só surge com essas verificações (aplicando-se o princípio da actio nata).

Nesse ponto, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. CITAÇÃO DA EMPRESA E DO SÓCIO-GERENTE. PRAZO SUPERIOR A CINCO ANOS. PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. 1. O Tribunal de origem reconheceu, in casu, que a Fazenda Pública sempre promoveu regularmente o andamento do feito e que somente após seis anos da citação da empresa se consolidou a pretensão do redirecionamento, daí reiniciando o prazo prescricional. 2. A prescrição é medida que pune a negligência ou inércia do titular de pretensão não exercida, quando o poderia ser. 3. A citação do sócio-gerente foi realizada após o transcurso de prazo superior a cinco anos, contados da citação da empresa. Não houve prescrição, contudo, porque se trata de responsabilidade subsidiária, de modo que o redirecionamento só se tornou possível a partir do momento em que o juízo de origem se convenceu da inexistência de patrimônio da pessoa jurídica. Aplicação do princípio da actio nata. 4. Agravo Regimental provido. (STJ, AgRg no REsp 1062571/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, J. 20/11/2008, DJe 24/03/2009).

Doutrina e jurisprudência sempre exigiram que o Judiciário tente, antes de redirecionar a execução contra outras pessoas, apurar e penhorar o patrimônio da devedora principal. Portanto, é só depois de se apurar a insolvência da devedora principal que se abre a possibilidade de o Judiciário incluir outras pessoas (físicas ou jurídicas) como codevedoras. Trata-se de responsabilidade tributária sui generis e subsidiária. Portanto, o dies a quo do prazo prescricional não corresponde à data da citação da devedora principal; mas sim à data em que se apura a insolvência patrimonial dessa devedora e de sua relação com a pessoa contra a qual se pretende o redirecionamento da execução fiscal (antes disso, a pretensão ainda não havia se formado para o pedido de redirecionamento da execução fiscal).

A fluência do prazo prescricional em relação à empresa para a qual se pretende o redirecionamento, por sucessão, na forma do art. 133 do CTN, deve ser contada apenas a partir do momento em que surge a pretensão de redirecionar o feito. Para que haja a prescrição, é essencial a verificação da inércia da exequente, conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AI n° 0229026-45.2012.8.26.0000, Rel. Des. Danilo Panizza, J. 27/11/2012; AI n° 0287782-81.2011.8.26.0000, Rel. Des. Aliende Ribeiro, J. 24/04/2012; AI n° 0240432-63.2012.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, J. 11/12/2012), e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 702211/RS, Rel. Min. Denise Arruda, J. 22/05/2007, DJ 21/06/2007; REsp 1100777/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, J. 02/04/2009, DJe 04/05/2009; REsp 1090958/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 02/12/2008, DJe 17/12/2008; AgRg no REsp 966.221/RS, Rel. Min. Luiz Fux, J. 21/10/2008, DJe 13/11/2008).

Percebam que, de acordo com a moldura fática ora delineada neste julgamento, não se trata de responsabilidade baseada somente na formação de grupo econômico.

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que, nos termos do art. 124 do CTN, existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação (AgRg no AREsp 429.923/SP; AgRg no Ag 1392703/RS; AgRg no Ag 1240335/RS; AgRg no Ag 1288247/RS; AgRg no Ag 1163381/RS; EREsp 834044/RS; e AgRg no Ag 1055860/RS).

Contudo, no caso vertente, a situação fática é outra. O caso envolve fraude jurídica e tributária.

Segundo se verifica das conclusões deste julgamento, a empresa embargante foi pessoa jurídica fraudulentamente constituída como empresa "de fachada" e formada por outra empresa (sediada em paraíso fiscal), apenas com o objetivo de promover a "blindagem patrimonial" da família Matarazzo (que continua sendo dona e administrando as glebas de terras e as empresas devedoras tributárias).

Assim, a criação e o uso de empresa concebida com a finalidade fraudulenta de esvaziar patrimônio, desviando-o para a nova pessoa jurídica criada e impedir a penhora de bens.

Como já se decidiu, nessas hipóteses, é legítimo o redirecionamento da execução fiscal:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. GRUPO ECONÔMICO CONSTITUÍDO PARA FINS SUPOSTAMENTE ILÍCITOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. SÚMULA 284/STF. APLICAÇÃO DE SÚMULAS DO STF PELO STJ. POSSIBILIDADE. CONTRARIEDADE A PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO DA VIA ESPECIAL. COMPETÊNCIA DO STF. PRETENSÃO DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICOPROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO INCÓLUME NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 283/STF. 1. Inafastável a incidência da Súmula 284 do STF à alegada violação do art. 535 do CPC, quando, do acórdão que julgou o agravo regimental na origem, não houve oposição de embargos de declaração para instar a Corte local a sanar eventual vício contido no aresto. 2. O recurso especial é espécie do gênero "recurso extraordinário", o que torna perfeitamente possível o emprego, por analogia, de súmulas do Supremo Tribunal Federal pelo Superior Tribunal de Justiça. 3. É inviável a análise de violação do art. 5º da Constituição Federal, nem mesmo à guisa de prequestionamento, por ser matéria reservada ao STF, nos termos dos arts. 102, III, e 105, III, da Carta Magna. 4. O Tribunal de origem reconheceu que o magistrado não agiu de ofício e que era legítima a desconsideração da personalidade jurídica, visto os indícios de formação de grupo econômico com finalidade ilícita. A revisão do entendimento firmado demandaria reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7/STJ. 5. O acórdão de origem trouxe, entre seus fundamentos, a afirmação de que o agravo de instrumento era via inadequada para impugnar temas que dependeriam de produção probatória. Entretanto, os recorrentes olvidaram-se de impugnar tal fundamento, que ficou incólume, atraindo a aplicação, por analogia, da Súmula 283/STF. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1374488/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, J. 07/08/2014, DJe 15/08/2014).

Também não há que se falar em prescrição com base no artigo 178, § 9º, V, b do Código Civil de 1916.

Isso porque, no caso, não houve simulação relativa causadora de mera anulabilidade do ato jurídico (e que demandaria propositura de ação anulatória desconstitutiva com prazo decadencial previsto no Código Civil revogado).

No caso, houve inexistência de ato jurídico, por simulação fraudulenta e absoluta, mediante criação de pessoa jurídica fictícia, concebida e administrada, única e exclusivamente, para receber patrimônio da Família Matarazzo e impedir o recebimento de créditos tributários das contraídos pelas demais empresas do grupo familiar.

Assim, na verdade, não houve compra e venda e terras, nem tampouco transferência real de patrimônio com o objetivo de transferir, de fato, direitos mediante pagamento de preço.

Houve, no caso, simulação absoluta (fraudulenta), que gera a inexistência e a ineficácia do ato jurídico; sendo essa simulação passível de reconhecimento a qualquer tempo e não se sujeitando a qualquer convalescimento (por prescrição ou decadência). Além disso, por se tratar de ato jurídico inexistente, essa fraude dispensa ação judicial própria para seu reconhecimento; uma vez que, na realidade, tratando-se de "blindagem patrimonial" com transferência de bens, a empresa embargante, do ponto de vista jurídico e real, identifica-se com a empresa devedora principal da execução fiscal.

Como é da jurisprudência, no caso de constituição de empresas para transferência de ativos e "blindagem patrimonial" em fraude tributária, aplicam-se os artigos 50 do Código Civil e 135 do Código Tributário Nacional (o que autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra a empresa criada, independentemente de ação judicial autônoma ou de reconhecimento da fraude de execução).

No sentido: "Registre-se que os fatos narrados comportam, em tese, não apenas eventual decretação de fraude à execução ou contra credores, mas, também, aplicação do disposto no artigo 50 do Código Civil de 2002, que prevê desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de abuso por desvio de finalidade, confusão patrimonial ou fraudes entre empresas e administradores integrantes de grupo econômico, com estrutura meramente formal, ou, ainda, incidência do próprio artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, pela prática, por sócio-gerente ou administrador, de atos de administração com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, anteriores ou posteriores aos fatos geradores, em virtude da dispersão do patrimônio social, que obstou o regular adimplemento dos débitos tributários, cujos pressupostos fáticos e jurídicos, entretanto, deverão ser examinados, com maior profundidade, na execução fiscal, sendo irrelevante o argumento de não constarem os nomes dos corresponsáveis na CDA ou de necessidade de ação própria para apuração da responsabilidade, conforme jurisprudência consolidada desta Turma (AC 2004.03.99023507-8, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, DJU de 10/11/04; AG 2006.03.00.047369-8, Rel. Des. Fed. CECÍLIA MARCONDES, DJU de 24.01.07, p. 119; AI 00591398220054030000, Rel. Des. Fed. MÁRCIO MORAES, DJU 09/04/2008, p. 760)".

Na simulação absoluta, nenhum ato jurídico quis se praticar, nem o aparente nem outro qualquer. Falta a consciência da vontade (elemento essencial ao suporte fático). Por ser mera aparência, não entra no mundo jurídico. Não sendo ato jurídico, não há ato inválido. Ocorre a inexistência de ato jurídico, e o reconhecimento desse vício opera efeito ex tunc (desde o início; a partir da criação do ato inexistente).

A simulação é considerada absoluta quando não há relação negocial efetiva entre as partes. As partes celebram um negócio jurídico apenas aparentemente, pois, na realidade, este não existe (é uma farsa, ou um corpo sem alma). O ato é fictício, inexistente, subsistindo só na aparência, já que as partes não têm intenção de efetuar ato algum. Em regra, esse tipo de simulação visa prejudicar terceiro, subtraindo os bens do devedor à execução do credor. Procura-se, através dela, ocultar bens ou simular a existência de situação patrimonial não existente.

Conforme lição de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. 4, Borsoi, § 468):

"A simulação é absoluta quando não se quis outro ato jurídico nem aquele que sesimula. Relativa, quando se simula ato jurídico para se dissimular, ou simplesmente dissimulando-se outro ato jurídico. Quae non sunt, simulo, quae sunt, ca dissimulantur. Mostra-se o não-ser; e esconde-se o ser. (...)

Se a simulação foi absoluta, nada feito. Se foi relativa, isto é, se algo se quis, embora não apareça, e de alcance nocivo (art. 103), o ato jurídico existe e os figurantes não na podem alegar, posto que os terceiros ou os representantes do poder público possam promover a anulação do que existe e aparece.".

Portanto, não se aplica o prazo prescricional (ou melhor, decadencial) à simulação absoluta, por envolver a prática de ato inexistente, não convalesce com o decurso do tempo. O que inexiste não passa a existir e a produzir efeitos válidos só pelo fato de os interessados não impugnarem a ilicitude do ajuste simulatório.

Para que haja prescrição, é necessária a ocorrência de ato de existe e que aparece. A simulação absoluta, decorrente de ato inexistente, não se submete a prazo prescricional.

Ainda que assim não fosse, a prescrição não se consumou; porquanto o débito tributário foi objeto de parcelamento entre os anos de 2000 e 2009, e, somente com a exclusão da devedora principal do REFIS (em 2009) a prescrição voltou a correr. Em 03/12/2012 foi que a credora requereu a inclusão da Canamor como codevedora (fls. 711/767), e essa inclusão se deu por decisão de 19/12/2012 (fls. 1435/1437); sobrevindo a citação da embargante em 18/01/2013 (fls. 1459). Não houve, portanto, decurso do prazo de prescrição intercorrente do crédito tributário.

Ante o exposto, deixo de exercer juízo de retratação (relativamente à decisão agravada), e julgo IMPROCEDENTES os embargos à execução fiscal, opostos por Canamor Agro-Industrial e Mercantil S/A contra a Fazenda Nacional; para rejeitar os pedidos formulados e reconhecer a condição de devedora solidária da embargante em relação ao crédito objeto das execuções embargadas e que tiveram como devedora originária a empresa Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A.

........................................................................................."

Trata-se de excelente sentença, que honra a figura de seu prolator, o qual perscrutou com intensidade as alegações postas pela parte embargante, bem como a documentação colacionada nos autos e depoimentos, e julgou os embargos improcedentes.

Anoto que a Quarta Turma desta Corte Regional reconheceu a formação de grupo econômico entre as empresas Agro Industrial Amália S/A e Canamor Agro Industrial e Mercantil S/A: Ap 00429318620114039999, Desembargadora Federal Mônica Nobre, TRF3 - Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2016.

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que "A constituição da apelante sem a devida comprovação da origem dos recursos financeiros e o modo de desenvolver o seu trabalho são indícios suficientes de simulação, com o objetivo de preservação do patrimônio do Grupo Matarazzo", bem como afastou a alegação de prescrição e decadência nos autos nº 1000990-83.2017.8.26.0549, em que a embargante também figurava como apelante (5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São, Julgado em 06/08/2018).

No tocante aos honorários advocatícios, assiste razão ao apelante, uma vez que o encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/69 está incluído no valor da execução fiscal (fl. 70), substituindo, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios, em caso de improcedência desses.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à apelação apenas para afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios.

É como voto.

Johonsom di Salvo
Desembargador Federal


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