D.E. Publicado em 23/11/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 09/11/2018 14:39:05 |
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RELATÓRIO
Trata-se de embargos à execução opostos em 19/02/2013 por CANAMOR AGRO-INDUSTRIAL E MERCANTIL S/A em face de execução fiscal ajuizada pela UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL) em face de INDÚSTRIAS MATARAZZO DE ÓLEOS E DERIVADOS visando a cobrança de dívida ativa, na qual a empresa embargante foi incluída em vista do reconhecimento da integração da embargante ao mesmo grupo econômico da empresa devedora principal.
Na inicial, a parte embargante sustenta a nulidade da decisão que redirecionou a execução diante da atuação parcial do magistrado.
No mais, alega, em apertada síntese, que: a) nunca manteve qualquer relacionamento jurídico com a empresa executada e não exerce a mesma atividade, não podendo ser responsabilizada por seus débitos ou considerada sua sucessora fática; b) que não é possível desconsiderar a personalidade jurídica sem a existência de fraude à execução; c) que o reconhecimento da suposta simulação está prescrito; d) não há simulação nem houve fraude com o objetivo de lesar credores; e) não foram preenchidos os requisitos que ensejam a corresponsabilização prevista no artigo 124 do CTN; f) não participou na constituição do crédito tributário.
Discorre a embargante acerca de sua origem, afirma estar em pleno funcionamento, explica acerca da contratação de ex-funcionários do Grupo Matarazzo, defende que a aquisição da marca "Francis" se deu judicialmente e sustenta que a embargante não se confunde com Agro-Industrial Amália, com Maria Pia Matarazzo ou mesmo com as Indústrias Matarazzo.
Por fim alega a ocorrência de prescrição intercorrente, pois a citação da empresa devedora se deu em 28/08/2000 e o pedido de redirecionamento se deu apenas em 03/12/2012.
Requer a procedência dos embargos.
Valor atribuído à causa: R$ 3.071.205,97 (fl. 58). Com a inicial a embargante trouxe documentos aos autos. (fls. 59/4385 e fls. 4387/4391).
Os embargos ficaram suspensos em razão da oposição de exceção de suspeição pela embargante contra o juiz de direito; rejeitada a exceção pela Sexta Turma desta Corte Regional, os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (fls. 4396/4397).
A embargante agravou por instrumento contra o indeferimento do efeito suspensivo (nº 0008434-65.2014.4.03.0000), ao qual foi negado provimento por este Relator.
A União apresentou impugnação aos embargos em que sustenta que não houve prescrição em razão do tempo que transcorreu entre a exclusão da devedora originária do REFIS e a citação da embargante, que não houve nulidade da decisão que incluiu a embargante como devedora solidária e que houve simulação fraudulenta nos atos de constituição e administração da embargante (concebida apenas para livrar as empresas do Grupo Matarazzo em relação à responsabilidade pelos altos passivos fiscais) uma vez que a embargante e a devedora são uma só empresa, e apontando os elementos que indicam o intuito fraudulento da empresa embargante (unidade entre sócios e pessoas ligadas à família e às empresas do Grupo Matarazzo, titularidade de marca pela embargante (de um produto fabricado pela devedora), sucessão trabalhista reconhecida na Justiça do Trabalho, pagamento de acordos judiciais pelas empresas do Grupo Matarazzo após inclusão da embargante como codevedora nas execuções, e inidoneidade financeira da embargante para adquirir o patrimônio das empresas do Grupo Matarazzo). Requer a improcedência dos embargos e o prosseguimento da execução contra a embargante (fls. 4425/4435 e documentos 4436/4447).
O Juízo a quo determinou a juntada de cópia do termo de audiência e dos termos de depoimentos prestados em outros embargos em que figura a mesma embargante (fls. 4448/4460).
Manifestação da embargante, oportunidade em que requereu a expedição de ofício às sociedades Bayer, Artivinco e Banco CitiBank para que forneçam as informações mencionadas na petição inicial dos embargos (fls. 4465/4485).
A embargante trouxe documentos aos autos (fls. 4486/4494).
Manifestação da parte embargada a fls. 4497.
A decisão de fls. 4502 indeferiu diligências probatórias requeridas pela embargante e juntou documentos.
Contra tal decisão, a embargante interpôs agravo retido (fls. 4522/4530), recebido (fls. 4531) e respondido pela agravada (fls. 4535/4536).
Em 14/10/2014 sobreveio a r. sentença de improcedência dos embargos para rejeitar os pedidos formulados e reconhecer a condição de devedora solidária da embargante em relação ao objeto da execução embargada. Condenação da embargante ao pagamento de custas e despesas e aos honorários advocatícios no valor de R$ 30.000,00 devidamente atualizados (fls. 4537/4571, mantida às fls. 4585/4586).
Inconformada, apela a parte embargante reiterando o agravo retido e requerendo seu julgamento e, no mais, requerendo a reforma da r. sentença ou o decreto de sua nulidade, para que se exclua da lide a apelante ou se declare prescrita quanto a ela a dívida exequenda. Para tanto, repisa os argumentos expendidos na inicial dos embargos e, ainda, explica que questão da notícia de jornal referida na sentença seria qualquer indício de fraude ou simulação, bem como a questão do palacete. Por fim, alega ser incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em face do encargo legal constante da CDA (fls. 4618/4687).
Recurso respondido (fls. 4698/4713).
É o relatório.
VOTO
A r. sentença merece ser mantida em seu inteiro teor, nas exatas razões e fundamentos nela expostos, os quais tomo como alicerce desta decisão, lançando mão da técnica de motivação per relationem, amplamente adotada pelo Pretório Excelso e Superior Tribunal de Justiça (STF: ADI 416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014ARE 850086 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-108 DIVULG 05-06-2015 PUBLIC 08-06-2015 -- ARE 742212 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-197 DIVULG 08-10-2014 PUBLIC 09-10-2014; STJ: AgRg no AgRg no AREsp 630.003/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/05/2015, DJe 19/05/2015 -- HC 214.049/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 10/03/2015 -- REsp 1206805/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/10/2014, DJe 07/11/2014 -- REsp 1399997/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013).
Assim, passo à transcrição do julgado ora contrastado - NO QUE TEM DE ESSENCIAL PARA O DESATE DA QUESTÃO - acolhendo-o em técnica de motivação até agora usada no STF (RMS 30461 AgR-segundo, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 07-04-2016 PUBLIC 08-04-2016):
".........................................................................................
Quanto ao agravo retido interposto pela embargante (fls. 4522), mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos, pois as diligências requeridas pela agravante, além de poderem ser realizadas pela própria parte (sem qualquer interferência do juízo), são totalmente impertinentes para o deslinde da causa, tendo em vista o vasto teor probatório coligido nos autos (inclusive a título de prova emprestada de outros embargos com discussões rigorosamente idênticas). Ademais, o que importava (e importa) para o julgamento da causa não é saber se os cheques que a embargante emitiu são verdadeiros ou não e se há ex-empregados do Grupo Matarazzo que trabalham em outras empresas. Interessa saber a origem, existência e licitude do capital social integralizado em relação à embargante, e a idoneidade de seus acionistas para essa integralização (e isso, nem de longe, foi demonstrado pela embargante).
Procedo ao julgamento dos embargos no estado dos autos; uma vez que a parte embargada não tem qualquer interesse na produção de outras provas, e as provas requeridas pela parte embargante já foram indeferidas a fls. 4502.
Os embargos são improcedentes.
Não houve nulidade da decisão judicial, proferida por este juízo de direito, que determinou a inclusão da empresa embargante como devedora solidária na execução fiscal embargada.
Ao contrário do alegado pela embargante, a decisão que ensejou a inclusão da embargante como codevedora solidária foi proferida a requerimento da parte exequente, sem qualquer sugestão do juiz.
Foi a Fazenda Pública, tendo conhecimento de fatos julgados noutra ação, quem fundamentou e requereu a inclusão da embargante como devedora na execução fiscal; limitando-se a atuação do juiz à apreciação e deferimento desse requerimento, com base nos fatos alegados e documentos apresentados pela Fazenda Pública, no estrito e regular exercício da jurisdição. Não houve violação do princípio da imparcialidade, ainda que os fatos que ensejaram o deferimento da inclusão já fossem de conhecimento do magistrado por força de julgamento de outras ações em que fora parte a mesma embargante (Canamor).
Note-se que a embargante apresentou exceções de suspeição, contra este juiz de direito, em todas as execuções em que fora incluída no polo passivo. E todas as exceções de suspeição foram rejeitadas (tanto pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo quanto pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região).
Somente a título de exemplos, colacionam-se duas ementas de decisões proferidas em exceções de suspeição apresentadas pela Canamor contra este magistrado, em que se reconheceu a regularidade da atuação deste juiz:
Mais. Segundo decidido noutra exceção de suspeição oposta pela Canamor, "A argumentação da excipiente carece de provas. O exercício é estritamente jurisdicional. Para eles há recursos processuais próprios. E só o fato de decidir contra a excipiente não revela o cabimento da peita. Nem se extrai do estilo de escrita modalidade alguma de suspeição. Relevante não olvidar que aquela não é ação de conhecimento, mas execução, inconfundíveis os princípios da imparcialidade e da neutralidade, este último adequado para feitos cujo escopo é o cumprimento do título.". (TJSP, Exceção de Suspeição nº 0032769-47.2012.8.26.0000, Câmara Especial, Rel. Des. Roberto Solimene, J. 07/05/2012).
Evidente que o juiz, tendo julgado outros feitos em que houve o reconhecimento da responsabilidade de alguma empresa como sucessora ou devedora solidária de tributos, pode (e deve) disponibilizar esse tipo de informações a outros credores (que já têm execução em trâmite na comarca) para que haja, ao final, um tratamento racional e uniforme da matéria; evitando decisões andamentos processuais diferentes para execuções de débitos de mesmas empresas e evitando crise das pretensões executórias e ineficácia dos processos de execução fiscal.
Não se pode olvidar que no processo de execução a função jurisdicional é parcial, pois a execução (ao contrário do processo de conhecimento) se realiza no interesse do credor e contra o patrimônio do devedor. Assim, no processo de execução, o juiz atua em benefício do credor, visando à satisfação de um direito já reconhecido por título executivo que tem a presunção de certeza, liquidez e exigibilidade.
Assim, não há como se sustentar a nulidade da decisão que incluiu a embargante como devedora solidária na execução fiscal, pois o juiz atuou mediante provocação da Fazenda credora e a atuação jurisdicional se limitou à apreciação do requerimento formulado pela parte credora.
Quanto à questão de fundo (o mérito propriamente dito), cumpre observar o que é e como normalmente ocorre o processo de "blindagem patrimonial" envolvendo a criação de empresas a partir de outras sediadas em paraísos fiscais para "driblar" o fisco e as autoridades brasileiras.
A "blindagem patrimonial" é um procedimento destinado a excluir de penhora, partilha ou de incidência tributária determinados bens ou direitos.
Grosso modo, a pessoa cria uma holding (nova empresa, sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima), e transfere bens para ela, ficando a holding responsável em administrar e controlar esses bens. Não sendo mais os bens de propriedade do criador, a holding "blinda" o patrimônio contra "riscos" futuros, protegendo seus sócios, por exemplo, de problemas causados por uma execução fiscal, uma ação indenizatória, um divórcio, uma separação judicial, um filho havido fora do casamento, etc.
Em esclarecedor artigo de Bruno Ribeiro Castro (IED e o risco de lavagem de dinheiro), publicado no site Consultor Jurídico, é informado que:
A prática não é nova. A revista Época, em artigo denominado Be-a-bá do sonegador mostra como é operacionalizada a blindagem patrimonial:
Aliás, recentemente, a imprensa brasileira noticiou essa forma de atuação por meio de "blindagem" patrimonial. Um hotel, que teria oferecido trabalho ao Deputado José Dirceu (um dos condenados pelo STF, por ação penal, no episódio conhecido como "Escândalo do Mensalão"), na verdade, era composto por uma offshore estabelecida no Panamá (paraíso fiscal). Um repórter da Rede Globo de televisão foi ao Panamá e, lá, obteve os dados do dono dessa empresa offshore, e esse "dono" era, na verdade, um simples empregado subalterno (auxiliar de escritório) de um escritório de advocacia especializado nesse tipo de serviço. No contrato social do hotel Saint Peter, Paulo Masci de Abreu, que ofereceu um emprego com salário de R$ 20 mil para o ex-ministro José Dirceu, aparece como um sócio minoritário. Tem uma cota no valor de R$ 1. Todas as outras cotas, que somam R$ 499 mil, pertencem a uma empresa estrangeira, Truston International Inc., com sede na cidade do Panamá. De acordo com o registro público do Panamá, o presidente da Truston é um cidadão panamenho, José Eugenio Silva Ritter. O nome dele aparece abreviado. José Eugênio Silva Ritter está ligado a centenas de empresas em um site criado por um ativista anticorrupção. O procurador da Truston no Brasil, como mostra o contrato do hotel Saint Peter, é Raul de Abreu, filho de Paulo Masci de Abreu.
Cumpre, ainda de forma introdutória, fazer brevíssimas anotações acerca dos fatos e do cenário histórico que circundam os fatos objeto deste processo judicial.
A cidade de Santa Rosa de Viterbo tem, hoje, cerca de 25.000 habitantes, e sua história está umbilicalmente ligada à Família Matarazzo; que é nacionalmente conhecida pelo grande império econômico.
Não se pode falar em Santa Rosa de Viterbo sem se falar na Família Matarazzo. Até mesmo a rodovia estadual que dá acesso a este município recebe o nome de "Conde Francisco Matarazzo Júnior". Inúmeros dos habitantes do município local nasceram e trabalharam, por vidas inteiras, em algumas das "seções" da antiga Fazenda Amália. Não há um único habitante de Santa Rosa de Viterbo que aqui tenha nascido ou vivido por mais de quarenta anos e que não tenha, em algum grau, certa relação com a Fazenda Amália ou com a família Matarazzo.
A principal propriedade da Família Matarazzo nesta cidade que tinha importância até mesmo maior que a do próprio Município é a Fazenda Amália; de enormes dimensões e dotada de um extenso parque (ou distrito) industrial (parte deste parque sendo de propriedade e de administração atual de outras empresas).
Na década de 1990, parte das atividades agroindustriais da família Matarazzo foi formalmente transferida a terceiros, especialmente ao Grupo Cury (do empresário Nelson Afif Cury outro grande devedor de tributos); sendo grande parte da Fazenda Amália transferida à empresa Canamor Agro Industrial S/A (que já teve os nomes de CEIET Agro Mercantil Ltda. e Vitercana Agro Mercantil Ltda.), de origem e de existência desconhecidas neste município e em relação às eventuais atividades econômicas.
A principal empresa agroindustrial da família Matarazzo localizada neste Município era a Agro Industrial Amália S/A, comandada por Maria Pia Esmeralda Matarazzo. Além dessa empresa, existiam a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados Ltda. (fabricante de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal), além da Canavieira Agro Pastoril e outras empresas ligadas à agroindústria. Em especial, a Agro Industrial Amália e a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados estão entre as maiores devedoras de tributos do Brasil, ao lado de outras empresas do mesmo Grupo Matarazzo.
Nesse cenário, houve a "venda" da Fazenda Amália e de outras propriedades rurais de grande dimensão à empresa Vitercana (hoje Canamor); e esta última, acabou por negociar, com um grande grupo agroindustrial regional, também ligado à produção canavieira (Grupo Biagi Pedra Agroindustrial S/A), o arrendamento de terras e a cessão, em comodato, da usina de cana-de-açúcar localizada no mesmo polo industrial da Fazenda Amália (fls. 796/816).
Paralelamente a isso, manteve-se, na mesma Fazenda Amália (agora de propriedade da Canamor), a fábrica da Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA), que continuou a ser administrada pela família Matarazzo (tendo Maria Pia Esmeralda Matarazzo como diretora e administradora). A IMODSA chegou a celebrar contrato de cessão de fábrica e de empregados à empresa UNISOAP (que era gerida por José Eduardo Matarazzo Kalil filho de Maria Pia), para a produção de produtos de higiene (especialmente aqueles com a marca Francis).
Aliás, nas terras da Canamor (ora embargante), até os dias de hoje, ainda está instalado um escritório da Agro Industrial Amália (que somente expede documentos para ex-funcionários dessa empresa desativada de fato, mas com gigantesco passivo tributário), onde atuam, como empregado e preposto da Agro Amália, os Srs. Valentin Bras Peroni e José Borges Garcia. Ainda, existe o estabelecimento (formado por barracões) de produção de sabonetes e derivados da IMODSA, que ainda tem como presidente Maria Pia Esmeralda Matarazzo (cf. depoimentos e declarações colhidos às fls. 4453/4460).
Seguiram-se os trâmites das inúmeras e vultosas execuções fiscais contra a Agro Industrial Amália, contra a IMODSA e contra as demais empresas do Grupo Matarazzo nesta comarca; e a devedora, sistematicamente, depois de oferecer bens à penhora (sempre bens de grandes dimensões, relacionados à produção industrial, localizados nesta ou até em outras cidades, e de dificílima alienação), embargava os executivos fiscais e, por via de regra, após longos anos, sagrava-se derrotada nos respectivos embargos.
Quando os executivos fiscais voltavam à comarca de Santa Rosa de Viterbo para expropriação e satisfação dos créditos tributários, descobria-se, então, que o patrimônio penhorado era inidôneo, porque arrematado em outras execuções, ou não tendo qualquer valor econômico (porque só teria serventia ao uso nos locais em que estavam instalados).
O Fisco, então, se voltava, em cada executivo, basicamente, contra a administradora Maria Pia Matarazzo e outros integrantes das empresas devedoras. Contudo, sempre sem sucesso; uma vez que nenhuma das pessoas naturais integrantes dos cargos diretivos das empresas do grupo econômico e familiar devedor possuía qualquer patrimônio penhorável formalmente registrado em seu nome.
Por isso, a partir do ano de 2008, a Fazenda Nacional, apurando informações colhidas extrajudicialmente neste município, e, mais precisamente, junto à Fazenda Amália, acabou apurando que a empresa Canamor, ora embargante, suposta adquirente do acervo patrimonial imobiliário da Família Matarazzo, seria mera empresa "de fachada"; constituída apenas ao desvio do acervo patrimonial do grupo empresarial para afastar esse patrimônio da constrição judicial decorrente dos débitos tributários legitimamente constituídos (ou seja, constitui-se uma empresa nova, com capital social desconhecido e protegido por empresa sediada em paraíso fiscal, e deixa-se a empresa anterior com expressivos passivos tributários; frustrando-se a pretensão fiscal).
Assim, a Fazenda Nacional pleiteou a inclusão da Canamor nos polos passivos dos executivos fiscais; tendo este magistrado indeferido todos os requerimentos fazendários, por entender, então, que não estavam devidamente comprovados os requisitos necessários ao procedimento.
Porém, interpostos agravos de instrumento pela exequente, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região concedeu efeito ativo e deu provimento aos recursos; sendo a Canamor incluída na execução embargada pelos fundamentos apontados pela Fazenda Nacional.
Após a inclusão da Canamor como codevedora nos executivos fiscais federais, como "num passe de mágica", a Agro Industrial Amália S/A passou a formalizar parcelamentos de seus débitos tributários junto à Fazenda Nacional (mesmo não tendo aquela empresa qualquer patrimônio, renda ou atividade econômica). Além disso, a Canamor opôs dois embargos às execuções fiscais federais, que foram julgados improcedentes por este juízo de direito de Santa Rosa de Viterbo, após ampla produção de provas (Processos nºs 549.01.2009.000036-0 e 549.01.2008.002602-9 atualmente em fase de recursos junto ao Tribunal Regional Federal da Terceira Região).
Feitas essas considerações introdutórias, examina-se o conteúdo dos embargos.
A questão central em exame é saber se a embargante é ou não uma pessoa jurídica realmente autônoma e independente em relação às empresas do Grupo Matarazzo, ou se se trata de mera empresa criada exclusivamente para a transferência fraudulenta de ativos, para afastar da penhora os bens do Grupo Matarazzo em relação aos débitos fiscais.
A conclusão adianta-se é que a Canamor é mera empresa "de fachada"; sem qualquer existência fática, e criada pela Família Matarazzo para fraudar créditos de natureza tributária; tratando-se de pessoa jurídica decorrente de uma simulação absoluta (que acarreta a inexistência do ato jurídico de sua instituição e a absoluta ineficácia de sua personalidade jurídica meramente formal frente aos créditos fazendários).
Para fundamentação dessa conclusão e como já seria de se esperar não há provas diretas. Não existem documentos e testemunhas demonstrando cessão ou transferência gratuita explícita de ativos entre pessoas. Não há confissão específica da simulação absoluta e nenhuma prova singela demonstra, por si, os fatos alegados pela Fazenda Nacional. Mais isso é óbvio e já seria de se esperar; porque ninguém que pratica uma fraude pretende deixar vestígios desse ato ilícito. Por isso, a prova indiciária sempre assume especial importância nesse contexto processual.
No caso, há inúmeros e fortíssimos elementos que, concatenados, fazem prova contundente da total inidoneidade dos atos de criação e da manutenção da existência (repita-se, só formal) da empresa Canamor (embargante) no cenário jurídico.
É patente que o ato simulado, por essência, será tão mais bem sucedido quanto menores forem os vestígios por ele deixados. Melhor será a simulação quanto mais verdadeiro parecer o ato simulado. Ninguém realiza uma simulação para que ela seja descoberta pelas autoridades. Portanto, a simulação só é provada por indícios e por provas indiretas; especialmente em hipóteses como a destes embargos, em que há especial dificuldade na apuração da origem dos ativos da embargante pelo fato de ser ela integrada por empresa sediada em paraíso fiscal (Ilhas Virgens Britânicas).
De acordo com o magistério do professor Sílvio de Salvo Venosa:
Como primeiro ponto, segundo narrativa da própria embargante (na petição inicial destes embargos), sua constituição adveio da pura e simples tentativa de tornar legal a aquisição de propriedade imóvel rural por estrangeiro no Brasil, haja vista a vedação imposta pela Lei nº 5.709/1971. Assim, diz a embargante, foi instituída como empresa nacional, tendo por sua principal acionista a empresa Dynor Inc., sediada nas Ilhas Virgens Britânicas (conhecido paraíso fiscal), para viabilizar que o Sr. Roberto Shalders de Oliveira Roxo (ou outros "investidores" estrangeiros não nominados), por esse expediente, se tornasse dono da Fazenda Amália.
Claro que, somente por esse fato, já fica indicada a intenção fraudulenta da instituição da Canamor, pois esta empresa teria sido instituída apenas para, por meios transversos, afastar óbice legal à aquisição de uma propriedade rural por estrangeiro.
O segundo ponto reside na forma de constituição e evolução societária da empresa embargante.
A embargante foi constituída e evoluiu de forma empresarial, o mínimo, "curiosa" (cf. fls. 826/890).
Verte-se dos autos que a embargante teria sido constituída, coincidentemente, no ano de 1990, com a concordata da usina de açúcar e álcool da família Matarazzo. Em março de 1990, a empresa Continental Essedê Empreendimentos S/A, que tinha por objeto social a criação e manutenção de redes de telefonia, associou-se a Roberto Shalders de Oliveira Roxo, criando a CEIET Serviços de Telefonia Ltda., com capital de Cr$ 100,00, e, acresceu-se, como objeto social, a compra e venda de imóveis por conta própria.
Menos de seis meses depois, em setembro de 1990, a embargante (com o nome de CEIET), admitiu como nova sócia a sociedade Patty Investiments Ltda., sendo esta uma "off shore" com sede nas Bahamas, ampliando seu âmbito da atuação para atividade agrícola, e passando a se denominar CEIET Agro Mercantil Ltda. e sendo aumentado seu capital social para Cr$ 500.000,00. Cinco dias após, ainda em setembro de 1990, a Continental Essedê, detentora de Cr$ 50,00 em cotas, retira-se da sociedade, e transfere suas cotas a Roberto Shalders de Oliveira Roxo.
Em janeiro de 1991, a embargante aumentou seu capital para Cr$ 536.129.118,00, e, em julho de 1991, a Patty Investiments Ltd. se retira da composição da embargante, e é sucedida pela "off shore" Dynor Inc., sediada nas Bahamas.
Seis meses mais tarde, em 26/12/1991, a Dynor passa a ser representada por Carlos Amaro Pereira Viana (anterior diretor da Continental Essedê), e o capital social da embargante passa para Cr$ 8.109.720.000,00. Essa alteração contratual foi testemunhada por Paulo Alexandre Vidonsck e tem como advogado subscritor Décio Vidonsck (que é irmão de Nelson Widonsck um dos sócios diretores da IMODSA Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados Ltda.).
Em março de 1992, a CEIET muda sua sede para Santa Rosa de Viterbo, na Fazenda Amália; mesma propriedade que pertencia à Família Matarazzo.
Em abril de 1992, Roberto Shalders de Oliveira Roxo se retira da composição da embargante, e é substituído por Paulo Augusto de Carvalho Certain; que figura, ao mesmo tempo, como sócio minoritário e representante da sócia majoritária (Dynor Inc.), sendo ele o diretor da empresa embargante. Ainda em abril de 1992, a embargante adquire grande parte do maquinário da Fazenda Amália, e, em maio de 1992, muda sua denominação para Vitercana Agro Mercantil Ltda.
Note-se que a empresa embargante, embora constituída para criação e manutenção de redes de telefonia, nunca efetuou a instalação de um único cabo telefônico.
Em 24/06/1992, a Vitercana Ltda. passa a atuar como sociedade anônima (S/A), sendo o ato secretariado por Lutero Wilson Wiezel.
Outros acionistas entram na empresa embargante: Nelsix, Necter e Nelprimo, tendo como representante Paulo Augusto de Carvalho Certain; sendo, ainda, representadas pelo quotista gerente João Abdalla Neto. Todas essas empresas também têm a mesma sede da embargante, sendo representadas, também, por Paulo Augusto de Carvalho Certain e por Antonio Feitosa.
Em setembro de 1994, a embargante acresce, aos seus objetos sociais, a indústria e comércio de sabões, produtos de higiene, perfumaria e cosméticos, e, em mesma data, firma contrato de licenciamento da marca Francis (que havia, supostamente, adquirido da IMODSA como forma de pagamento de aluguéis vencidos); sendo esse contrato de licenciamento firmado com a mesma empresa que houvera transferido a marca para a embargante (fls. 1529 e ss.).
Posteriormente, a embargante (ainda sob o nome de Vitercana), quita hipotecas dos imóveis do Grupo Matarazzo na região, e adquire as demais glebas de terras que compunham a Fazenda Amália.
Em abril de 1998, a embargante amplia seu objeto social para incluir a produção e distribuição de energia elétrica; adquirindo a Usina Itaipava e a vende à recém-constituída empresa Grandview do Brasil Ltda.
Em novembro de 1998, a embargante passa a se chamar Canamor Agro Industrial e Mercantil; tendo como diretores Gilda Mercês Bueno, e Paulo Augusto de Carvalho Certain. Em 05/11/1999, fica eleito como diretor o Sr. Antonio Fernando Alves Feitosa.
Perceba-se que, muito claramente, a Canamor jamais produziu bens e serviços que lhe permitisse, de forma própria, a elevação de seu capital social e a compra das terras e acessórios. Do mesmo modo, nenhum dos integrantes (acionistas) comprovou ter recursos suficientes para a aquisição das ações ou outras unidades do capital social da embargante. Aliás, o que se vê é uma constante modificação de capital social, sucessão dos nomes de acionistas e procuradores e total falta de comprovação de origem do dinheiro que formou a embargante.
O terceiro ponto que merece especial realce é o de que a Canamor, segundo se verifica da prova oral emprestada (fls. 3018/3024 e 4453/4460), ao final, acabou mantendo, curiosamente, em seus quadros administrativos de maior importância, duas pessoas residentes e domiciliadas nesta cidade de Santa Rosa de Viterbo, e que eram, coincidentemente, funcionárias (secretária e contador) da antecessora Agro Industrial Amália S/A. Cuida-se das pessoas de Gilda Mercês Bueno e de José Renato Micheletti.
Ora, é extremamente incomum (e altamente suspeito) que uma nova empresa, que não tinha relação alguma com a empresa de quem adquiriu o extenso patrimônio (e que estava em franco e evidente processo de dilapidação patrimonial), após adquirir os ativos dessa empresa em situação pré-falimentar, contratasse como principal secretária e como contador e administrador duas pessoas que trabalhavam, nas mesmas funções, na empresa de quem se adquiriu esse patrimônio.
A Sra. Gilda Mercês Bueno, como ela mesma asseverou em juízo (fls. 3021/3022), é pessoa que somente tem qualificação de ensino médio, sem qualquer especialização técnica ou profissional que justificasse sua contratação para o exercício de função de alto grau e de confiança junto a uma empresa (Canamor) em relação à qual sequer a depoente conhecia sua existência. Pior que isso, Gilda admitiu que foi convidada a trabalhar na Canamor por uma pessoa que sequer conhecia (Dr. Paulo Augusto de Carvalho Certain); o que só vem a reforçar que a Canamor nada mais fez do que, simplesmente, dar seguimento, sob nova roupagem jurídica, às atividades de sua antecessora Agro Industrial Amália.
Em relação ao Sr. José Renato Micheletti, a perplexidade é ainda maior,pois se trata de pessoa que exerce a administração, de fato, da embargante; sendo, contudo, um simples contabilista e sem qualquer formação específica na área de administração de empresa (fls. 3023/3024).
Totalmente inconcebível que uma empresa como a Canamor, supostamente formada por uma sociedade integrada por empresa estrangeira (Dynor Inc.) e por outros acionistas que nem conheciam as pessoas de Gilda e de José Renato, contratasse, por mero acaso, justamente estas duas pessoas para o exercício de cargos de tamanha importância!
Não se ignora, evidentemente, a possibilidade de que uma empresa contrate empregados de outra empresa quando compra patrimônio desta última. Contudo, o que é incomum e ilógico é que essa contratação se dê para cargos de tão alta relevância administrativa e sem qualquer justificativa plausível; mormente porque a Canamor, em tese, seria uma pessoa jurídica constituída para a consecução de interesses de uma pessoa estrangeira, e deveria ser administrada, por pressuposto, consoante diretrizes a serem fixadas pela Dynor Inc.; empresa em relação à qual Gilda e José Renato não mantinham qualquer relação (nem a conheciam).
O quarto ponto que revela a absoluta incongruência na instituição e no funcionamento da Canamor é o de que referida empresa, em atividade completamente alheia ao seu objeto social, acabou por adquirir, curiosamente, de outra empresa do mesmo Grupo Matarazzo (a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados), de forma extremamente suspeita, uma marca de extraordinário valor de mercado e conhecida nacionalmente. Trata-se da marca "Francis", mais conhecida pelo uso em sabonetes e xampus para uso humano.
Segundo se extrai dos autos, quando ainda se chamava Vitercana Agro Mercantil S/A, a Canamor adquiriu referida marca, mediante acordo (transação) celebrado em processo de execução se sentença oriundo de uma ação de cobrança de locativos de um galpão de sua propriedade e que estava arrendado à Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA), também integrante do Grupo Matarazzo (fls. 1946/1999).
Sabe-se que, em atos fraudulentos, as partes figurantes procuram emprestar credibilidade e juridicidade ao ato, pois é evidente que a fraude somente tem êxito quanto mais verossímil parecer e quanto menos vestígios deixar. Por isso, não é incomum o uso de ações judiciais para que determinadas operações sejam "esquentadas", parecendo lícitas.
Na espécie, o que se deu foi que a embargante e a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados (integrante do mesmo grupo econômico da empresa Agro Industrial Amália S/A), conluiadas, aproveitando-se do fato de a última estar instalada em parque industrial da Fazenda Amália; simularam a existência de uma falsa locação de área, para que, mediante o ajuizamento de ação judicial, se tornasse formalmente viável a transferência (somente formal) da marca "Francis" da IMODSA à embargante, a despeito de a atividade da adquirente não ter qualquer relação com o uso da marca "Francis", e a despeito de, após essa "transferência", ter a IMODSA permanecido a usar a mesma marca e a ocupar a mesma área sobre a qual teria havido o inadimplemento dos supostos locativos.
Explica-se. Curiosamente, mesmo depois de adquirir a marca de extraordinário valor comercial (por seu conteúdo nacional e notoriamente conhecida dos consumidores) mediante valor especialmente exíguo decorrente de suposta locação de galpão comercial, a Canamor acabou "cedendo" à IMODSA o uso da mesma marca "Francis"; tanto que a IMODSA continuou a produzir e a comercializar os produtos da marca até data recente.
Observe-se que, curiosamente, embora fosse a Canamor a titular da marca "Francis"; a IMODSA (Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados) chegou a investir pesadas somas de dinheiro em publicidade para alavancar a marca; sendo esse empreendimento encabeçado pelo filho de Maria Pia Matarazzo (principal administradora da devedora principal, Agro Industrial Amália).
Conforme se verifica das matérias jornalísticas adiante colacionadas, está claro que a IMODSA chegou a investir R$ 7 milhões na marca "Francis"; conduta essa evidentemente antagônica se se considerar que referida marca, em tese, já nem pertencia à empresa investidora (embargante).
Demais disso, a IMODSA, além de fazer uso da marca "Francis", por meio de seu administrador: José Eduardo (filho de Maria Pia Matarazzo), acabou negociando a "parceria" com o Grupo Bertin (dono de conhecido frigorífico brasileiro, e, igualmente, grande devedor tributário) em relação ao uso da marca "Francis"; parceria essa que, por coincidência, acabou resultando na compra da mesma marca "Francis" pelo Grupo Bertin; figurando como vendedora da marca nada mais nada menos que a Canamor (embargante).
Essa relação estabelecida entre a IMODSA e o Grupo Bertin fica bem retratada no trecho que segue, extraído de reportagem jornalística de âmbito regional:
O quinto ponto que evidencia a verdadeira identidade entre a Canamor, a IMODSA e a Agro Industrial Amália é que se veiculou e se veicula, mesmo após mais de quinze anos da suposta compra dos bens da Agro Industrial Amália pela Canamor, que a Canamor é mera administradora do Grupo Matarazzo.
Como se verifica do recorte de periódico desta cidade de Santa Rosa de Viterbo (fls. 2530), a Canamor cedeu, em comodato, a moradores da cidade de Santa Rosa de Viterbo, na condição de administradora das propriedades do Grupo Matarazzo, algumas casas localizadas na Fazenda Amália.
Ora, é evidente que nenhuma informação seria publicada de forma a vincular a Canamor com as empresas do Grupo Matarazzo caso nada existisse a esse respeito. E isso é sintomático; pois é evidente que se, de fato, a Família Matarazzo estivesse mesmo desvinculada da Fazenda Amália e de sua administração; jamais seria a empresa Canamor indicada pela imprensa regional como sendo administradora da Família Matarazzo.
Ainda, o recorte de reportagem jornalística de fls. 1000 indica claramente que, na época das negociações havidas para o arrendamento da usina de cana de açúcar para o Grupo Biagi, Maria Pia Matarazzo era considerada como dona da empresa Vitercana (antigo nome da embargante); o que foi confirmado ao jornalista pelo próprio Maurílio Biagi Filho (diretor do Grupo Biagi, que acabou efetivamente utilizando a usina depois das negociações com Maria Pia Matarazzo).
Esse fato foi confirmado pelo mesmo jornalista André Nagib Moussa em depoimento prestado na Justiça do Trabalho (fls. 1001/1002).
E, ainda, Gilda Mercês Bueno (uma das representantes da Canamor), inquirida pela Justiça do Trabalho acerca da propriedade da Vitercana (ou Canamor) chagou ao ponto (absurdo) de dizer que a empresa Vitercana "não tem dono", e só era administrada por uma "diretoria" (fls. 1002).
A Justiça do Trabalho, reconhecendo a identidade entre as empresas (Canamor e Agro Industrial Amália) determinou a inclusão da Canamor na condição de codevedora trabalhista, e, ao final, num "passe de mágica", a Agro Industrial Amália quitou os débitos tributários.
Portanto, evidente que Maria Pia Esmeralda Matarazzo é e sempre foi a dona das terras, e a transferência formal da propriedade para a embargante (empresa "off shore") só se deu para fraudar a legislação tributária e impedir que o fisco penhorasse bens da Família Matarazzo.
Óbvio que se Maria Pia Matarazzo não tivesse relação com a Vitercana (hoje Canamor), não seria o nome de Maria Pia que estaria sendo divulgado envolvendo as negociações do arrendamento da usina de cana de açúcar desde aquela época.
Aliás, em Santa Rosa de Viterbo, "até as pedras sabem" que é Maria Pia Esmeralda Matarazzo a real proprietária da Fazenda Amália e da Usina de Açúcar e Álcool; sendo ela quem realiza as negociações envolvendo o arrendamento das terras e da usina, e, inclusive, mantendo um Palacete ("palacete da Maria Pia") encravado nas terras da Fazenda Amália até os dias de hoje.
O sexto ponto a demonstrar a existência de verdadeira fraude no término (apenas formal) das atividades das empresas Indústrias Matarazzo de Óleos e Derivados e a Agro Industrial Amália reside no fato de que essas empresas, consoante se infere das informações processuais de fls. 4507/4516, praticamente somente ostentam dívidas fiscais. Nem a Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados, nem a Agro Industrial Amália, apresentam pedidos de falência contra elas ajuizados nesta comarca; essas empresas não são devedoras civis ou comerciais em relação ao resultado de suas atividades, e praticamente não possuem uma única execução civil em trâmite nesta comarca. Elas só têm um monumental passivo tributário.
É claro, por mero juízo de experiência e de lógica, que empresas de grande porte que se extinguem por falta de viabilidade econômica não deixariam apenas débitos tributários (como ocorreu com as todas as empresas do Grupo Matarazzo). Evidente que uma empresa que somente deixa débitos perante o fisco e que aliena seus ativos a terceira pessoa, assim procede de forma proposital e fraudulenta apenas para afastar formalmente seus bens à penhora nos executivos fiscais.
Empresas decentes e que atuam conforme a lei, quando atravessam crise econômica, apresentam débitos comerciais, civis, trabalhistas e fiscais (não somente débitos fiscais).
A confirmar essa conclusão, tem-se que Agro Industrial Amália está atualmente pagando, regularmente expressiva verba indenizatória a que foi condenada por força de ação judicial que tramitou neste foro, em favor de José Luiz Gasperini (irmão do ex-prefeito de Santa Rosa de Viterbo); conforme fls. 1189/1197.
Aliás, em inúmeros processos de execução fiscal resultou comprovado esse fato; porque depois de longos anos sem sucesso do Fisco na apuração de bens da Agro Industrial Amália; justamente depois de ser incluída a empresa Canamor no polo passivo de outros executivos fiscais e de reclamações trabalhistas, acabou havendo a celebração de parcelamento por parte das devedoras originárias do Grupo Matarazzo (as quais, no entanto, estão desativadas há vários anos e não apresentam qualquer faturamento). Conferir, a respeito, as cópias de fls. 1004/1197.
O sétimo ponto que confirma a revoltante e fraudulenta constituição e operação da empresa Canamor no cenário local consiste no fato de que um de seus acionistas é, coincidentemente, genro de Maria Pia Esmeralda Matarazzo.
Conforme se extrai de periódico, extraído da internet (http://www.folhadaregiao.com.br/jornal/2004/03/21/colunasocial.php?PHPSESSID=87 6781f4f30d255ed60ec6a5f2943c2c - Acessado em 17/05/2009):
Portanto, evidenciada a íntima relação entre o Sr. João José Abdalla, acionista da Canamor (embargante), e a Família Matarazzo; pois aquele é, nada mais, nada menos, que o "genro" de Maria Pia Matarazzo (diretora da Agro Industrial Amália e da Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados). A empresa embargante (a despeito de alegar nada ter a ver com a família Matarazzo), informou, em sua petição inicial, que Eliana Rachetti não é filha de Maria Pia Matarazzo; porém, a embargante afirma que Maria Pia tem a Sra. Eliana na conta de verdadeira filha ("filha de criação"); do que se verifica a intimidade e a relação "familiar" entre o esposo (ou convivente) da "filha de criação" de Maria Pia Matarazzo e a empresa embargante.
Por isso, chega a ser uma ofensa à inteligência do Juízo a embargante sustentar que, mesmo tendo sido integrada por um "genro" de Maria Pia Matarazzo, a embargante é pessoa totalmente autônoma e independente do Grupo Matarazzo.
Aliás, o uso de nomes de pessoas ligas por laços de amizade ou de família constitui, como se sabe, elemento importantíssimo da prova da fraude simulatória envolvendo desvio patrimonial em matéria de ocultação de bens para efeito de penhora (como todos sabem).
Em oitavo ponto, verifica-se que Paulo Augusto de Carvalho Certain, um dos integrantes da embargante, é ex-funcionário de outra empresa do mesmo Grupo Matarazzo (cf. fls. 779 Indústrias Reunidas F. Matarazzo); o que revela mais uma evidente relação da família Matarazzo com a empresa Canamor (o que não é mera "coincidência").
Como nono fundamento, evidenciou-se a completa inação da empresa embargante relativamente à demonstração da origem de seu patrimônio.
Evidente que os recursos utilizados para a aquisição do latifúndio existente nesta comarca (Fazenda Amália) deveriam ter vindo de algum lugar de origem lícita para que a embargante demonstrasse a licitude de sua constituição e de suas atividades econômicas.
Porém, ao reverso disso, na verdade, nada veio aos autos acerca da origem do patrimônio da empresa embargante. A embargante não alegou ou comprovou a transferência dos recursos que foram utilizados para sua constituição; não comprovou a origem dos bens e dos valores que utilizou para a suposta "compra" da propriedade rural; não demonstrou a capitalização patrimonial decorrente da integralização das suas ações (valores mobiliários); não alegou ou demonstrou seu atual objeto social real (já que não exerce nenhuma atividade econômica e apenas realiza arrendamento de suas terras e da usina de cana-de-açúcar).
Alega a embargante que seu capital social foi formado por "investidores estrangeiros" interessados em adquirir terras no Brasil. Porém, não há menção aos nomes desses "investidores", a origem dos capitais desses "investidores", e a relação desses "investidores" com as pessoas que administram a Canamor (Gilda Mercês Bueno e José Renato Micheletti).
Aliás, em seus depoimentos acerca da administração da Canamor, nem Gilda Mercês Bueno e nem José Renato Micheletti indicaram a existência de qualquer controle ou prestação de contas feita pela Canamor à sua acionista Dynor Inc.
E caso a embargante fosse empresa com finalidade lícita e formada por recursos legítimos, certamente seria fácil a prova das origens de seu patrimônio, mediante demonstração de registros de entrada de capital estrangeiro, extratos bancários de transferência de recursos, recibos de integralização de ações, etc. Mas, repita-se, nada disso veio aos autos!
A embargante, ao invés de procurar provar a origem de seu patrimônio e a identidade dos "investidores" estrangeiros que a compõem; procurou, ao reverso, atacar a honestidade do Juiz de Direito e da Fazenda Pública; em postura desleal e totalmente repugnante; demonstrando falta de lealdade processual e distorcendo os fatos, inclusive mediante oposição de exceções de suspeição manifestamente destituídas de fundamento (que foram todas rejeitadas pela superior instância).
Aliás, até o presente momento, não veio aos autos um único documento juridicamente aceitável acerca da composição do quadro societário ou da origem do patrimônio da Dynor Inc., e, menos ainda, dos recursos que Antonio Alves Feitosa teria utilizado para a subscrição e integralização de suas ações no capital social da embargante. Disse ele que teria adquirido as ações na Canamor com créditos que possuía pela prestação de serviços. Porém, não esclareceu quais eram esses créditos, a origem e os valores desses créditos, e os serviços que prestara para a obtenção desses créditos.
O décimo fundamento é que duas das empresas que fazem parte do mesmo grupo econômico da embargante (Sevendine - Agro-pastoril Ltda. e Sevenel - Agro-pastoril Ltda.) tiveram, coincidentemente, o mesmo endereço de suas sedes no imóvel que existia a casa de moradia de Valentim Brás Peroni (que ainda é atual empregado da Agro Industrial Amália, desde a década de 1970 fls. 4460, 4503/4506 Rua Santa Catarina nº 568). Ora, caso a embargante fosse autônoma e sem ligações com a Família Matarazzo, por qual motivo duas de suas empresas coligadas teriam como sócio a pessoa de um empregado (atual) da Agro Industrial Amália e teriam se estabelecido com sede na casa de moradia desse mesmo empregado? Realmente, não há respostas logicamente aceitáveis para isso!
E o pior é que, ouvido em depoimento judicial (fls. 4460), Valentim disse que jamais foi sócio de empresas (o que demostra que seu nome foi apenas "emprestado" para a constituição dessas pessoas jurídicas fictícias, ligadas à embargante Canamor, a pedido de sua empregadora Agro Industrial Amália S/A).
Ou seja, mais uma ligação evidente entre o Grupo Matarazzo e a Canamor: um dos únicos e últimos empregados da Agro Industrial Amália (Valentin Bras Peroni) integrou o quadro societário de duas empresas ligadas à Canamor (Sevendine - Agro-pastoril Ltda. e Sevenel - Agro-pastoril Ltda.); e cedeu, como endereço formal dessas empresas, sua antiga casa de moradia, na Rua Santa Catarina nº 568, em Santa Rosa de Viterbo; além de ter ele (Valentin) figurado como sócio dessas empresas, juntamente com Gilda (a atual preposta da Canamor em Santa Rosa de Viterbo).
O décimo primeiro fundamento é o de que a embargante, mesmo já estando estabelecida nesta comarca há mais de vinte anos, ainda mantém estreitas ligações com a Família Matarazzo.
Verte-se dos depoimentos de Gilda Mercês Bueno (fls. 4453/4455) e de José Renato Miqueletti (fls. 4456/4458) que existe, encravado nas terras da Fazenda Amália, um "Palacete", que é utilizado pela família de Maria Pia Esmeralda Matarazzo, e que a estrada que serve esse palacete (conhecida por Estrada da Maria Pia) passa pelas terras da Fazenda Amália (de propriedade da embargante).
Ainda, colhe-se desses mesmos depoimentos e declarações que José Eduardo Matarazzo Kalil (filho de Maria Pia Esmeralda Matarazzo) utiliza uma gleba de terras e propriedade da embargante Canamor para criação de cavalos por ele utilizados para o esporte denominado polo equestre. Estranhamente, porém, alegam que essa área, arrendada pelo filho de Maria Pia, é paga anualmente; porém, nem José Renato e nem Gilda informaram o valor desse arrendamento e as condições desse contrato.
Portanto, mais uma ligação entre a Canamor e a Família Matarazzo: o filho de Maria Pia usa terras da Canamor para criar cavalos e para a prática de polo equestre.
O décimo segundo e principal ponto que demonstra a evidente fraude na constituição da empresa embargante decorre da confissão judicial prestada pelo Sr. Antonio Fernando Alves Feitosa (fls. 937/939). Referida pessoa, titular de 49% do capital social da Canamor, admitiu que é acionista dessa empresa há cerca de dez anos (desde 2001), mas que jamais integralizou as ações subscritas (fls. 3019). Ao ser indagado sobre a forma de seu ingresso na empresa embargante, Antonio Fernando Alves Feitosa disse que "[...] se tornou acionista da Canamor entre os anos de 1999 e 2001. Subscreveu as ações da empresa de uma vez só, embora ainda não tenha quitado essas ações, nem em parte. Esse fato se deu porque, na época, como o depoente já era advogado da empresa Vitercana e mantinha contatos com os advogados da empresa Dynor, estes advogados, como havia dúvidas sobre a juridicidade da aquisição de terras brasileiras por empresa estrangeira, acabaram propondo ao depoente que subscrevesse ações da Canamor para, oportunamente, quanto tivesse condições, pagar os valores das referidas ações, "transacioná-las", ou devolvê-las a quem de direito. Quer esclarecer que o depoente está em negociações com a empresa Canamor para verificar da possibilidade do pagamento das ações subscritas por intermédio de créditos que o depoente possui a título de honorários advocatícios. Não há formalização de nenhum instrumento entre o depoente e a Canamor acerca da possibilidade de pagamento acima aventada".
Indaga-se: como uma pessoa poderia subscrever ações de uma empresa, integrada por uma offshore e pelo "genro" de Maria Pia Matarazzo, e permanecer por mais de uma década sem, ao menos, integralizar um único centavo desse capital social adquirido?
Óbvio que Antonio Fernando Alves Feitosa atua como mero "laranja" ou "testa de ferro" do Grupo Matarazzo; apenas e tão somente "emprestando seu nome" para formalidade de constituição societária da empresa embargante.
A empresa Canamor, de fato, pertence à família Matarazzo, que usou o nome de uma empresa sediada em paraíso fiscal para figurar como controladora da Canamor, por meio do procedimento de "blindagem patrimonial".
Esse acionista não fez menção da origem dos supostos "créditos" que teria utilizado para integralização de seu capital social na empresa. E, além do mais, a lei de regência das sociedades anônimas (Lei nº 6.404/76, art. 7º) só permite a integralização das ações com dinheiro ou entrega de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro (o que não foi o caso). Portanto, a entrada de Antonio Fernando Alves Feitosa no quadro societário da embargante foi uma fraude, pois ele não integralizou as ações que subscreveu, embora tenha adquirido as ações como se fosse com pagamento à vista (fls. 2887 e 2900).
Como décimo terceiro fundamento, observa-se que a embargante não demonstrou, em nenhum momento e por nenhuma prova, nestes embargos, a origem concreta dos vultosos recursos financeiros utilizados para a pretensa aquisição da Fazenda Amália.
Aqui, não se refere apenas à demonstração da existência do valor de dinheiro em conta corrente usado pela embargante para o "pagamento" do preço na aquisição das terras; pois esse é um elemento meramente acessório e acidental. Necessário e exigível era que a embargante demonstrasse, concreta e eficazmente, a origem de fato e de direito do dinheiro supostamente por ela utilizado na compra do latifúndio nesta comarca de Santa Rosa de Viterbo. É muito fácil para alguém, visando simular uma compra inexistente, obter certa importância de dinheiro (até de empréstimo), colocar essa importância em sua conta corrente, realizar a transferência desse valor a outrem como prova de pagamento do "preço", e, depois de feita essa simulação, simplesmente devolver o dinheiro à sua origem.
Assim, o que interessa para a prova do negócio, não é a demonstração da transferência de recursos financeiros. É necessário que se demonstre, além disso, a origem e a licitude dos recursos utilizados, e, especialmente, os motivos de fato para a realização do negócio jurídico.
No entanto, embora estes embargos tramitem há cerca de dois anos, em nenhum momento a embargante juntou um único documento comprobatório da origem dos recursos utilizados para a constituição de seu patrimônio.
Anote-se, a propósito, que esse ônus seria exclusivamente da embargante, pois seria impossível exigir da parte embargada a prova do fato negativo. Bastaria à embargante juntar documentos bancários de comprovação dos valores que recebeu a título de integralização de ações ou cotas, venda de imóveis ou outros bens de sua propriedade, comprovantes de doações ou outros ativos recebidos licitamente para a constituição de seu capital social, etc. Mas nada disso veio aos autos.
Ao contrário, a embargante é empresa formada por uma offshore, que se caracteriza exatamente pela "blindagem" propiciada por paraísos fiscais em relação à apuração da existência e origem de seus recursos financeiros (usualmente empregadas para a lavagem ou ocultação de capitais).
Offshore é uma empresa (pessoa jurídica) situada no exterior, sujeita a regime legal "extraterritorial" em relação ao país de domicílio de seus associados.
Essas contas são abertas nos países de legislação de origem britânica usando-se um conceito jurídico de trust originário da common law inglesa, que foi trazido para a Inglaterra pelos cruzados, que aprenderam o conceito de waqf islâmico, pelo qual é feito um contrato (trust instrument ou deed of trust), através do qual a propriedade (inclusive imobiliária, tangível e intangível) de um bem passa para o nome de outra pessoa (ou pessoas, ou organizações), em benefício de outrem, e nos países que adotam o Direito Romano usa-se como artifício para assegurar o anonimato o conceito jurídico de Fundações. Assim, nos países que adotam a common law os trustees é que detêm o título legal de propriedade, mas são obrigados a mantê-la e administrá-la em benefício de outrem, do beneficiário; nos países que adotam o Direito Romano a propriedade passa a pertencer a uma Fundação. Nos países (paraísos fiscais) que permitem a operação desse tipo de trusts ou de Fundações, um Banco só tem conhecimento do nome dos trustees (administradores, uma espécie de procuradores) dessas contas ou dos gestores da Fundação, ignorando completamente quem seja o real beneficiário, ou o real dono, do dinheiro ali depositado. Assim, é impossível que venham prestar informações sobre quem são os proprietários do dinheiro depositado nessas contas, mesmo que haja alguma determinação judicial nesse sentido: o Banco simplesmente não sabe. Desta forma, o sigilo absoluto é garantido, e é impossível de ser quebrado.
Diversamente do alegado pela embargante, há uma regulamentação jurídica relativa aos paraísos fiscais e uso de empresas "off shores". A Instrução Normativa SRF nº 188, de 6 de agosto de 2002 (D.O.U. de 9.8.2002) relaciona países ou dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas, e prevê que:
Ainda, a embargante não alegou ou comprovou razões de fato e de direito para a suposta aquisição da Fazenda Amália; principalmente em razão do fato de jamais ter a embargante exercido atividade econômica direta na aludida propriedade.
A embargante se limita à manutenção do arrendamento de uma usina de cana-de-açúcar, e permitiu com que a empresa Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A (IMODSA) permanecesse, por longos anos, utilizando gratuitamente da marca Francis sem qualquer contraprestação; além de permitir com que a mesma empresa utilizasse imóvel da embargante na fabricação de sabonetes e outros produtos de higiene pessoal sem qualquer pagamento de aluguel (anote-se que não houve a juntada de qualquer comprovante idôneo de pagamento de aluguel ou de arrendamento pela IMODSA à embargante; seja em relação ao uso da marca Francis, seja em relação ao uso prolongado do galpão industrial para a fabricação de sabonetes neste município).
O mais estranho é que a empresa embargante, segundo interrogatório prestado por José Renato Miqueleti (fls. 4458), mesmo vivendo apenas do arrendamento de vastíssimo patrimônio imobiliário (de terras), apresenta resultados negativos (deficitários), em razão de "empréstimos" tomados pela embargante (de causas desconhecidas). Porém, curiosamente, esses "empréstimos" não foram tomados com instituições financeiras ou com particulares. Foram tomados com a própria sócia estrangeira (Dynor), e, apesar disso, a embargante nada paga por esses empréstimos, e toda a receita da autora é consumida com "despesas de manutenção"; sem, porém, que o interrogando sobresse declinar essas despesas.
Assim, chega-se ao absurdo (para utilizar o termo corriqueiramente empregado pelo advogado da embargante) de, mesmo tendo a empresa autora um patrimônio de terras estratosférico, mesmo sendo a embargante dona de imensas áreas de terras nesta comarca e que estão sendo arrendadas para produção de cana de açúcar, e mesmo recebendo a embargante vultosos valores por esses arrendamentos (pagos pela Pedra Agroindustrial pertencente à Família Biagi), a embargante (que nada produz em termos econômicos) alega ter empréstimos com sua sócia estrangeira e nada pagar por esses empréstimos; e, ainda, a embargante alega usar toda (ou praticamente toda) sua receita (oriunda dos arrendamentos) para "despesas de manutenção".
O curioso é que, sendo a embargante proprietária das terras e não mantendo indústrias ou outras atividades de investimento, ela somente deveria ter lucros, pois é evidente que uma empresa dona de vastíssima extensão de terras e que nada produz, não deveria e não poderia ter gastos superiores às suas receitas oriundas desses arrendamentos.
Na verdade, essas "despesas de manutenção", no procedimento de fraude tributária, nada mais são do que a conhecida a forma de "distribuição de lucros" nos casos de blindagem patrimonial. O dinheiro recebido pela embargante é remetido, por meio de outras empresas "de fachada", para os verdadeiros donos da embargante (ou seja, a Família Matarazzo).
No que tange a eventual tese de prescrição intercorrente do crédito tributário, fica essa defesa rechaçada, na medida em que não houve desídia da Fazenda na cobrança de seus créditos.
Como já afirmado nesta sentença, a credora agiu com profunda diligência nas execuções fiscais propostas. Contudo, empresa devedora principal, valendo-se sempre de expedientes protelatórios (ora oferecendo bens inócuos à penhora, ora embargando a execução, ora interpondo recursos protelatórios); após o que se verificou tanto a inexistência de bens idôneos da devedora originária quanto a inatividade econômica e financeira dela.
Assim, somente a partir de tais apurações de inocuidade patrimonial da devedora principal foi que a exequente teve a condição e o motivo para investigar a situação patrimonial da devedora principal e da fraude que foi produzida na simulada transferência patrimonial à embargante.
Desse modo, incogitável a ocorrência da prescrição, na medida em que a credora somente teve ação exercitável contra a embargante a partir de quando apurou a inexistência de acervo patrimonial idôneo pela devedora principal, e a partir de quando pôde apurar a existência do ato jurídico simulado na constituição da embargante e na transferência do expressivo patrimônio imobiliário (blindagem patrimonial).
Não basta o decurso do prazo de cinco anos para o reconhecimento da prescrição intercorrente. É necessária a demonstração da inércia da Fazenda; sem o que não se há falar em prescrição.
A matéria, aliás, foi pacificada em julgamento submetido à sistemática dos Recursos Repetitivos, com a seguinte ementa:
Consta dos autos da execução fiscal que a credora, tão logo teve ciência do fato gerador da corresponsabilidade da embargante, requereu o redirecionamento à embargante (empresa fraudulentamente concebida e gerida, somente, para servir de "blindagem patrimonial" da família Matarazzo).
Não houve inércia da Fazenda, o que impede a declaração da prescrição intercorrente, mesmo em se tratando de citação de sucessora:
Conforme já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça:
Ainda, de acordo com precedente do Tribunal Regional Federal da Terceira Região; aplicável por analogia ao caso presente:
Note-se que, tratando-se de redirecionamento de execução fiscal, o termo inicial do prazo da prescrição intercorrente do crédito tributário (cinco anos) só se verifica depois de constatada a incapacidade patrimonial da devedora principal para o pagamento da obrigação. No caso de redirecionamento da execução fiscal contra sócios ou contra outras empresas do mesmo grupo econômico, a responsabilidade tributária é subsidiária, e só pode se dar se e quando o juiz verificar que a devedora principal não tem patrimônio idôneo e quanto verificada a relação de ilicitude e de responsabilidade entre a devedora principal e as pessoas a serem incluídas na lide. Essa responsabilidade não é automática, e a pretensão só surge com essas verificações (aplicando-se o princípio da actio nata).
Nesse ponto, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Doutrina e jurisprudência sempre exigiram que o Judiciário tente, antes de redirecionar a execução contra outras pessoas, apurar e penhorar o patrimônio da devedora principal. Portanto, é só depois de se apurar a insolvência da devedora principal que se abre a possibilidade de o Judiciário incluir outras pessoas (físicas ou jurídicas) como codevedoras. Trata-se de responsabilidade tributária sui generis e subsidiária. Portanto, o dies a quo do prazo prescricional não corresponde à data da citação da devedora principal; mas sim à data em que se apura a insolvência patrimonial dessa devedora e de sua relação com a pessoa contra a qual se pretende o redirecionamento da execução fiscal (antes disso, a pretensão ainda não havia se formado para o pedido de redirecionamento da execução fiscal).
A fluência do prazo prescricional em relação à empresa para a qual se pretende o redirecionamento, por sucessão, na forma do art. 133 do CTN, deve ser contada apenas a partir do momento em que surge a pretensão de redirecionar o feito. Para que haja a prescrição, é essencial a verificação da inércia da exequente, conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AI n° 0229026-45.2012.8.26.0000, Rel. Des. Danilo Panizza, J. 27/11/2012; AI n° 0287782-81.2011.8.26.0000, Rel. Des. Aliende Ribeiro, J. 24/04/2012; AI n° 0240432-63.2012.8.26.0000, Rel. Des. Xavier de Aquino, J. 11/12/2012), e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 702211/RS, Rel. Min. Denise Arruda, J. 22/05/2007, DJ 21/06/2007; REsp 1100777/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, J. 02/04/2009, DJe 04/05/2009; REsp 1090958/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 02/12/2008, DJe 17/12/2008; AgRg no REsp 966.221/RS, Rel. Min. Luiz Fux, J. 21/10/2008, DJe 13/11/2008).
Percebam que, de acordo com a moldura fática ora delineada neste julgamento, não se trata de responsabilidade baseada somente na formação de grupo econômico.
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que, nos termos do art. 124 do CTN, existe responsabilidade tributária solidária entre empresas de um mesmo grupo econômico apenas quando ambas realizem conjuntamente a situação configuradora do fato gerador, não bastando o mero interesse econômico na consecução de referida situação (AgRg no AREsp 429.923/SP; AgRg no Ag 1392703/RS; AgRg no Ag 1240335/RS; AgRg no Ag 1288247/RS; AgRg no Ag 1163381/RS; EREsp 834044/RS; e AgRg no Ag 1055860/RS).
Contudo, no caso vertente, a situação fática é outra. O caso envolve fraude jurídica e tributária.
Segundo se verifica das conclusões deste julgamento, a empresa embargante foi pessoa jurídica fraudulentamente constituída como empresa "de fachada" e formada por outra empresa (sediada em paraíso fiscal), apenas com o objetivo de promover a "blindagem patrimonial" da família Matarazzo (que continua sendo dona e administrando as glebas de terras e as empresas devedoras tributárias).
Assim, a criação e o uso de empresa concebida com a finalidade fraudulenta de esvaziar patrimônio, desviando-o para a nova pessoa jurídica criada e impedir a penhora de bens.
Como já se decidiu, nessas hipóteses, é legítimo o redirecionamento da execução fiscal:
Também não há que se falar em prescrição com base no artigo 178, § 9º, V, b do Código Civil de 1916.
Isso porque, no caso, não houve simulação relativa causadora de mera anulabilidade do ato jurídico (e que demandaria propositura de ação anulatória desconstitutiva com prazo decadencial previsto no Código Civil revogado).
No caso, houve inexistência de ato jurídico, por simulação fraudulenta e absoluta, mediante criação de pessoa jurídica fictícia, concebida e administrada, única e exclusivamente, para receber patrimônio da Família Matarazzo e impedir o recebimento de créditos tributários das contraídos pelas demais empresas do grupo familiar.
Assim, na verdade, não houve compra e venda e terras, nem tampouco transferência real de patrimônio com o objetivo de transferir, de fato, direitos mediante pagamento de preço.
Houve, no caso, simulação absoluta (fraudulenta), que gera a inexistência e a ineficácia do ato jurídico; sendo essa simulação passível de reconhecimento a qualquer tempo e não se sujeitando a qualquer convalescimento (por prescrição ou decadência). Além disso, por se tratar de ato jurídico inexistente, essa fraude dispensa ação judicial própria para seu reconhecimento; uma vez que, na realidade, tratando-se de "blindagem patrimonial" com transferência de bens, a empresa embargante, do ponto de vista jurídico e real, identifica-se com a empresa devedora principal da execução fiscal.
Como é da jurisprudência, no caso de constituição de empresas para transferência de ativos e "blindagem patrimonial" em fraude tributária, aplicam-se os artigos 50 do Código Civil e 135 do Código Tributário Nacional (o que autoriza o redirecionamento da execução fiscal contra a empresa criada, independentemente de ação judicial autônoma ou de reconhecimento da fraude de execução).
No sentido: "Registre-se que os fatos narrados comportam, em tese, não apenas eventual decretação de fraude à execução ou contra credores, mas, também, aplicação do disposto no artigo 50 do Código Civil de 2002, que prevê desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de abuso por desvio de finalidade, confusão patrimonial ou fraudes entre empresas e administradores integrantes de grupo econômico, com estrutura meramente formal, ou, ainda, incidência do próprio artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, pela prática, por sócio-gerente ou administrador, de atos de administração com excesso de poderes, infração à lei, contrato social ou estatuto, anteriores ou posteriores aos fatos geradores, em virtude da dispersão do patrimônio social, que obstou o regular adimplemento dos débitos tributários, cujos pressupostos fáticos e jurídicos, entretanto, deverão ser examinados, com maior profundidade, na execução fiscal, sendo irrelevante o argumento de não constarem os nomes dos corresponsáveis na CDA ou de necessidade de ação própria para apuração da responsabilidade, conforme jurisprudência consolidada desta Turma (AC 2004.03.99023507-8, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, DJU de 10/11/04; AG 2006.03.00.047369-8, Rel. Des. Fed. CECÍLIA MARCONDES, DJU de 24.01.07, p. 119; AI 00591398220054030000, Rel. Des. Fed. MÁRCIO MORAES, DJU 09/04/2008, p. 760)".
Na simulação absoluta, nenhum ato jurídico quis se praticar, nem o aparente nem outro qualquer. Falta a consciência da vontade (elemento essencial ao suporte fático). Por ser mera aparência, não entra no mundo jurídico. Não sendo ato jurídico, não há ato inválido. Ocorre a inexistência de ato jurídico, e o reconhecimento desse vício opera efeito ex tunc (desde o início; a partir da criação do ato inexistente).
A simulação é considerada absoluta quando não há relação negocial efetiva entre as partes. As partes celebram um negócio jurídico apenas aparentemente, pois, na realidade, este não existe (é uma farsa, ou um corpo sem alma). O ato é fictício, inexistente, subsistindo só na aparência, já que as partes não têm intenção de efetuar ato algum. Em regra, esse tipo de simulação visa prejudicar terceiro, subtraindo os bens do devedor à execução do credor. Procura-se, através dela, ocultar bens ou simular a existência de situação patrimonial não existente.
Conforme lição de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. 4, Borsoi, § 468):
"A simulação é absoluta quando não se quis outro ato jurídico nem aquele que sesimula. Relativa, quando se simula ato jurídico para se dissimular, ou simplesmente dissimulando-se outro ato jurídico. Quae non sunt, simulo, quae sunt, ca dissimulantur. Mostra-se o não-ser; e esconde-se o ser. (...) |
Se a simulação foi absoluta, nada feito. Se foi relativa, isto é, se algo se quis, embora não apareça, e de alcance nocivo (art. 103), o ato jurídico existe e os figurantes não na podem alegar, posto que os terceiros ou os representantes do poder público possam promover a anulação do que existe e aparece.". |
Portanto, não se aplica o prazo prescricional (ou melhor, decadencial) à simulação absoluta, por envolver a prática de ato inexistente, não convalesce com o decurso do tempo. O que inexiste não passa a existir e a produzir efeitos válidos só pelo fato de os interessados não impugnarem a ilicitude do ajuste simulatório.
Para que haja prescrição, é necessária a ocorrência de ato de existe e que aparece. A simulação absoluta, decorrente de ato inexistente, não se submete a prazo prescricional.
Ainda que assim não fosse, a prescrição não se consumou; porquanto o débito tributário foi objeto de parcelamento entre os anos de 2000 e 2009, e, somente com a exclusão da devedora principal do REFIS (em 2009) a prescrição voltou a correr. Em 03/12/2012 foi que a credora requereu a inclusão da Canamor como codevedora (fls. 711/767), e essa inclusão se deu por decisão de 19/12/2012 (fls. 1435/1437); sobrevindo a citação da embargante em 18/01/2013 (fls. 1459). Não houve, portanto, decurso do prazo de prescrição intercorrente do crédito tributário.
Ante o exposto, deixo de exercer juízo de retratação (relativamente à decisão agravada), e julgo IMPROCEDENTES os embargos à execução fiscal, opostos por Canamor Agro-Industrial e Mercantil S/A contra a Fazenda Nacional; para rejeitar os pedidos formulados e reconhecer a condição de devedora solidária da embargante em relação ao crédito objeto das execuções embargadas e que tiveram como devedora originária a empresa Indústria Matarazzo de Óleos e Derivados S/A.
........................................................................................."
Trata-se de excelente sentença, que honra a figura de seu prolator, o qual perscrutou com intensidade as alegações postas pela parte embargante, bem como a documentação colacionada nos autos e depoimentos, e julgou os embargos improcedentes.
Anoto que a Quarta Turma desta Corte Regional reconheceu a formação de grupo econômico entre as empresas Agro Industrial Amália S/A e Canamor Agro Industrial e Mercantil S/A: Ap 00429318620114039999, Desembargadora Federal Mônica Nobre, TRF3 - Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2016.
Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que "A constituição da apelante sem a devida comprovação da origem dos recursos financeiros e o modo de desenvolver o seu trabalho são indícios suficientes de simulação, com o objetivo de preservação do patrimônio do Grupo Matarazzo", bem como afastou a alegação de prescrição e decadência nos autos nº 1000990-83.2017.8.26.0549, em que a embargante também figurava como apelante (5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São, Julgado em 06/08/2018).
No tocante aos honorários advocatícios, assiste razão ao apelante, uma vez que o encargo legal previsto no Decreto-Lei 1.025/69 está incluído no valor da execução fiscal (fl. 70), substituindo, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios, em caso de improcedência desses.
Pelo exposto, nego provimento ao agravo retido e dou parcial provimento à apelação apenas para afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios.
É como voto.
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