Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/06/2021
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003939-26.2001.4.03.6113/SP
2001.61.13.003939-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELADO(A) : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : DANIELA PEREIRA BATISTA POPPI e outro(a)
EXCLUIDO(A) : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
: COMISSAO DE SERVICOS PUBLICOS DE ENERGIA CSPE
No. ORIG. : 00039392620014036113 3 Vr FRANCA/SP

EMENTA

APELAÇÃO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INTERESSE DE AGIR. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. SERVIÇO ESSENCIAL. TARIFAS ABUSIVAS. DANO CONFIGURADO. RESSARCIMENTO EM DOBRO. AFASTADO. HONÓRARIOS PERICIAIS CABIMENTO. VALOR ADEQUADO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSOS DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS.
1 - Trata-se de recursos de apelação interpostos pela Companhia Paulista de Força e Luz e por Gonzaga de Moura em face de sentença (fls. 1146/1153) proferida nessa Ação Civil Pública, na qual o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente a ação.
2 - A presente Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a condenação da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) a indenizar em dobro todos os consumidores rurais, atendidos por sua administração regional em Franca, cobrados em quantias indevidas, a partir do exercício de 2001, bem como a indenizar toda a sociedade. O Ministério Público Federal afirma que dados fictícios foram inseridos nas faturas dos consumidores residentes na zona rural dos municípios atendidos pela Administração Regional da CPFL em Franca, com vistas a majorar os valores a serem pagos por eles (fls. 02/24). Salienta que centenas de propriedades não vinham sendo submetidas à medição trimestral como determina a Resolução da ANEEL nº 456/2000, e vinham sendo cobrados por consumo muito acima do efetivamente realizado.
3 - A legitimidade do Ministério Público Federal bem como o interesse processual é evidente em ajuizar a presente ação civil pública para assegurar os direitos individuais homogêneos dos consumidores rurais de energia elétrica, ameaçados por cobrança abusiva por serviço essencial, consoante estabelece o artigo 81, parágrafo único e 82, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, visando obter judicialmente a cessação da irregularidade e a recomposição do patrimônio dos prejudicados. Não há dúvidas da relevância social do bem jurídico tutelado. Legitimidade reconhecida no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2002.03.00.003435-1.
4 - Inadmissível a alegação de cerceamento de defesa, cabendo salientar que a apelante teve oportunidade de se pronunciar em todas as provas produzidas, inclusive quanto ao laudo pericial. A decisão do r. Juízo a quo não foi alicerçada unicamente na prova pericial, mas em todo o conjunto probatório constante nos autos, cabendo ressaltar os depoimentos dos funcionários da ré, fiscalização empreendida pela Comissão de Serviços Públicos e as denúncias de consumidores.
5 - Princípio da congruência. Inexistência de sentença extra ou ultra petita. Deveras, ao determinar que a ré publique editais em jornais de grande circulação, o r. Juízo a quo apenas viabilizou a efetividade da tutela jurisdicional requerida pelo Ministério Público Federal, uma vez que considerando que a presente ação envolve interesses de uma população rural e que dificilmente tais consumidores teriam acesso aos jornais oficiais. Destaque-se, ainda, que no pedido de condenação ao ressarcimento não há menção expressa ao ano de 2001, não estipulando um período como parâmetro, mas um fato, qual seja a cobrança indevida, não ficando restrita ao ano de 2001.
6 - Também não é possível acolher a alegação da apelante de que a sentença seria nula por, hipoteticamente, não mencionar a liquidação individual. A ritualística estabelecida pelo r. Juízo a quo está em conformidade com os princípios da efetividade da tutela jurisdicional e da celeridade processual, uma vez que realizar a liquidação da sentença nos autos dessa ação para todos os beneficiados seria protelar ainda mais o processo.
7 - Compulsando-se os autos, compulsando-se os autos, resta evidente que a apelante cobrou excessivamente as tarifas referentes à energia elétrica, ao utilizar o método da proporcionalização, em vez da leitura dos medidores dos consumidores. Restou claro também a inexistência de provas da ocorrência da compensação, o que levaria à devolução de valores aos consumidores ainda que em créditos para posterior consumo de energia elétrica. Restou claro também a inexistência de provas da ocorrência da compensação, o que levaria à devolução de valores aos consumidores ainda que em créditos para posterior consumo de energia elétrica. Conforme demonstrado, a ré emitiu faturas de consumo em valores muito superiores aos efetivamente utilizados, o que foi comprovado através de perícia por arbitramento, diante da inexistência de dados reais de leitura relativos ao ano de 2001. Desse modo, fica evidente, que os consumidores situados na zona rural suportaram vultosos prejuízos, uma vez que evidente a cobrança indevida e a não ocorrência da compensação. Por conseguinte, de rigor o reconhecimento do prejuízo e o dano coletivo às populações rurais, sendo cabível a indenização.
8 - No caso em tela, não restou evidenciado a presença de elementos que caracterizassem leviandade, abuso ou má-fé, que em nada se assemelha à negligência da ré na resolução dos problemas narrados, restando indevida a repetição em dobro dos valores cobrados em excesso.
9 - Cabimento da condenação ao pagamento de honorários periciais sendo o valor fixado plenamente adequado tanto pela dimensão e complexidade do trabalho quanto pelos resultados alcançados. Cumpre esclarecer que o valor fixado na sentença guarda consonância com as indicações da tabela de honorários proposta pela IBAPE-SP.
10 - Valor da multa fixada por descumprimento conforme o princípio da proporcionalidade considerando a empresa ré, bem como que a multa deve garantir o cumprimento de uma sentença que tende a beneficiar milhares de pessoas, em sua maioria de modesta condição econômica. Assim, de rigor a manutenção do montante fixado das astreintes.
11 - Preliminares rejeitadas. Recursos de apelação de Gonzada de Moura não provido. Recurso de apelação da CPFL provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, rejeitar a preliminar de incompetência da 2ª. Seção, nos termos do voto do Desembargador Federal Marcelo Saraiva (Relator), com quem votou o Juiz Fed. Conv. Ferreira Da Rocha. Vencida a Des. Fed. Marli Ferreira, que suscitou a preliminar a fim de que os autos fossem remetidos a uma das turmas da E. 1.ª Seção. A Quarta Turma, à unanimidade, rejeitou as preliminares, nos termos do voto do Des. Fed. Marcelo Saraiva (relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. Ferreira da Rocha e a Des. Fed. Marli Ferreira. Por maioria, a Quarta Turma conheceu da apelação de Gonzaga De Moura e lhe negou provimento, nos termos do voto do Des. Fed. Marcelo Saraiva (Relator), com quem votou o Juiz Fed. Conv. Ferreira da Rocha. Vencida a Des. Fed. Marli Ferreira, que não conhecia da apelação em razão de ilegitimidade recursal. E, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso de apelação da Companhia Paulista De Força E Luz - CPFL para afastar a condenação consistente na devolução em dobro dos valores faturados em excesso, mantendo no mais a sentença proferida pelo r. juízo a quo, nos termos do voto do Des. Fed. Marcelo Saraiva (Relator), com quem votaram o Juiz Fed. Conv. Ferreira da Rocha e a Des. Fed. Marli Ferreira. Ausente, justificadamente, o Des. Fed. André Nabarrete (substituído pelo Juiz Fed. Ferreira da Rocha).


São Paulo, 11 de fevereiro de 2021.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003939-26.2001.4.03.6113/SP
2001.61.13.003939-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELADO(A) : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : DANIELA PEREIRA BATISTA POPPI e outro(a)
EXCLUIDO(A) : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
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No. ORIG. : 00039392620014036113 3 Vr FRANCA/SP

VOTO-VISTA

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal MARLI FERREIRA:


Pedi vista dos autos para melhor assenhorear-me das questões discutidas, sobretudo a que se refere à legitimidade do Ministério Público Federal, e consequente competência desta Corte Federal, haja vista a expressa manifestação da ANEEL quanto a sua ausência de interesse na lide.

Com efeito, sobretudo porque na presente ação civil pública objetiva-se a condenação da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) a indenizar em dobro todos os consumidores rurais, atendidos por sua administração regional em Franca, cobrados em quantias indevidas, a partir do exercício de 2001, bem como a indenizar toda a sociedade.

De início, verifico que a matéria atinente a direito do consumidor, em que prepondera elementos de direito privado, embora existam normas cogentes, não se insere na competência desta E. 2ª Seção, consoante disposto no art. 10, § 1º, II, do RITRF3R, que estabelece a competência da 1ª Seção, verbis:


"Art. 10 - A competência das Seções e das respectivas Turmas, que as integram, é fixada em função da matéria e da natureza da relação jurídica litigiosa.
§ 1º - À Primeira Seção cabe processar e julgar os feitos relativos:
(...)
II - à matéria de direito privado, dentre outras:" (destaquei)

Dessa forma, de rigor o reconhecimento da incompetência para julgamento, devendo os autos serem redistribuídos a uma das Turmas da E. 1ª Seção.

Passo à análise da preliminar de ilegitimidade ativa suscitada pela CPFL.

Com a devida vênia não posso comungar com a jurisprudência do C. STJ que reconhece a competência federal pelo singelo fato de o Ministério Público Federal fazer parte de Órgão da União, haja vista que o art. 129, IX, da CF, veda expressamente a representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas pelo Ministério Público.

Ressalte-se que o E. STF tem inúmeros julgados, inclusive proferidos monocraticamente, reconhecendo a atribuição funcional do Ministério Público dos Estados quanto às demandas em que não há interesse da União, autarquia ou empresa pública federal, e que, por consequência, devem tramitar na Justiça Comum Estadual (ARE 1129828, Relator Min. GILMAR MENDES, j. 17/05/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 28/05/2019 PUBLIC 29/05/2019; RE 788717, Relator Min. GILMAR MENDES, j. 22/05/2014, publicado em DJe-100 DIVULG 26/05/2014 PUBLIC 27/05/2014).

In casu, além de o autor da ação civil pública ter sido muito claro em limitar o provimento condenatório à concessionária, a ANEEL expressamente manifestou sua falta de interesse em integrar a lide, de cunho eminentemente consumerista, razão pela qual não vislumbro interesse do Ministério Público Federal, o que não nega eventual legitimidade do parquet estadual, nos termos do art. 5º, I, da Lei nº 7.347/85.

Demais disso, a decisão que reconheceu a ilegitimidade da ANEEL restou irrecorrida pelas partes.

Por fim, quanto à apelação de Gonzada de Moura, tenho que o i. perito não detém legitimidade recursal, não podendo ser considerado terceiro interessado, pois seu interesse é meramente econômico, e não jurídico, conforme entendimento do C. STJ, verbis:


"DECISÃO
(...)
Todos os 'auxiliares da Justiça [...] não podem possuir, com uma das partes, relação jurídica que propicie o ingresso em juízo na qualidade de terceiro prejudicado. O que possuem, em última análise, é interesse econômico, diante de uma decisão contrária a seus interesses.
Por isso que não possuem legitimidade para recorrer [o perito,] o depositário judicial, o leiloeiro, o escrivão, o oficial de justiça, o depositário, o administrador e o intérprete. Todas essas figuras, caso tenham algum prejuízo com alguma decisão proferida no curso da demanda, podem utilizar-se de ação autônoma, mas não interpor recursos, eis que lhes falta legitimidade para recorrer' (JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 3ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 95).
Esse é o direito aplicado pelo C. STJ (cf. arestos representativos: RMS 21.546/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2009, DJe 15/05/2009; REsp 625.402/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 225; REsp 410.793/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 28/09/2004, DJ 06/12/2004, p. 316; RMS 17.406/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/06/2004, DJ 23/08/2004, p. 155; REsp 259.981/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/04/2004, DJ 20/09/2004, p. 219; AgRg no REsp 442.141/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2003, DJ 24/03/2003, p. 216; REsp 207.280/GO, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/06/1999, DJ 28/06/1999, p. 68) (e-STJ fls. 190/191).
(...)".
(AgInt no AREsp 888147, Relator Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, j. 17/08/2017, DJe 01/09/2017 - destaquei)

Ante o exposto, com a devida vênia ao e. Relator, suscito preliminar de incompetência desta E. 2ª Seção, a fim de que os autos sejam remetidos a uma das Turmas da E. 1ª Seção. Vencida, acolho a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público Federal suscitada pela CPFL, e, por conseguinte, reconheço a incompetência desta Corte para julgamento dos recursos, devendo os autos rumarem para o C. TJSP para as providências cabíveis, prejudicada a análise das apelações.

Caso novamente vencida, não conheço da apelação do i. perito, acompanhando o e. Relator quanto ao recurso da CPFL.

É como voto.


MARLI FERREIRA
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 29/06/2020 18:48:20



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003939-26.2001.4.03.6113/SP
2001.61.13.003939-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELADO(A) : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : DANIELA PEREIRA BATISTA POPPI e outro(a)
EXCLUIDO(A) : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
: COMISSAO DE SERVICOS PUBLICOS DE ENERGIA CSPE
No. ORIG. : 00039392620014036113 3 Vr FRANCA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela Companhia Paulista de Força e Luz e por Gonzaga de Moura em face de sentença (fls. 1146/1153) proferida nessa Ação Civil Pública, na qual o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente a ação.

A presente Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal objetivando a condenação da Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) a indenizar em dobro todos os consumidores rurais, atendidos por sua administração regional em Franca, cobrados em quantias indevidas, a partir do exercício de 2001, bem como a indenizar toda a sociedade.

O Ministério Público Federal afirma que dados fictícios foram inseridos nas faturas dos consumidores residentes na zona rural dos municípios atendidos pela Administração Regional da CPFL em Franca, com vistas a majorar os valores a serem pagos por eles (fls. 02/24). Salienta que centenas de propriedades não vinham sendo submetidas à medição trimestral como determina a Resolução da ANEEL nº 456/2000, e vinham sendo cobrados por consumo muito acima do efetivamente realizado.

O pedido de antecipação de tutela foi parcialmente deferido, determinando-se à concessionária ré que se abstivesse de realizar cortes de energia por ausência de pagamentos e reativasse o fornecimento daqueles já interrompidos quanto às leituras do ano de 2001 e respectivas faturas.

A ré interpôs agravo de instrumento contra a decisão liminar, o qual foi julgado improcedente por esse E. Tribunal Regional Federal.

O r. Juízo a quo determinou a realização de perícia técnica.

Após o regular processamento do feito, o r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente a ação condenando a ré ao pagamento de indenização a todos os consumidores das áreas rurais dos municípios de Altinópolis, Franca, Itirapuã, Jeriquara, Pedregulho, Restinga, São José da Bela Vista e Patrocínio Paulista, consistente na devolução, em dobro, dos valores faturados em excesso em razão da falta de leitura ou de lançamento errado do consumo a partir de 2001; a publicar, em jornais de grande circulação nos mencionados municípios, editais cientificando os consumidores das áreas rurais que poderão receber indenização, no prazo de 60 (sessenta) dias; a não cortar o fornecimento de energia elétrica dos consumidores beneficiados pela sentença antes de pagar a indenização devida; e nos honorários periciais, fixados em R$18.800,00, equivalentes a 10 consultorias. O r. Juízo a quo não conheceu do pedido de condenação em danos morais, por considerar que o Parquet não tem legitimidade para pleitear em nome do Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD) indenização que, se houvesse, seria dos próprios consumidores lesados.

Diante da referida sentença, a CPFL opôs embargos de declaração (fls.1160/1169). O r. Juízo a quo deu parcial provimento ao recurso esclarecendo que " a CPFL poderá efetivar cortes no fornecimento de energia elétrica se o motivo não for o faturamento irreal por ausência de leitura a partir do ano de 2001 (fls. 1172/1174).

Inconformada com a sentença, a Companhia Paulista de Força e Luz apresentou recurso de apelação às fls. 290/297, por meio do qual requer a reforma da sentença, alegando sucintamente o seguinte: a) ilegitimidade do Ministério Público Federal e ausência de interesse processual; b) nulidade da sentença por cerceamento de defesa; c) nulidade de sentença por, supostamente, ser extra e ultra petita; d) inexistência de dano com potencial coletivo na leitura do consumo de unidades consumidoras rurais no ano de 2001; e) impossibilidade de devolução em dobro; f) abusividade da multa fixada para eventual descumprimento; g) excessividade do valor dos honorários periciais e impossibilidade de se imputar à apelante o ônus de adiantá-los; h) necessidade de antecipação dos efeitos da tutela recursal (fls. 1183/1220).

Também inconformado com a sentença, no que se refere à fixação de honorários periciais, o perito judicial, Gonzaga de Moura, interpôs recurso de apelação, requerendo a alteração do valor dos honorários (fls. 1223/1270).

Em suas contrarrazões, o Ministério Público Federal pugnou pelo não provimento dos recursos (fls. 1273/1309).

A Companhia Paulista de Força e Luz, em suas contrarrazões, também requereu o não provimento do recurso interposto pelo perito (fls. 1318/1326).

O Ministério Público Federal, em seu parecer nesta instância (fls.1333/1337), opinou pelo não provimento dos recursos de apelação.

É o relatório.



VOTO

Das Preliminares


Da legitimidade e do interesse do Ministério Público Federal


A Companhia Paulista de Força e Luz sustenta a ilegitimidade do Ministério Público Federal e a ausência de interesse processual afirmando a inexistência de interesses individuais homogêneos a serem tutelados por meio de ação civil pública.

Quanto à questão de legitimidade do Ministério Público Federal, cumpre consignar que referida preliminar já foi objeto de apreciação por esse E. Tribunal Regional Federal ao examinar o recurso de agravo de instrumento nº 2002.03.00.003435-1, no qual restou reconhecida a legitimidade ministerial:


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INTIMAÇÃO DA ANEEL PARA MANIFESTAR INTERESSE EM INGRESSAR COMO LITISCONSORTE. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL MANTIDOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO AGRAVANTE.
I- A determinação de intimação da ANEEL, em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, para manifestar eventual interesse em acorrer aos autos como litisconsorte de qualquer uma das partes, é possível, nos termos do §2o do artigo 5o. da Lei n. 7.347/85.
II- O Ministério Público Federal é parte legítima para promover ação civil pública que questiona o procedimento de medição e cobrança pela prestação do serviço essencial de fornecimento de energia elétrica para uma determinada localidade, ainda que em defesa de um grupo de consumidores lesados, conforme artigo 81, parágrafo único, e artigo 82, I, ambos da Lei n. 8.078/90.
III- A competência da Justiça Federal se impõe por tratar-se de ação ajuizada pelo Ministério Público Federal, ente da União.
IV - Não há prejuízo ao direito de defesa da agravante quando dos autos resta evidente que litigará contra o Ministério Público Federal e a inicial delimita claramente o âmbito da lide.
V- Agravo de instrumento improvido. Agravos regimentais prejudicados.
(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 146951 - 0003435-89.2002.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL ALDA BASTO, julgado em 16/11/2005, DJU DATA:29/03/2006 PÁGINA: 391)

Insta frisar também que, conforme previsão dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis.

Além disso, legitimidade do Ministério Público Federal encontra amparo ainda nos artigos 5º e 6º da Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº 75/93) e nos artigos 1º e 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7347/85). Ademais, o Código de Defesa do Consumidor evidencia a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Quanta à legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos, cabe salientar a jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. BANCO DE DADOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CONSUMIDOR.
INSCRIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE PROCESSUAL. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS.
DESNECESSIDADE DE DOCUMENTO FORMAL PARA ATESTAR A DÍVIDA A SER INSCRITA NOS BANCOS DE DADOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AVISO DE RECEBIMENTO DISPENSADO. DESPICIENDA A NOTIFICAÇÃO RELATIVA A INFORMAÇÕES CONSTANTES EM BANCOS DE DADOS PÚBLICOS. NECESSÁRIA A NOTIFICAÇÃO DE NEGATIVAÇÃO DERIVADA DE INFORMAÇÕES CONSTANTES DO CCF.
1. A multa prevista no artigo 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil exige, para sua imposição, que os embargos de declaração tenham caráter manifestamente protelatório, o que não é o caso em julgamento. Incidência da Súmula 98 do STJ.
2. O Ministério Público tem legitimidade para promover ação civil pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado.
3. O interesse de agir do Ministério Público é presumido pela própria norma que lhe impõe a atribuição. Quando a lei lhe confere legitimidade para acionar ou intervir, é porque lhe presume o interesse.(MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 24 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. p. 391)
(...)
(REsp 1033274/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 27/09/2013)

No caso em tela, a utilização da via judicial visa amparar os consumidores que necessitam dos serviços prestados pela companhia de energia elétrica, erigindo-se o fornecimento de energia elétrica como serviço de relevância pública e essencial à vida. Assim, a ação visa a defesa de interesses individuais homogêneos, uma vez que eles são decorrentes de origem comum, conforme restou demonstrado nos autos.

Portanto, resta evidente a legitimidade e o interesse do Ministério Público Federal em ajuizar a presente ação civil pública para assegurar os direitos individuais homogêneos dos consumidores rurais de energia elétrica, ameaçados por cobrança abusiva por serviço essencial, consoante estabelece o artigo 81, parágrafo único e 82, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, visando obter judicialmente a cessação da irregularidade e a recomposição do patrimônio dos prejudicados. Não há dúvidas da relevância social do bem jurídico tutelado.


Da Inexistência de cerceamento de defesa


A Companhia Paulista de Força e Luz alega a nulidade de sentença por cerceamento de defesa sustentando que o laudo pericial não teria esclarecido os pontos controvertidos fixados pelo r. Juiz a quo.

Compulsando-se os autos, constata-se que, ao contrário do que afirma a parte apelante, é inadmissível a alegação de cerceamento de defesa, cabendo salientar que a apelante teve oportunidade de se pronunciar em todas as provas produzidas, inclusive quanto ao laudo pericial.

Ademais, a decisão do r. Juízo a quo não foi alicerçada unicamente na prova pericial, mas em todo o conjunto probatório constante nos autos, cabendo ressaltar os depoimentos dos funcionários da ré, fiscalização empreendida pela Comissão de Serviços Públicos e as denúncias de consumidores. Assim, o laudo pericial apenas auxiliou o convencimento, sendo possível a conclusão de que o método de "proporcionalização" aplicado pela ré foi o que acarretou danos aos consumidores.

Desse modo, infundada a alegação de cerceamento de defesa, uma vez que o processo desenvolveu-se sob absoluta regularidade e legalidade, sendo a sentença exarada com fundamento em vasto e suficiente arcabouço probatório.


Do respeito ao princípio da congruência

A apelante sustenta a nulidade da sentença por supostamente extravasar os limites do pedido, sendo ultra petita, no seu sentir, por determinar que a ré publique editais em jornais de grande circulação e extra petita por considerar o ano de 2001 como marco inicial para a devolução dos valores devidos à população e não como o único período a ser considerado. Salienta, ainda que a sentença extravasa os limites do pedido por determinar a devolução dos valores devidos à população sem mencionar a necessidade de liquidação individual.

Referidas alegações também não podem ser acolhidas.

Deveras, ao determinar que a ré publique editais em jornais de grande circulação, o r. Juízo a quo apenas viabilizou a efetividade da tutela jurisdicional requerida pelo Ministério Público Federal, uma vez que a presente ação envolve interesses de uma população rural e que dificilmente tais consumidores teriam acesso aos jornais oficiais. Desse modo, para que possam ter conhecimento do direito à indenização, é correto divulgar os editais em jornais de grande circulação, em razão da facilidade de acesso, dando efetividade à decisão.

Quanto ao período ao qual se deve aferir a devolução dos valores indevidamente cobrados, a apelante alega que o pedido do Ministério Público Federal restringiu-se à restituição de valores supostamente cobrados indevidamente no ano de 2001.

Analisando-se os pedidos da inicial, percebe-se que a apelante se equivocou em sua argumentação, visto que no pedido de condenação a indenização em dobro não há menção expressa ao ano de 2001, não se estipulando um período como parâmetro, mas um fato, qual seja, a cobrança indevida, não ficando restrita ao ano de 2001.

Também não é possível acolher a alegação da apelante de que a sentença seria nula por, hipoteticamente, não mencionar a liquidação individual.

O r. Juízo a quo não desconsiderou a sistemática diferenciada que tange a condenação relativa a direitos individuais homogêneos, a qual, por expressa disposição legal (artigo 95, da Lei nº 8078/90), sempre será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados. Ocorre que o julgador, visando garantir a efetividade à tutela e celeridade processual, concedeu um espaço de tempo para que a ré possa cumprir o decreto judicial sem necessidade de um novo processo para a execução da sentença.

Assim, foi estipulado um período no qual a apelante pode relacionar-se diretamente com os titulares do direito reconhecido na sentença. Havendo acordo entre a concessionária-ré e os consumidores que se habilitarem acerca dos valores devidos ocorrerá a fixação do quantum debeatur, exigindo-se somente posterior prestação de contas à Justiça. Todavia, se não houver o cumprimento da sentença pela ré, ou se não houver acordo com os consumidores quanto aos valores envolvidos, será necessária a liquidação da sentença relativa aos direitos individuais homogêneos em processo separado, e não nos autos em que foi reconhecida a responsabilidade dos réus.

Desse modo, a ritualística estabelecida pelo r. Juízo a quo está em conformidade com os princípios da efetividade da tutela jurisdicional e da celeridade processual, uma vez que realizar a liquidação da sentença nos autos dessa ação para todos os beneficiados seria protelar ainda mais o processo.

Logo, não há qualquer nulidade a ser reconhecida.

Assim, afastadas as preliminares passo a análise do mérito.


Do Mérito


Do dano com potencial coletivo na leitura do consumo de unidades consumidoras rurais


A apelante assevera que não teria ocorrido danos aos consumidores, pois apenas agiu em estrita obediência aos ditames da Resolução nº 456/00 da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL e, mesmo nos casos em que não houve leitura efetiva do consumo de energia, nenhum dano teria sido gerado, pois, alegadamente, ocorreu a compensação de valores quando da efetiva realização de leitura dos medidores.

Todavia, compulsando-se os autos, resta evidente que a apelante cobrou excessivamente as tarifas referentes à energia elétrica, ao utilizar o método da proporcionalização, em vez da leitura dos medidores dos consumidores. Restou claro também a inexistência de provas da ocorrência da compensação, o que levaria à devolução de valores aos consumidores, ainda que em créditos, para posterior consumo de energia elétrica.

Conforme demonstrado, a ré emitiu faturas de consumo em valores muito superiores aos efetivamente utilizados, o que foi comprovado através de perícia por arbitramento, diante da inexistência de dados reais de leitura relativos ao ano de 2001.

Observando-se as médias de consumo das unidades consumidoras dos municípios versados no feito, constata-se que em vários municípios houve diminuição do consumo médio de 2001 para 2003. Ora, para o intervalo considerado, espera-se plausivelmente um aumento no consumo de energia elétrica, notadamente tendo-se em conta que no ano de 2001 a população brasileira foi forçada a reduzir o consumo de energia, além do que, segundo as estimativas do IBGE, ocorreu um crescimento populacional em quase todos os municípios.

Desse modo, fica evidente, que os consumidores situados na zona rural suportaram vultosos prejuízos, sendo evidente a cobrança indevida e a não ocorrência da compensação.

Logo, a conduta da concessionária-ré agravou a situação de consumidores de pouco poder econômico e, nessa medida, as irregularidades cometidas pela CPFL ofendem os princípios constitucionais da solidariedade social e da redução das desigualdades sociais, a par de violarem frontalmente o Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, veda expressamente que o fornecedor de produtos ou serviços cometa práticas abusivas, entre as quais se enquadra a conduta perpetrada pela apelante, na medida em que se utiliza de meio irregular para fazer constar, na conta de energia elétrica enviada ao consumidor, dados irreais de medição, o que redunda na exigência de uma vantagem manifestamente indevida, qual seja, a cobrança ilegal de serviços públicos não comprovadamente prestados.

Saliente-se, ainda, que foi determinada a inversão do ônus da prova, conforme o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor; no entanto, a recorrente não conseguiu demonstrar a regularidade de sua atuação, ou seja, não comprovou que as discrepâncias das médias de consumo de energia das unidades consumidoras apuradas no laudo pericial não correspondem a realidade.

Assim, residentes dos municípios de Restinga, Jeriquara, Altinopolis, Franca, Itirapuã, Pedregulho, São José da Bela Vista, Patrocínio Paulista, entre outros, tiveram que pagar uma fatura que não se referia ao real consumo, e, mesmo ciente do equívoco, a apelante não promoveu a devida compensação.

Por conseguinte, de rigor o reconhecimento do prejuízo e o dano coletivo às populações rurais, sendo cabível a indenização.

Cabe esclarecer que a sentença somente determinou que a ré devolva o que foi cobrado indevidamente. Portanto, se, em alguns casos, os consumidores estiverem cobrando créditos que não lhes pertencem, isto será apurado em liquidação de sentença, somente sendo ressarcido o que é realmente devido.

Da Devolução em dobro


Quanto à repetição de indébito em favor do consumidor cumpre transcrever o que dispõe o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do consumidor :


Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

No caso em tela, não restou evidenciado a presença de elementos que caracterizassem leviandade, abuso ou má-fé, que em nada se assemelha à negligência da ré na resolução dos problemas narrados, restando, desse forma, indevida a devolução em dobro dos valores cobrados em excesso.



Do requerimento da reforma da sentença para exclusão de cidades


A apelante requer a reforma da sentença para excluir a cidade de Franca, Itirapuã, Pedregulho e Patrocínio Paulista de sua abrangência. Alega que a variação de consumo nos mencionados municípios nos anos de 2001 e 2003 apresentada na perícia judicial seria muito pequena, causada por fatores exógenos.

A argumentação da apelante não pode ser acolhida. As estimativas de consumo familiar apontadas pelo perito, com o desiderato de aproximá-las da realidade, foram todas corrigidas pelo Fator de Aumento/Diminuição do Consumo de Energia em 2001 -FADCEC e pelo Fator de Aumento/Diminuição do Consumo de Energia em 2003 -FADCEC. Ainda assim, constatou-se ocorrer significativa redução de consumo do ano de 2001 para o ano de 2003.

No entanto, conforme já ressaltado para o intervalo considerado espera-se, plausivelmente um aumento na média de consumo de energia e não a redução constatada. Dessa maneira, patente nos municípios aludidos, a ocorrência de irregularidades no faturamento do consumo das unidades rurais, sendo de rigor a manutenção da sentença.



Do valor da multa em caso de eventual descumprimento


A apelante afirma que a multa fixada para o caso de descumprimento seria abusiva; referida alegação não merece guarida.

O magistrado fixou o valor da multa em R$10.000,00 (dez mil reais), o qual é adequado considerando que foi cominado em desfavor de uma empresa que, operando um serviço monopolizado de utilização compulsória, por sua essencialidade, movimenta milhões de reais anualmente.

Ressalte-se, também, que a multa deve garantir o cumprimento de uma sentença que tende a beneficiar milhares de pessoas, em sua maioria de modesta condição econômica.

Demais disso, o valor da multa cominada foi o mesmo estabelecido por esse E. Tribunal para o caso de descumprimento de decisão interlocutória proferida durante o processamento dessa ação nos autos do AI nº 20040300013230-8, o que reflete a plausibilidade do montante fixado.

Logo, de rigor a manutenção do montante fixado das astreintes.


Dos honorários periciais


A apelante se insurge contra os termos da sentença recorrida ao imputar-lhe o ônus de adiantar os honorários periciais.

Sob esse aspecto, mais uma vez, sem razão à apelante. Analisando-se a sentença, percebe-se que a única menção explícita ao adiantamento de honorários refere-se aos valores anteriormente adiantados em cumprimento à decisão interlocutória, cabendo ainda salientar que não há provas que tenha ocorrido a antecipação de algum valor ao perito.

De todo modo, se houve o adiantamento não deve ocorrer a devolução, sem embargo do disposto no artigo 18, da Lei nº 7347/85, uma vez que a CPFL foi condenada em primeiro grau e que o perito não pode aguardar até o trânsito em julgado para ser recompensado por seu serviço. A obrigação do pagamento é decorrente do ônus da sucumbência.

Destaque-se, bem assim, que o valor fixado mostra-se plenamente razoável e adequado conforme o trabalho realizado, não sendo excessivo.

Desse modo, de rigor a manutenção da sentença.


Do Recurso de Apelação do Perito


O perito apresentou recurso de apelação afirmando que o valor fixado para os honorários periciais, no montante de R$18.800,00 (dezoito mil e oitocentos reais), não seria suficiente para remunerar seu esforço na conclusão da perícia e não estaria de acordo com a tabela do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo - IBAPE/SP. Assevera que demorou em torno de 130 dias para a realização do laudo, que o trabalho foi extenso e realizado minunciosamente. Assim, requer que os honorários sejam fixados no valor de R$54.355,80.

O requerimento de aumento do valor dos honorários não merece prosperar, já que o valor requerido extrapola o limite do razoável tanto pela dimensão e complexidade do trabalho quanto pelos resultados alcançados.

Saliente-se que, apesar da grande quantidade de dados, o trabalho pericial desenvolvido nesta ação não demandava profundo conhecimento técnico, sendo, em sua maioria, voltado à coleta e à organização de dados.

Além disso, não obstante o trabalho estatístico do perito tenha sido satisfatório, sua análise estatística não manteve a mesma qualidade. Ressalte-se, ainda, que o tempo de realização da perícia excedeu em muito o aceitável, bem como que, ao contrário do que assevera o perito, ambas as partes questionaram o valor requerido por ele (fls. 1059/1065 e fls. 1072/1079).

Por fim, cumpre esclarecer que o valor fixado na sentença guarda consonância com as indicações da tabela de honorários proposta pela IBAPE-SP, tendo o r. Magistrado optado por fixar a remuneração do perito com base no valor mínimo de cada perícia e não em função do tempo gasto no trabalho, como requer o perito.

Desse modo, resta adequado o valor fixado pelo r. Juízo a quo, equivalente a 10 perícias para o expert, retribuindo-lhe com justiça o esforço dispendido.

Ante o exposto, rejeito as preliminares e nego provimento ao recurso de apelação de Gonzada de Moura e dou parcial provimento ao recurso de apelação da Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL para afastar a condenação consistente na devolução em dobro dos valores faturados em excesso, mantendo no mais a sentença proferida pelo r. Juízo a quo.

É como voto.


MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003939-26.2001.4.03.6113/SP
2001.61.13.003939-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : GONZAGA DE MOURA
ADVOGADO : SP108292 JOSE DOS REIS ALVES MOURA
APELADO(A) : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP146997 ANTONIO CARLOS GUIDONI FILHO
: SP299951 MARIANA ARAVECHIA PALMITESTA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : DANIELA PEREIRA BATISTA POPPI e outro(a)
EXCLUIDO(A) : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
: COMISSAO DE SERVICOS PUBLICOS DE ENERGIA CSPE
No. ORIG. : 00039392620014036113 3 Vr FRANCA/SP

VOTO COMPLEMENTAR

Em sessão de julgamento iniciada em 21/02/2019, proferi o voto no sentido de rejeitar as preliminares arguidas pela Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL e, no mérito, dar parcial provimento ao seu apelo, apenas para afastar a condenação consistente na devolução em dobro dos valores faturados em excesso, bem como negar provimento ao recurso de apelação de Gonzaga de Moura, tendo sido acompanhado pelo Exmo. Juiz Federal Convocado Ferreira da Rocha.

Na ocasião, a Exma. Desembargadora Federal MARLI FERREIRA pediu vista dos autos e, em sessão de julgamento realizada no dia 26/03/2020, suscitou a preliminar de incompetência desta E. 2ª Seção, e, caso vencida, acolhe a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal suscitada pela CPFL, e, por conseguinte, reconhece a incompetência desta E. Corte para julgamento dos recursos.

Em homenagem a divergência inaugurada pela e. Desembargadora Federal, trago o presente voto complementar para esclarecer que, embora a matéria discutida nos autos verse sobre direito do consumidor, o serviço em questão é prestado por concessionária de serviço público, erigindo-se o fornecimento de energia elétrica como serviço de relevância pública e essencial à vida.

Além disso, destaco que o Ministério Público Federal alega descumprimento de ato normativo consubstanciado na Resolução nº 456/00 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) por parte da apelante, tratando-se, portanto, de matéria afeta a esta E. 2ª Seção.

Assim, com a devida vênia ao entendimento adotado pela Exma. Desembargadora Federal MARLI FERREIRA, mantenho na íntegra o voto anteriormente proferido.

MARCELO SARAIVA
Relator


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