Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/02/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004669-02.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.004669-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ANDRE LUIS TEIXEIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046690220164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 29, § 1º, III, DA LEI N. 9.605/98. ART. 296, § 1º, III, DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL. CRIMES AMBIENTAIS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. ERRO DE PROIBIÇÃO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. PERDÃO JUDICIAL. NÃO CONFIGURADOS. DOSIMETRIA. CONFISSÃO. MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO.
1. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. Precedentes do STJ e do TRF da 3ª Região.
2. O próprio réu admitiu ser criador amador de passeriformes, com registro junto ao IBAMA, não sendo crível que não tivesse os conhecimentos necessários à verificação da regularidade da anilha. Ademais, declarou conhecer a legislação, inclusive acerca do registro dos animais, e afirmou estar ciente dos problemas que poderia ter em razão da posse das aves silvestres, de forma que não prosperam as alegações de erro de proibição e de ausência de dolo.
3. Não restou demonstrado nos autos que o réu não possuía alternativa senão a posse das aves em cativeiro em situação irregular. Pelo contrário, extrai-se do interrogatório que, além de estar ciente de que sua conduta era ilegal, o acusado tinha a possibilidade de entregar os pássaros às autoridades competentes, mas optou por mantê-los consigo. Logo, incabível a tese de inexigibilidade de conduta diversa.
4. É inaplicável o princípio da consunção, uma vez que os tipos penais tutelam objetos jurídicos diversos. A falsificação de selo ou sinal público tem por objeto jurídico a fé pública, ao passo que a manutenção de espécimes em cativeiro tem por objeto jurídico a fauna silvestre. Ademais, as condutas são autônomas, sem qualquer dependência entre si.
5. As circunstâncias da prática delitiva não recomendam o perdão judicial. Em que pese tratar-se de pássaros silvestres que não estão ameaçados de extinção, o réu cometeu também o delito de uso de anilha falsa. Ademais, conforme parecer técnico do Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê, as gaiolas estavam em "péssimo estado sanitário", tendo sido constatado ainda que a alimentação e o espaço físico eram inadequados.
6. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d), em 1/6 (um sexto), pois o acusado confessou a manutenção em cativeiro das aves silvestres.
7. Penas de multa e de prestação pecuniária reduzidas ao mínimo legal.
8. Apelação criminal da defesa provida em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso de apelação da defesa, a fim de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea para o delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e para reduzir o valor unitário da pena de multa e a pena de prestação pecuniária, perfazendo a pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão e 6 (seis) meses de detenção, regime inicial aberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 04 de fevereiro de 2019.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004669-02.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.004669-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ANDRE LUIS TEIXEIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046690220164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por André Luís Teixeira contra a sentença de fls. 230/239v., integrada pela sentença de fls. 245/246, que condenou o réu à pena de 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 2 (dois) anos de reclusão, regime inicial aberto, além de 21 (vinte e um) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo cometimento dos crimes previstos no art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e art. 296, § 1º, III, do Código Penal, em concurso material. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo por mês, em favor da União.

A defesa alega, em síntese, o seguinte:

a) a insuficiência de provas do elemento subjetivo, pois não restou demonstrado que o acusado tivesse ciência da falsidade da anilha, sendo de rigor a absolvição em relação ao delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal;
b) a incidência do princípio da consunção, pois o crime de falso foi meio para a prática do crime ambiental, aplicando-se, por consequência, a Lei n. 9.099/95, em razão das penas mínima e máxima previstas no art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98;
c) "impõe-se o reconhecimento da existência de erro de proibição, ou ao menos fundada dúvida sobre a sua existência, ou ainda de causa excludente de culpabilidade do acusado, pela incidência da inexigibilidade de conduta diversa, ou ao menos a fundada dúvida sobre sua existência, devendo de todo modo ser absolvido da acusação que lhe faz o Ministério Público Federal, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal" (fl. 260);
d) "a quantidade de pássaros apreendidos é ínfima e todos estavam bem cuidados, sem nenhum sinal de maus-tratos" (fl. 261v.), razão pela qual é aplicável o princípio da insignificância, ou incide o § 2º do art. 29 da Lei n. 9.605/98 (perdão judicial);
e) quanto à dosimetria da pena, em relação ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, incide a atenuante da confissão espontânea, reduzindo-se a pena privativa de liberdade e a pena de multa, na mesma proporção;
f) as condições financeiras do acusado justificam a redução do valor de cada dia-multa ao mínimo legal, bem como a diminuição da pena de prestação pecuniária (fls. 252/266v.).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 268/276).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento da apelação e manutenção da sentença de primeiro grau (fls. 278/283).

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004669-02.2016.4.03.6181/SP
2016.61.81.004669-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : ANDRE LUIS TEIXEIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046690220164036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. André Luís Teixeira foi denunciado como incurso nas penas do art. 296, § 1º, III, do Código Penal e art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, em concurso material, por adquirir, guardar e ter em cativeiro ou depósito 4 (quatro) aves silvestres em situação irregular, bem como alterar, falsificar e fazer uso indevido de 1 (um) símbolo oficial utilizado pelo IBAMA, denominado "anilha".

Narra a denúncia que, em 12.10.15, por volta das 19h, Policiais Militares Ambientais fiscalizaram a residência do denunciado, na Rua Nicola Sabatino, n. 39, Sapopemba, São Paulo (SP), e encontraram em gaiolas 4 (quatro) aves silvestres em situação irregular, pois o denunciado não possuía licença do IBAMA para a criação amadora de aves silvestres. Dessas aves encontradas, 3 (três) não portavam anilha e 1 (uma) portava anilha falsa (fls. 48/50).

Do processo. Decisão de fls. 53/55 rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal. Foi interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público Federal, e, em 10.04.17, esta Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu-lhe provimento, recebendo a denúncia e determinando o regular prosseguimento do feito (fls. 88/92v.).

O recurso especial interposto pela Defensoria Pública da União não foi admitido (fls. 125/126). A defesa interpôs agravo em recurso especial. O Superior Tribunal de Justiça, por decisão monocrática do Exmo. Ministro Sebastião Reis Júnior, conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial (fls. 182/187).

Após devido trâmite processual, a sentença de fls. 230/239v., integrada pela sentença de fls. 245/246, condenou o réu à pena de 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 2 (dois) anos de reclusão, regime inicial aberto, além de 21 (vinte e um) dias-multa, no valor unitário de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, pelo cometimento dos crimes previstos no art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e art. 296, § 1º, III, do Código Penal, em concurso material. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo por mês, em favor da União.

Ambiental. Insignificância. Inaplicabilidade. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. A jurisprudência tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente:


PENAL. HC. CRIME AMBIENTAL. PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE. INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (...) ORDEM DENEGADA.
I - A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em época de reprodução da espécie.
II - Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.
(...)
VI - Ordem denegada.
(STJ, HC n. 386.682-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 03.02.05)

PROCESSUAL PENAL - CRIME AMBIENTAL - PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO
1.- Indícios de autoria e prova da materialidade demonstrados.
2.- Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insignificância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.
3.- Ademais, a Lei nº 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais, isto é, quando nem mesmo a aplicação daqueles institutos seja suficiente para prevenir e reprimir a conduta ilícita causadora da lesão ambiental.
4.- Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240008053-SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 17.06.08)

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. MATERIALIDADE. AUTORIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A materialidade restou comprovada pela localização em que se encontrava a embarcação: local conhecido como Morcegão, situada a menos de cinqüenta metros da saída da água do vertedouro de fundo da barragem da UHE de Ilha Solteira. Local proibido para pesca, segundo Laudo Pericial de fls. 21/28 e artigo 4º, da Portaria SUDEPE nº 466/72.
2. Os indícios de autoria também estão presentes, tendo em vista a localização de grande quantidade de redes de pesca em poder dos Recorridos e a tentativa de fuga empreendida.
3. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental.
3. O fato de não ter sido apreendido nenhum peixe em poder dos réus não exclui a ilicitude do ato praticado. Os denunciados estavam atracados em local proibido para pesca, durante a noite, portando 12 (doze) redes de pesca e prestes a arremessá-las ao rio, amoldando-se tais condutas ao tipo penal em comento, tendo em vista o disposto no artigo 36, da Lei 9.605/98.
4. Considerando que o bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada pela autoridade competente, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, e as condições em que os Recorridos foram surpreendidos, estando na iminência de jogarem as redes ao rio; ao menos no grau de certeza que o momento processual exige, estão configurados a materialidade delitiva e os indícios de autoria, restando a denúncia apta para ser recebida.
5. Recurso provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200461240010018-SP, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 18.03.08)

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N. 9.605/98. CRIME FORMAL. PROTEÇÃO À FAUNA ICTIOLÓGICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA NO JUÍZO AD QUEM.
POSSIBILIDADE. STF, SÚMULA N. 709.
(...)
3. O delito previsto no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei n. 9.605/98 caracteriza crime formal, em virtude da definição legal da conduta 'pescar' como 'todo ato tendente' a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécies dos grupos de peixes, crustáceos etc. Não se exige, portanto, a produção do
resultado para a sua consumação, bastando apenas a realização da conduta descrita no tipo do art. 36 da Lei n. 9.605/98.
4. Não cabe ao Poder Judiciário deixar de aplicar a lei diante do alegado insignificante potencial ofensivo do dano causado, uma vez que é função do Poder Legislativo a seleção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.
5. Não procede o argumento de que a aplicação de sanção administrativa às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente exclui a necessidade da aplicação da sanção penal, pois há previsão constitucional (CR, art. 225, § 3º) e legal (Lei n. 9.605/98) para tanto
(...)
7. Recurso em sentido estrito provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240003882-SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 19.11.07)

Do caso dos autos. Conforme já decidido por esta Quinta Turma no julgamento do recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, não incide o princípio da insignificância ao crime do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 (fls. 89/90v.).

Materialidade. A materialidade delitiva está comprovada pelos seguintes elementos dos autos:

a) boletim de ocorrência ambiental (fls. 4/5);
b) auto de infração ambiental (fl. 6);
c) ficha de controle de entrada de animais no Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê, constando a apreensão de 1 (um) tico-tico (Zonotrichia capensis), 2 (dois) picharros (Saltator similis) e 1 (um) bem-te-vi (Pitangus sulphuratus) (fl. 7);
d) parecer técnico do Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê descrevendo o estado dos animais e das gaiolas como "adulto; escore regular; lesão ausente; empenamento e estado físico deficitário; gaiola em péssimo estado sanitário, alimentação e espaço físico inadequados", além de consignar que, das quatro aves apreendidas, apenas um Saltator similis possuía anilha, com inscrição deformada e diâmetro maior do que o indicado na inscrição ou para a espécie (fl. 8);
e) termo de destinação de animais, materiais e/ou produtos apreendidos (fl. 9);
f) termo de apreensão (fl. 10);
g) laudo de perícia criminal federal (documentoscópico) relativo à anilha apreendida IBAMA OA 3,5 510336, constatando sua falsificação (fls. 32/35).

Autoria. Está comprovada a autoria dos delitos imputados ao réu.

Em sede policial, o acusado André Luís Teixeira afirmou ser criador amador de pássaros desde 2009. A fiscalização ocorreu quando estava viajando e havia deixado os pássaros com seu genitor. Sabia que os quatro pássaros apreendidos "estavam com problemas", mas não teve dolo de praticar crime ambiental nem crime de falsidade. O pássaro anilhado, um trinca-ferro, entrou na garagem de sua residência para brigar com outro trinca-ferro, pois são agressivos com aves da mesma espécie. Tendo visto a anilha no pé do trinca-ferro que apareceu, capturou-o, a fim de verificar se alguém o havia perdido e restitui-lo ao dono legítimo. Não sabia que a anilha estava adulterada. Também foi apreendido um bem-te-vi que Antônio, amigo do declarante, encontrou em uma praça e entregou-lhe porque sabia que André cuidava bem dos pássaros. O outro trinca-ferro e o tico-tico foram deixados em sua residência para que também fossem cuidados pelo réu. Estavam feridos. Tratou os pássaros com alimentação adequada e antibióticos e pretendia soltar o tico-tico, pois não tinha vontade de criar a ave, e legalizar o trinca-ferro. Possui cinco pássaros legalizados que não foram apreendidos (fls. 22/23).

À Autoridade Policial, Antônio Ferreira da Silva declarou que o acusado é conhecido na região por cuidar bem dos animais. Confirmou ter encontrado um filhote de bem-te-vi e levado até a residência de André. Relatou que o réu tinha o costume de capturar aves e animais doentes para tratá-los e depois soltá-los. Nunca ouviu dizer nem presenciou André comercializando aves ou outros animais durante o período em que foram vizinhos (fl. 37). Em Juízo, a testemunha confirmou o quanto declarado em sede policial. Afirmou que o réu cuidava bem dos pássaros (mídia à fl. 207).

Em Juízo, após leitura dos autos, o ex-Policial Militar Ambiental Gleycon Alexandre Rosário confirmou ter elaborado o boletim de ocorrência ambiental. Declarou que, a olho nu, é possível detectar falsificações grosseiras, mas usualmente utilizava instrumentos como paquímetro, lupa e luz ultravioleta para verificar indícios de adulteração. Não é comum a apreensão de bem-te-vi (mídia à fl. 207).

O Policial Militar William Monteiro Soares declarou em sede judicial que não se recordava especificamente dos fatos, mas confirmou ter trabalhado em área que compreendia o local da ocorrência. O bem-te-vi é uma ave que as pessoas não costumam querer criar, pois é grande, dá trabalho e faz muito barulho, então é verossímil que esse pássaro tivesse sido resgatado em uma praça. Por experiência, conseguia perceber indícios de adulteração das anilhas a olho nu (mídia à fl. 207).

Interrogado em Juízo, o réu confirmou as declarações prestadas à Autoridade Policial. Não estava presente na data dos fatos, pois havia viajado para a praia com seus filhos. Seu avô criava pássaros e seu pai também. Quando viajava deixava as aves para o seu pai cuidar. Possuía registro de criador amador de passeriformes, mas as aves apreendidas não eram passíveis de regularização, pois as anilhas são colocadas quando os pássaros são filhotes. As quatro aves apreendidas foram doadas ao acusado. Cuidava bem dos animais. O bem-te-vi foi resgatado por Antônio. O tico-tico e um dos picharros foram deixados na porta de sua casa, maltratados, e André passou a tratá-los com antibióticos. O segundo picharro, que tinha a anilha, apareceu solto e se atracou com o primeiro, que estava na gaiola. O picharro anilhado apareceu no dia anterior à sua viagem para a praia e não teve tempo de verificar quem seria o dono. Conhecia as espécies e sabia que não havia a possibilidade de regularização, então estava apenas cuidando dessas aves. Os outros cinco ou seis pássaros que possuía eram canários e não se exigiam anilhas. Planejava cuidar do bem-te-vi até o animal conseguir voar, e então o soltaria, pois "é pássaro que ninguém quer". Em relação aos outros três pássaros, que sabia que eram de cativeiro, procuraria um órgão para saber o que fazer. Sabia que "dava problema". Cuidava do bem-te-vi havia aproximadamente um mês e do tico-tico e do picharro havia quinze dias. O outro picharro apareceu na véspera da viagem. Procuraria as autoridades após o tratamento, pois nas condições em que as aves estavam não havia jeito. Não tem horário fixo e trabalha como caminhoneiro, à noite. Está na mesma empresa há dezessete anos. Optou por primeiramente cuidar das aves, "fazer do jeito certo", pois se apresentasse os pássaros maltratados acabaria pagando por algo que não fez. Associou-se ao IBAMA e conhecia as leis, então queria levar as aves bem cuidadas. Não tinha entendimento sobre anilhas e não sabia da adulteração. "Só sabia que passarinho registrado tinha um anel no pé". Em razão dos fatos, perdeu o interesse em criar pássaros. Estava fazendo um favor para a sociedade, mas a lei não entende dessa forma, então tem que respeitar. Se estivesse 100% certo, dentro da legislação, não estaria respondendo ao processo, mas entende que estava fazendo o bem (mídia à fl. 207).

Afirma a defesa que não restou demonstrado que o acusado tivesse ciência da falsidade da anilha apreendida. Requer ainda o reconhecimento de erro de proibição ou de inexigibilidade de conduta diversa.

Não lhe assiste razão.

O próprio réu admitiu ser criador amador de passeriformes, com registro junto ao IBAMA, não sendo crível que não tivesse os conhecimentos necessários à verificação da regularidade da anilha. Ademais, declarou conhecer a legislação, inclusive acerca do registro dos animais apreendidos, e afirmou estar ciente dos problemas que poderia ter em razão da posse das aves silvestres, de forma que não prosperam as alegações de erro de proibição e de ausência de dolo.

Não restou demonstrado nos autos que o réu não possuía alternativa senão a posse das aves em cativeiro em situação irregular. Pelo contrário, extrai-se do interrogatório que, além de estar ciente de que sua conduta era ilegal, o acusado tinha a possibilidade de entregar os pássaros às autoridades competentes, mas optou por mantê-los consigo. Logo, incabível a tese de inexigibilidade de conduta diversa.

É inaplicável o princípio da consunção, uma vez que os tipos penais tutelam objetos jurídicos diversos. A falsificação de selo ou sinal público tem por objeto jurídico a fé pública, ao passo que a manutenção de espécimes em cativeiro tem por objeto jurídico a fauna silvestre. Ademais, as condutas são autônomas, sem qualquer dependência entre si.

Ante a inaplicabilidade do princípio da consunção, resulta prejudicado o pedido de adoção do rito da Lei n. 9.099/95.

As circunstâncias da prática delitiva não recomendam o perdão judicial.

Dispõe o § 2º do art. 29 da Lei n. 9.605/98 que "no caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena".

Em que pese tratar-se de pássaros silvestres que não estão ameaçados de extinção, o réu cometeu também o delito de uso de anilha falsa. Ademais, conforme parecer técnico do Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê, as gaiolas estavam em "péssimo estado sanitário", tendo sido constatado ainda que a alimentação e o espaço físico eram inadequados (fl. 8).

Deve ser mantida, portanto, a condenação de André Luís Teixeira como incurso nas penas do art. 296, § 1º, III, do Código Penal e art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, em concurso material.

Dosimetria. Para o delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, considerando que o réu mantinha em cativeiro irregularmente 4 (quatro) aves da fauna silvestre, o Juízo a quo fixou a pena-base em 1/8 (um oitavo) acima do mínimo legal, em 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, a qual tornou definitiva, à míngua de atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena.

Para o delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, considerando favoráveis as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, a qual tornou definitiva, à míngua de atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena.

Aplicou a regra do concurso material de delitos para somar as penas, resultando em 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção, 2 (dois) anos de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.

Fixou o valor unitário do dia-multa em 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).

Substituiu a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, a ser definida pelo Juízo da Execução e que terá a mesma duração da pena corporal substituída, e prestação pecuniária no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo por mês, em favor da União, que terá a mesma duração da pena corporal substituída.

Em relação ao crime do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, a defesa requer a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzindo-se a pena privativa de liberdade e a pena de multa, na mesma proporção. Aduz que as condições financeiras do acusado justificam a redução do valor de cada dia-multa ao mínimo legal, bem como a diminuição da pena de prestação pecuniária (fls. 252/266v.).

Assiste-lhe razão.

Mantenho no mínimo legal a pena do crime do art. 296, § 1º, III, do Código Penal.

Quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, mantenho a pena-base em 6 (seis) meses e 22 (vinte e dois) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, d), em 1/6 (um sexto), pois o acusado confessou a manutenção em cativeiro das aves silvestres. No entanto, em observância ao enunciado da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, fixo a pena intermediária no mínimo legal de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, a qual torno definitiva, ausentes causas de diminuição ou de aumento de pena.

Em razão do concurso material de crimes, as penas são somadas, perfazendo 2 (dois) anos de reclusão, 6 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa.

Considerando que o réu declarou ser caminhoneiro e auferir aproximadamente R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por mês (mídia à fl. 207), fixo o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Fixo o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).

Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa, a fim de reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea para o delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e para reduzir o valor unitário da pena de multa e a pena de prestação pecuniária, perfazendo a pena definitiva de 2 (dois) anos de reclusão e 6 (seis) meses de detenção, regime inicial aberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade beneficente (CP, art. 43, I, c. c. o art. 45, §§ 1º e 2º) e prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (CP, art. 43, IV, c. c. o art. 46), pelo mesmo tempo da pena privativa de liberdade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais definir a entidade beneficiária, o local de prestação de serviços e observar as aptidões do réu.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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