D.E. Publicado em 05/07/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, nos termos do artigo 942 do Código de Processo Civil, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Desembargador Federal Cotrim Guimarães (Relator), em retificação, acompanhado pelos votos dos Desembargadores Federais Peixoto Junior e Souza Ribeiro, este também em retificação e por fundamentos diversos, do Desembargador Federal Wilson Zauhy e do Desembargador Federal Valdeci dos Santos.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Pretende o impetrante seja admitido à prestação do serviço militar alternativo "com base no imperativo de consciência, em razão de suas convicções filosóficas calcadas no pacifismo e antimilitarismo, conforme cópia anexa (DOC. 01)", consistente em requerimento à autoridade militar alegando que "filia-se à corrente filosófica do Anarquismo, cuja origem remonta aos antigos gregos (estoicos), tendo sido determinante para o seu surgimento como doutrina moderna, o pensamento secular iluminista, particularmente a elevação da liberdade proposta por Jean Jacques Rousseau. Considera-se William Godwin o preceptor do pensamento anarquista, embora não tenha sido ele a introduzir essa denominação. Godwin formulou as concepções políticas e econômicas que viriam posteriormente inspirar o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), considerado o fundador da teoria anarquista moderna", e segue falando que "As bases da filosofia anarquista são a paz e o amor", em "antimilitarismo" e "não-belicismo", em "Anarquismo filosófico" e pretendendo que a Constituição lhe confira a alternativa de não querer "se submeter à vivência militar".
O pedido foi desacolhido e, não importa a linha de fundamentação, porque sobram motivos para negar credibilidade ao impetrante, indeferido com correção e legalidade.
Talvez pudesse considerar a mim como anarquista, porque muito aprecio um escrito de Bakunin, tanto que, impresso na contracapa, deixo o livro na estante com a capa virada para a parede para mais fácil e pronta visualização do texto que não raro prazerosamente releio: "Sou um amante fanático da liberdade, considerando-a como o único espaço onde podem crescer e desenvolver-se a inteligência, a dignidade e a felicidade dos homens; não esta liberdade formal, outorgada e regulamentada pelo Estado, mentira eterna que, em realidade, representa apenas o privilégio de alguns, apoiada na escravidão de todos; (...) só aceito uma única liberdade que possa ser realmente digna deste nome, a liberdade que consiste no pleno desenvolvimento de todas as potencialidades materiais, intelectuais e morais que se encontrem em estado latente em cada um (...).", escreveu aquele sim verdadeiro anarquista.
Abolição do Estado, o ideal anarquista, que inspirou e guardou de coragem e bravura seus adeptos, como os anarquistas espanhóis que lutaram contra Franco, os "combatientes anarquistas, cuyo papel es decisivo en la guerra y la revolución", como ficou registrado na obra de Leon Trotski sobre a Revolução Espanhola.
Não há incompatibilidade qualquer com tudo quanto implica o serviço militar, manuseio de armas etc., desde que o convocado seja um autêntico anarquista.
Não vou discutir filosofia, política e história com o impetrante, não devo debater sobre cidadãos gregos liderados por Zenão que se reuniam num pórtico de Atenas, onde o fundador da escola lecionava sobre a ataraxia. Rousseau não era anarquista, William Godwin não conheço (e procurar agora no Google pra mim não vale) mas Proudhon não poderia ignorar, autor da célebre frase afirmando que "A propriedade é um roubo", que também bradou esta, que fui buscar no meu dicionário filosófico: "A igualdade ou a morte". Quem falava assim não pregava "paz e amor" e se divergências haviam sobre meios revolucionários ou não, não se tratava de pacifismo.
Estranha filiação essa a um "anarquismo pacifista", ressalvado o uso da palavra ao que é estilo de vida, talvez presente em Woodstok, mas era o movimento hippie, e o impetrante não vende peças de artesanato na praça.
Vivemos em uma parte do mundo onde o indivíduo é glorificado, como em "Homo Deus" discorre Yuval Noah Harari, o mesmo que escreveu "Sapiens", mas admitir que qualquer "vassalo", na linguagem de Rousseau em seu "Do Contrato Social" o membro do "corpo moral e coletivo" enquanto "submetido às leis do Estado", cada um de nós frente a obrigações e deveres, possa desses se livrar com meras e ainda incongruentes e inverossímeis alegações de filiação a exótica corrente de "anarquismo paz e amor" passa dos limites.
Quem verdadeiramente cativo de inclinação da consciência em tese incompatível com o cumprimento de dever geral e concretamente, no cérebro e mente do indivíduo, sólida e firme o bastante para implicar insuportável constrangimento, terá meios para demonstrá-lo.
Não é o caso do impetrante, que credibilidade nenhuma merece, cabendo perguntar como brotou e quanto tempo foi necessário etc para forjar-se da miscelânea de doutrinas indo dos estóicos ao socialismo de Proudhon uma consciência tão fortemente blindada.
É a avaliação que faço e sobre a possibilidade de submissão da invocação a exame sou da mesma opinião da procuradora regional da República Rosane Cima Campiotto, que assim se pronunciou nos autos do mandado de segurança nº 2014.61.00.017425-7 julgado nessa mesma sessão: "Como se vê, a objeção de consciência é oposta em face da sociedade, podendo ser caracterizada como uma regra de exceção, capaz de afastar o princípio da igualdade. Destarte, a objeção de consciência não se constitui em algo íntimo, privado, que só diga respeito ao invocante e que esteja fora do alcance de qualquer juízo de avaliação. Ao contrário, a objeção de consciência deve ser relevante e objetivamente mensurável. Não basta, portanto, a mera invocação ou, mais ainda, qualquer invocação, porquanto, 'Para desobedecer à lei e pretender que isso seja justificado pela própria lei é preciso que tal desobediência respeite um valor muito grande, tão grande que tenha objetivamente significado não só para cada indivíduo que deseja propor a objecção, mas seja reconhecido como fundamental pela mesma lógica do ordenamento que fixa a norma vinculante, como, por exemplo, o valor da vida'. Assim, além de relevante, é absolutamente necessário que ocorra uma avaliação, por quem de direito, conforme o caso, da objeção invocada, até para que, de alguma forma, seja possível tentar conciliar os valores em conflito".
Na mente que é minha não vinga a ideia de que baste para os fins almejados mera alegação, a intelecção do conteúdo e alcance da lei não é redutível a simples interpretação literal, possibilitando-se e impondo-se submissão do suposto imperativo de consciência a avaliação, no caso ainda mais necessária pelos motivos elencados. Só a intelecção da natureza de norma criando exceção infirma o entendimento de suficiência da exegese literal, que com maior razão deve ser afastada quando presentes veementes indícios de estratagema.
Destarte, não poderia eu me posicionar de outro modo senão pela denegação da ordem.
É o voto declarado.
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VOTO RETIFICADOR
O senhor Desembargador Federal SOUZA RIBEIRO: Peço licença para reconsiderar minha posição inicial, agora após me aprofundar mais na questão debatida nos autos e esclarecedoras ponderações advindas do voto divergente do eminente Desembargador Federal Peixoto Junior, o qual passo a acompanhar.
Em complementação, destaco, ainda. A questão dos autos diz respeito ao direito fundamental estabelecido no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, relativo à possibilidade dos cidadãos deixarem de prestar serviço militar obrigatório por "imperativo de consciência, entendendo-se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política", mas direito que se relaciona, estritamente, como é expresso na parte final do dispositivo constitucional, para o fim de "...se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar", ou seja, a dispensa é direcionada para as atividades militares, propriamente ditas, vale dizer, aquelas que digam respeito, essencialmente, com o treinamento e prática de guerra.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Esse direito fundamental foi regulamentado pela Lei nº 8.239/91, cujo artigo 3º estabelece as condições para seu exercício pelos cidadãos e também define o Serviço Alternativo àqueles que invocarem o imperativo de consciência para se eximirem das atividades essencialmente militares, da seguinte forma:
LEI Nº 8.239, DE 4 DE OUTUBRO DE 1991. Regulamenta o art. 143, §§ 1º e 2º da Constituição Federal, que dispõem sobre a prestação de Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório.
Dispõe o § 2° do art. 3º, que "entende-se por Serviço Alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, em substituição às atividades de caráter essencialmente militar."
Esse, ao meu entender, é o ponto essencial a ser considerado no julgamento do presente mandamus, pois, uma vez que a norma fundamental e sua regulamentação legal não preveem a possibilidade da administração pública militar proceder a qualquer espécie de sindicância a respeito da escusa de consciência manifestada pelo cidadão, tratando-se mesmo de um ato administrativo vinculado, como já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.339.383/RS, Relator Ministro Benedito Gonçalves, e nesta Corte Regional na AP nº 224.834, 1ª Turma, relator Desembargador Federal Hélio Nogueira, ambos precedentes estes já citados no voto do eminente relator do presente processo, o Desembargador Federal Cotrim Guimarães, a questão dos autos se resolve na verificação da natureza do serviço que o cidadão impetrante estaria sendo convocado a prestar, vale dizer, se se trata de um serviço essencialmente militar ou se consubstancia o serviço alternativo previsto no texto constitucional e estabelecido no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.239/91.
E, no caso, trata-se de cidadão da área médica, que se enquadra na prestação de serviço militar obrigatório nas condições da Lei nº 5.292/1967 e alterações advindas com a Lei nº 12.336/2010, e cujas atividades são prestadas, por previsão expressa do artigo 3º, caput, "nos Serviços de Saúde ou Veterinária das Fôrças Armadas.", aplicável a quaisquer cidadãos que tenham sido dispensados do serviço militar ou que tenham tido a prestação adiada justamente por estarem matriculados em cursos de estudo desta natureza (artigo 4º), matéria que tem sido amplamente julgada em nossos tribunais sob um ângulo diverso, como ilustra a legislação adiante transcrita e o seguinte precedente do Eg. STJ:
Extrai-se daí, então, que o serviço para o qual o impetrante estaria sendo agora convocado não tem natureza essencialmente militar, mas sim, certamente, tem justamente a natureza do serviço alternativo previsto no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.239/91.
Portanto, a questão da objeção de consciência não se aplica à natureza dos serviços para os quais se trata na convocação do impetrante aqui sob exame, pois mesmo não se podendo sindicar a consciência do cidadão, a solução será justamente assegurar que o cidadão preste o constitucional Serviço Alternativo às atividades essencialmente militares, para o qual se presta justamente a convocação de que trata a Lei nº 8.239/91.
Ante tais considerações, acompanho a divergência lançada em retificação da minha posição antes adotada.
É o meu voto.
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VOTO RETIFICADOR
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):
Quer nos parecer que o âmago da argumentação do impetrante trazido à apreciação do judiciário no presente mandamus diz respeito à análise hermenêutica do verbo "alegar", contido no corpo da norma constitucional do § 1º do art. 143, quando assevera: "(...) aos que alegarem imperativo de consciência.."
Assevera que a leitura do dispositivo retro citado - igualmente constante da Lei regulamentadora nª 8.239/91 e da Portaria Nr 2.681 (COSEMI) de 28.07.92 - afasta qualquer outra interpretação ou juízo de valor, pelas autoridades militares, quanto à alegada convicção religiosa ou filosófica do impetrante para se eximir de atividade de caráter militar.
Para emergir o direito bastaria, tão somente, a simples alegação de imperativo de consciência, fundada na crença religiosa ou em convicção filosófica ou política, sendo dever da administração atribuir o serviço alternativo legalmente previsto, tal como alega.
Como se trata de uma norma do tipo aberta, possibilitando um alargamento interpretativo inquestionável, há quem possa vislumbrar, entretanto, e de forma oposta, que o comando legislativo ali cotejado é único, mas não o é.
Efetivamente, em se tratando de construção normativa aberta - inclusive suscetível de norma regulamentadora - emerge a necessidade de atividade hermenêutica, atividade esta a ser exercida pelo intérprete no texto, pelas mãos do poder judiciário.
Em verdade, uma norma, por mais clara que possa parecer, suscita sempre uma interpretação. As leis tidas como claras contêm o perigo de serem compreendidas apenas no sentido imediato decorrente dos seus dizeres, quando, na verdade, têm valor mais amplo e profundo que não advém apenas de suas palavras, sendo assim imprescindível a interpretação de todas as normas por conterem conceitos com contornos imprecisos.
O art. 5º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) prevê que, entre os significados mais precisos contidos na lei, deve-se destacar aquele venha a enfatizar seu fim social e o bem comum.
Assim, a solução hermenêutica a ser dada em relação ao caso concreto deverá ser aquela que não venha a conflitar com o ordenamento jurídico e os valores sociais.
Desta forma, e enfocando o caso em análise, entender que a mera "alegação" constante do tipo legal não suscita confrontação ou averiguação é simplificar o processo interpretativo em curso, já que o fim social daquela norma é estabelecer a isonomia de tratamento, onde os desiguais devem ser desigualmente albergados pelo direito, mas, para tanto, é necessário que se demonstre sua situação de desigualdade.
Portanto, paralelo ao direito de alegar há o direito de se perquirir a alegação, seja por qualquer meio disponível, e ainda que tal não faça constar expressamente do texto legal, entendido que a finalidade social da norma assim o exige.
No contexto hermenêutico ora posto, destarte, entendo como prescindível exigência normativa expressa que admita o juízo de valor pelas autoridades administrativas, eis que já contido na finalidade social do texto em estudo.
Assim é que expresso, simplificadamente, meu posicionamento pela denegação da ordem ao caso concreto.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso e ao reexame necessário.
É como voto.
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RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):
Trata-se de mandado de segurança impetrado por ALLAM CHRISTIANO MORAES DOS SANTOS contra ato do Comandante da 2ª Região Sudeste, em que pleiteia suspender convocação para prestar serviço militar como profissional da área de saúde. Às fls. 85/87, foi deferida a liminar.
O MM. Juízo a quo concedeu a segurança, tornando definitiva a medida concedida às fls. 85/87, na medida em que o imperativo de consciência é um direito fundamental, e a inexistência de serviço alternativo ofertado pela Administração Pública militar importa na impossibilidade da incorporação.
A apelante aduz, em apertada síntese, que: (i) não há direito líquido e certo ao exercício do serviço militar alternativo, pois, conforme a Lei nº 8.239/91, este somente é concedido após o alistamento; (ii) o alistamento é ato administrativo que ocorre quando se completam 18 anos de idade; (iii) mesmo se dizendo anarquista, o impetrante estudou em instituição de ensino pertencente ao Estado, o que é contrário a essa corrente filosófico-política; (iv) segundo manifestação do Ministério Público Federal, na página pessoal do impetrante no Facebook, há manifestações políticas que em nada se relacionam com o anarquismo; (v) a atividade para a qual ele foi convocado é de natureza preponderantemente médica.
Parecer do Ministério Público Federal (fls. 158/160): pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator):
O caso em testilha difere daqueles em que incide o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de embargos de declaração no Recurso Especial nº 1.186.513/RS à luz do artigo 543-C do então vigente Código de Processo Civil de 1973 - legalidade da reconvocação dos estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia e Veterinária dispensados do serviço militar obrigatório antes do advento da Lei nº 12.336/2010.
O principal ponto controvertido destes autos refere-se ao exercício do direito fundamental de liberdade de consciência do indivíduo face à obrigatoriedade do serviço militar, segundo os artigos 5º, VI, VII e VIII, e 143, §1º, da Constituição Federal de 1988. Mais especificamente, diz respeito à invocação de crença pessoal como escusa para não prestar o serviço militar obrigatório após graduação em Medicina, bem como à conduta a ser adotada pela Administração Pública militar diante dessa reivindicação.
No julgamento do RE nº 1.339.383/RS, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que, preenchidos os requisitos da Lei nº 8.239/91 e da Portaria nº 2.681/92, que lhe dá regulamentação, o acolhimento do imperativo de consciência constitui ato administrativo vinculado. Disso resulta que o mérito administrativo apenas se restringe às condições de cumprimento do serviço alternativo. Nesse sentido:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO MILITAR. DIVULGAÇÃO DO SERVIÇO MILITAR ALTERNATIVO EM DECORRÊNCIA DA ALEGAÇÃO DE IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. 1. Conquanto seja vinculado o ato de atribuição do serviço militar aos cidadãos que alegarem o imperativo de consciência, o momento de sua instituição e a forma de seu exercício devem obediência a critérios de conveniência e oportunidade que somente às forças armadas interessa. E, no caso, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, não foi comprovada a necessidade da implementação dos serviços alternativos, porquanto os cidadãos que optam por não prestarem o serviço militar obrigatório, incluídos os que alegam o imperativo de consciência, são dispensados por excesso de contingente, o que significa que a existência do serviço alternativo não lhes será útil. 2. Em juízo, não há como se impor, abstratamente, a obrigação de implementação dos serviços alternativos que poderão estar disponíveis aos cidadãos que alegarem imperativo de consciência, com a realização de convênios, sem, no mínimio, a certeza da sua necessidade para as forças armadas. 3. Recurso especial provido. ..EMEN:Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sérgio Kukina, Ari Pargendler, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1339383 2012.01.73569-7, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:23/04/2014 ..DTPB:.)".
In casu, o impetrante apresentou requerimento pleiteando a prerrogativa do artigo 143, §1º, da Constituição Federal de 1988 (fls. 24/27) sob a justificativa de ser anarquista. Indeferido o pedido (fls. 30/32), foi apresentado recurso administrativo (fls. 34/38), ao qual se negou provimento (fls. 40/41). Verifica-se, pois, que o imperativo de consciência foi invocado após o alistamento (artigo 3º, §1º, da Lei nº 8.239/91) e se coaduna com a forma estabelecida no artigo 15 da Portaria nº 2.681/92.
Além disso, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, argumentou-se, com algum grau de razão, reconheça-se, que o impetrante não parece ser, propriamente, um anarquista - na verdade, isso se deve muito mais ao que o documento de fls. 114/115 apresenta do que ao fato de ele ter estudado em universidade pública. Ora, concluir que determinado indivíduo não é anarquista somente porque estudou em universidade pública é tão equivocado quanto exigir que um socialista não participe da sociedade de consumo de massas da atual fase do sistema capitalista, ou que um ferrenho antissocialista abra mão de qualquer direito trabalhista em relação estabelecida com seu empregador.
De todo modo, à luz dos princípios da força normativa da Constituição e da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, conforme o artigo 5º, §1º, da Constituição Federal de 1988, é preciso conferir maior efetividade ao texto constitucional. Assim, na medida em que incumbe a este Poder Judiciário a tutela do imperativo de consciência, cabe-lhe afastar a imposição de critérios que vão além das limitações impostas pela lei de regência e que o restringem indevidamente. E, como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça enfatiza o caráter vinculado do ato administrativo diante do regular exercício do imperativo de consciência, é defeso tolhê-lo com base em análise da pertinência dele em relação ao que se alega como justificativa filosófica ou política.
Em caso semelhante, já se posicionou a Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal:
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO. SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO. MÉDICOS, FARMACÊUTICOS, DENTISTAS E VETERINÁRIOS (MFDV). CONVOCAÇÃO POSTERIOR. IMPERATIVO DE CONSCIÊNCIA. DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. ATO VINCULADO. DIREITO À ATRIBUIÇÃO DE SERVIÇO ALTERNATIVO AO SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIO. PROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO AUTORAL. AGRAVO PROVIDO. 1. O STJ consignou que os estudantes de Medicina, Farmácia, Odontologia ou Veterinária, dispensados por excesso de contingente, não estão sujeitos à prestação do serviço militar, o qual é obrigatório apenas para os que obtiveram o adiamento de incorporação, previsto no art. 4º, da Lei nº 5.292/1967, bem como para estabelecer que a Lei nº 12.336/2010, vigente a partir de 26/10/2010, aplica-se aos concluintes dos referidos cursos que foram dispensados de incorporação antes da mencionada lei, mas convocados após sua vigência, devendo prestar o serviço militar no ano seguinte ao da conclusão do respectivo curso ou após a realização de programa de residência médica ou pós graduação. Precedentes. 2. O Autor, quando estudante do último ano do curso de medicina, foi convocado para participar do processo seletivo do serviço militar para médicos de que trata a Lei 5.292/67. Após o alistamento obrigatório, apresentou à Junta de Serviço Militar, em 23/09/2013, requerimento de vinculação ao Serviço Alternativo, acompanhado de uma declaração de imperativo de consciência, o qual fora recebido e indeferido pela autoridade militar. 3. A possibilidade de o indivíduo eximir-se de atividades de caráter essencialmente militar, com amparo em imperativo de consciência (também denominado "escusa de consciência" ou "objeção de consciência"), constitui decorrência do direito fundamental à liberdade de consciência, encontrando-se sua disciplina legal disposta na Lei nº 8.239/91, e regulamentada pela Portaria nº 2.681/1992, da Comissão do Serviço Militar. 4. O optante pela prestação alternativa ao serviço militar obrigatório deve apresentar, após o alistamento, Declaração de Imperativo de Consciência, dirigida ao presidente da Comissão de Apreciação dos Requerimentos de vaga para a Prestação de Serviço Alternativo, a ser entregue na Junta de Serviço Militar. O STJ fixou o entendimento de que, atendidos os requisitos impostos, a atribuição de Serviço Alternativo constitui ato vinculado, recaindo o juízo de conveniência e oportunidade da Administração Militar tão somente em relação ao momento de implantação e modo de exercício de tal prestação alternativa. Precedente. 5. Conforme orientam os métodos interpretativos da hermenêutica constitucional, a aplicação da norma deve sempre ser parametrizada pela solução que confira maior efetividade ao texto constitucional, tal como preceitua o princípio da força normativa da Constituição. Havendo múltiplas interpretações possíveis em face de determinada norma constitucional, cabe ao intérprete optar pela que produza mais efeitos práticos concretos. 6. Atendidos os requisitos necessários ao pleno exercício do direito previsto no art. 143, § 1º, da CR/88, é vinculado o ato de atribuição do Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório, na forma disciplinada em lei, de modo que inexiste respaldo legal a amparar o indeferimento do requerimento formulado pelo Agravante. 7. Honorários advocatícios sucumbenciais fixados em favor da parte autora, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 85, §§ 8º e 11, do Código de Processo Civil. 8. Dado provimento ao agravo interno, para julgar procedente a pretensão autoral, reconhecendo ao Autor o direito à opção pelo Serviço Alternativo ao Serviço Militar Obrigatório, por imperativo de consciência, na forma do art. 143, § 1º, da Constituição da República, devendo a União Federal, na hipótese de não estar implantado tal serviço ou de exceder à sua necessidade, declarar a dispensa do serviço alternativo, concedendo ao Requerente o respectivo certificado.Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2242834 0019144-80.2014.4.03.6100, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)".
Por conseguinte, está configurada a hipótese prevista no artigo 143, §1º, da Constituição Federal de 1988, de modo que o impetrante faz jus ao serviço alternativo.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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