D.E. Publicado em 24/07/2019 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCELO MESQUITA SARAIVA:10071 |
Nº de Série do Certificado: | 7E6C6E9BBD25990F |
Data e Hora: | 10/07/2019 19:49:36 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de remessa oficial, tida por interposta, e de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público Federal em face de sentença proferida pelo r. Juízo da Primeira Vara Federal da Subseção Judiciária de Três Lagoas/MS, o qual julgou improcedente a Ação Civil Pública.
A presente Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da Companhia Energética de São Paulo (CESP), da União e da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
O autor afirma que a comunidade indígena do Ofayé -Xavante, mediante o convênio nº 04/94, firmado entre a FUNAI e a CESP, foi transferida da área que ocupava anteriormente para outra localidade em virtude da Instalação da Usina Hidrelétrica Sérgio Motta.
Sustenta que o acordo não foi cumprido pela CESP, uma vez que a acomodação do grupo indígena se deu em local impróprio para agricultura e destituída de recursos naturais, tendo havido a elaboração de Termo Aditivo àquele, no qual a empresa ré reduziu as obrigações inicialmente acordadas.
Assevera que a responsabilidade pela situação de abandono da comunidade pode ser também imputada à FUNAI, que se omitiu em seu dever de prestar assistência ao grupo, mediante a implantação de serviços de atendimento médico hospitalar e odontológico e pela instalação de posto de atendimento na região.
Postulou pela decretação da nulidade do Termo Aditivo ao Convênio Nº 04/94 firmado entre a CESP e a FUNAI.
Pugna pela condenação da CESP a dar integral cumprimento aos compromissos assuntos perante a FUNAI relativamente ao assentamento da comunidade Ofayé-Xavante na área adquirida, oferecendo-lhes condições adequadas ao seu modus vivendi, ainda que seja necessária a aquisição de outro imóvel e a indenizar os danos morais suportados pela comunidade decorrentes da saída forçada da área que ocupavam anteriormente.
Requereu a condenação da União e da FUNAI a promover todas as ações de sua competência para zelar pelo bem-estar do povo Ofayé-Xavante, notadamente mediante a instalação de Posto Indígena na área por eles ocupada.
Às fls. 645/646, o Ministério Público Federal noticiou a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta com a CESP, a FUNAI, o Estado do Mato Grosso do Sul, requerendo a homologação de acordo e a extinção da demanda com relação à CESP.
O acordo foi homologado à fl. 682, sendo a demanda extinta com relação a CESP sem análise do mérito.
Na decisão das fls. 800/801 foi fixado prazo para que o Estado do Mato Grosso do Sul demonstre o cumprimento dos itens apontados pelo MPF, sob pena de multa.
O Estado do Mato Grosso do Sul noticiou o cumprimento das obrigações que foram impostas ao ente público no TAC (Fls. 990/992 e 1239/1240).
Às fls.1276/1278, o Ministério Público Federal noticiou que a maioria das obrigações assumidas no TAC foram atendidas, à exceção da entrega de cestas básicas pelo governo estadual e pela disponibilidade dos juros bancários oriundos do depósito efetuado pela CESP.
A tutela antecipada requerida inicialmente foi parcialmente deferida para que a FUNAI desse à tribo Ofayé-Xavante assistência efetiva com a instalação de posto, ainda que provisório, e o deslocamento de ao menos um funcionário técnico especializado para a localidade, sob pena de aplicação de multa diária.
Às fls. 2022/2024 o Ministério Público Federal pugnou pelo reconhecimento do inadimplemento da tutela antecipada, no que se refere ao deslocamento de um servidor à aldeia.
Após o regular processamento do feito, o r. Juízo a quo proferiu sentença (fls. 2117/2121) julgando a ação improcedente.
Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação visando a reforma da r. sentença, para condenar a União Federal e a FUNAI, de forma solidária, a promover todas as ações de sua competência no sentido de zelar pelo efetivo bem-estar do povo Ofayé-Xavante, notadamente operacionalização do indígena na aldeia, preferencialmente através de remoção de servidor ao posto indígena, o qual preste atendimento constante e integral à comunidade, independentemente da criação de cargo ou função. Subsidiariamente requer que, caso não seja reconhecida a ilegalidade do Decreto nº 7.056, seja dado parcial provimento ao recurso condenando as rés a promoverem todas as ações de sua competência no sentido de zelar pelo efetivo bem-estar do povo Ofayé-Xavante designando funcionário da FUNAI para o atendimento exclusivo, integral e imediato do povo Ofayé-Xavante (2.136/2191).
A União Federal e a FUNAI apresentaram contrarrazões, pugnando pelo não provimento do recurso (fls. 2204/2210).
Em sua manifestação nessa instância, o Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso de apelação (fls. 2220/2235).
É o relatório.
VOTO
De início, impende frisar que a Lei da Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular integram o microssistema processual coletivo. Portanto, apesar de a Lei nº 7.347/85 não ter previsão expressa acerca da remessa oficial, aplica-se nos casos de improcedência ou parcial procedência da ação, por analogia, o artigo 19, da Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), uma vez que referida norma deve ser aplicada em todo o microssistema naquilo que for útil aos interesses da sociedade. Nesse sentido é o entendimento sedimentado do E. Superior Tribunal de Justiça.
Desse modo, dou por interposta a remessa oficial, submetendo a r. sentença ao reexame necessário.
Assim, passo a analisar as alegações invocadas no apelo, bem como a remessa oficial.
Compulsando-se os autos percebe-se que ao contrário do entendimento exposto na sentença, o Poder Público tem sido historicamente omisso no trato da comunidade Ofayé-Xavante. As ações do Poder Público se mostraram tardias e parciais, as quais somente foram adotadas após atuação do Ministério Público Federal e do Poder Judiciário.
O abandono da comunidade indígena foi evidenciado pelo Ministério Público Federal ao destacar a existência de fatos como a venda de rezes, de maquinário (trator) e outros insumos agropecuários a preços irrisórios a comerciantes da região da Brasilândia, não encontrando em nenhuma dessas negociações a presença da FUNAI. As notícias de membros da comunidade acometidos por alcoolismo, bem assim registros de práticas de condutas delituosas tendo o indígena como vítima, incluindo o estupro, o completo fracasso do projeto de desenvolvimento autossustentável, a ameaça de desaparecimento da língua Ofayé, cujo o dever de preservação já foi reconhecido por esse e. Tribunal na Ação Civil Pública nº 2006.60.0.000652-2, entre diversas outras mazelas de extrema gravidade (fls. 1084, 2025/2028).
Restou comprovado que a parcial e esporádica assistência à Comunidade Indígena Ofayé-Xavante ocorreu somente após o Ministério Público Federal questionar a postura das rés e pleitear a proteção e o respeito devidos aos direitos indígenas. Saliente-se que, às fls. 2042, no próprio relatório da FUNAI, está ressaltado o curto período de permanência junto à Comunidade Indígena, não sendo possível atender de forma satisfativa as demandas existentes na época.
Desse modo, sempre existiu, por parte da FUNAI e da União Federal, um claro descaso e omissão, conforme bem demonstrado nos autos.
Dessarte, resta clara a necessidade de intervenção do Poder Judiciário para determinar ao Poder Público que cumpra as obrigações constitucionalmente e legalmente atribuídas, a fim de garantir a proteção à comunidade indígena Ofayé-Xavante, e adotar as medidas necessárias para resguardar os interesses indígenas, garantindo a efetivação dos direitos fundamentais, entre eles saúde, educação, segurança e o mínimo necessário para a sobrevivência digna da comunidade.
A Constituição Federal de 1988 no artigo 231, dispõe:
Assim, ao reconhecer aos índios o direito de preservar sua organização social, costumes, línguas, e o direito sobre as terras, o legislador constituinte buscou resguardar não somente o a proteção aparente do direito dos índios, mas, sim, a proteção efetiva, instrumentalizando a proteção aparente.
Não é suficiente destinar uma terra definitiva aos indígenas, muito menos visitar a aldeia esporadicamente para constatar que a precariedade permanece. É preciso assegurar a tutela efetiva dos direitos aos índios, garantindo o mínimo suficiente para uma vida digna. Nesse contexto a União Federal e a FUNAI devem atuar buscando proteger efetivamente os direitos indígenas, os quais fazem parte de uma minoria que constantemente tem seus direitos flagrantemente violados no país.
Cumpre salientar que, às fls. 2242, o Ministério Público Federal ressaltou que em 2015 ainda persistia a negligência e a inercia da União Federal e da FUNAI na prestação de serviços sociais e de saúde à Comunidade Indígena.
No mais, os documentos constantes dos autos são suficientes para comprovar que, em razão de omissão da União Federal e da FUNAI, a comunidade indígena encontra-se desamparada, não tendo acesso aos direitos que se inserem no chamado mínimo existencial, conjunto de bens imprescindíveis para uma existência digna.
Saliente-se que os direitos sociais fundamentais estabelecidos na Constituição Federal precisam ser verdadeiramente efetivados através das políticas públicas, zelando o Poder Público pelo bem-estar geral da população. Sem a garantia de direitos fundamentais sociais como saúde, educação, segurança e alimentação, não há garantia do exercício efetivo do direito à liberdade, do direito à vida e à integridade.
Não é demasiado informar que deve ser garantida à comunidade indígena assistência e adequada efetivação dos direitos sociais para o exercício da autodeterminação.
No caso em exame, percebe-se que a comunidade Ofayé não conta com os pressupostos fáticos para o exercício efetivo de sua autodeterminação. O descaso com a tribo torna-se ainda mais evidente quando analisada à luz de direitos já consagrados aos índios pelos tratados assinados pelo Brasil, em especial a Convenção 169 da OIT, internalizada por força do Decreto 5.051/2004.
Cumpre transcrever o teor do artigo 2º da referida Convenção o qual trata sobre a efetividade dos direitos sociais:
Quanto ao direito à liberdade, referida convenção afirma:
Ressalte-se que, no caso dos autos, ficou claro que a omissão do Poder Público em designar servidor da FUNAI para atuar de forma constante na comunidade, permitiu a perpetuação de diversas mazelas, violando frontalmente a dignidade humana dos índios Ofayés, os quais vivem sem o mínimo existencial, os quais diante da ausência de tutela dos seus direitos sociais são privados também da liberdade de autodeterminação.
Dessarte, sendo os índios despojados do mínimo existencial, não se legitima a aplicação da teoria da reserva do possível. Deveras, não se pode aplicar indiscriminadamente a teoria da reserva do possível principalmente no que concerne à execução de políticas públicas que busquem tutelar direitos básicos referentes à saúde, educação, alimentação, uma vez que esses integram o conceito do mínimo existencial.
Cabe igualmente esclarecer que a teoria da reserva do possível, de origem alemã, foi aplicada inicialmente em caso paradigmático referente ao direito de acesso à faculdade de medicina como meio de exercer o direito à liberdade profissional, justificando-se a impossibilidade no fundamento de que só se pode exigir do Estado aquilo que for viável dentro dos limites da possibilidade e razoabilidade. Desse modo, não seria razoável exigir do Estado o livre acesso à faculdade de medicina para quem quiser frequentar, pois não seria possível, dada as condições da Alemanha, assegurar o custeio de vagas para todos, de forma ilimitada. Não haveria como universalizar o direito. Então, a jurisprudência alemã tratou a reserva do possível como "o que razoavelmente se pode esperar do Estado, diante das condições da sociedade".
Todavia, no Brasil essa teoria foi importada de forma deturpada, sendo utilizada de forma desmedida pelo Estado como fundamento para a não efetivação de políticas públicas.
Utilizando o argumento da falta de condições orçamentárias como obstáculo para efetivação de direitos, principalmente sociais, sustentando que, caso fosse priorizado determinado direito social, seriam retiradas as verbas públicas de outras áreas prioritárias, em detrimento de toda a coletividade.
Ademais, não se pode importar preceitos do direito comparado sem atentar para o bem-estar social que o Estado brasileiro deve assegurar.
Por isso mesmo, qualquer demanda que objetive fomentar uma existência minimamente decente não pode ser encarada como sem razão (supérflua), pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado brasileiro.
Nesse sentido, Andreas Krell, doutrinador Alemão, critica a utilização da teoria da reserva do possível no Brasil:
É por essa razão que o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial. Somente depois de atingido esse mínimo existencial é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em quais outros projetos se deve investir.
Há de se atentar, por oportuno, que o princípio da reserva do possível é utilizada parte da Doutrina Brasileira e pelo Estado de forma modificada de maneira a encontrar sua decomposição em: reserva do possível fática e reserva do possível jurídica.
A reserva do possível fática está relacionada à existência de recursos para a realização de direito material. Assim, o problema da reserva do possível fática não é um problema ético e nem jurídico formal, mas sim um problema de ter ou não recursos.
No caso em tela, analisando-se a razoabilidade e a existência de recursos, percebe-se que é um dever do Estado garantir a proteção da população indígena, garantindo a efetivação dos direitos sociais e a autodeterminação, não tendo a União e FUNAI demonstrado de forma clara a inexistência de recursos, ou que os recursos existentes já estavam alocados devidamente para outros direitos fundamentais essenciais.
Por óbvio, a alegação de falta de recursos financeiros, destituída de comprovação, não é hábil a afastar o dever constitucional imposto ao ente público na efetivação dos direitos sociais fundamentais. Esses direitos devem ser respeitados como prioridade absoluta pelo Estado, e não podem ficar relegados indefinidamente ao desamparo e ao descaso público.
A reserva do possível jurídica, por sua vez, refere-se à possibilidade de que os recursos sejam gastos sem infringência do ordenamento jurídico. No caso do Brasil, muitos utilizam o argumento da reserva do possível para a não efetivação de uma política pública, afirmando que não há autorização na lei orçamentária para que o gasto seja realizado.
No entanto, sujeitar a efetivação de direitos fundamentais relacionados a uma minoria à reserva do possível jurídica, vale dizer, à previsão do gasto no orçamento, seria o mesmo que subordinar o direito fundamental, que é contramajoritário, à decisão da maioria política no parlamento, o que revelar-se-ia incompatível com a própria lógica da supremacia da Constituição.
Cabe ainda destacar que o entendimento da reserva de possível jurídica não é compatível com a compreensão contemporânea de democracia, posto que tal regime político não é apenas o governo da maioria, mas depende da coexistência de alguns pressupostos, dentre os quais estaria o acesso a condições materiais mínimas, que por sua vez são asseguradas por direitos sociais. Então, pelo menos em alguma extensão, não faz sentido condicionar a tutela dos direitos fundamentais indígenas ao orçamento, por que esse condicionamento se basearia que a asseguram.
Dessa maneira, no que concerne ao mínimo existencial, não faz sentido condicionar a efetivação de direitos indígenas ao orçamento.
É certo que existe um espaço para deliberação democrática pelos administradores, mas esse espaço não é infinito, devendo esses atuarem com razoabilidade, principalmente, priorizando a efetivação do mínimo existencial, cabendo ao Judiciário fazer o controle judicial dessas escolhas, principalmente quando implicam na não efetivação de direitos essenciais.
Não se pode admitir a invocação da teoria da reserva do possível como escudo para o Estado se eximir do cumprimento de suas obrigações prioritárias.
Deve-se destacar que, no que concerne à aplicação dos direitos fundamentais, vigora a proibição da proteção deficiente, ou seja, o dever do Estado de efetivar tais direitos de forma devida.
Assim, quando o não desenvolvimento de políticas públicas acarretar grave vulneração a direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição, é cabível a intervenção do Poder Judiciário como forma de implementar os valores constitucionais. Não adianta um direito ser garantido pela Constituição se não for possível garantir a efetivação desse direito.
A alegação que a intervenção do Poder Judiciário, determinando a implementação de políticas públicas diante da omissão do Estado viola a separação dos poderes não se sustenta, pois a concretização dos direitos fundamentais dos índios e a proteção desses é dever da União Federal e FUNAI, não podendo ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão "controlador" da atividade administrativa.
Logo diante da omissão daqueles que deveriam tutelar a comunidade indígena, indispensável a intervenção do Poder Judiciário, como instituição de garantia da Constituição Federal e dos direitos fundamentais.
Portanto, se a omissão da Administração Pública comprometer a eficácia e integridade dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, imprescindível a atuação do Poder Judiciário.
Deve-se esclarecer que nenhum poder é ilimitado, e todos devem ser suscetíveis de controle, já que todo aquele que exerce poder de forma ilimitada tende a abusar dele, violando deveres estabelecidos constitucionalmente.
Seria um absurdo pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido visando a garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado como óbice à realização dos direitos indígenas.
Impende ressaltar que o C. Supremo Tribunal Federal e o E. Superior Tribunal de Justiça reconhecem que, em casos excepcionais, é possível o controle judicial de políticas públicas, não configurando isso violação à separação de poderes, sendo, pelo contrário, essencial ao controle judicial das escolhas dos administradores, até mesmo para ser determinada a implementação de políticas públicas já resguardadas na Constituição.
Nesse sentido destaco julgados do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça:
Como é bem de ver, fica evidente que o Poder Judiciário não pode definir políticas públicas, cabendo-lhe, porém, a emissão de um decreto judicial no sentido de garantir a aplicação da normatização específica e tornar concretos os direitos omitidos pelo Poder Público.
De fato, no caso em análise, resta evidente que os direitos fundamentais sociais e o direito à vida e a autodeterminação da comunidade indígena Ofayé-Xavantes não estão sendo devidamente resguardados, sendo imprescindível a intervenção judicial.
A norma constitucional não pode ser apenas uma promessa, ainda mais na espécie em que o dispositivo constitucional é claro ao reconhecer a proteção das Comunidades Indígenas, encontrando-se resguardados aos seus integrantes os direitos fundamentais, cabendo ao Estado, pois, instrumentalizar a efetivação da previsão constitucional.
Cumpre salientar que, diante da omissão existente no caso em tela, não está sendo cumprida a própria Missão Institucional da FUNAI que consiste em promover e proteger os direitos dos povos indígenas, devendo, para tanto, atuar permanentemente na comunidade.
Nesses casos, vale dizer, não é possível ao Poder Público invocar a discricionariedade administrativa de maneira a se escusar em determinar a adoção de medida necessária à proteção da comunidade indígena em tela, certo que não lhe resta avaliar a oportunidade e conveniência a tanto; antes, deve implementá-la norteado pelo princípio da eficiência, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19.
Impõe-se, dessa forma, a reforma da sentença, para reconhecer o dever das partes rés de prestação de serviço adequado a comunidade indígena, devendo promover todas as ações de sua competência no sentido de zelar pelo efetivo bem-estar do povo Ofayé-Xavante, devendo ser designado no mínimo um servidor da FUNAI para o atendimento adequado, integral e imediato do povo Ofayé-Xavante.
Quanto ao pedido de declaração de ilegalidade do Decreto nº 7.056/2009, o qual extinguiu os postos indígenas que tratavam os Decretos nº 4645/03 e 5833/06, esse não pode ser acolhido, uma vez que referido Decreto foi revogado pelo Decreto 7778/2012, o qual por sua vez foi revogado pelo Decreto 9.010/2017, agora vigente.
Cumpre salientar que o Decreto 9.010/2017 também não prevê o estabelecimento de postos indígenas, bem como não há provas de que a população interessada não foi previamente consultada, não existindo indícios claros de sua ilegalidade. Assim, não há como o Poder Judiciário determinar a instalação de posto indígena com fundamento nos decretos revogados, diante da ausência de previsão legal.
Saliente-se que apesar da inexistência de previsão de postos indígenas, o Decreto nº 9.010/2017 prevê a existência de coordenações técnicas locais, estabelecendo:
Portanto, compete a FUNAI, através das coordenações técnicas locais zelar pela efetivação dos direitos sociais dos povos indígenas, direitos esses flagrantemente violados no caso em tela, violação essa decorrente da omissão da FUNAI e da União Federal que não promoveram as ações de sua competência para resguardar o bem-estar da comunidade Ofayé-Xavante.
Ante o exposto, dou parcial provimento a remessa oficial e ao recurso de apelação para condenar solidariamente as rés, União Federal e FUNAI, à prestação de serviço adequado à comunidade indígena Ofayé-Xavante, de maneira a promover todas as ações de sua respectiva competência no sentido de zelarem pelo efetivo bem-estar do povo Ofayé-Xavante, devendo ser designado no mínimo um servidor da FUNAI para o atendimento adequado, integral e imediato do povo Ofayé-Xavante, sob pena de multa diária fixada no valor de R$1.000,00 (mil reais).
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARCELO MESQUITA SARAIVA:10071 |
Nº de Série do Certificado: | 7E6C6E9BBD25990F |
Data e Hora: | 10/07/2019 19:49:33 |