Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/01/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002140-19.2017.4.03.6102/SP
2017.61.02.002140-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : OSMIR ANTONIO RODRIGUES MOREIRA
ADVOGADO : SP380809 BRUNO CAMARGO DE MORAES BERALDI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021401920174036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 334-A, § 1º, IV, DO CÓDIGO PENAL. EXCEÇÃO À REGRA CONSTITUCIONAL DE INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO. SITUAÇÃO DE FRAGRÂNCIA. PROVAS LÍCITAS. CONTRABANDO DE CIGARROS ESTRANGEIROS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DESCAMINHO. INCABIVEL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.
1. Hipótese excepcional de flagrante delito (art. 5º, XI, da Constituição Federal), a diligência realizada é lícita, assim como as provas dela derivadas.
2. Materialidade, autoria e dolo suficientemente comprovados. Condenação mantida.
3. No caso dos autos, consumou-se o crime de contrabando haja vista a natureza do objeto material do fato, maços de cigarros de origem estrangeira, clandestinamente introduzidos no País, mantidas em depósito pelo acusado para fins de venda, de modo que não é caso de desclassificar a conduta para o delito de descaminho.
4. A importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, fato que impede a aplicação do princípio da insignificância. Tão somente seria o caso de aplicação de forma excepcional do referido princípio se a quantidade de cigarros apreendidos fosse de pequena monta, o que não se traduz nestes autos.
5. Recurso da defesa desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 21 de janeiro de 2019.
MAURICIO KATO


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002140-19.2017.4.03.6102/SP
2017.61.02.002140-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : OSMIR ANTONIO RODRIGUES MOREIRA
ADVOGADO : SP380809 BRUNO CAMARGO DE MORAES BERALDI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021401920174036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de Osmir Antonio Rodrigues Moreira contra a sentença de fls. 128/138, que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, IV, do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída a pena corporal por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da condenação, e uma de prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo vigente à data do fato.


Em suas razões recursais (fls.148/163), a defesa pleiteia, em síntese: a) em sede de preliminar, seja declarada a nulidade da apreensão dos cigarros por ausência de mandado de busca e apreensão e a consequente absolvição por ausência da prova material do crime; b) no mérito, a absolvição do acusado por ausência de provas para a condenação; c) e subsidiariamente, a desclassificação da conduta do réu para a tipificada no art. 334, "caput", do Código Penal.


O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões às fls.165/167.


A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do apelo defensivo (fls.169/172).


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.



RAQUEL SILVEIRA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002140-19.2017.4.03.6102/SP
2017.61.02.002140-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : OSMIR ANTONIO RODRIGUES MOREIRA
ADVOGADO : SP380809 BRUNO CAMARGO DE MORAES BERALDI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00021401920174036102 7 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

VOTO

Consta dos autos que Osmir Antonio Rodrigues Moreira foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, IV, do Código Penal, pelos fatos a seguir expostos:


Narra a denúncia que, no dia 21/08/2014, na Rua Nicolau Judice nº270, município de Jardinópolis/SP, o acusado foi surpreendido por policiais militares e civis, que cumpriam mandado de busca e apreensão derivado dos autos nº 0002737-61.2014.8.26.0300, mantendo em depósito mercadoria de procedência estrangeira consistente em 910 maços de cigarros das marcas "EIGHT" e "PALERMO", todos fabricados no Paraguai e importados sem prévia autorização da Receita Federal.


O Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 03/07 da mídia digital (fl. 23 do apenso) confirmou tratarem-se de cigarros de procedência estrangeira, desprovidos de documentação comprobatória e sinais característicos de sua introdução regular no país, tais como selo de importação.


Após regular instrução criminal, o réu Osmir Antonio Rodrigues Moreira foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 334-A, §1º, IV, do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída a pena corporal por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da condenação, e uma de prestação pecuniária no valor de 01 salário mínimo vigente à data do fato.


Passo à matéria devolvida.


Em suas razões recursais, inicialmente a defesa alega a ilicitude da prova da materialidade do delito diante da ausência de mando de busca e apreensão nos autos, inviabilizando a apreensão do cigarros no domicilio do réu.


Sem razão.


A inviolabilidade do domicílio, inserta no artigo 5º, XI, da Constituição Federal, correlaciona-se com as garantias fundamentais da intimidade e privacidade, insculpidas no inciso X, do mesmo artigo e, ainda que não se revistam de caráter absoluto, constituem manifestações expressivas do direito da personalidade frente às intromissões de terceiros, mormente, de atos arbitrários por parte de qualquer órgão do Poder Público.


Há exceção à inviolabilidade do domicílio, em casos de flagrante delito ou desastre ou para prestar socorro, ou durante o dia, por determinação judicial, ou ainda com o consentimento do morador.


Conforme se extrai dos autos, a investigação para apurar os delitos imputados ao réu iniciou-se através de mandado de busca e apreensão determinado pelo Juízo de Jardinópolis/SP nos autos n. nº 0002737-61.2014.8.26.0300, devido suspeitas que no local havia receptação de mercadorias roubadas, conforme informações trazidas no boletim de ocorrência de fls. 07/09 da mídia digital, presente na fl. 23 do apenso. E através desta diligência é que se deu a descoberta fortuita do delito de contrabando imputado ao acusado.


Assim, ao réu manter em depósito mercadoria de caráter proibido no Brasil, restou configurada uma situação de flagrante de delito, sendo o crime de contrabando nesta modalidade delito permanente.


Ora, a expedição de mandado de busca e apreensão se mostra dispensável quando se trata de flagrante delito de crime permanente, como se deu no caso dos autos, ocasião em que não há ilicitude nas provas obtidas. Na hipótese vertente, os policiais constataram no momento da diligência o depósito de cigarros de importação proibida no interior da residência do acusado.


Portanto, diante da hipótese excepcional de flagrante delito (art. 5º, XI, da Constituição Federal), considero que a diligência realizada é lícita, assim como as provas dela derivadas.


Assim, afasto a pecha de ilicitude das provas constantes dos autos.

No mérito, a defesa alegou ausência de provas para a condenação do acusado, pugnando por sua absolvição.


Sem razão.


A materialidade delitiva restou demonstrada por meio dos seguintes elementos de prova: a) Boletim de Ocorrência (fls.09/12 da mídia digital juntada na fl. 23 do apenso); b) Auto de Apresentação e Apreensão (fls.13/17 da mídia digital de fl. 23); c) Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias contendo a descrição das mercadorias apreendidas e que a estimativa de tributos ilididos foi de R$ 3.640,00 (fls.03/07 da mídia digital de fl. 23); d) Representação Fiscal para fins penais (fls. 05/07 da mídia digital de fl. 23).


A autoria e o dolo são igualmente incontestes.


O acusado, em seu interrogatório judicial, negou a prática do delito imputado, afirmando que os cigarros estavam em sua casa, mas que não eram destinados à comercialização, que apenas estava guardando-os para um rapaz que havia pedido, porém não conhecia tal pessoa e não sabia declinar o nome. Afirmou ainda que tem um estabelecimento comercial, uma mercearia, e que lá só vende cigarros de procedência nacional (mídia de fl. 77).


Em juízo, na condição de testemunhas da acusação foram ouvidos Jean Roberto Boleta e Roberto de Souza, policiais militar e civil respectivamente, que, em síntese, afirmaram que em cumprimento a mandado de busca e apreensão originado de uma denúncia de receptação de mercadorias roubadas pelo sobrinho do acusado, eles se dirigiram a residência do réu, onde há uma mercearia acoplada, e no local encontraram diversos bens, como televisores e pneus, além dos cigarros de origem estrangeira. O policial Roberto ainda acrescentou que se recorda de ter apresentado o mandado de busca e e apreensão ao acusado (mídia de fl. 77).


Na condição de testemunha de defesa foi ouvido Valdecir Jerônimo Junior que afirmou que estava sentado na calçada tomando uma cerveja, quando os policiais apareceram no local; quando questionado pela defesa sobre o mandado de busca e apreensão, não soube informar se ocorreu sua apresentação. Disse ainda que sabe que existe venda de cigarros na mercearia, mas não sabe quais marcas são comercializadas (mídia de fl. 77).


Foram ouvidos ainda na qualidade de informantes devido serem amigos do réu, José Aparecido Rocha e Paulo Giovane Alves dos Santos. José e Paulo afirmaram apenas que estavam no local dos fatos quando houve a abordagem da polícia, mas não se recordavam muito de como essa se desenvolveu. Paulo Giovane apenas acrescentou que perguntou ao réu porque tinha cigarros na sua casa, e ele lhe disse que estava guardando para uma pessoa, mas não afirmou para quem (mídia de fl. 77).


Observa-se que não há que se desvalorizar o depoimento prestado por policiais haja vista que de acordo com jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça são válidos e revestidos de eficácia probatória os testemunhos prestados por policiais envolvidos com a ação investigativa, mormente quando em harmonia com as demais provas e confirmados em juízo, sob a garantia do contraditório (AGARESP 201302495730, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 27/03/2014).


Nota-se que, apesar de o acusado negar a prática do delito, tentando construir uma versão de que teria agido de boa-fé, sua versão acerca dos fatos mostra-se isolada e não foi confirmada no decorrer da instrução criminal, o que demonstra a total ausência de credibilidade.


Ora, o fato de ter sido apreendido na casa do acusado uma expressiva quantidade de maços de cigarro desacompanhado de qualquer documentação fiscal, demonstra que o réu praticou a conduta do contrabando consistente em manter em depósito mercadoria de procedência estrangeira, sem a devida autorização ou de introdução proibida no país.


É valioso lembrar que a modalidade deste crime de contrabando consistente em manter em depósito é de natureza permanente, o que faz com que o agente permaneça em estado de flagrância.


Não socorre ao réu a alegação de que os pacotes de cigarro eram de outra pessoa e que estava apenas guardando-os, pois não trouxe qualquer prova sobre o alegado com o fito de afastar a responsabilidade da conduta, e não basta a mera presunção genérica de que o réu agira sem dolo, é necessário que a defesa prove que o acusado foi levado em erro, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu.


Dessa forma, pelos elementos de provas carreados, é possível concluir que o réu possuía consciência sobre a prática delitiva.


Razão pela qual, a manutenção da condenação é medida que se impõe.


Subsidiariamente, o réu requer a desclassificação de sua conduta para descaminho, e que seja aplicado o princípio da insignificância.


Não lhe assiste razão.


A importação irregular de cigarros por pessoa não autorizada, com intuito comercial, via de regra, configura-se como contrabando, em razão dos preceitos constantes da Lei nº 9.532/97 e do Regulamento Aduaneiro.


No caso dos autos, além dos cigarros estarem desprovidos da documentação necessária, houve descumprimento das exigências legais, já que a importação dos cigarros foi realizada por pessoa física e, além de as mercadorias não possuírem registro na ANVISA, também se encontravam desprovidas dos selos obrigatórios exigidos pela Receita Federal, conforme o Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 13/17 da mídia digital de fl. 23) e Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias apreendidas contendo a descrição das mercadorias apreendidas (fls. 03/07 da mídia digital de fl. 23).


Portanto, o réu, ao praticar a conduta de manter em depósito maços de cigarros de origem estrangeira, clandestinamente introduzidos no País, praticou o delito de contrabando, descabida a desclassificação da sua conduta.


Quanto a aplicação do princípio da insignificância também conhecido como "princípio da bagatela" ou "infração bagatelar própria", nota-se que constitui uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material e que deve ser analisado em consonância com os primados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal.


O Supremo Tribunal Federal elencou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, sendo eles adotados pela jurisprudência do STF e do STJ: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. (HC 84.412-0/SP).


Em regra, registre-se o entendimento jurisprudencial no sentido de que a importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, fato que impediria a incidência do princípio da insignificância.


Tão somente seria o caso de aplicação de forma excepcional do referido princípio se a quantidade de cigarros apreendidos fosse de pequena monta, no entanto, no presente caso, foram encontrados com o acusado um total de 910 maços de cigarros, quantidade que extrapola, inclusive, o limite estabelecido pela Orientação nº 25/2016 da 2ª CCR, de 18/04/2016 que estabelece os seguintes parâmetros de aplicação do princípio da insignificância quanto ao crime de contrabando:


"Procede-se ao arquivamento de investigação referente ao contrabando de cigarros, quando a quantidade apreendida não superar 153 (cento e cinquenta e três) maços de cigarros , seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, ressalvada a reiteração da conduta".


Assim, no presente caso, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância.


Deste modo, comprovadas a materialidade e autoria delitivas, mantenho a condenação de Osmir Antonio Rodrigues Moreira como incurso nas penas do delito previsto no artigo 334-A, §1º, IV, do Código Penal.



No tocante à dosimetria penal, a defesa não se insurgiu contra os parâmetros estabelecidos na dosimetria da pena, de modo que fica mantida a íntegra da sentença recorrida.


Ante o exposto, nego provimento ao recurso da defesa, mantendo integralmente a sentença recorrida.


É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10061
Nº de Série do Certificado: 5EA8542F3E456DC1
Data e Hora: 23/01/2019 15:47:36