Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 18/12/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002086-55.2010.4.03.6116/SP
2010.61.16.002086-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP230009 PEDRO FURIAN ZORZETTO e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A) : JANICE APARECIDA GUERRA DO CARMO
ADVOGADO : SP114219 LEOCASSIA MEDEIROS DE SOUTO e outro(a)
No. ORIG. : 00020865520104036116 1 Vr ASSIS/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. REGRAS ANTERIORES À EC Nº 20/98. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. SENTENÇA ULTRA PETITA. REDUÇÃO AOS LIMITES DO PEDIDO. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. CARACTERIZAÇÃO. UTILIZAÇÃO DO INTERVALO. RECUO À DER 25/04/2000. IMPOSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO INEXISTENTE À ÉPOCA DA DER. BENEFÍCIO INDEVIDO. AVERBAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, E APELO DO INSS, PROVIDOS EM PARTE.
1 - A pretensão da parte autora cinge-se ao reconhecimento do período especial de 15/06/1979 a 30/04/1994, para fins de concessão do benefício "aposentadoria por tempo de serviço" requerido em 25/04/2000 (sob NB 116.189.281-5), afirmando que, antes mesmo de 16/12/1998, já contaria com tempo necessário à sua aposentação, pelas regras antecedentes ao advento da Emenda Constitucional nº 20/98.
2 - O INSS foi condenado a implantar "aposentadoria proporcional por tempo de serviço" em nome da parte autora, a partir da data do primeiro requerimento interposto (25/04/2000), recaindo atualização monetária sobre todo o montante devido. E não havendo como se apurar, nesta fase processual, com exatidão, o valor condenatório, considera-se a sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
3 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
4 - O magistrado a quo não se ativera aos termos do pedido inaugural, ao considerar como tempo especial o intervalo de 01/08/1977 a 05/03/1997 (quando o pedido do autor restringe-se a 15/06/1979 a 30/04/1994, como anteriormente explicitado), enfrentando tema que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.
5 - A sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou atividade insalubre desempenhada em lapso temporal não pleiteado na inicial, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).
6 - Reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo-se tempo de serviço no interregno não-indicado pelo autor como sendo de atividade excepcional.
7 - Um necessário delineamento cronológico, no que se refere às postulações previdenciárias da parte autora: 1) 25/04/2000: requerido o benefício de "aposentadoria por tempo de contribuição", em âmbito administrativo, tendo sido deferido sob NB 116.189.281-5, sob o cômputo de 25 anos, 08 meses e 04 dias de labor; 2) 07/10/2002: suspensos os pagamentos da benesse supra referida, sob suspeita de irregularidades na concessão (relacionadas ao conjunto documental apresentado), as quais restaram posteriormente comprovadas; 3) 08/05/2003: formulado novo requerimento administrativo pela parte autora (sob NB 129.445.213-1), restando indeferido por falta do tempo de serviço necessário; 4) 13/08/2007: ingresso de novo pedido administrativo (sob NB 141.280.477-6), novamente rejeitado pela autarquia, pelo mesmo argumento mencionado logo acima; 5) 20/03/2008: último pleito formulado frente aos balcões da Previdência, tendo sido, então, deferido, concedendo-se à autora "aposentadoria por tempo de contribuição" (sob NB 143.480.161-3). E é a respeito daquele primeiro requerimento que, essencialmente, versam os autos: litiga a parte autora pelo revolvimento da concessão sob a rubrica NB 116.189.281-5.
8 - Oportuno destacar que as cópias dos procedimentos administrativos (de cada pedido de benefício) encontram-se acostadas nos autos, como segue: - NB 116.189.281-5: fls. (com "resumo de cálculo de tempo de serviço"); - NB 129.445.213-1: fls. (com "resumo de cálculo de tempo de serviço"); - NB 141.280.477-6: fls. (com "resumo de cálculo de tempo de serviço"); - NB 143.480.161-3: fls. (com "resumo de cálculo de tempo de serviço").
9 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
16 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,20, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
17 - Uma necessária digressão: conquanto o vínculo empregatício da autora (junto à empresa Fepasa - Ferrovia Paulista S.A, incorporada pela RFFSA - Rede Ferroviária Federal S.A.) tenha perdurado de 01/08/1977 até 22/06/1998 (consoante CTPS), seu interesse, nesta demanda, recai sobre o reconhecimento da especialidade laboral apenas quanto ao interregno de 15/06/1979 a 30/04/1994.
18 - Algumas das laudas trazidas a estes autos comprovam que, em momento pretérito, pairaram dúvidas no tocante à documentação apresentada para o INSS, em nome da parte autora - culminando, inclusive, com a reprovabilidade administrativa de certos documentos (os quais, de "resquícios", passaram a configurar "fraude constatada").
19 - Não é despiciendo esclarecer que medidas foram adotadas pelo ente previdenciário, que, acauteladamente, submeteu várias peças documentais aos reputados subscritores, a fim de que sua procedência (das peças) pudesse ser confirmada. E tais peças, já, então gozando de credibilidade nesta demanda, têm reconhecido seu valor probante.
20 - Em específico, acerca do lapso de 15/06/1979 a 30/04/1994, encontram-se nos autos formulário DSS-8030 e laudo técnico - cuja autenticidade foi atestada pela empresa emitente, por meio de ofícios enviados ao INSS, em resposta a questionamentos formulados pela autarquia. Colhem-se, destes documentos, dados relativos à prestação laboral da autora na condição de auxiliar administrativo, sob exposição a ruído de 84 dB (A).
21 - E se o intervalo passa, doravante, a ser reconhecido como especial, certo é o seu aproveitamento na recontagem laborativa da parte autora, valendo ressaltar que o histórico de trabalho já adotado pelo INSS, em seus cálculos administrativos (consoante tabelas alhures referidas), mantém-se inalterado, incluindo-se: a) os recolhimentos vertidos na condição de "contribuinte individual"; b) o trabalho exercido em regime estatutário, contido na "CTC - Certidão de Tempo de Contribuição" expedida pela "Prefeitura Municipal de Assis"; e c) os contratos empregatícios passíveis de conferência junto ao CNIS.
22 - Um ponto adverso a ser considerado: não obstante o intervalo em alusão - de 15/06/1979 a 30/04/1994 - conte com sua especialidade declarada, por certo que sua utilização não poderá recuar a 25/04/2000.
23 - Os documentos que respaldam o reconhecimento da especialidade laborativa (vale repetir, os formulário DSS-8030 e laudo técnico) datam de 20/11/2002, ou seja, foram expedidos após 25/04/2000 (data do requerimento administrativo inaugural), sendo que, além de não integrarem o primeiro procedimento administrativo de benefício, também não compuseram os pedidos de benefício que se sucederam administrativamente, conforme se depreende dos róis de documentos constantes dos "resumos de cálculo" realizados pelo INSS, enfatizando-se aqui a praxe da autarquia previdenciária que, a cada requisição de benefício com que se depara, elenca cuidadosamente o tipo de documentação apresentada pelo segurado.
24 - Diga-se não ser possível retroagir-se o intervalo especial em uso, àquela data pretendida pela autora, qual seja, 25/04/2000 (do primevo requerimento).
25 - O pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 15/06/1979 a 30/04/1994, considerado improcedente o pedido formulado pela parte demandante, de concessão de "aposentadoria por tempo de serviço" a partir de 25/04/2000.
26 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários advocatícios e em custas processuais.
27 - Sentença ultra petita reduzida aos limites do pedido.
28 - Remessa necessária, tida por interposta, provida em parte, assim como a apelação do INSS.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido, assim como dar parcial provimento à apelação do INSS para, mantendo o reconhecimento da especialidade laboral quanto ao intervalo de 15/06/1979 a 30/04/1994, a ser averbado pela Autarquia Previdenciária, julgar improcedente o pedido de concessão de "aposentadoria por tempo de serviço" desde 25/04/2000, alfim decretando a sucumbência recíproca, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 10 de dezembro de 2018.
CARLOS DELGADO


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Data e Hora: 11/12/2018 19:11:35



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002086-55.2010.4.03.6116/SP
2010.61.16.002086-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : SP230009 PEDRO FURIAN ZORZETTO e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A) : JANICE APARECIDA GUERRA DO CARMO
ADVOGADO : SP114219 LEOCASSIA MEDEIROS DE SOUTO e outro(a)
No. ORIG. : 00020865520104036116 1 Vr ASSIS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação previdenciária ajuizada por JANICE APARECIDA GUERRA DO CARMO, objetivando o reconhecimento de período laborativo especial, com vistas ao deferimento de "aposentadoria por tempo de serviço" a partir de 25/04/2000.


A r. sentença (fls. 358/371, com tabelas em fls. 377/378) julgou parcialmente procedente o pedido, reconhecendo labor especial no intervalo de 01/08/1977 a 05/03/1997 (a ser convertido para tempo de serviço comum, com utilização de fator equivalente a 1,20), assim reconhecendo o direito da parte autora à "aposentadoria proporcional por tempo de serviço", em percentual de 70% sobre o salário-de-benefício, pelas regras anteriores à Emenda Constitucional nº 20/98, desde 25/04/2000 (data do primeiro requerimento administrativo). Determinou-se a compensação de valores atrasados com valores recebidos administrativamente, incidindo correção monetária sobre o valor vencido, e respeitada, in casu, a prescrição quinquenal. O julgado referiu à isenção da autarquia quanto às custas processuais, em virtude da gratuidade do autor (fl. 213vº), no entanto, condenou-a no pagamento de verba honorária no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor apurado até a prolação, conforme Súmula 111 do C. STJ. Por fim, consignou-se a possibilidade de a parte autora optar pela execução dos valores decorrentes deste processo, diante da existência de outro benefício, concedido pelo INSS, em sede administrativa (NB 143.480.161-3).


Irresignado, apelou o INSS (fls. 384/386), de início defendendo o recebimento do recurso no duplo efeito, requerendo, na sequência, a reforma completa do julgado, isso porque a atividade insalubre não teria sido comprovada, na medida em que os autos não conteriam documentos a lastrear a especialidade desde 01/08/1977 até 05/03/1997, referindo-se (os documentos) a, apenas, 15/06/1979 a 30/04/1994. Noutra hipótese, se diverso deste o entendimento, requer a fixação do termo inicial na data da citação, porquanto a documentação relativa à especialidade (fls. 39/40) não teria sido apresentada à época do requerimento de origem (em 25/04/2000), até porque produzida depois, em 20/11/2002.


Devidamente processado o recurso, com o oferecimento de contrarrazões pela parte autora (fls. 390/393), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.


É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Enfatizo que a propositura da demanda dera-se em 06/12/2010 (fl. 02), com a posterior citação da autarquia em 14/03/2011 (fl. 342vº) e a prolação da r. sentença aos 18/05/2012 (fl. 371), sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973.


Extrai-se, da peça vestibular, que a pretensão da parte autora cinge-se ao reconhecimento do período especial de 15/06/1979 a 30/04/1994, para fins de concessão do benefício "aposentadoria por tempo de serviço" requerido em 25/04/2000 (sob NB 116.189.281-5), afirmando que, antes mesmo de 16/12/1998, já contaria com tempo necessário à sua aposentação, pelas regras antecedentes ao advento da Emenda Constitucional nº 20/98.


Da remessa necessária tida por interposta.


De acordo com o artigo 475, § 2º, do CPC/73:


"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente."

No caso, o INSS foi condenado a implantar "aposentadoria proporcional por tempo de serviço" em nome da parte autora, a partir da data do primeiro requerimento interposto (25/04/2000), recaindo atualização monetária sobre todo o montante devido.


E não havendo como se apurar, nesta fase processual, com exatidão, o valor condenatório, considera-se a sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.


Da sentença ultra petita.


Ressalte-se que, fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.


Todavia, verifica-se que o magistrado a quo não se ativera aos termos do pedido inaugural, ao considerar como tempo especial o intervalo de 01/08/1977 a 05/03/1997 (quando o pedido do autor restringe-se a 15/06/1979 a 30/04/1994, como anteriormente explicitado), enfrentando tema que não integrou a pretensão efetivamente manifesta.


Logo, a sentença, neste aspecto, é ultra petita, eis que considerou atividade insalubre desempenhada em lapso temporal não pleiteado na inicial, extrapolando os limites do pedido, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do CPC/73 (atual art. 492 do CPC/2015).


Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo, agressão ao princípio da imparcialidade, porquanto concede algo não pedido, e do contraditório, na medida em que impede a parte contrária de exercer integralmente seu direito de defesa.


Dessa forma, é de ser reduzida a sentença aos limites do pedido inicial, excluindo-se tempo de serviço no interregno não-indicado pelo autor como sendo de atividade excepcional.


Do efeito suspensivo.


Quanto ao pedido introdutório do INSS - de atribuição de efeito suspensivo a seu recurso - cumpre destacar que não houve deferimento de antecipação dos efeitos da tutela, no bojo da r. sentença.


Prossegue-se.


Da questão de fundo.


Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.


De partida, um necessário delineamento cronológico, no que se refere às postulações previdenciárias da parte autora:


1) 25/04/2000: requerido o benefício de "aposentadoria por tempo de contribuição", em âmbito administrativo, tendo sido deferido sob NB 116.189.281-5, sob o cômputo de 25 anos, 08 meses e 04 dias de labor (fls. 26/27 e 120);

2) 07/10/2002: suspensos os pagamentos da benesse supra referida (fl. 143), sob suspeita de irregularidades na concessão (relacionadas ao conjunto documental apresentado), as quais restaram posteriormente comprovadas;

3) 08/05/2003: formulado novo requerimento administrativo pela parte autora (sob NB 129.445.213-1), restando indeferido por falta do tempo de serviço necessário (fl. 42);

4) 13/08/2007: ingresso de novo pedido administrativo (sob NB 141.280.477-6), novamente rejeitado pela autarquia, pelo mesmo argumento mencionado logo acima;

5) 20/03/2008: último pleito formulado frente aos balcões da Previdência, tendo sido, então, deferido, concedendo-se à autora "aposentadoria por tempo de contribuição" (sob NB 143.480.161-3, fl. 35).


E é a respeito daquele primeiro requerimento que, essencialmente, versam os autos: litiga a parte autora pelo revolvimento da concessão sob a rubrica NB 116.189.281-5.


Oportuno destacar que as cópias dos procedimentos administrativos (de cada pedido de benefício) encontram-se acostadas nos autos, como segue:


- NB 116.189.281-5: fls. 86/210 (com "resumo de cálculo de tempo de serviço" em fls. 108/110 e 112/115);

- NB 129.445.213-1: fls. 218/254 (com "resumo de cálculo de tempo de serviço" em fls. 185/187, 219/221 e 269/271);

- NB 141.280.477-6: fls. 256/297 (com "resumo de cálculo de tempo de serviço" em fls. 290/293);

- NB 143.480.161-3: fls. 299/322 (com "resumo de cálculo de tempo de serviço" em fls. 306/311).


Do labor especial.


Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial, e em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial (STJ, AgRg no REsp 493.458/RS e REsp 491.338/RS; Súmula nº 13 TR-JEF-3ªR; artigo 70, § 1º, Decreto nº 3.048/1999).


Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.


O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.


O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.


De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.


A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.


Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.


Assim, temos o seguinte quadro:


Período Trabalhado Enquadramento Limites de Tolerância
Até 05/03/1997 Anexo do Decreto nº 53.831/64. 2. Decretos nºs 357/91 e 611/92 80 dB
De 06/03/1997 a 18/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, redação original 90 dB
A partir de 19/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração do Decreto nº 4.882/03 85 dB

Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.


Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).


Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:


"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria"
(STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29, de 11.02.2015, public. 12.02.2015)"

Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.


Acresça-se, ainda, ser possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.


Observa-se que o fator de conversão a ser aplicado é o 1,20, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça, in verbis:


PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS PARA COMUM. FATOR DE CONVERSÃO. INCIDÊNCIA DO DECRETO N. 4.827/2003, QUE ALTEROU O ART. 70 DO DECRETO N. 3.048/1999. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp.1.151.363/MG, representativo da controvérsia, realizado em 23.3.2011 e de relatoria do douto Ministro JORGE MUSSI, firmou o entendimento de que, de acordo com a alteração dada pelo Decreto 4.827/2003 ao Decreto 3.048/99, a conversão dos períodos de tempo especial desenvolvidos em qualquer época será realizada de acordo com as novas regras da tabela definida no artigo 70 que, para o tempo de serviço especial correspondente a 25 anos, utiliza como fator de conversão, para homens, o multiplicador 1,40". (AgRg no REsp n.
1.080.255/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 15.04.2011) 2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1172563/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 01/07/2011)

Do caso sub judice.


Uma necessária digressão: conquanto o vínculo empregatício da autora (junto à empresa Fepasa - Ferrovia Paulista S.A, incorporada pela RFFSA - Rede Ferroviária Federal S.A.) tenha perdurado de 01/08/1977 até 22/06/1998 (consoante CTPS, fls. 45/69), seu interesse, nesta demanda, recai sobre o reconhecimento da especialidade laboral apenas quanto ao interregno de 15/06/1979 a 30/04/1994.


Impõe-se, cá, outro acréscimo: algumas das laudas trazidas a estes autos comprovam que, em momento pretérito, pairaram dúvidas no tocante à documentação apresentada para o INSS, em nome da parte autora - culminando, inclusive, com a reprovabilidade administrativa de certos documentos (visíveis em fls. 95/99 - os quais, de "resquícios", passaram a configurar "fraude constatada", conforme fls. 124/135).


Então, não é despiciendo esclarecer que medidas foram adotadas pelo ente previdenciário, que, acauteladamente, submeteu várias peças documentais aos reputados subscritores, a fim de que sua procedência (das peças) pudesse ser confirmada.


E tais peças, já, então gozando de credibilidade nesta demanda, têm reconhecido seu valor probante.


Em específico, acerca do lapso de 15/06/1979 a 30/04/1994, encontram-se nos autos formulário DSS-8030 e laudo técnico (fls. 39/40, 182/183 e 259/260) - cuja autenticidade foi atestada pela empresa emitente, por meio de ofícios enviados ao INSS (fls. 195 e 264), em resposta a questionamentos formulados pela autarquia (fls. 189 e 193). Colhem-se, destes documentos, dados relativos à prestação laboral da autora na condição de auxiliar administrativo, sob exposição a ruído de 84 dB (A).


E se o intervalo passa, doravante, a ser reconhecido como especial, certo é o seu aproveitamento na recontagem laborativa da parte autora, valendo ressaltar que o histórico de trabalho já adotado pelo INSS, em seus cálculos administrativos (consoante tabelas alhures referidas), mantém-se inalterado, incluindo-se: a) os recolhimentos vertidos na condição de "contribuinte individual" (fls. 332/333, 339/340 e 350/352); b) o trabalho exercido em regime estatutário, contido na "CTC - Certidão de Tempo de Contribuição" expedida pela "Prefeitura Municipal de Assis" (fl. 184); e c) os contratos empregatícios passíveis de conferência junto ao CNIS (fls. 32/33, 247, 328, 335, 350 e 372).


Há, no entanto, um ponto adverso a ser considerado: não obstante o intervalo em alusão - de 15/06/1979 a 30/04/1994 - conte com sua especialidade declarada, por certo que sua utilização não poderá recuar a 25/04/2000, como pretende a autora.


Explica-se.


Os documentos que respaldam o reconhecimento da especialidade laborativa (vale repetir, os formulário DSS-8030 e laudo técnico de fls. 39/40) datam de 20/11/2002, ou seja, foram expedidos após 25/04/2000 (data do requerimento administrativo inaugural), sendo que, além de não integrarem o primeiro procedimento administrativo de benefício, também não compuseram os pedidos de benefício que se sucederam administrativamente, conforme se depreende dos róis de documentos constantes dos "resumos de cálculo" realizados pelo INSS (fls. 108/110, 112/115, 185/187, 219/221, 269/271, 290/293 e 306/311), enfatizando-se aqui a praxe da autarquia previdenciária que, a cada requisição de benefício com que se depara, elenca cuidadosamente o tipo de documentação apresentada pelo segurado.


Com tais considerações, diga-se não ser possível retroagir-se o intervalo especial em uso, àquela data pretendida pela autora, qual seja, 25/04/2000 (do primevo requerimento).


Por sua vez, o pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 15/06/1979 a 30/04/1994, considerado improcedente o pedido formulado pela parte demandante, de concessão de "aposentadoria por tempo de serviço" a partir de 25/04/2000.


Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários advocatícios e em custas processuais.


Ante o exposto, dou parcial provimento à remessa necessária, tida por interposta, para restringir a r. sentença de 1º grau, ultra petita, aos limites do pedido, assim como dou parcial provimento à apelação do INSS para, mantendo o reconhecimento da especialidade laboral quanto ao intervalo de 15/06/1979 a 30/04/1994, a ser averbado pela Autarquia Previdenciária, julgar improcedente o pedido de concessão de "aposentadoria por tempo de serviço" desde 25/04/2000, alfim decretando a sucumbência recíproca, na forma da fundamentação.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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