D.E. Publicado em 11/09/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer em parte do agravo de instrumento e, na parte conhecida, dar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO COMPLEMENTAR
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):
Em sessão de julgamento realizada em 06/06/2019, após a sustentação oral do Sr. Procurador da União Federal, a Sexta Turma, por unanimidade, acolheu a sugestão do Desembargador Federal Johonsom Di Salvo, e converteu o julgamento em diligência para manifestação das partes acerca das implicações no presente recurso da Lei 13.840/2019, publicada em 06/06/2019, que disciplina a matéria tratada na Resolução CONAD nº 01/2015.
A manifestação da União Federal (fls. 661/678) se baseia na Nota Técnica da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça e Segurança Pública e nas Informações da Consultoria Jurídica do Ministério da Cidadania.
De acordo com tais subsídios, que foram reproduzidos na íntegra, consignou-se que a Resolução CONAD nº 01/2015 se encontra compatível com o disposto na Lei nº 13.840/2019 e que inexiste qualquer contrariedade entre os diplomas normativos, uma vez que as comunidades terapêuticas, na forma como disciplinadas na citada Lei e na Resolução; que não constituem serviço de saúde ou de internação fora do SUS e do SUAS, como alegado na inicial da ação civil pública originária; que o objetivo almejado pelo agravado foi alcançado, na medida em que o trabalho relativo à prevenção e à recuperação de usuários de uso abusivo de substâncias psicoativas foi afastado do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passou a ser tratado no âmbito do Ministério da Cidadania, com os postulados acolhedores e protetivos visados pelo Ministério Público Federal, requerendo, assim, o provimento do presente agravo.
O Ministério Público Federal se manifestou no sentido de que a interpretação dos arts. 23-A e 26-A, introduzidos na Lei nº 11.343/06 pela Lei nº 13.840/19, demonstra que o tratamento dos usuários e dependentes de drogas é uma atividade de saúde e, portanto, não deve ficar fora do âmbito do SUS, de modo que não há como excluir as comunidades terapêuticas do conjunto de ações do referido sistema de saúde; que o §5º, do art. 26-A, que previa que "as comunidades terapêuticas acolhedoras não se caracterizam como equipamentos de saúde", foi vetado sob o argumento de que "a caracterização como equipamento de saúde é matéria tratada em norma específica", indicando que o legislador está em sintonia com a interpretação que o MPF confere, nesta ação, à Constituição Federal e à legislação de regência da matéria; que reitera o pedido formulado na petição de fls. 648/650 para que seja revista a decisão de fls. 340, na parte em que suspendeu o trâmite da ação originária, bem como o julgamento do presente recurso e o seu desprovimento (fls. 680/682).
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
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RELATÓRIO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):
Trata-se de agravo de instrumento contra a r. decisão que, em sede de ação civil pública, deferiu o pedido de tutela de urgência pleiteado pelo Ministério Público Federal para que a União Federal, por meio do Conselho Nacional de Política sobre Drogas - CONAD, vinculada ao Ministério da Justiça, se abstenha de praticar [sic], no prazo 15 (quinze) dias, a Resolução CONAD nº 01, de 19 de Agosto de 2015, deixando, por ora, de fixar a cominação de multa ou pena de desobediência por descumprimento (fls. 154/156vº).
Pretende a agravante a reforma da r. decisão agravada, alegando, em síntese, que a Resolução CONAD nº 01/2015 não viola a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), pois tais normas, ainda que tratem de modalidades distintas de oferta de cuidados, garantem os mesmos direitos aos sujeitos a quem a norma buscou proteger , ressaltando-se que a natureza intersetorial das políticas sobre drogas pode suscitar aparente conflitos de normas; que referida resolução aprovada pelo CONAD (Conselho Nacional Antidrogas) foi resultante de diversas reuniões do Grupo de Trabalho criado para discutir a proposta de regulamentação das comunidades terapêuticas (CT's), bem como foi submetida a duas audiências públicas, com observância da legislação de regência e dentro de sua competência administrativa/funcional. [Grifos originais]
Sustenta que as comunidades terapêuticas (CT's) não integram o Sistema Único de Saúde (SUS) e nem o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), mas são equipamentos da rede suplementar de atenção, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas, de modo que referidas entidades integram o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, por força do disposto no 2º, inciso IV, do Decreto nº 5.912/2006.
Aduz que não há conflito entre a citada Resolução e outras regulamentações, tais como a Resolução RDC ANVISA nº 29 e a Portaria MS nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, uma vez que possuem objetivos distintos, sendo que a Resolução da ANVISA trata dos requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestam serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas; e a Resolução do CONAD objetiva efetivar regulamento mais amplo das entidades, inclusive encampando diversas regras já estabelecidas pela ANVISA e para as entidades que não sejam financiadas pelo SUS; que o serviço prestado pelas comunidades terapêuticas deve ser definido como acolhimento residencial transitório e não como internação (prática própria de serviço de saúde), sendo que a internação em tais comunidades é vedada pela Lei nº 10.216/2001.
Salienta que a Resolução questionada não pretende alterar regras aplicáveis ao SUS, tampouco regulamentar equipamentos de saúde ou serviços de atenção que sejam financiados pelo Sistema Único de Saúde; que seus dispositivos permanecem restritos ao âmbito do SISNAD, aplicando-se somente àquelas entidades que não ofereçam serviços de saúde; que a Resolução RDC ANVISA nº 29 já estabelece as diferenças entre as comunidades terapêuticas e as instituições que oferecem serviços assistenciais de saúde; que a suspensão da Resolução CONAD pode trazer sérias consequências, na medida em que as CT's passariam a ser reguladas apenas com relação aos requisitos sanitários.
Expõe que desde a instituição do Programa "Crack, É Possível Vencer", pactuado entre o Governo Federal e todas as instâncias que lidam com a questão das drogas, foi estabelecida meta de financiamento de 10.000 (dez mil) vagas de acolhimento em CT's, cuja execução ficou sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça; que os valores repassados às CT's são muito inferiores aos valores necessários para a ampliação das "Rede de Atenção Psicossocial - RAPS" do Sistema Único de Saúde - SUS.
Sustenta que a Resolução em exame traz progressos na regulamentação dos serviços prestados pelas comunidades terapêuticas, pois, além de contemplar todas as exigências da Resolução ANVISA, avança para a regulamentação de um Plano de Atendimento Singular (PAS), que é o instrumento que especifica e monitora as ações individuais e que deve conter todas as informações a respeito do acolhido; que a edição de mencionada Resolução CONAD foi realizada em observância da legislação de regência.
Afirma que a tutela provisória deferida acaba por adentrar no poder discricionário da administração pública, especialmente no que tange a oportunidade e conveniência; que ausentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência ou de evidência; e que não há risco de irreversibilidade da medida.
Requer a concessão do efeito suspensivo ao agravo, uma vez que a prevalência do interesse público respalda a não aplicação de multa pecuniária à Fazenda Pública, pois o interesse público materializa-se na forma de políticas públicas e, ao final requer o conhecimento do presente recurso, e o deferimento do efeito suspensivo, com a IMEDIATA SUSPENSÃO DOS EFEITOS da decisão agravada (fl. 13vº).
Com contraminuta.
O Ministério Público Federal opinou, na qualidade de custos legis, pelo não provimento do feito.
A fls. 648/650, peticionou o Ministério Público Federal, informando que a União retira recursos do orçamento da Saúde (SUS) para alocar ao programa das Comunidades Terapêuticas. Requer seja negado provimento ao recurso. Subsidiariamente, requer seja determinada a suspensão de qualquer destinação de recursos do SUS para o financiamento de serviços das instituições credenciadas com fundamento na Resolução CONAD n. 1/2015.
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 06/09/2019 16:44:52 |
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VOTO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):
No caso vertente, a ação civil pública foi ajuizada pelo ora agravado em face do agravante em 06/07/2016 (Autos nº 0014992-18.2016.403.61.00), objetivando a declaração de nulidade da Resolução CONAD 1/2015, com pedido de tutela provisória de evidência, a fim de que a ré determinando que a ré, no prazo máximo de 15(quinze) dias, por meio do Conselho Nacional de Política sobre Drogas - CONAD, vinculada ao Ministério da Justiça, se abstenha de aplicar a Resolução CONAD nº 01, de 19 de agosto de 2015, sob pena de aplicação de multa diária em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), para o caso de a ré não cumprir o determinado na tutela antecipada, e, caso não entenda configurada a tutela de evidência, a concessão da tutela de urgência para impedir, desde já, que a ré, através da Resolução CONAD nº 01/2015, continue a exceder poderes, extrapolando os limites de sua competência regulamentar, pleiteando a concessão da tutela antecipada nos seguintes termos: (...) b) a concessão liminar de tutela de evidência e/ou urgência, nos termos anteriormente expostos, com fixação de multa diária para o caso de descumprimento da sentença proferida, em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos acima argumentados; c) ao final, requer seja julgado procedente o pedido da presente ação, para o fim de condenar a ré, com a declaração de nulidade da Resolução CONAD nº 01, de 19 de agosto de 2015 ou, subsidiariamente, à condenação à obrigação de não fazer, consubstanciada na abstenção de aplicar, no prazo máximo de 15(quinze) dias, a Resolução CONAD nº 01, de 19 de agosto de 2015, sob pena de cominação de multa diária em valor a ser estipulado por Vossa Excelência, mas não inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), sem prejuízo da responsabilização do agente público por improbidade administrativa e por crime de desobediência; d) requer, ainda, a condenação da União para que, por meio da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), destine os recurso destacados do orçamento do Ministério da Justiça para a política de atenção à saúde para o álcool e outras drogas (art. 23, incisos Ia IV do Anexo I do Decreto nº 8.668/2016), apenas para entidades que cumpram a Resolução RDC ANVISA nº 29, bem como a Portaria do Ministério da Saúde nº 131, de 26 de janeiro de 2012, e/ou para equipamentos previstos na política nacional de saúde mental, do Ministério da Saúde; (...)
O autor, Ministério Público Federal, fundamenta seu pleito nos seguintes pontos: 1) ausência de competência do Ministério da Justiça para a edição da Resolução CONAD nº 01/2015, sendo do Ministério da Saúde a competência para tratar de matéria relativa às comunidades terapêuticas; 2) que, tratando-se de questão de saúde pública, a regulamentação para o tratamento dos dependentes de drogas cabe ao Ministério da Saúde, que inclusive já editou a Resolução RDC ANVISA nº 29/2011; 3) que as CT's, como equipamento de saúde, devem atender ao regime jurídico do SUS (Sistema Único de Saúde) e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), por meio dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD); 4) que a desvinculação das comunidades terapêuticas do regime do SUS e do SUAS fere o princípio da dignidade humana; 5) que, ainda que se leve em conta que as CT's se consideram "instituições de acolhimento", tal fato, por si só, não atrai a competência do CONAD para regulamentá-las; 6) que, considerando que o uso abusivo de substâncias psicoativas pode ocasionar transtornos mentais, houve uma mudança acerca do tratamento dos transtornos psiquiátricos com o advento da Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica), com a substituição do tratamento asilar, centrado na internação e isolamento, por um modelo extra-hospitalar, direcionado à recuperação da higidez mental dos usuários do serviço de saúde mental e a reinserção de tais pessoas no seio da família e da comunidade; 7) que o enquadramento das CT's como equipamento de saúde possibilita maior controle das vagas financiadas pelo SUS.
Diverge ainda o órgão ministerial quanto ao financiamento público das CT's, posto que, se não são enquadradas como equipamento de saúde, os recursos relativos ao tratamento de dependência de substâncias psicoativas deveriam ser destinados ao SUS.
O d. magistrada de primeira instância, Juíza Federal Rosana Ferri, concedeu a tutela de urgência nos autos originários para que a União Federal, por meio do Conselho Nacional de Política sobre Drogas - CONAD, vinculada ao Ministério da Justiça, se abstenha de praticar [sic], no prazo 15 (quinze) dias, a Resolução CONAD nº 01, de 19 de Agosto de 2015, com fundamento no disposto na Lei nº 11.343/2006, deixando, por ora, de fixar "a cominação de multa ou pena de desobediência por descumprimento".
Segue excerto da decisão agravada, com a fundamentação que a alicerçou:
Em despacho de 27/02/2018, determinei a suspensão da eficácia da decisão agravada, tendo sido designadas e realizadas 3 (três) audiências públicas.
Em demandas judiciais complexas, como a do caso vertente, em que as decisões proferidas têm impactos relevantes na sociedade ou em setores específicos dela, esta Relatora tem adotado a prática de realizar audiências públicas, com ampla participação, discussão e deliberação em conjunto das partes e demais atores públicos e privados envolvidos.
A finalidade das audiências é proporcionar conhecimentos jurídicos e técnicos especializados sobre temas que demandam, muitas vezes, saberes inter e transdisciplinares, contribuindo não apenas para a solução mais madura da lide posta em juízo, mas também para o aperfeiçoamento da política pública abrangendo questões nela não incluídas. As discussões e deliberações em conjunto, iniciadas nas audiências, têm desdobramentos e continuidade fora do processo.
Diferentemente do entendimento do órgão ministerial, relevantes subsídios e resultados advieram das audiências públicas, que contaram com a participação não apenas das partes, mas de representantes dos Ministérios envolvidos, respectivas consultorias jurídicas, entidades representativas das comunidades terapêuticas, dos sindicados interessados, entre outros.
Tais audiências serviram para: 1) se conhecer o modelo psicossocial de comunidade terapêutica retratado e disciplinado na Resolução CONAD 01/2015, avaliando-se as vantagens do acolhimento em regime de residência transitória nessas entidades e os resultados obtidos, no tocante à atenção, recuperação e reinserção social de dependentes de substâncias psicoativas; 2) se reconhecer, nos serviços por elas prestados, a intersetorialidade e a interdisciplinaridade, com reflexos na competência normativa e fiscalizatória, a ser exercida de forma compartilhada e integrada entre Ministérios, secretarias e setores de áreas afins; 3) alertar para a existência de entidades que se denominam "comunidades terapêuticas" sem atender o perfil peculiar desenhado na Resolução CONAD 01/2015, e para a necessidade de institucionalização de um sistema adequado de controle e fiscalização das comunidades terapêuticas, diante de irregularidades no funcionamento e violação de direitos humanos noticiadas.
Estudos, documentos e depoimentos colacionados aos autos igualmente possibilitaram uma melhor compreensão das genuínas comunidades terapêuticas (CT's), a importância de se manter, no marco regulatório e nas regulamentações complementares, as características essenciais dessas comunidades, sem desfigurá-las.
1. PRELIMINARMENTE
A propositura da Ação Civil Pública causa espécie, pois a Resolução CONAD nº 01/2015 foi fruto de discussões e deliberações em amplo processo participativo de consulta pública ao então projeto de Resolução, do qual fez parte o Ministério Público Federal, pretendendo sejam reapreciadas pelo Poder Judiciário teses superadas e não aprovadas na fase da consulta pública.
Percebe-se a resistência do órgão ministerial, através da Procuradoria dos Direitos do Cidadão, e desde o período da consulta pública, em vislumbrar o aspecto positivo e a contribuição que as verdadeiras comunidades terapêuticas, desenvolvidas dentro do modelo psicossocial, podem oferecer no âmbito da PNAD.
A visão patológica dessas comunidades, que o Ministério Público Federal sistematicamente deixa transparecer nas suas manifestações e na prova carreada aos autos, deve ser atribuída às denúncias de irregularidades no funcionamento e violação de direitos humanos, conforme Relatório de Inspeção divulgado pela Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos (http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/relatorio-da-inspecao-nacional-em-comunidades-terapeuticas-2017), objeto de matéria no jornal O Globo (https://glo.bo/2t4WARO).
Tais violações efetivamente podem ocorrer nas entidades que se denominam "comunidades terapêuticas", sem que se amoldem ao modelo psicossocial adotado pelos marcos normativos mencionados, e que proliferaram a partir da destinação de recursos orçamentários do Ministério da Saúde entre outros.
É louvável, e se insere no âmbito de suas relevantes atribuições constitucionais, o empenho do órgão ministerial na defesa da legalidade, constituindo-se em agente fundamental na construção do Estado Democrático de Direito brasileiro, que tem os propósitos mais alvissareiros estampados no Preâmbulo da Carta Cidadã: assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Não se questiona os bons propósitos do Ministério Público Federal com o ajuizamento da ação civil pública no caso vertente, todavia a judicialização constitui incabível e indevida ingerência do Poder Judiciário na discricionariedade do Executivo Federal de, no caso, instituir o avançado modelo da Política Nacional sobre Drogas (PNAD), baseado na interdisciplinaridade e intersetorialidade, da qual constituem importantes instrumentos as genuínas comunidades terapêuticas, cujo perfil peculiar é desenhado na Resolução CONAD nº 01/2015 e incorporado no novo marco legal (art. 26-A da Lei nº 11.343/2006, introduzido pela Lei nº 13.840/2019).
Ademais, tem reflexos relevantes no julgamento do presente agravo e da própria ação civil pública subjacente, a superveniência do marco legal das Comunidades Terapêuticas (arts. 26-A da Lei nº 11.343/2006, entre outros, introduzido pela Lei nº 13.840, de 06/06/2019), precedida da reestruturação administrativa levada a efeito pela MP nº 870, de 01/01/2019, atual Lei nº 13.844, de 18/06/2019, e da expedição, pelo Senhor Ministro da Cidadania, das Portarias nº 562 e 563, de 19/03/2019.
2. Do direito de acesso universal, equitativo e integral à saúde (CF, art. 196). Integralidade e intersetorialidade.
Inicia-se pela elogiada e avançada configuração constitucional e legal do direito de acesso à saúde entre nós.
O direito à saúde passou a ser assegurado constitucionalmente no Brasil em 1988, nos seguintes termos:
Além da universalidade e da igualdade e equidade, a integralidade é pensada na lógica do acesso e na articulação de todas as ações e níveis de atenção à saúde.
Para análise do direito fundamental à saúde e do princípio da integralidade, recorre-se à pesquisa e sistematização feita pelos autores Brito-Silva, Bezerra e Tanaka, no artigo Direito à saúde e integralidade: uma discussão sobre os desafios e caminhos para sua efetivação (Interface Online - http://ref.scielo.org/rnbrjf).
Segundo tais autores, o princípio da integralidade representa o reconhecimento da complexidade e das necessidades de cada indivíduo, demonstrando que o direito à saúde no Brasil não está restrito a uma "cesta-básica" de serviços, mas deve contemplar o essencial para um cuidado à saúde com dignidade.
Ruben Araújo de Mattos, citado no estudo em apreço, revela bem a abrangência e a amplitude da concepção da integralidade a partir de três conjuntos de sentidos. O primeiro deles, relacionado ao movimento da medicina integral que criticava os currículos de base flexneriana formadores de médicos com atitudes fragmentárias e reducionistas, centrado na doença, tendo como campo privilegiado de atuação o hospital, desconsiderando o social, o coletivo, o público e a comunidade.
O segundo dos sentidos de integralidade insere-se na tentativa de superar a dissociação entre as práticas de saúde pública e assistencial consolidada no país nos anos 1970. Os serviços devem estar organizados para atender de forma abrangente as necessidades da população de sua responsabilidade. Nessa concepção, a integralidade não seria apenas uma atitude, mas um modo de organizar o processo de trabalho.
O terceiro e último sentido corresponde às respostas governamentais dadas a problemas específicos de saúde, relacionando-se a integralidade às configurações de políticas específicas e/ ou especiais, com ampliação do olhar sobre os sujeitos a serem tratados e do elenco de ações contempladas nessas políticas, tanto preventivas quanto assistenciais.
Diante dessa concepção abrangente, a integralidade não pode ser plena no espaço singular dos serviços, por mais competente e comprometida que seja a equipe, e sim pensada em rede, correspondendo à articulação entre os serviços de saúde e outras instituições, na medida em que as várias tecnologias estão distribuídas em diferentes serviços e a melhoria das condições de vida depende de uma atuação intersetorial.
A intersetorialidade corresponde à articulação de saberes e experiências no enfrentamento de situações complexas. A atuação simultânea de vários setores permite a compreensão abrangente dos problemas e o esforço coletivo pela sua resolução, e a superação da fragmentação de saberes pela especialização excessiva.
A intersetorialidade é um dos aspectos fundamentais a serem considerados para a solução adequada da competência regulatória e fiscalizatória interministerial em relação às comunidades terapêuticas e aos serviços por elas prestados, como se verá.
3. O uso nocivo e abusivo de substâncias psicoativas como problema de saúde pública.
O uso nocivo e abusivo de substâncias psicoativas constitui um dos principais problemas de saúde pública, abrangendo todas as classes sociais, cabendo ao Estado promover as políticas públicas voltadas a tratamento, recuperação e reinserção social do usuário/dependente, promovendo, inclusive, o atendimento aos seus familiares.
Além da questão relativa à saúde e dos transtornos decorrentes, é certo que tal situação também está diretamente ligada à violência e ao crime organizado, fazendo-se também necessário o estabelecimento de políticas públicas voltadas ao combate do tráfico de substâncias ilícitas.
A época dos fatos, a repressão ao tráfico se encontrava ligada à área de segurança pública e ao Ministério da Justiça; a prevenção e o tratamento do uso abusivo de substâncias psicoativas, a assistência social, bem como a reinserção do indivíduo com transtornos decorrentes do uso abusivo de tais substâncias no convívio social, no trabalho e no âmbito familiar, estão relacionados a várias outras áreas governamentais, como Saúde, Trabalho e Educação, revestindo-se, portanto, de caráter intersetorial e interministerial.
As substâncias psicoativas são aquelas que podem causar dependência física e/ou psíquica, e podem ser lícitas (álcool, cigarro, medicamentos, entre outras) ou ilícitas (cocaína, maconha, crack, entre outras).
A dependência química constitui um conjunto de fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos no qual o uso de uma substância ou uma classe de substâncias alcança uma importância muito maior para um determinado indivíduo, do que outros comportamentos que antes tinham mais valor, e abarca o uso de todos os tipos de substâncias psicoativas e que podem alterar o comportamento, a depender do indivíduo, conforme abordado em artigo de Selma Frossard Costa
(http://www.uel.br/revistas/ssrevista/pdf/2009/29%20AS%20POL%CDCAS%20P%DABLICAS%20E%20AS%20COMUNIDADE%20TERAP%CAUTICAS-COM%20REVIS%C3O%20DO%20AUTOR.pdf).
A Organização Mundial de Saúde define a dependência química como o estado psíquico e algumas vezes físico resultante da interação entre um organismo vivo e uma substância, caracterizado por modificações de comportamento e outras reações que sempre incluem o impulso a utilizar a substância de modo contínuo ou periódico com a finalidade de experimentar seus efeitos psíquicos e, algumas vezes, de evitar o desconforto da privação (www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1/casos_complexos/Vila_Santo_Antonio/Complexo_12_Vila_Abordagem_dependencia.pdf).
Neste contexto, com o crescente problema do uso abusivo de substâncias psicoativas e as consequências dele advindas, e diante da inexistência de políticas públicas adequadas para o tratamento dos indivíduos, a partir da década de 60 houve uma crescente oferta de modelo de tratamento no âmbito privado, das chamadas comunidades terapêuticas (CT's).
Dentro na Política Nacional de Saúde Mental, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a Rede de Atenção Psicossocial - RAPS atua para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com a finalidade de criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidade decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS.
Consoante consulta ao site do Ministério da Saúde, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) propõe um novo modelo de atenção em saúde mental, a partir do acesso e a promoção de direitos das pessoas, baseado na convivência dentro da sociedade. Além de mais acessível, a rede ainda tem como objetivo articular ações e serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade, articulados com o Governo Federal, Estados e Municípios, sendo os principais atendimentos efetuados nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
E, por seu turno, os CAPS - Centro de Atenção Psicossocial constituem pontos de atenção da RAPS, sendo que o CAPS AD (Centro de Atenção Psicossoal de Álcool e Drogas) é um serviço de atenção psicossocial que funciona especificamente para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas (art. 7º, §4º, incisos IV e V da Portaria nº 3.088/2011).
Os CAPS visam: - prestar atendimento em regime de atenção diária; - gerenciar os projetos terapêuticos oferecendo cuidado clínico eficiente e personalizado; - promover a inserção social dos usuários através de ações intersetoriais que envolvam educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas. Os CAPS também têm a responsabilidade de organizar a rede de serviços de saúde mental de seu território; - dar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica, PSF (Programa de Saúde da Família), PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde); - regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental de sua área; - coordenar junto com o gestor local as atividades de supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas que atuem no seu território; - manter atualizada a listagem dos pacientes de sua região que utilizam medicamentos para a saúde mental (http://www.ccs.saude.gov.br/saude_mental/pdf/sm_sus.pdf).
Vale destacar que entre as principais estratégias para o atendimento de pessoas com uso abusivo de substâncias psicoativas estão a de Redução de Danos e a Abstinência, sendo a Redução de Danos a política até então enfatizada no âmbito do SUS.
Consoante informação disponível no site do SENAD, a Redução de Danos (RD) é um conjunto de princípios e ações para a abordagem dos problemas relacionados ao uso de drogas que é utilizado internacionalmente e apoiado pelas instituições formuladoras das políticas sobre drogas no Brasil, como a Secretaria Nacional de Política sobre Drogas (SENAD) e o Ministério da Saúde. A RD não pressupõe que deva haver imediata e obrigatória extinção do uso de drogas - no âmbito da sociedade ou no caso de cada sujeito -, seu foco incide na formulação de práticas, direcionadas aos usuários de drogas e aos grupos sociais com os quais eles convivem, que têm por objetivo a diminuição dos danos causados pelo uso de drogas. (http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201704/20170424-094500-001.pdf )
4. O surgimento das primeiras comunidades terapêuticas psiquiátricas no contexto do movimento antimanicomial
A partir da segunda metade do século XX, iniciou-se em vários países um movimento objetivando o tratamento e a melhoria da saúde mental, diferente do modelo hospitalar tradicional de internação (modelo hospitalocêntrico), movimento que veio a ser chamado de Reforma Psiquiátrica, com a proposta de criação de uma rede de cuidados fora do ambiente hospitalar. Nesse contexto, surgiram as primeiras comunidades terapêuticas psiquiátricas.
Em seu elucidativo trabalho, acostado a estes autos, A comunidade terapêutica para recuperação da dependência do álcool e outras drogas no Brasil: mão ou contramão da reforma psiquiátrica, Pablo Kurlander destaca:
No trabalho de autoria de Laura Fracasso denominado Comunidades Terapêuticas: Histórico e Regulamentações, também é apresentado um panorama histórico sobre o surgimento das comunidades terapêuticas, desde suas origens, na segunda década do século XX, até os tempos atuais.
Em citado trabalho, a autora afirma que as iniciativas que configuraram maior impacto e que continuam a influenciar a concepção de trabalho que é feita atualmente são as realizadas na Inglaterra por Maxwell Jones e nos Estados Unidos por diferentes grupos que serão abordados neste módulo. A experiência da Comunidade Terapêutico-democrática para distúrbios mentais empreendida na Inglaterra pode ser definida como uma verdadeira revolução no campo psiquiátrico. O modelo da Comunidade terapêutica psiquiátrica foi primeiramente desenvolvido na unidade de reabilitação social do Hospital Belmont (mais tarde chamado de Henderson), na Inglaterra, na metade da década de 1940. Tratava-se de uma unidade de 100 leitos voltada para o tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos que apresentassem distúrbios de personalidade duradouros. Maxwell Jones (1972) e seus colegas, Rapaport (1960), Salasnck e Amini (1971), estudaram em profundidade as várias características da CT psiquiátrica (...), tendo a sua experiência influenciado a reforma psiquiátrica mundial, notadamente na Itália, com Franco Basaglia (http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201706/20170605-134703-001.pdf).
Nos Estados Unidos surgiram os modelos dos Alcóolicos Anônimos, um dos programas de recuperação de dependentes de álcool mais difundidos na atualidade, e do Programa de Synanon, que uniu as experiências do AA (Alcoólicos Anônimos) a outras influências filosóficas, tornando-se a primeira comunidade terapêutica nos EUA. Ambas as organizações seguem a premissa de que o indivíduo é responsável pela sua recuperação, com a ajuda de seus pares.
Em 1990, o Brasil tornou-se signatário da Declaração de Caracas, que propõe a reestruturação da assistência psiquiátrica, e, em 2001, é aprovada a Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental (http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf).
Os dois movimentos (Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial) objetivam garantir melhor qualidade de vida aos assistidos, transferindo o foco do tratamento, que se concentrava na instituição hospitalar, para uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estruturada em unidades de serviços comunitários e abertos.
Dessa forma, a referida lei redireciona a assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária e dispondo sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, porém não institui mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios, principal objetivo do manifesto de 1987 (http://www.aberta.senad.gov.br/medias/original/201706/20170605-134703-001.pdf).
Como ressaltado por Kurlander no trabalho citado:
Como será abordado no tópico seguinte, este problema do descrédito das comunidades terapêuticas é também colocado em destaque pelo Pe. Haroldo J. Rahm, pioneiro na fundação de Comunidade terapêutica no Brasil dentro do Modelo Psicossocial e que, com a proliferação indiscriminada dessas entidades, instituiu a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT).
5. A evolução das comunidades terapêuticas no Brasil. Os pressupostos do Modelo Psicossocial das CTs. A distinção da lógica da Atenção Psicossocial da RAPS.
A fundação da Fazenda do Senhor Jesus, em 1978, na cidade de Campinas/SP, pelo Pe. Haroldo J. Rahm, e o trabalho por ele realizado contribuíram para acelerar e qualificar a implementação de outras CTs no território nacional. Rahm, percebendo ao longo de algum tempo que o comprometimento de alguns dependentes ultrapassava a compreensão e a força terapêutica proveniente dos recursos das comunidades terapêuticas, introduziu o modelo psicossocial no quadro de sua equipe de profissionais.
O Modelo Psicossocial das CTs pressupõe a compreensão de que o indivíduo é um agente ativo na dependência; que o contexto social é um importante aspecto na definição dessa dependência; e que a compreensão da dependência está, portanto, na interação entre a droga, o usuário e o contexto social.
Sendo assim, um dos principais instrumentos terapêuticos da CT é a convivência entre os pares, em que o usuário tem que mediar o seu comportamento individual com as exigências do coletivo e da interação com os outros que lhe cercam, relação que produz resultados na percepção de si e provoca mudanças de comportamento nos sujeitos em situação de dependência de drogas.
É destacado um diferencial importante: a perspectiva psicossocial assim descrita difere da lógica da Atenção Psicossocial da RAPS, pois esta implica a concepção da integralidade e de outros princípios do SUS, não contemplados no Modelo Psicossocial.
A partir da introdução desse modelo, o número de comunidades terapêuticas no Brasil cresceu rapidamente, porém sem o conhecimento e o treinamento necessários a esse modelo, o que gerou uma série de movimentos e metodologias regionais tanto para a utilização das técnicas quanto para o desenvolvimento dos programas.
Segundo Rahm (2001), há organizações que se denominam comunidades terapêuticas, mas na verdade são apenas espaços de moradia. E aponta essa indistinção como uma das causas do baixo índice de recuperação demonstrado por alguns estudos, além do uso indevido da abordagem, o que dificulta o reconhecimento das comunidades terapêuticas.
A própria nomenclatura "comunidades terapêuticas" passa a ser utilizada indiscriminadamente em todo o Brasil, em iniciativas, no mais das vezes, inadequadas à proposta original.
Para modificar esse panorama e implementar uma normalização ao método, Rahm funda, em 16 de outubro de 1990, a Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT), em cujo sítio estão disponibilizadas estas informações (http://www.febract.org.br/).
A FEBRACT, além dos cursos, orienta as comunidades terapêuticas, desde a elaboração de seus estatutos até a organização interna e o relacionamento com as autoridades e com a comunidade na qual está inserida. Tem promovido seminários e palestras com o objetivo de debater assuntos relacionados com o problema das drogas em quase todas as unidades da Federação. Através da televisão difunde conhecimentos e orientações que dizem respeito à dependência química.
6. A evolução regulatória das comunidades terapêuticas.
São nítidos a evolução e o aperfeiçoamento dos principais marcos regulatórios das comunidades terapêuticas, como revela o análise feita por Rolf Hartmann, Presidente da Cruz Azul no Brasil e Assessor de Legislação da CONFENACT, exposta neste tópico.
6.1 Regulamentação pela ANVISA. A revogada RDC nº 101/2001. A vigente RDC nº 29/2011 e a adaptação ao modelo de CT proposto pela FEBRACT.
Em 2001, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), considerando o crescente número de clínicas e comunidades terapêuticas voltadas para o atendimento de usuários/dependentes de substâncias psicoativas e a necessidade de normatização do funcionamento de serviços públicos e privados de atenção a tais pessoas, adotou a Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 101/2001, o primeiro regramento para o funcionamento das CT's. Essa regulamentação técnica estabeleceu Exigências mínimas para o funcionamento de serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas
(http://www.ee.usp.br/departamento/nucleo/CComs/doc/exigencias_minimas_para_funcionamento_servicos_de_atenc.pdf), conforme o modelo psicossocial.
A Resolução conceituava as CT's, em seu Anexo, como:
Em 2011, a ANVISA revogou a RDC nº 101/2001 e editou a RDC nº 29/2011, com o intuito de se aproximar do Modelo de Comunidade terapêutica proposto pela FEBRACT. Assim, as comunidades deixaram de se adequar às normas gerais de um serviço de saúde, tal qual um hospital ou centro de tratamento, em favor de seu caráter residencial e de convívio familiar.
A Resolução RDC nº 29/2011 veio dispor sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas, estabelecendo também que as "instituições devem possuir mecanismos de encaminhamento à rede de saúde dos residentes que apresentarem intercorrências clínicas decorrentes ou associadas ao uso ou privação de SPA, como também para os casos em que apresentarem outros agravos à saúde" (art. 8º).
6.2 A Resolução CONAD nº 01/2015 e o processo democrático e intersetorial de sua construção.
Segundo parecer elaborado pela AGU, a proposta de Resolução foi submetida a duas audiências públicas e a duas consultas públicas, e foi apresentado um abaixo-assinado com 15.888 (quinze mil e oitocentos e oitenta e oito) assinaturas com o mesmo pleito, de aprovação da proposta.
Conforme o mesmo parecer, para a proposta de regulamentação das comunidades terapêuticas, o Ministro de Estado da Justiça, na qualidade de Presidente do CONAD, instituiu Grupo de Trabalho, no âmbito do SISNAD, por meio da Portaria nº 14, de 25 de abril de 2014, publicada no Diário Oficial da União em 29 de abril de 2014 (fls. 131/132 - Volume I).
O Grupo de Trabalho foi composto pelos representantes dos seguintes órgãos integrantes do CONAD: SENAD, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Conselhos Estaduais de Políticas sobre Drogas, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Federal de Psicologia e Terceiro Setor.
Dessa forma, após mais de um ano de discussão, análises e participação da sociedade civil, a resolução foi aprovada no CONAD, observando os requisitos de intersetorialidade, interdisciplinaridade e transversalidade próprios na construção de serviços e atividades que dizem respeito a diversas políticas públicas, como é o caso das comunidades terapêuticas.
6.2.1 A intersetorialidade e a competência regulatória do Ministério da Saúde, através da ANVISA, e do Ministério da Justiça, através do CONAD.
O Decreto nº 5.912/2006 regulamenta a Lei nº 11.343/2006 e estabelece, em seu art. 2º, inc. I, que o CONAD, órgão normativo e de deliberação coletiva do sistema, vinculado ao Ministério da Justiça, integra o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD.
A Medida Provisória nº 870/2019 manteve o CONAD na estrutura básica do Ministério da Justiça e Segurança Pública (art. 38, inc. III).
O Decreto nº 9.662/2011, em art. 54, manteve as competências do CONAD estabelecidas no art. 4º do Decreto nº 5.912/2006.
A controvérsia nestes autos, portanto, gira em torno da competência normativa do CONAD para regulamentar as comunidades terapêuticas (CT's), caracterizando-as como "equipamentos de apoio" tal como determina a Resolução CONAD nº 01/2015, ora combatida, ou como "equipamentos de saúde", e que, assim, devem se submeter às regras estabelecidas no âmbito da Saúde, como sustenta o Ministério Público Federal.
A competência do CONAD está estabelecida no art. 4º do referido Decreto e, entre outras, está a de exercer orientação normativa sobre as atividades previstas no art. 1º, quais sejam: prevenção do uso indevido, atenção e reinserção de usuários e dependentes de drogas, e repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
Como bem sustenta a agravante União Federal no presente recurso, não há conflito entre a Resolução nº 1 do CONAD e outras regulamentações indicadas pelo Ministério Público, tais como a Resolução RDC ANVISA nº 29 e a Portaria do Ministério da Saúde nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, já que se prestam a objetivos distintos. No caso da Resolução ANVISA, cumpre ressaltar que ela dispõe sobre os requisitos de segurança sanitária para o funcionamento de instituições que prestem serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas. A resolução nº 1 do CONAD, por sua vez, se presta a fazer regulamento mais amplo do funcionamento das entidades, inclusive ecoando diversas regras já dispostas pela ANVISA, como a exigência de responsável técnico de nível superior legalmente habilitado, bem como substituto com igual qualificação. A resolução CONAD propõe-se a descrever o funcionamento, tipo de serviço ofertado, obrigações da entidade, direitos dos acolhidos, os componentes mínimos do Plano de Atendimento Singular - PAS, que especifica e monitora as ações de acolhimento individual, e por fim, a articulação com o conjunto da rede de serviços de atenção aos usuários de drogas. (...) O serviço realizado pelas comunidades terapêuticas deve ser categorizado como acolhimento e não como internação (prática própria de serviço de saúde). A internação em comunidade terapêutica é expressamente vedada pela Lei nº 10.216, de 2001" (fls. 04/05vº).
Em razão da intersetorialidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, o Ministério da Saúde, através da ANVISA, e o Ministério da Justiça, através do CONAD, podem regulamentar as CT's e as matérias a elas afetas, no âmbito de suas respectivas competências, não se podendo excluir a competência do CONAD para expedir a Resolução nº 01/2015.
Como propriedade, assevera a ora agravante:
6.2.2 Características essenciais das comunidades terapêuticas. Incorporação na Resolução CONAD nº 01/2015.
Ainda que a Resolução RDC nº 29/2011 tenha se aproximado do modelo de CT proposto pela FEBRACT (Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas), ainda se fazia necessária a regulamentação desse modelo de acolhimento de pessoas em situação de uso abusivo de substâncias de forma mais abrangente. A Resolução CONAD nº 01/2015 foi o marco regulatório inicial para a fixação de normas mínimas para o funcionamento das CT's, de forma a possibilitar sua fiscalização e até seu financiamento.
As genuínas CT's são aquelas que objetivam propiciar tratamento àqueles que possuem transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas, mediante a convivência entre seus pares e buscando reinserir o indivíduo na sociedade e em sua família. A convivência entre os acolhidos é estimulada como forma de auxiliar no tratamento da dependência química. As CT's podem ter enfoque religioso-espiritual, bem como utilizar o trabalho como forma de auxiliar o tratamento.
Conforme descreve Laura Fracasso, de acordo com a FEBRACT, a Federação Evangélica de Comunidades Terapêuticas (FETEB), a Cruz Azul do Brasil e a Federação Norte e Nordeste de Comunidades Terapêuticas (FENNOCT), os elementos essenciais que compõem o tratamento residencial, voltado para a abstinência e praticado nas comunidades terapêuticas, são os seguintes: prática da espiritualidade sem a imposição de crenças religiosas; internação e permanência voluntárias, entendidas como uma intervenção que objetiva auxiliar o dependente de substâncias psicoativas (SPA) a reinserir-se e reintegrar-se na sociedade, assumindo suas funções como cidadão, membro de uma família e trabalhador e/ou estudante; ambiente residencial com características de relações familiares, saudável e protegido técnica e eticamente, livre de drogas e violência, assim como de práticas sexuais (temporariamente, neste último caso); convivência entre os pares, participando ativamente na vida e nas atividades da comunidade terapêutica; critérios de admissão, permanência e alta definidos com o conhecimento antecipado por parte do dependente de SPA candidato e de seus familiares/responsáveis; aceitação e participação ativa no programa terapêutico definido e oferecido pela comunidade terapêutica, tanto pelos dependentes de SPA como pelos familiares/responsáveis; utilização do trabalho como valor educativo e terapêutico no processo de tratamento na comunidade terapêutica e na recuperação do dependente de SPA; acompanhamento pós-tratamento de, no mínimo, um ano após o episódio da internação.
6.2.3 Depoimentos de acolhidos e ex-acolhidos favoráveis às comunidades terapêuticas
Foram juntados aos autos 12 (doze) CD's (fls. 443/459), que contêm a gravação de testemunhos de pessoas acolhidas em comunidades terapêuticas existentes em todo o país, os quais retratam os benefícios alcançados durante o período de tratamento, dos quais transcrevo alguns:
Francisco Ferreira de Paula, de Sobral, CE: no ano de 2015 passei pelo Instituto Casa Belém, internado por consumo de drogas, estava destruído pelo crack... Passei pela Casa Belém, lá tem pessoas maravilhosas que nos acolhe, nos ajuda, fazemos vários cursos profissionalizantes; fiz curso de cabelereiro, o curso de costureiro...e isso fez que minha vida fosse totalmente transformada. [sic]
Michel do Nascimento: dependente químico em recuperação, [na comunidade terapêutica] tive apoio de assistentes sociais, psicólogos, médicos e também cursos, esporte, lazer e apoio pessoal... Hoje tenho trabalho, uma família, e posso dizer que sou um cidadão do bem e só tenho que agradecer à comunidade terapêutica Casa Belém.
Fernando, 34 anos: sou um dependente químico, estou limpo hoje, graças a Deus, depois de 15 anos usando droga, perdi a esperança na vida... Encontrei uma comunidade terapêutica da qual me ajudou com o resgate de valores, hoje estou limpo, há dois anos, 8 meses...Trabalho na área de segurança, cuido da família, devo muito à comunidade terapêutica que me acolheu, que continua me ajudando hoje pós tratamento... [sic]
Héricles Paulino Chagas: fiz um programa na Comunidade terapêutica Desafio Jovem de Brasília... Sei que foi importante esse tratamento na minha vida porque aprendi a respeitar os meus valores, do meu potencial, dos meus talentos, aonde o Instituto me direcionou e me projetou ao convívio social. A comunidade terapêutica Desafio Jovem é muito importante no tratamento do dependente químico. [sic]
Ademir: atualmente resido na cidade de Andradas, sul de Minas Gerais, também fiz o tratamento na comunidade terapêutica... foi algo muito bom para minha vida, onde eu vi que a comunidade terapêutica tem muito valor no tratamento da dependência química. Muito obrigado. [sic]
João Bosco: 52 anos, alcóolatra, há dois anos sem consumir bebidas graças ao Centro Terapêutico Madre Teresa, situado em João Pinheiro, Minas Gerais. Foi importantíssimo para minha conscientização de que eu estava doente, sou um doente no caso, mas no esforço é possível ter uma vida sóbria sem as complicações que o álcool descontrolado causa às pessoas. [sic]
Roman: sou da cidade de Visconde do Rio Branco, sou um ex-dependente químico, usuário de droga, não conseguia viver no meio da sociedade pela minha situação; graças a uma comunidade que eu encontrei chamada Renascer, ajudou a mudar minha vida; hoje consigo viver no meio da sociedade, consigo viver no meio da minha família, sou muito grato à comunidade por ter abrido as portas para poder me ajudar... Eu apoio as comunidades sim, mudou a minha vida e pode mudar a de outras pessoas. [sic]
6.3 A intersetorialidade e a Portaria Interministerial nº 02/2017: O Comitê Gestor Interministerial. A Resolução nº CONAD 01/2018. O Decreto nº 9.761/2019.
Como sabido e ressaltado, a intersetorialidade corresponde à articulação de saberes e experiências no enfrentamento de situações complexas. A atuação simultânea de vários setores permite a compreensão abrangente dos problemas, o esforço coletivo pela sua resolução e a superação da fragmentação de saberes pela especialização excessiva.
O tratamento da dependência de substâncias psicoativas e a reinserção do indivíduo na sociedade, considerando a integralidade do ser humano, envolvem vários setores da sociedade, principalmente no âmbito da saúde, da educação, da assistência social, passando ainda pelo trabalho, a cultura, entre outros.
Nesse sentido, mais aperfeiçoada que a Resolução CONAD nº 01, de 2015, é a Portaria Interministerial nº 2, de 21/12/2017, editada pelos Ministros da Justiça e Segurança Pública, da Saúde, do Desenvolvimento Social e do Trabalho. Ela ressalta a intersetorialidade e a interdependência das ações governamentais e institui o Comitê Gestor Interministerial, composto por membros do Ministério da Justiça e Segurança Pública, da Saúde, do Desenvolvimento Social e do Trabalho, para atuar no desenvolvimento de programas e ações voltados à prevenção, à formação, à pesquisa, ao cuidado e à reinserção social de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substância psicoativa.
Referida Portaria instituiu o Comitê Gestor Interministerial para atuar no desenvolvimento de programas e ações voltados à prevenção, à formação e à pesquisa, ao cuidado e à reinserção social de pessoas com transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias psicoativas, estabelecendo que se consideram comunidades terapêuticas as entidades privadas, sem fins lucrativos, que realizam gratuitamente o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substância psicoativa, em regime residencial transitório e de caráter exclusivamente voluntário (art. 6º, § 1º).
O Comitê Gestor Interministerial conta com os seguintes representantes:
Os artigos 5º e 6º estabelecem as atribuições do Comitê Gestor Interministerial:
Em 1º de março de 2018, o CONAD, pela Resolução nº 01/2018, publicada no DOU no dia 13/03/2018, aprovou as diretrizes para o realinhamento e fortalecimento da Política Nacional sobre Drogas - PNAD, programas, projetos e ações dela decorrentes, e entre outros, a integração institucional e legal da gestão de programas entre os Ministérios da Saúde, Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça, Extraordinário da Segurança Pública e Direitos Humanos, conforme estabelecido no inc. VI do art.1º da referida Resolução.
Também estabeleceu no inc. III do art.1º que os programas, projetos e ações no contexto da política nacional sobre drogas devem considerar, em sua estruturação, iniciativas de ampliação e reorganização da rede de cuidados, acolhimento e suporte sociais, conceitualmente orientadas para a prevenção e mobilização social, promoção da saúde, promoção da abstinência, suporte social e redução dos riscos sociais e à saúde e danos decorrentes.
No §2º do art. 1º, fez referência expressa às comunidades terapêuticas.
O art. 2º da referida Resolução estabeleceu que "em articulação com os Ministérios da Saúde, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos" fossem feitos estudos preparatórios necessários à alteração do Decreto nº 4.345, de 26 de agosto de 2002, que tratava da Política Nacional sobre Drogas - PNAD.
Como resultado desses estudos, foi publicado o Decreto Presidencial nº 9.761, de 11 de abril de 2019, DOU edição extra de 11/04/2019, que estabeleceu como pressuposto:
Da mesma forma, no item 3.3 do Anexo, dentre os objetivos da política, estabeleceu:
No que diz respeito ao eixo de Tratamento, estabelece em seu Anexo, no item 5.2.2., nas suas diretrizes:
Estabeleceu também:
7. O Edital de Credenciamento SENAD nº 01/2018, de 25/04/2018. Do repasse de verbas orçamentárias do Ministério da Saúde: a regulamentação pela Portaria Interministerial nº 02 - (MJ/MS/MDS/MT), de 21 de dezembro de 2017.
Em abril de 2018 foi publicado o Edital de Credenciamento SENAD nº 01/2018, em articulação com os Ministérios da Saúde, do Desenvolvimento Social e do Trabalho, para fins de credenciamento das comunidades terapêuticas, definidas como entidades privadas, sem fins lucrativos, que realizem o acolhimento exclusivamente voluntário, em regime residencial transitório, de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas (fl. 469).
Na segunda audiência pública realizada neste Tribunal foi questionada a base legal do repasse das verbas orçamentarias do Ministério da Saúde para o Ministério da Justiça, autorizado pelo Comitê Gestor Interministerial, ensejando os seguintes esclarecimentos pelo ora Agravante (fl. 628):
Em outubro de 2018, o então Presidente da República e os Ministros da Saúde, da Justiça e do Desenvolvimento Social anunciaram a ampliação em mais de 50% do número de vagas custeadas pelo Governo Federal em comunidades terapêuticas.
O Edital de credenciamento nº 01/2018 acima mencionado previa 6.000 vagas, que foram ampliadas para 9.395 vagas. Em cada vaga há, em média, três acolhimentos por ano, chegando-se ao total de mais de 28 mil acolhimentos/ano, e assim restou ultrapassada a meta prevista para o final de 2019.
Os recursos para a ampliação do número de vagas, que totalizaram cerca de R$ 90 milhões, foram oriundos dos três Ministérios: da Justiça (R$ 40 milhões), da Saúde (R$ 40 milhões) e do Desenvolvimento Social (R$ 10 milhões).
Há necessidade de que tais procedimentos sejam efetivados com observância das exigências das normas orçamentárias.
A matéria contendo informações relevantes na linha da argumentação e fundamentação acolhida nesta decisão encontra-se disponível no sítio do Ministério da Justiça, com a seguinte chamada: Parceria entre Ministérios da Justiça, Saúde e Desenvolvimento Social ampliará atendimento multidisciplinar a dependentes químicos, com médicos e psicólogos, em busca da reinserção social e produtiva do acolhido, por meio das comunidades terapêuticas.
Na ocasião do anúncio, o então ministro da Saúde, Gilberto Occhi, ressaltou a importância e o ineditismo da ação, que reúne ações de três Ministérios: O Ministério da Saúde já vinha atuando em várias frentes contra a dependência química com hospitais e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e agora, amplia a ação para comunidades terapêuticas, que cuidam não só da droga, mas também do álcool. É um trabalho muito importante.
O então Ministro da Justiça, Torquato Jardim, ressaltou o acolhimento exclusivamente voluntário e transitório nas comunidades terapêuticas: O acolhimento visa o cuidado, a recuperação e a reinserção social de dependentes químicos, e ocorre exclusivamente de forma voluntária e transitória.
Na matéria, as comunidades terapêuticas são caracterizadas como instituições de acolhimento voluntário a dependentes de substâncias psicoativas. Não integram o SUS, mas são consideradas equipamentos da rede suplementar de atenção, recuperação e reinserção social de dependentes.
São pedagógicas e esclarecedoras as explicações ainda hoje disponíveis no sítio do Ministério da Justiça, do seguinte teor:
8. A Política Nacional sobre Drogas (PNAD) e os reflexos da reestruturação administrativa de 2019
Inicialmente, a chamada Política Nacional Antidrogas (PNAD) foi instituída pelo Decreto nº 4345/2002, que estabeleceu em seu art. 1º que os objetivos e diretrizes para o desenvolvimento de estratégias na prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social, redução de danos sociais e à saúde, repressão ao tráfico e estudos, pesquisas e avaliações decorrentes do uso indevido de drogas.
Posteriormente, tal política foi revista e realinhada pela Resolução nº 03/GSPR/CH/CONAD, de 27/10/2005, tendo como uma de suas diretrizes promover e garantir a articulação e integração em rede nacional das intervenções para tratamento, recuperação, redução de danos, reinserção social e ocupacional (Unidade Básica de Saúde, ambulatórios, Centro de Atenção Psicossocial, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda e ajuda mútua, hospitais gerais e psiquiátricos, hospital-dia, serviços de emergências, corpo de bombeiros, clínicas especializadas, casas de apoio e convivência e moradias assistidas) com o Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social para o usuário e seus familiares, por meio de distribuição descentralizada e fiscalizada de recursos técnicos e financeiros (item 2.2.1).
A SENAD (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) foi criada pela Medida Provisória nº 1.669/98 e, posteriormente, transferida para a estrutura do Ministério da Justiça pelo Decreto nº 7.426, de 7 de janeiro de 2011, juntamente com o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas - CONAD e a gestão do Fundo Nacional Antidrogas - FUNAD, e é o órgão responsável pela coordenação e articulação da Política Nacional Antidrogas - PNAD.
Em função da reestruturação administrativa efetivada pela Medida Provisória nº 870/2019, convertida na Lei 13.844, de 18 de junho de 2019, foi transferida para o Ministério da Cidadania e passou a ser de competência desse Ministério a política sobre drogas quanto aos aspectos mencionados no art. 23, inc. V, alíneas "a" a "f", assim como nos incs. VI e VII:
Deste modo, com o advento da MP nº 870 (Lei nº Lei 13.844/2019), fica expressa a competência de avaliação e acompanhamento das comunidades terapêuticas pelo Ministério da Cidadania, assim como a articulação, coordenação, supervisão, integração e proposição das ações governamentais na área do tratamento, recuperação e reinserção social.
Tais atribuições do Ministério da Cidadania em relação às comunidades terapêuticas aparecem igualmente na regulamentação da citada Medida Provisória pelo Decreto nº 9.674/2019 (art. 1º, incs. V, alíneas "a" a "f"; VI e VII).
Dentro da estrutura organizacional do Ministério da Cidadania, a política sobre drogas está afeta à Secretaria Especial de Desenvolvimento Social (art. 2º, I, "c)", mais especificamente à Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas - SENAPRED (art. 2º, I, 6.), constituída pelos seguintes Departamentos: Departamento de Articulação e Projetos Estratégicos; Departamento de Prevenção, Cuidados e Reinserção Social; e Departamento de Planejamento e Avaliação.
Dentre as competências da Secretaria Especial de Desenvolvimento Social - SENAPRED (art. 35, III) figura a de assessorar o Ministro nas atividades relacionadas ao Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, em especial nos aspectos relacionados com o tratamento, a recuperação e a reinserção social de usuários e dependentes de Drogas.
Como expresso no Decreto nº 9.674, atualmente é da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED) a competência de fiscalização, supervisão, coordenação das atividades relacionadas às comunidades terapêuticas, conforme disposto no art. 58, incs. II e V.
9. A política e os reflexos do advento da Lei nº 13.840/2019, que alterou a Lei nº 11.343/2006
9.1 Compatibilidade da Resolução CONAD nº 01/2015 com a Lei nº 11.343/2006, na redação atual, quanto à caracterização das comunidades terapêuticas
A disciplina das Comunidades Terapêuticas, por meio da Lei nº 13.840/2019, passou a fazer parte da legislação que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD (Lei nº 11.343/2006). A integração de ambos os diplomas constitui o novo marco legal.
A Lei nº 13.840/2019 é oriunda do Projeto de Lei nº 7663-C/2010, de iniciativa do Deputado Osmar Terra, atual Ministro da Cidadania, aprovado em Sessão Deliberativa Extraordinária, na Câmara dos Deputados, em 28/05/2013; que, após, foi encaminhado ao Senado Federal em 04/06/2013, onde foi renomeado para PLC 37/2013 e aprovado em 15/05/2019. O projeto foi sancionado pelo Presidente da República, com vetos, em 05/06/2019, e publicado no Diário Oficial da União, em 06/06/2019.
O art. 1º da Lei nº 13.840/2019 dispõe que ela altera a Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e tratar do financiamento das políticas sobre drogas e dá outras providências.
Além de incorporar em seu texto legal as características essenciais das CT's, como já fazia a Resolução CONAD nº 01/2015 (arts. 2º e 3º, caput e parágrafo único), a Lei nº 11.343/2006, devidamente alterada, define claramente quem pode ser acolhido nesse método terapêutico (art. 26-A, caput) e quem não é elegível para o acolhimento (§ 1º desse mesmo artigo):
A Resolução CONAD nº 01/2015 traz ainda dispositivos relativos às obrigações das Comunidades Terapêuticas (artigo 6º e outros) e aos direitos dos acolhidos (art. 8º), compatíveis com a redação da Lei nº 13.840/2019, mesmo porque o projeto de lei que deu origem à Lei nº 13.840/2019 serviu como diretriz para as discussões do grupo de trabalho e do plenário do CONAD que aprovou a Resolução nº 01/2015.
Dessa forma, mostra-se importante manter a referida Resolução no que não for incompatível com as disposições da Lei nº 13.840/2019, como será ressaltado no item 9.5 adiante, que trata especificamente da necessidade dessa manutenção.
9.2 Do Plano Individual de Atendimento
A característica da individualidade está presente no acolhimento pela elaboração do Plano Individual de Atendimento, inclusive com a participação de familiares. Tanto o art. 23-B da Lei nº 11.343/2006, na redação da Lei nº 13.840/2019 quanto a Resolução CONAD nº 01/2015 (art. 11) contêm informações sobre o Plano Individual de Atendimento.
Seguem os dispositivos da Lei nº 11.343/2006:
9.3 Da diferenciação entre acolhimento em comunidades terapêuticas, serviços extra-hospitalares e o tratamento em ambiente clínico-hospitalar. Da equivocada interpretação do Ministério Público Federal em relação aos arts. 23-A e 26-A.
A Lei nº 11.343/2006 claramente define as diferenças entre "acolhimento" (art. 26-A), já abordado no item 9.1., e "tratamento", disciplinado no art. 23-A:
No tratamento, em ambiente clínico hospitalar, pode ser feita a "internação" "voluntária" e "involuntária" (aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do SISNAD, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida), mediante decisão médica, sendo vedada a realização de qualquer modalidade de internação nas comunidades terapêuticas (§ 9º do art.23-A, da Lei nº 11.343/2006, com a redação dada pela Lei nº 13.840/2019).
As ações e serviços de saúde desenvolvidos pelas entidades de promoção da saúde e as comunidades terapêuticas são bem caracterizadas pela Portaria nº 1.482/2016, editada pela Secretaria de Atenção à Saúde - SAS do Ministério da Saúde (que será reportada no subitem 9.4 abaixo), para fins de cadastramento no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES, no código 83 da Tabela de Tipos de Estabelecimentos de Saúde:
"Art. 1º Fica incluído na Tabela de Tipos de Estabelecimentos de Saúde do CNES, o tipo 83 - POLO DE PREVENÇÃO DE DOENÇAS E AGRAVOS E PROMOÇÃO DA SAÚDE. |
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§1º Para efeitos desta Portaria, são considerados elegíveis ao cadastramento no CNES as entidades de promoção à saúde e as comunidades terapêuticas. |
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§ 2º Conceitua-se por Polo de Prevenção de Doenças e Agravos e Promoção da Saúde os estabelecimentos que desenvolvem atividades de Promoção da Saúde, Prevenção de Doenças e Agravos e Produção do Cuidado, cujas ações e serviços de saúde são de caráter individual ou coletivo, compreendendo práticas corporais, artísticas e culturais, práticas integrativas e complementares, atividades físicas, promoção da alimentação saudável ou educação em saúde." (grifos nossos) |
Descabidas, portanto, as ilações e relações que o órgão ministerial (fls. 680/682) pretende estabelecer entre acolhimento nas comunidades terapêuticas, onde são desenvolvidas as "ações e serviços de saúde são de caráter individual ou coletivo, compreendendo práticas corporais, artísticas e culturais, práticas integrativas e complementares, atividades físicas, promoção da alimentação saudável ou educação em saúde", e tratamento em ambiente clínico hospitalar.
São situações diferentes e inconfundíveis.
9.4 Justificativas detalhadas sobre as razões do veto ao parágrafo 5º do Art. 26-A
Foi vetado o § 5º do Art. 26-A do seguinte teor:
"§ 5º As comunidades terapêuticas acolhedoras não se caracterizam como equipamentos de saúde." |
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Foram apresentadas sinteticamente como razões do veto:
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"O dispositivo ocasiona insegurança e incerteza quanto às regras aplicáveis às comunidades terapêuticas, pois a caracterização como equipamento de saúde é matéria tratada em normativa específica, dependendo não da nomenclatura que adota, mas de suas características e atividades específicas." |
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Diversamente das ilações simplistas deduzidas pelo órgão ministerial (fls. 680/682), são bem mais complexas e históricas as razões pelas quais se justificou o veto ao referido dispositivo.
A redação que deu origem ao vetado § 5º do art. 26-A, da Lei nº 11.343/2006 (com a redação da Lei 13.840/2019) deu-se num momento histórico em que o CEBAS - Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social era concedido às Comunidades Terapêuticas pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), no âmbito da política de assistência social. A redação que deu origem à referido parágrafo foi aprovada, em 22/05/2013, na Câmara dos Deputados, no PLC 37/2013.
Em15/10/2013, a Lei nº 12.868/2013, que alterou a Lei nº 12.101/2009, que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, passa a qualificar as Comunidades Terapêuticas como "equipamento de saúde" com o perfil do art. 7º-A, caput, para fins de obterem o CEBAS pelo Ministério da Saúde, mediante cadastramento no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde - CNES.
O art. 7º-A tem a seguinte redação:
Esta é a "normativa específica" a que aludem as razões do veto ao § 5º do art. 26-A: "a caracterização como equipamento de saúde é matéria tratada em normativa específica, dependendo não da nomenclatura que adota, mas de suas características e atividades específicas". A parte final traz a importante observação acerca das genuínas comunidades terapêuticas.
O Ministério da Saúde, pela Secretaria de Atenção à Saúde - SAS, editou a Portaria nº 1.482/2016, fixando que as Comunidades Terapêuticas fossem cadastradas no código 83, da Tabela de Tipos de Estabelecimentos de Saúde do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES, já mencionado e transcrito no subitem anterior (9.3).
Caso o § 5º do Art. 26-A não fosse vetado, as Comunidades Terapêuticas seriam prejudicadas em seu direito de obtenção do CEBAS.
Como já ressaltado no item 6.3 supra, a Política Nacional sobre Drogas baseia-se no conceito de assistencial intersetorial, interdisciplinar e transversal, aplicável às Comunidades Terapêuticas.
Além disso, objetivou-se com o veto ao § 5 do Art. 26-A que não houvesse confusão entre, de um lado, com as Comunidades Terapêuticas Acolhedoras, regidas pelo art. 26-A da Lei nº 11.343/2006, com a redação dada pela Lei nº 13.840/2019, que são de natureza extra-hospitalar, comunitária, de demanda espontânea, de acolhimento voluntário, regidas pela Resolução ANVISA nº 19/2011 e Resolução CONAD nº 1/2015, e, de outro lado, com os estabelecimentos clínicos hospitalares.
Às Comunidades Terapêuticas Acolhedoras, assim agora denominadas pelo novo marco legal (Lei nº 11.343/2006, na redação dada pela Lei nº 13.840/2019), é vedado acolher "pessoas com comprometimentos biológicos e psicológicos de natureza grave que mereçam atenção médico-hospitalar contínua ou de emergência", conforme § 1º do Art. 26-A, como já examinado.
Às Comunidades Terapêuticas Acolhedoras é vedado acolher pessoas encaminhadas na categoria de "involuntárias", estas podendo ser apenas tratadas em estabelecimentos clínico hospitalares, sujeitas a outras normas, próprias de estabelecimentos hospitalares e que ofereçam serviços médicos e de enfermagem de caráter permanente.
Em síntese, o veto ao § 5º do Art. 26-A deu-se:
a) Para não prejudicar o direito das Comunidades Terapêuticas à obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - CEBAS, que por definição legal dos artigos 7º-A e 8º-B se dá pelo Ministério da Saúde, e
b) Por se tratar de modalidade terapêutica "intersetorial, interdisciplinar e transversal", conforme definido pelo Decreto nº 9.761/2019, que trata da Política Nacional sobre Drogas.
c) Para que não se confundam os serviços extra-hospitalares e comunitários, de demanda espontânea e de promoção da saúde, regulados pelo art. 26-A da Lei nº 11.343/2006, na redação atual, de acordo com a Resolução ANVISA nº 29/2011 e Resolução nº 1/2015, do CONAD, com os serviços clínicos hospitalares que obedecem regulação própria de estabelecimento hospitalar.
9.5 Da complementaridade da redução de danos e abstinência
A promoção da abstinência, tratada neste item 9, não exclui a redução de danos, tratada no item 3. A busca de abstinência é um processo, como fica claro no anexo do Decreto nº 9.761/2019, in verbis:
9.6Da necessidade de manutenção do marco regulatório inicial aprovado pela Resolução CONAD nº 01/2015 e sua compatibilidade com o novo marco legal.
A Resolução CONAD 01/2015 mostra-se compatível com as disposições do novo marco legal constituído pela Lei nº 11.343/2006 e alterações da Lei nº 13.840/2019; caso exista eventual conflito, prevalecerá o disposto na Lei.
Subsistem as disposições da Resolução CONAD 01/2015 naquilo que não for incompatível com a nova legislação.
Tal Resolução é importante e imprescindível instrumento de regulação, supervisão, controle e fiscalização, tendo se consolidado como o marco regulatório inicial das Comunidades Terapêuticas.
Considerando que há cerca de 2.000 Comunidades Terapêuticas no Brasil, atendendo aproximadamente 80.000 pessoas, é imprescindível prover o poder público, a sociedade, os usuários e as próprias comunidades terapêuticas com marco regulatório que as discipline adequadamente, que defina os direitos dos usuários e que permita ter parâmetros de fiscalização, o que foi feita pelo novo marco legal.
Há que se considerar que, a partir da Resolução 01/2015 do CONAD, também já foram editadas as Portarias 562 e 563, de 19 de abril de 2019, do Ministério da Cidadania, órgão responsável pela área dos cuidados e prevenção às drogas na estrutura administrativa do governo federal, conforme estabelecido na MP 870/2019, de 1º de janeiro de 2019, convertida na Lei nº 13.844/2019 e regulamentada pelo Decreto 9.674, de 02 de janeiro de 2019.
A Portaria 562/2019 estabelece os critérios de fiscalização das Comunidades Terapêuticas e a Portaria 563/2019 o seu cadastramento na SENAPRED - Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas.
Da mesma forma, a Política Nacional sobre Drogas (PNAD) aprovada pelo Decreto 9.761, de 11 de abril de 2019, reconhece e estabelece como objetivos dessa política a promoção da "estratégia de busca de abstinência de drogas lícitas e ilícitas como um dos fatores de redução dos problemas sociais, econômicos e de saúde decorrentes do uso, do uso indevido e da dependência das drogas lícitas e ilícitas" (item 3.18, do Anexo), estratégia essa usada no método das Comunidades Terapêuticas.
A PNAD também prevê em seu itens 5.1.4, 5.2.5, 5.2.6, do Anexo, do Decreto nº 9.761:
Dessa forma, as Comunidades Terapêuticas estão reconhecidas e regulamentadas na esfera legal e normativa, através da Lei nº 11.343/2006 (Política Nacional sobre Drogas), alterada pela Lei nº 13.840/2019; do Decreto nº 9.761/2019; da Resolução CONAD nº 01/2015, além da RDC ANVISA nº 29/2011 e respectiva Nota Técnica nº 55/2013, completando-se com os parâmetros de fiscalização constantes da Portaria nº 562/2019 e de credenciamento versado na Portaria nº 563/2019, ambas do Ministro da Cidadania.
Vale ainda destacar que a nova orientação como estratégia prioritária para o tratamento de uso abusivo de substâncias psicoativas passou a ser a da abstinência.
A esse respeito cito trechos de reportagem publicada no Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Metrópole- pág. A18:
10. Do aperfeiçoamento do sistema de controle e fiscalização das comunidades terapêuticas. As Portarias nºs 562/2019 e 563/2019 do Ministro da Cidadania
Considerando as competências acima conferidas pela Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, regulamentada pelo Decreto nº 9.674, de 02 de janeiro de 2019, o Ministro da Cidadania editou a Portaria nº 563, de 19 de março de 2019, DOU 20/03/2019, criando o "Cadastro de credenciamento das comunidades terapêuticas" e de outras entidades da área, no âmbito do Ministério da Cidadania, estabelecendo as regras para esse cadastro e credenciamento.
Também foi editada pelo mesmo Ministro a Portaria nº 562, de 19 de março de 2019, DOU 20/03/2019, criando o "Plano de Fiscalização e Monitoramento de Comunidade Terapêutica", estabelecendo critérios e regulamentos quanto aos procedimentos de fiscalização, com priorização para os casos de existências de denúncias ou indícios de irregularidades, conforme disposto no art. 6º da referida Portaria.
À época das audiências, quando se discutiu a necessidade da instituição de um sistema eficaz de controle e fiscalização das comunidades terapêuticas, foi então elaborada e juntada aos autos a proposta de "Roteiro de Monitoramento e Avaliação de Funcionamento de Comunidade Terapêutica", com a sugestão de ser acrescentado como Anexo da Resolução CONAD nº 01/2015 (fls. 348/353).
Seguem as propostas juntadas aos autos (fls. 559/567), atualmente superadas pela edição das Portarias indicadas:
11. Dispositivo
Na linha do que foi exposto acima, destacam-se os seguintes aspectos relevantes, entre outros:
1) Escapa à alçada do Poder Judiciário julgar o mérito administrativo, pautado no poder discricionário de que se reveste a Administração Pública, sendo incabível interferir, como pretende o Ministério Público Federal:
a) na configuração intersetorial, inter e transdisciplinar da Política Nacional sobre Drogas (PNAD).
A PNAD, na parte que interessa ao objeto da ação originária, não mais continua na esfera de competência do Ministério da Justiça, tendo sido transferida para a estrutura organizacional do Ministério da Cidadania, ficando afeta à Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, e mais especificamente à Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas (SENAPRED), a quem compete a fiscalização, supervisão e coordenação das atividades relacionadas às comunidades terapêuticas (item 9.1 supra)
O novo marco legal estabelece a articulação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD) com o Sistema Único de Saúde (SUS) e com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (art. 3º, § 2º, na redação dada pela Lei nº 13.840/2019).
b) na peculiar configuração das comunidades terapêuticas desenhado na Resolução CONAD nº 01/2015 e incorporado no novo marco legal (art. 26-A da Lei nº 11.343/2006, introduzido pela Lei nº 13.840/2019), entidades essas que constituem importantes instrumentos da PNAD.
A qualificação das Comunidades Terapêuticas como "equipamento de saúde", com o perfil do caput do art. 7-A da Lei nº 12.101/2009 (na redação dada pela Lei nº 12.868/2013), passou a ser exigência para obtenção do CEBAS pelo Ministério da Saúde. Esta é a "normativa específica" a que aludem as razões do veto ao § 5º do art. 26-A.
O novo marco legal das Comunidades Terapêuticas claramente diferencia as situações:
i) "acolhimento" do usuário ou dependente de drogas como atividade própria das Comunidades Terapêuticas (art. 26-A), mantendo as peculiaridades de tais entidades tal como previstas na Resolução CONAD nº 01/2015; e
ii) "tratamento" do usuário ou dependente de drogas que "deverá ser ordenado em uma rede de atenção à saúde, com prioridade para as modalidades de tratamento ambulatorial, incluindo excepcionalmente formas de internação em unidades de saúde e hospitais gerais nos termos de normas dispostas pela União e articuladas com os serviços de assistência social" (art. 23-A), sendo "vedada a realização de qualquer modalidade de internação nas comunidades terapêuticas acolhedoras" (§9º do art. 23-A).
O regramento das comunidades terapêuticas acolhedoras não tem incompatibilidade com a política antimanicomial da Lei nº 10.216/2001 (Reforma Psiquiátrica).
2) Inexiste conflito entre a Resolução impugnada e a Resolução RDC ANVISA nº 29, que trata dos requisitos de segurança sanitária para o funcionamento das comunidades terapêuticas.
A implementação da Resolução CONAD nº 01/2015 deve, atualmente, atender à reestruturação administrativa levada a efeito pela Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019 (Lei nº 13.844/2019), regulamentada pelo Decreto nº 9.674, de 02 de janeiro de 2019;
E devem ser aplicadas complementarmente a Portaria nº 563/2019, que instituiu o "Cadastro de credenciamento das comunidades terapêuticas", e a Portaria nº 562/2019, instituidora do "Plano de Fiscalização e Monitoramento de Comunidade Terapêutica", ambas editadas pelo Senhor Ministro da Cidadania;
Em face de todo o exposto, e tendo em vista os fundamentos acima, não conheço de parte do agravo de instrumento, e, na parte conhecida, dou-lhe provimento para suspender a eficácia da decisão agravada, aplicando-se o novo marco legal constituído pela Lei nº 11.343/2006, alterada pela Lei nº 13.840/2019, e a Resolução CONAD nº 01/2015, no que couber.
É como voto.
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