Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/05/2019
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0026150-86.2006.4.03.0000/SP
2006.03.00.026150-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
AUTOR(A) : DOW BRASIL S/A
ADVOGADO : SP022998 FERNANDO ANTONIO ALBINO DE OLIVEIRA
SUCEDIDO(A) : UNION CARBIDE DO BRASIL S/A
RÉU/RÉ : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
No. ORIG. : 1999.61.00.019908-1 22 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 3º, §1º, DA LEI Nº 9.718/98. INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 485, INCISO V, CPC/73. PROCEDÊNCIA.
- Ação rescisória ajuizada por Dow Brasil LTDA, em 07.04.2006, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973, para desconstituir o acórdão que proveu a remessa oficial e a apelação da União a fim de denegar a segurança e afastar a alegação de inconstitucionalidade da alteração da base de cálculo das contribuições sociais e da majoração da alíquota do COFINS.
- Cessa a vinculação das turmas e seções à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato afirmada pelo Plenário caso o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a mesma matéria, decida em sentido diverso, total ou parcialmente, nos termos do artigo 176 do RITRF3. Precedente do STF.
- A 2ª Seção desta corte adotou o entendimento de que a tese da repercussão geral firmada pelo STF no julgamento do RE 590809 aplica-se apenas às ações rescisórias propostas após o referido julgamento, ocorrido em 22.10.2014 (DJ de 24/11/2014), sob pena de afronta à segurança jurídica (EI 00080038520014030000, 2ª SEÇÃO, e-DJF3 12/05/2016).
- Desnecessidade do esgotamento de todos os recursos na ação originária. Súmula n.º 514 do Supremo Tribunal Federal.
- Pedido não veiculado na ação originária não pode ser aduzido na ação rescisória. Precedente da 2ª Seção desta Corte.
- O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial. Considerado o fato de que o Ministério Público detinha a prerrogativa do prazo em dobro para recorrer e que a intimação pessoal deu-se em 10.03.2004, o trintídio iniciou-se em 11.03.2004 (quinta-feira) e findou-se em 09.04.2004 (sexta-feira não útil - feriado). Portanto, o último dia para o Parquet apresentar eventual recurso foi 12.04.2004 (segunda-feira), nos termos do artigo 184, §1º, do CPC/1973, de forma que o trânsito em julgado deu-se em 13.04.2004. Em consequência, proposta a ação rescisória em 07.04.2006, rejeitada a preliminar de decadência.
- O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, conforme precedentes do Plenário (Recursos Extraordinários nºs 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084), em 09.11.2005, em face da contrariedade ao artigo 195, inciso I, da CF, consubstanciada no alargamento do conceito de faturamento previsto em sua redação original para ensejar a incidência do PIS e da COFINS sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, ausente a convalidação posterior pela Emenda Constitucional nº 20/98. Posteriormente, em 10.09.2008, sob o regime da repercussão geral, o Plenário do STF reafirmou sua jurisprudência no sentido de que "é inconstitucional a ampliação da base de cálculo da contribuição ao PIS e da cofins prevista no art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98" (RE nº 585.235 - Tema nº 110). Concluiu-se, pois, ser indevida a contribuição ao PIS/COFINS incidente sobre receitas não enquadradas no conceito de faturamento ou de receita bruta (receitas provenientes das atividades-fim da pessoa jurídica), nos termos do artigo 3º, caput, da Lei nº 9.718/98.
- Juízo rescindente: o julgado não observou a legislação aplicável à espécie, consoante posteriormente confirmado pelo STF, razão pela qual caracterizada a causa de rescindibilidade prevista no artigo 485, inciso V, do CPC/1973. Nesse sentido, precedentes da 2ª Seção desta corte.
- Juízo rescisório: devem ser desprovidas a apelação e a remessa oficial para manter a sentença que concedeu a ordem pleiteada para "afastar a incidência do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98, garantindo à impetrante a observância da Lei Complementar 70/91 no que se refere à base de cálculo da COFINS, mantidas, quanto ao mais, as disposições da Lei nº 9.718/98".
- Verba honorária fixada em 10% do valor da causa. Custas ex lege.
- Preliminar de carência de ação quanto ao pedido de compensação acolhida e, em relação a ele, extinção da ação rescisória sem resolução do mérito (artigo 485, inciso IV, do CPC). Demais preliminares arguidas em contestação rejeitadas e, no mérito, rescisória julgada procedente para desconstituir o acórdão prolatado nos autos do Mandado de Segurança nº 1999.61.00.019908-1. Em juízo rescisório, desprovidas apelação da União e remessa oficial para manter a sentença que concedeu a segurança requerida a fim de afastar incidência do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98 e garantir a observância da Lei Complementar nº 70/91 no que se refere à base de cálculo da COFINS.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher a preliminar de carência de ação quanto ao pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos e, em relação a ele, extinguir a ação rescisória sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, inciso IV, do CPC, bem como rejeitar as demais preliminares arguidas em contestação e, no mérito, julgar procedente o pedido de rescisão fundado no artigo 485, inciso V, do CPC/73 para desconstituir o acórdão prolatado nos autos do mandado de segurança nº 1999.61.00.019908-1 e, em juízo rescisório, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial para manter a sentença que concedeu a segurança requerida a fim de afastar incidência do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98 e garantir a observância da Lei Complementar nº 70/91 no que se refere à base de cálculo da COFINS, condenada a ré ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa atualizado. Custas ex lege, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de maio de 2019.
André Nabarrete
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0026150-86.2006.4.03.0000/SP
2006.03.00.026150-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
AUTOR(A) : DOW BRASIL S/A
ADVOGADO : SP022998 FERNANDO ANTONIO ALBINO DE OLIVEIRA
SUCEDIDO(A) : UNION CARBIDE DO BRASIL S/A
RÉU/RÉ : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL)
No. ORIG. : 1999.61.00.019908-1 22 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Ação rescisória proposta pela Dow Brasil S.A. com base no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973, para desconstituir acórdão prolatado pela 3ª Turma desta corte nos autos da ação mandamental nº 1999.61.00.019908-1, ao argumento de que houve violação à literal disposição do artigo 195, inciso I, da CF, dada a impossibilidade de se efetuar o aumento da base de cálculo da COFINS, nos termos da Lei nº 9.718/98.


A ação originária foi intentada para obter ordem que assegurasse à empresa impetrante recolher ou depositar judicialmente os valores devidos a título de COFINS sem as onerações introduzidas pela Lei nº 9.718/98, mantido o cálculo conforme previa a LC 70/91 (2% sobre o faturamento mensal). A sentença (fls. 232/242 destes autos) concedeu a segurança. Apresentada apelação pela União, foi provida, assim como a remessa oficial, para afastar a alegação de inconstitucionalidade da alteração da base de cálculo das contribuições sociais e da alteração da alíquota do COFINS, conforme orientação do Órgão Especial da corte, que rejeitou arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.718/98 (fls. 275/285). Certidão de trânsito em julgado da decisão em 13.04.2004 (fl. 288).


Nesta demanda, proposta em 07.04.2006, a empresa sustenta que o acórdão rescindendo violou a literal disposição do artigo 195, inciso I, da CF ao ampliar o conceito de faturamento para fins da base de cálculo da COFINS, de acordo com o artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98 (fls. 02/24).


Comprovante do depósito prévio (artigo 488, inciso II, do Código de Processo Civil/1973) à fl. 141.



Citada, a ré apresentou contestação às fls. 151/180, na qual aduziu, preliminarmente, a carência da ação, uma vez que a turma julgadora submeteu-se ao resultado da arguição de inconstitucionalidade apreciada no Órgão Especial desta corte (MS nº 1999.61.0193737-6), a incidência da Súmula nº 343 do STF, o descabimento da rescisória manejada como sucedâneo recursal e a impossibilidade de a parte veicular pretensão compensatória em juízo rescisório, uma vez que tal pedido não constou na ação originária. Argui, ainda, como preliminar de mérito, a decadência do direito à rescisão, à vista do decurso temporal. No mérito, alega que a inconstitucionalidade do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98 só foi reconhecida pelo STF em novembro de 2005, de forma que o acórdão rescindendo não poderia ter violado disposição legal, notadamente à vista de que à época da prolação coincidia com o decidido pelo Órgão Especial do TRF da 3ª Região. Requer, assim, a extinção do feito sem resolução do mérito, com o acolhimento das preliminares, ou a improcedência da ação rescisória.


Réplica da parte autora às fls. 338/347, na qual sustenta a tempestividade da ação rescisória, conforme demonstra a certidão à fl. 288, a prevalência da orientação do STF em detrimento de julgamento anterior da Corte Especial do TRF3ª Região, a não incidência da Súmula nº 343 do STF por se tratar de matéria constitucional e o cabimento do pedido compensatório à vista dos valores pagos indevidamente após o julgamento desfavorável do writ. No mérito, requer a total procedência da ação desconstitutiva.


Após o despacho saneador (fl. 349), foram apresentadas as razões finais da parte autora, nas quais rechaçou as preliminares aventadas e reiterou os termos da petição inicial, notadamente quanto à impossibilidade de fracionamento da coisa julgada, fato que afasta a alegação de decadência (fls. 351/361), e do réu, nas quais reafirmou os argumentos expendidos na contestação (fls. 363/386).


O Ministério Público Federal opinou no sentido da intempestividade ação rescisória por entender que o biênio decadencial iniciou-se em 10.02.2004, bem como do acolhimento da preliminar de carência de ação referente ao pedido de compensação, na medida em que não constou da ação originária e, quanto ao mérito, da improcedência do pedido rescisório (fls. 364/378).


É o relatório.


VOTO

Ação rescisória ajuizada por Dow Brasil LTDA, em 07.04.2006, com fundamento no artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil/1973, para desconstituir o acórdão que proveu a remessa oficial e a apelação da União a fim de denegar a segurança e afastar a alegação de inconstitucionalidade da alteração da base de cálculo das contribuições sociais e da majoração da alíquota do COFINS.

I - DAS PRELIMINARES ARGUIDAS EM CONTESTAÇÃO

I.a) Carência da ação à vista da arguição de inconstitucionalidade julgada no Órgão Especial desta corte e a respectiva vinculação dos órgãos fracionários.

Sustenta a União que o julgado não pode ser rescindido, à vista de que proferido em consonância com a orientação dada pelo Órgão Especial desta corte em arguição de inconstitucionalidade. De fato, há a respectiva previsão de vinculação dos órgãos fracionários, mas ela permanece vigente até eventual pronunciamento do STF, em sentido diverso, a respeito da mesma questão. Confira-se o que dispõe o Regimento Interno do TRF 3ª Região:

Artigo 176: A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato, afirmada pelo Plenário, aplicar-se-á aos feitos submetidos às Turmas, às Seções ou ao Plenário.
Parágrafo único - Cessará a vinculação referida neste artigo caso o Supremo Tribunal Federal, apreciando a mesma matéria, decida em sentido diverso, total ou parcialmente.

(grifo nosso)

Ademais, consolidada a interpretação do STF sobre determinado tema, deve ser observada a fim de que se dê plena efetividade à norma constitucional, segundo seu intérprete máximo. Da lavra do próprio Supremo Tribunal Federal, destaque-se:

1. Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário.
2. Julgamento remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento.
3. É possível ao Plenário apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria.
4. Ação rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF.
5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional.
6. Cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.
7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.
(grifo nosso)
(ED no RE 328.812; Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJ 02/05/08)

Destarte, rejeito a preliminar aventada.

I.b) Incidência da Súmula nº 343 do STF.

Sustenta a ré que, à época da prolação da decisão rescindenda, a jurisprudência era uníssona quanto à constitucionalidade do §1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98 e que a interpretação diversa dada posteriormente pelo STF enseja o descabimento da ação rescisória, uma vez que a decisão rescindenda baseou-se em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.

Frise-se, inicialmente, que a 2ª Seção desta corte adotou o entendimento de que a tese da repercussão geral firmada pelo STF no julgamento do RE 590809 (Tema 136 - Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente) aplica-se apenas às ações rescisórias propostas após o referido julgamento, ocorrido em 22.10.2014 (DJ de 24/11/2014), sob pena de afronta à segurança jurídica (EI 00080038520014030000, 2ª SEÇÃO, e-DJF3 12/05/2016).

Destarte, como a ação desconstitutiva foi proposta em 07.04.2006, inaplicável a Súmula nº 343 do STF, uma vez que a discussão dos autos tem inegável viés constitucional e sobre a qual houve efetiva manifestação da corte suprema em sentido oposto ao julgado combatido.

I.c) Descabimento da rescisória manejada como sucedâneo recursal

Não prospera a afirmação do descabimento da ação rescisória em virtude da não apresentação de recurso extraordinário nos autos originários, a teor da Súmula n.º 514 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual se admite seu ajuizamento contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos.

I.d) Carência de ação quanto ao pedido de compensação dos valores recolhidos indevidamente

A preliminar de carência de ação quanto ao pedido de compensação dos valores recolhidos indevidamente, por sua vez, deve ser acolhida, pois não foi objeto da pretensão originária. Eventual juízo rescisório deverá respeitar, obrigatoriamente, os limites outrora delineados, consoante já decidiu a 2ª Seção desta Corte:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC. COFINS. PIS. ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718/98. BASE DE CÁLCULO. CARÊNCIA DE AÇÃO. SÚMULAS NºS 343 E 514 DO STF. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE PARCIAL DA RESCISÓRIA. ACÓRDÃO DE MÉRITO INCOMPATÍVEL COM A DECISÃO PLENÁRIA DA SUPREMA CORTE. RESCISÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
1. (...).
4. Acolhida a preliminar de carência de ação quanto à compensação, uma vez que não foi objeto da pretensão originária. É inadmissível formular pretensão incompatível com a deduzida na ação originária, buscando o autor ampliar o seu alcance, pois, neste aspecto, a rescisória, embora autônoma, vincula-se aos limites delineados pela causa originária.
5. (...).
9. Acolhimento da preliminar de carência de ação quanto à compensação, rejeição das demais matérias preliminares e, no mais, procedência do pedido.
(TRF 3ª Região, SEGUNDA SEÇÃO, AR 0096672-75.2005.4.03.0000, Rel. DES. FED. MARLI FERREIRA, julgado em 19/04/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/05/2011 PÁGINA: 160)

Assim, acolho a preliminar de carência de ação quanto ao pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos e, em relação a ele, extingo a rescisória sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do CPC.

I.e) Decadência

Sustenta a União que o acórdão rescindendo foi publicado na imprensa oficial em 10.12.2003 e que o prazo para propositura da ação rescisória escoou-se muito antes da data da efetiva proposição, em 07.04.2006.

De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial" (STJ - 3ª TURMA, AINTARESP - AG. INT. NO AG. EM Resp 911125, Relator Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJE 17/11/2016).

No caso dos autos originários, constata-se que o acórdão de fato foi publicado no Diário da Justiça em 10.12.2003, conforme certidão à fl. 286 destes autos. Verifica-se, também, que "tratando-se de mandado de segurança, no qual a intervenção do Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, é considerada obrigatória por força do art. 10 da Lei nº 1.533/51, tem incidência a Súmula nº 99/STJ, no sentido de que "o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte"." (3ª Seção, ERESP Nº 161.968/DF, Rel. p/acórdão Ministro Felix Fischer, j. 24.09.2003, p. maioria, DJ 24.11.2004). Assim, após a publicação, o feito foi encaminhado ao Ministério Público Federal, cuja intimação pessoal se deu em 10.03.2004 (fl. 287 destes autos) e o prazo para eventual recurso era contado em dobro, nos termos do artigo 188 do CPC/1973. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO. MINISTERIO PUBLICO. PRAZO PARA RECORRER. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. ENTREGA DOS AUTOS A SECRETARIA ADMINISTRATIVA DO ORGÃO. "CUSTOS LEGIS". PRAZO EM DOBRO. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO.
I - O termo inicial do prazo recursal do MP e o dia seguinte útil a sua intimação pessoal, não se concretizando a intimação pela simples presença de um dos seus membros a sessão de julgamento.
II - O MP tem prazo em dobro para recorrer, seja nos casos em que funciona como parte seja naqueles que oficia como fiscal da lei.
III - Por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento.
(RESP - RECURSO ESPECIAL - 105805 1996.00.54477-8, SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA: 16/03/1998 PG:00138)

Considerado o fato de que o Ministério Público detinha a prerrogativa do prazo em dobro para recorrer e que a intimação pessoal deu-se em 10.03.2004, o trintídio iniciou-se em 11.03.2004 (quinta-feira) e findou-se em 09.04.2004 (sexta-feira não útil - feriado). Portanto, o último dia para o Parquet apresentar eventual recurso foi 12.04.2004 (segunda-feira), nos termos do artigo 184, §1º, do CPC/1973, de forma que o trânsito em julgado deu-se em 13.04.2004, nos exatos termos da certidão lançada à fl. 288 destes autos. Em consequência, proposta a ação rescisória em 07.04.2006, rejeito a preliminar de decadência.

II - DO MÉRITO

II.a) Juízo rescindente

Com o objetivo de ver desconstituído o acórdão prolatado pela 3ª Turma desta Corte, a parte autora baseou o pedido rescindente na violação ao artigo 195, inciso I, da CF, supostamente caracterizada no alargamento da base de cálculo da COFINS, nos termos da Lei nº 9.718/98.

A ementa do julgado que se pretende rescindir restou consignada nos seguintes termos:

CONSTITUCIONAL - TRIBUTÁRIO - PIS E COFINS - LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO E MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA - CONSTITUCIONALIDADE.
1. O incidente de arguição de inconstitucionalidade da Lei nº 9.718/98 foi rejeitado pelo Órgão Especial desta Corte, de modo que embora tenha me manifestado no sentido de que seria constitucional a majoração da alíquota do COFINS, somente, há de ser respeitada a decisão do Eminente órgão, não podendo, pois, os órgãos fracionários decidirem de maneira diversa, em respeito ao art. 97 da Carta Magna.
2. Nesse passo, não se vislumbra inconstitucionalidade na alteração da base de cálculo das contribuições sociais, bem como na majoração da alíquota do COFINS. Precedentes de outros regionais.
3. Apelação e remessa oficial providas.

Constata-se que, ao prover a apelação, o colegiado adotou o posicionamento vinculativo estabelecido pelo Órgão Especial desta corte no sentido da constitucionalidade do alargamento da base de cálculo da COFINS previsto pela Lei nº 9.718/98. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98, conforme precedentes do Plenário (Recursos Extraordinários nºs 357.950, 390.840, 358.273 e 346.084), em 09.11.2005, em face da contrariedade ao artigo 195, inciso I, da CF, consubstanciada no alargamento do conceito de faturamento previsto em sua redação original para ensejar a incidência do PIS e da COFINS sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, ausente a convalidação posterior pela Emenda Constitucional nº 20/98. Confira-se:

CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3º, § 1º, DA LEI Nº 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998.
O sistema jurídico brasileiro não contempla a figura da constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS - EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente. Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade, considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 3º DA LEI Nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.
(RE 390840, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215)

Posteriormente, em 10.09.2008, sob o regime da repercussão geral, o Plenário do STF reafirmou sua jurisprudência no sentido de que "é inconstitucional a ampliação da base de cálculo da contribuição ao PIS e da cofins prevista no art. 3º, § 1º, da Lei 9.718/98" (RE nº 585.235 - Tema nº 110), conforme acórdão:

EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Tributo. Contribuição social. PIS. cofins . alargamento da base de cálculo . Art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98. inconstitucionalidade . Precedentes do Plenário (RE nº 346.084/PR, Rel. orig. Min. ILMAR GALVÃO, DJ de 1º.9.2006; REs nos 357.950/RS, 358.273/RS e 390.840/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 15.8.2006) Repercussão Geral do tema. Reconhecimento pelo Plenário. Recurso improvido. É inconstitucional a ampliação da base de cálculo do PIS e da cofins prevista no art. 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98.
(RE 585235 QO-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado em 10/09/2008, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-227 DIVULG 27-11-2008 PUBLIC 28-11-2008 EMENT VOL-02343-10 PP-02009 RTJ VOL-00208-02 PP-00871 )

Concluiu-se, pois, ser indevida a contribuição ao PIS/COFINS incidente sobre receitas não enquadradas no conceito de faturamento ou de receita bruta (receitas provenientes das atividades-fim da pessoa jurídica), nos termos do artigo 3º, caput, da Lei nº 9.718/98.

Desse modo, o julgado não observou a legislação aplicável à espécie, consoante posteriormente confirmado pelo STF, razão pela qual caracterizada a causa de rescindibilidade prevista no artigo 485, inciso V, do CPC/1973. Nesse sentido, precedentes da 2ª Seção desta corte (AR 0097994-96.2006.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Diva Malerbi, julgado em 03/11/2015, e-DJF3 Judicial 1 em 13/11/2015; AR 0005649-62.2016.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Johonsom di Salvo, julgado em 04.09.2018, e-DJF3 Judicial 1 em 17.09.2018). Passo assim, ao juízo rescisório.

II.b) Juízo rescisório

Mandado de segurança proposto por Dow Brasil S.A. (sucessora de Union Carbide do Brasil S.A.) com o objetivo de garantir o direito de pagar COFINS sem as onerações introduzidas pela Lei nº 9.718/98, observados os vetores estruturais dados pela LC nº 70/91, correspondentes a 2% de seu faturamento mensal (fl. 186 destes autos).

Ressalte-se, inicialmente, que a empresa contribuinte não exerce atividade financeira (contrato social - fl. 34 destes autos).

A questão relativa às alterações promovidas pela Lei nº 9.718/98 foi decidida pelo Tribunal Pleno da Corte Suprema, na análise do Recurso Extraordinário nº 585.235, efetuada sob o regime da Lei n.º 11.418/06, concernente ao julgamento de recursos repetitivos, que entendeu que o artigo 3º, §1º, é inconstitucional, pois ampliou a base de cálculo das contribuições listadas no artigo 2º e modificou o conceito de faturamento, em desrespeito ao artigo 195, inciso I e § 4º, da Constituição Federal, para nele fazer compreender a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, consoante acórdão já colacionado (RE 585235 QO-RG/MG).

Referida inconstitucionalidade não foi convalidada pela Emenda Constitucional nº 20/98, tese defendida pelo fisco, porquanto o parâmetro de legitimidade da lei é a redação do texto constitucional vigente à época da edição da norma subalterna, independentemente do fato de não ter sido modificada ou revogada, nos termos do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, na medida em que, se for compatível com a Carta Magna, será recebida pelo novo ordenamento e se lhe for hostil não o será. Ademais, a regra entrou em vigor na data da publicação (artigo 17), ou seja, em 26/11/1998, contada daí a vigência, motivo pelo qual apenas a sua eficácia é que foi protraída para o dia 1º de fevereiro de 1999, em respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (RE 390840/MG, Tribunal Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 09.11.2005, DJ 15-08-2006 PP-00025 EMENT VOL-02242-03 PP-00372 RDDT n. 133, 2006, p. 214-215; RE 346084/PR, Tribunal Pleno, rel. Min. Ilmar Galvão, j. 09.11.2005, DJ 01.09.2006 EMENTÁRIO 2245-6)

Destaque-se que a inconstitucionalidade do artigo 3º, § 1º, da Lei nº 9.718/98 não se estendeu às Leis nº 10.637/02 e nº 10.833/03, visto que foram prolatadas sob a vigência da nova redação atribuída ao artigo 195, inciso I, letra b, da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 20/98, as quais elegeram como base de cálculo das exações em tela o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (artigo 1º, caput). Referidos textos normativos coexistem no ordenamento jurídico, razão pela qual a inconstitucionalidade do PIS e da COFINS persistiu até a entrada em vigor das citadas normas. Portanto, em juízo rescisório, devem ser desprovidas a apelação e a remessa oficial para manter a sentença que concedeu a ordem pleiteada para "afastar a incidência do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98, garantindo à impetrante a observância da Lei Complementar 70/91 no que se refere à base de cálculo da COFINS, mantidas, quanto ao mais, as disposições da Lei nº 9.718/98" (fl. 242 destes autos).

Com relação à verba honorária, por se tratar de demanda na qual a fazenda pública é parte, aplica-se o disposto no artigo 85, §3º, inciso I, e §4º, inciso III, do CPC, que trata da fixação em percentual entre 10% e 20% do valor da causa de até 200 salários mínimos (R$ 10.000,00 em abril de 2006). Considerados os parâmetros dos incisos I a IV do parágrafo 2º do mesmo dispositivo, quais sejam, grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e o tempo exigido, entendo que os honorários advocatícios devem corresponder a 10% do valor da causa atualizado nos termos do Manual de cálculos da Justiça Federal. Custas ex lege.

Ante o exposto, acolho a preliminar de carência de ação quanto ao pedido de compensação dos valores indevidamente recolhidos e, em relação a ele, extingo a ação rescisória sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, inciso IV, do CPC, bem como rejeito as demais preliminares arguidas em contestação e, no mérito, julgo procedente o pedido de rescisão fundado no artigo 485, inciso V, do CPC/73 para desconstituir o acórdão prolatado nos autos do mandado de segurança nº 1999.61.00.019908-1. Em juízo rescisório, nego provimento à apelação da União e à remessa oficial para manter a sentença que concedeu a segurança requerida a fim de afastar incidência do artigo 3º, §1º, da Lei nº 9.718/98 e garantir a observância da Lei Complementar nº 70/91 no que se refere à base de cálculo da COFINS. Condeno a ré ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa atualizado. Custas ex lege.

É como voto.

André Nabarrete
Desembargador Federal


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