D.E. Publicado em 27/06/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS para condenar o requerido ao ressarcimento dos valores recebidos indevidamente no período de 17.11.2006 a 31.10.2010, devidamente corrigidos, restando atingidos pela prescrição os créditos do período de 01.12.2005 a 16.11.2006, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de EDSON FRAZÃO DE MELO, em que se objetiva a devolução dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial.
Contestação às fls. 179/186.
O pedido foi julgado improcedente (fls. 191/195).
O INSS interpôs apelação (fls. 198/209).
Decorrido o prazo para a oferta das contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público Federal opinou pelo sobrestamento do feito, em razão da existência do Recurso Repetitivo Resp. 1.381.734/RN.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende o INSS o ressarcimento dos valores pagos a título de Benefício Assistencial ao deficiente, no período de 01.12.2005 a 31.10.2010, tendo em vista a existência de diversos vínculos empregatícios concomitantes ao recebimento do benefício assistencial.
De início, considerando que no presente caso não estamos diante de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração da Previdência Social, questões afetas ao Recurso Especial nº 1.381.734/RN, selecionado como representativo de controvérsia, na forma do art. 1.036, §5º, do CPC/2015 (Tema 979), não há que se falar em sobrestamento do feito.
Consta dos autos que o requerido teve seu benefício nº 87/120.509.509.402-1 deferido administrativamente desde 25.04.2001, em razão do preenchimento dos requisitos de deficiência e hipossuficiência econômica (fls. 82/111).
Posteriormente, verificou-se que o segurado possuía diversos vínculos empregatícios concomitantes ao recebimento do benefício assistencial (fls. 112/122).
Instado a apresentar defesa, o segurado foi notificado em 01.11.2010, apresentando-se pessoalmente em 03.11.2010 e defendendo-se (fls. 123/125). Posteriormente, a autarquia encaminhou nova correspondência informando que o benefício havia sido suspenso, facultando ao segurado prazo para recorrer, bem como, comunicando o valor a ser devolvido (fls. 128/129). O segurado apresentou, então, recurso à Junta de Recursos da Previdência Social, que lhe negou provimento (fls. 1030/144). Irresignado, apresentou, ainda, recurso ao Conselho de Recursos da Previdência Social, ao qual também foi negado provimento (fls. 145/167).
Em suas defesas administrativas e contestação o requerido afirma que laborou na condição de portador de necessidades especiais. Alega, ainda, que lhe foi informado que caberia à autarquia, a cada dois anos, a verificação da manutenção das condições para o recebimento do benefício, não lhe podendo ser imputado má-fé quanto a isso. Por fim, aduz que o benefício tem natureza alimentar, razão pela qual é impossível a sua devolução.
Inicialmente, assinale-se que o benefício em questão é de natureza assistencial e deve ser prestado a quem dele necessitar, independentemente do recolhimento de contribuições.
O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família:
Até a regulamentação do citado dispositivo constitucional, ocorrida com a edição da Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), a proteção ao deficiente e ao idoso hipossuficientes era objeto da Lei 6.179/1974, a qual instituiu o benefício denominado "amparo previdenciário" destinado a pessoas maiores de 70 (setenta) anos ou inválidas, consistente no pagamento mensal de renda vitalícia equivalente à metade do salário mínimo vigente no país. A partir do advento da Constituição de 1988, o valor do benefício foi elevado para 1 (um) salário mínimo, à vista do disposto no art. 139, § 2º, da Lei 8.231/1991.
A renda mensal vitalícia em referência foi extinta pelo art. 40 da Lei 8.742/1993, sendo estabelecido em seu lugar o benefício assistencial de prestação continuada previsto no art. 20 do mesmo diploma legal.
Atualmente, a disciplina legal do instituto encontra-se formatada pelas Leis 9.720/1998 12.435/2011, 12.470/2011 e 13.146/2015, as quais promoveram alterações substanciais nos arts. 20 e 21 da Lei Orgânica da Assistência Social.
No tocante aos beneficiários, dispõe o art. 20 da Lei 8.231/1991:
No que concerne à pessoa com deficiência, as sucessivas alterações legislativas ocorridas na redação do § 2º, do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social evidenciam tendência evolutiva na consideração da sua conceituação legal. Originariamente, a deficiência encontrava-se relacionada à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Posteriormente, a Lei 12.435/2011 incluiu no dispositivo em análise a definição contida no art. 1º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 30.03.2007, incorporada ao ordenamento jurídico interno pelo Decreto n. 6.949/2009, de acordo com a qual:
Entretanto, ao fixar o entendimento da expressão "impedimentos de longo prazo", a Lei 12.435/2011 optou por restringir a concessão do benefício exclusivamente às pessoas com deficiência que apresentem incapacidade para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Note-se que a jurisprudência já vinha suavizando a interpretação sobre o alcance da aludida incapacidade, como se extrai da seguinte decisão:
A propósito do tema, confira-se ainda o teor da Súmula n. 29 da Turma Nacional de Uniformização - TNU dos Juizados Especiais:
Em compasso com a evolução interpretativa promovida pela jurisprudência, a Lei 12.470/2011 abandonou o parâmetro consubstanciado na incapacidade para a vida independente e para o trabalho, preservando a definição consagrada na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Atualmente, o dispositivo em exame encontra-se vigendo com a redação conferida pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a qual explicitou a definição legal de pessoa com deficiência:
Ademais, cumpre assinalar que o § 10, do mesmo dispositivo, incluído pela Lei 12.470/2011, considera por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
No tocante à situação socioeconômica do beneficiário, consta do § 3º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, com a redação dada pela Lei 12.435/2001:
Inicialmente, o dispositivo em referência teve a constitucionalidade afirmada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado na ADIn nº 1.232-1 (Rel. Min. Ilmar Galvão, por redistribuição, DJU, 26 maio 1995, p. 15154). Entretanto, a pretexto da ocorrência de processo de inconstitucionalização oriundo de alterações de ordem fática (políticas, econômicas e sociais) e jurídica (estabelecimento de novos patamares normativos para concessão de benefícios assistenciais em geral), o Supremo Tribunal Federal reviu o anterior posicionamento, declarando a inconstitucionalidade parcial do dispositivo, sem pronúncia de nulidade, em julgado assim ementado:
Consequentemente, foi rechaçada a aferição da miserabilidade unicamente pelo critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, passando-se a admitir o exame das reais condições sociais e econômicas do postulante ao benefício, como denota a seguinte decisão:
É importante destacar que o Superior Tribunal de Justiça já admitia outros meios de prova para aferir a hipossuficiência do postulante ao amparo assistencial, além do montante da renda per capita, reputando a fração estabelecida no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 como parâmetro abaixo do qual a miserabilidade deve ser presumida de forma absoluta. Nesse sentido, a seguinte decisão prolatada em sede de recurso especial representativo de controvérsia:
No mesmo sentido tem se orientado a jurisprudência desta Corte:
Atualmente encontra-se superada a discussão em torno da renda per capita familiar como único parâmetro de medida do critério socioeconômico, pois, com a inclusão pela Lei 13.146/2015 do § 11 no art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, passou a constar previsão legal expressa autorizando a utilização de outros elementos probatórios para a verificação da miserabilidade e do contexto de vulnerabilidade do grupo familiar exigidos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada.
Assim, no caso vertente, o requerido teve concedido seu benefício assistencial tendo em vista sua condição de deficiente, nos termos do art. 20, §2º da Lei nº 8.742/93, conforme se verifica da perícia médica administrativa juntada à fl. 91, aliado à demonstração da hipossuficiência econômica.
Por outro lado, cabe à autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei:
Em contrapartida, havendo a cessação das condições que garantiram o direito ao benefício assistencial, cabe ao beneficiário comunicar tal fato ao ente público, sob pena de arcar com os ônus de eventual omissão.
Em consulta ao CNIS/PLENUS, na data de hoje, bem como, de acordo com as anotações constantes das CTPS às fls. 140/144, verifica-se que, de fato, o requerido possuiu os seguintes vínculos empregatícios:
- 01.12.2005 a 21.02.2006 - Metalúrgica Quasar Ltda. - operador de máquinas;
- 25.04.2006 a 04.03.2008 - Telecomunicações de São Paulo - assistente de negócios;
- 14.07.2008 a 15.01.2009 - Hospital Ribeirão Pires Ltda. - auxiliar de almoxarifado;
- 08.09.2009 a 28.10.2010 - Sociedade Beneficente São Camilo - auxiliar de escritório.
Note-se, que nas "anotações gerais" da CTPS não há qualquer anotação de que as atividades desenvolvidas pelo autor se deram em condições especiais devido à sua deficiência, razão pela qual se verifica as condições dos vínculos empregatícios do requerido não se enquadram nas condições excepcionais descritas na legislação.
Ausente, portanto, a manutenção de um dos requisitos, qual seja, a deficiência nos termos da lei, a análise da hipossuficiência econômica torna-se desnecessária.
Assim, no caso em apreço, não restaram satisfeitos os requisitos necessários a justificar a manutenção do benefício de prestação continuada contemplado no art. 203, V, do Texto Constitucional, e art. 20, caput, da Lei 8.742/1993.
Não tendo havido, à época própria, a notificação acerca da alteração das condições que ensejaram a concessão do benefício pelo requerido, deverá arcar com as consequências do recebimento indevido.
Passo, dessa forma, à análise da possibilidade de ressarcimento aos cofres públicos dos valores recebidos de forma indevida.
Segundo o art. 876 do Código Civil, "todo aquele que recebeu o que não era devido fica obrigado a restituir". Na mesma linha dispõe o artigo 884 do mesmo código:
Tem-se que a conduta omissiva do requerido não pode ser caracterizada de boa-fé, porquanto, beneficiário de benefício assistencial por deficiência, passou a trabalhar com frequência/com regularidade/com formal registro por diversos períodos, o que é completamente incompatível com a legislação em vigor, agindo, o requerido, assim, com evidente má-fé. Tal caracterização afasta, portanto, a alegação de afronta ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
Aliás, a arguição de ignorância não socorre o requerente, nos termos da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 3º, que preceitua que "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".
Feitas estas considerações, trago à colação entendimento do c. STJ, que trata do retorno ao trabalho por beneficiário de benefício por incapacidade:
No mesmo sentido, jurisprudência desta Corte: AgLegal em AC nº 2013.61.19.005923-7, 9ª Turma, Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, DJE 01.04.2016; AC nº 2015.61.26.000061-2, 9ª Turma, Juiz Federal Convocado Silva Neto, 17.11.2016.
Sendo devida a devolução de valores, há que se analisar a decadência e/ou prescrição.
Quanto ao prazo prescricional, a jurisprudência deste Tribunal tem ser orientado no sentido de que, ante a inexistência de prazo geral expressamente fixado para as ações movidas pela Fazenda Pública contra o particular, em se tratando de benefícios previdenciários, há que se aplicar por simetria o disposto no parágrafo único do artigo 103 da Lei 8.213/91:
O prazo de prescrição a ser considerado, portanto, é de cinco anos.
Por outro lado, em caso de concessão e/ou manutenção indevida de benefício previdenciário, ocorrendo a notificação do segurado em relação à instauração do processo revisional, não se pode cogitar de curso do prazo prescricional, devendo ser aplicado, por isonomia, o artigo 4º do Decreto 20.910/1932:
A fluência do prazo prescricional, dessa forma, se inicia com o pagamento indevido, mas não tem curso durante a tramitação do processo administrativo instaurado para apuração da ilegalidade cogitada.
Nesse sentido:
No caso dos autos, o período a que se busca o ressarcimento é de 01.12.2005 a 31.10.2010. O requerido foi devidamente notificado da instauração do Processo Administrativo em 01.11.2010 (fls. 123/125). O Relatório Conclusivo do procedimento administrativo está datado de 26.02.2013 (fl. 168). A presente ação de cobrança foi ajuizada em 14.03.2014.
Assim, ajuizada a ação judicial em 14.03.2014, tem-se que decorreu 01 ano e 15 dias desde 26.02.2013, data em que o prazo prescricional de 5 anos retornou a fluir, haja vista estar suspenso desde 01.11.2010. Dessa forma, devem-se contar mais 03 anos, 11 meses e 15 dias retroativos à suspensão, chegando-se, portanto, à data de 17.11.2006. Consequentemente, o crédito anterior a essa data encontra-se prescrito.
Os valores deverão ser atualizados monetariamente e acrescidos de juros moratórios, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja execução observará o disposto no art. 98, § 3º, do citado diploma legal, em razão da gratuidade da justiça que ora defiro.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para condenar o requerido ao ressarcimento dos valores recebidos indevidamente no período de 17.11.2006 a 31.10.2010, devidamente corrigidos, restando atingidos pela prescrição os créditos do período de 01.12.2005 a 16.11.2006, nos termos da fundamentação.
É COMO VOTO.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 18/06/2019 17:41:21 |