D.E. Publicado em 06/05/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e dar parcial provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Nº de Série do Certificado: | 11DE190415594BBF |
Data e Hora: | 24/04/2019 17:27:49 |
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RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento, objetivando a concessão de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal), sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando-se o INSS ao pagamento do benefício, no valor de um salário mínimo, a partir da data do requerimento administrativo (30/03/2016), além de honorários advocatícios fixados 10% (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ. Foi concedida a antecipação dos efeitos da tutela.
A sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação requerendo, preliminarmente, a anulação da sentença, sob alegação de cerceamento de defesa em razão da não realização da perícia médica. No mérito, pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado improcedente o pedido, sustentando a ausência dos requisitos legais para a concessão do benefício. Subsidiariamente, requer que os juros de mora e correção monetária sejam fixados com observância da Lei 11.960/2009.
Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal no parecer de fls. 183/185 opinou pela nulidade da sentença e retorno dos autos à origem para realização de perícia médica.
O julgamento foi convertido em diligência para que a parte autora juntasse aos autos complementação aos laudos médicos (fls. 186/189).
A parte autora juntou declaração médica da continuidade do tratamento (fl. 205).
Em novo parecer, o MPF retificou o parecer de fls. 183/185 e opinando pelo desprovimento da apelação do INSS (fls. 210/213).
É o relatório
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação do INSS, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do Código de Processo Civil.
Objetiva a parte autora, nascida em 07/01/2013, a condenação do INSS ao pagamento do amparo assistencial, no valor de um salário mínimo, fundamentado na deficiência e na hipossuficiência econômica.
A r. sentença recorrida julgou procedente o pedido formulado na petição inicial para condenar o INSS a implantar em favor da autora o benefício assistencial apenas com base nos relatórios médicos juntados com a petição inicial.
Alega o INSS que a sentença é nula, por incorrer em cerceamento do direito de produção de prova, uma vez que é requisito obrigatório a realização da perícia judicial para fins de comprovação da deficiência.
A alegação do INSS se confunde com o mérito da demanda e com ela será analisada.
O benefício requerido pela parte autora está previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, bem como na Lei nº 8.742/93, com redação dada pela Lei 12.435/2011.
O art. 203, V, da CF, prevê "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Por sua vez, a Lei 8.742/93 dispõe, em seu art. 20, caput, que "O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Conforme inciso I do parágrafo 2º do referido artigo, entende-se por pessoa com deficiência, "aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".
Assim, extrai-se das normas citadas a imprescindibilidade de se satisfazer a dois requisitos para o deferimento do beneficio assistencial em tela, quais sejam: a caracterização da incapacidade do requerente, em decorrência de sua deficiência (incapacidade) e/ou o caráter de idoso; e a situação de penúria em que ele se encontra (miserabilidade), de sorte que, da conjugação desses dois pressupostos, transpareça a sua impossibilidade de prover o seu sustento ou de tê-lo provido por sua família.
Observados os parâmetros para a aferição da deficiência, a despeito de não ter sido determinada a pericial judicial, é certo que a autora juntou aos autos os exames hematológicos realizados pelo Centro Infantil de Investigações Hematológicas Dr. Domingos A. Boldrini, datados de 01/07/2015, concluindo que a requerente apresentava "Leucemia Linfoblástica Aguda" (fls. 39/41). A declaração médica emitida em 08/04/2016, por profissional da mesma instituição, afirma que a autora encontrava-se em tratamento de quimioterapia ambulatorial, da patologia CID C 91.0, desde 2015 (fl. 57). Complementando, a declaração médica de fl. 205, emitida em 2018, por profissional médico pediatra, declarando que a autora continua em tratamento na mesma instituição devido à mesma doença diagnosticada em 2015.
Portanto, há prova nos autos que suprem a ausência de perícia médica judicial. Ademais, o magistrado está orientado pelo princípio da livre convicção e a determinação de perícia técnica se torna prescindível, quando houver provas contundentes nos autos que supram sua ausência, como neste caso, em que restou demonstrado que a autora é portador doença grave.
Observo, ainda, que a possibilidade da dispensa da prova pericial pelo juiz está prevista no art. 472 do CPC/2015, desde que as partes apresentem sobre a questão de fato controvertida pareceres técnicos ou documentos elucidativos que o juiz entender como suficientes. No caso, restou demonstrado que a autora continua realizando tratamento em razão de doença grave (Leucemia Linfoblástica Aguda).
Dessa forma, rejeita-se a preliminar de nulidade da sentença.
De outra parte, quanto à insuficiência de recursos para prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do idoso ou incapaz, de modo a assegurar-lhe uma qualidade de vida digna. Por isso, para sua concessão não há que se exigir uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o beneficiário não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
Não se tem dúvida de que o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 é constitucional, tendo o Supremo Tribunal Federal decidido nesse sentido (ADIN nº 1.232/DF, Relator p/ acórdão Ministro Nelson Jobim, j. 27/08/1998DJ 01/06/2001).
Todavia, o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único meio de comprovação da miserabilidade do deficiente ou do idoso, devendo a respectiva aferição ser feita, também, com base em elementos de prova colhidos ao longo do processo, observada as circunstâncias específicas relativas ao postulante do benefício. Lembra-se aqui precedente do Superior Tribunal de Justiça, que não restringe os meios de comprovação da condição de miserabilidade do deficiente ou idoso: "O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor." (REsp nº 435871/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, j. 19/09/2002, DJ 21/10/2002, p. 391).
A jurisprudência passou, então, a admitir a possibilidade do exame de situações subjetivas tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família, interpretação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado pela sistemática do artigo 543-C do CPC (REsp. 1.112.557-MG; Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28/10/2009; DJ 20/11/2009).
A questão voltou à análise do Supremo Tribunal Federal, sendo que após o reconhecimento da existência de repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4.374 - PE, julgada em 18/04/2013, prevaleceu o entendimento segundo o qual as significativas mudanças econômicas, bem como as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram outros critérios econômicos que aumentaram o valor padrão da renda familiar per capita, de maneira que, ao longo de vários anos, desde a sua promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS, passou por um processo de inconstitucionalização, conforme ementa a seguir transcrita:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente." (Órgão Julgador: Tribunal Pleno, J. 18/04/2013, DJe-173 DIVULG 03/09/2013, PUBLIC 04/09/2013).
De outro lado, no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos nº 1.355.052/SP e nº 1.112.557/MG foi fixada orientação no sentido de que a norma em causa não se mostra como o único critério possível para a apuração da necessidade do recebimento do benefício.
Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) incluiu o § 11 ao art. 20 da LOAS, acolhendo outros elementos de prova com condição da miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do núcleo familiar do requerente de benefício, além do critério objetivo de renda mensal "per capita" no valor inferior a ¼ do salário mínimo.
Assim, deverá sobrevir análise da situação de hipossuficiência porventura existente, caso a caso.
Conforme estudo social realizado em 20/09/2016 (fls. 96/105), o núcleo familiar da autora é composto por ela, que conta com 6 anos de idade, a irmã, Júlia Roberta Alves de Carvalho, de 15 anos de idade, seu genitor, Maycon Peterson Maciel, de 29 anos de idade e sua mãe, Regiane Isabel Alves, de 31 anos de idade, além de uma prima, Ingridy Carolina Alves Panegossi, de 22 anos de idade. Foi relato que a mãe da autora, que à época encontrava-se grávida, não trabalhava desde que a autora foi diagnosticada com a doença. O pai, também desempregado, fazia alguns bicos como servente de pedreiro. Residem em casa alugada, em conjunto habitacional. A renda do núcleo familiar é proveniente do trabalho informal de seu genitor, como servente de pedreiro, auferindo o valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), e de R$ 200,00 (duzentos reais), provenientes da pensão alimentícia recebida pela irmã da autora. As despesas são com alimentação (R$ 500,00), luz (R$ 104,00), aluguel (R$ 450,00), gás (R$ 55,00), água (R$ 30,00) e telefone (R$ 14,00). A autora recebe ajuda para vestuário de uma tia, e da avó materna, em relação a alguns gêneros alimentícios, bem como recebe uma cesta básica de alimentos, mensal, da Prefeitura de São Sebastião da Gama.
Portanto, resta comprovado que a autora apresenta deficiência, pois está em tratamento de doença considerada grave, por mais de dois anos, e que não possui meios para prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família, fazendo jus à concessão do benefício assistencial.
O termo inicial do benefício deve ser mantido a partir do requerimento administrativo (30/03/2016, fl. 55). Contudo, deve ser observado que a mãe da requerente recebeu benefício previdenciário de salário-maternidade, no valor de R$ 937,00, de 10/12/2016 a 08/04/2017, bem como o pai da apelada manteve vínculo empregatício no período de 16/08/2018 a 16/10/2018, tendo recebido remuneração no valor de R$ 1.196,16, R$ 2.948,41 e de R$ 2.641,13.
Assim, na liquidação do julgado devem ser descontados os valores já recebidos em razão da tutela antecipada recebidos, bem como deve ser efetuada a suspensão do pagamento do benefício no período em que o genitor esteve empregado e recebendo salário, conforme dados do CNIS juntados aos autos. Fica mantido o pagamento do benefício no período em que a mãe da requerente recebeu salário-maternidade, considerando-se o valor do benefício, a sua finalidade e os gastos mensais relatados no estudo social.
A correção monetária e os juros de mora serão aplicados de acordo com o vigente Manual de Cálculos da Justiça Federal, atualmente a Resolução nº 267/2013, observado o julgamento final do RE 870.947/SE em Repercussão Geral, em razão da suspensão do seu decisum deferida nos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais e INSS, conforme r. decisão do Ministro Luiz Fux, em 24/09/2018.
Diante do exposto, REJEITO A MATÉRIA PRELIMINAR E DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS para fixar juros e correção monetária, nos termos da fundamentação, devendo ser observado na liquidação do julgado a compensação dos valores já recebidos em razão da tutela antecipada, bem como a suspensão do pagamento do benefício no período em que o pai da requerente recebeu salário, conforme a fundamentação.
É o voto.
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