Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/09/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000480-39.2008.4.03.6123/SP
2008.61.23.000480-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Municipio de Atibaia SP
ADVOGADO : SP200877 MARCO AURÉLIO ANDRADE DE JESUS e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
SUCEDIDO(A) : Rede Ferroviaria Federal S/A - RFFSA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : RICARDO NAKAHIRA

EMENTA

PROCESSO CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. IMÓVEL DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL. SUCESSÃO PELA UNIÃO FEDERAL. VEDAÇÃO DO DECRETO-LEI N.°3.365, ART. 2, PARÁGRAFO 3. IMISSÃO NA POSSE. APLICABILIDADE LEI 12.438/2010. POSSIBILIDADE JURÍDICA. LAUDO PERICIAL. JUSTA INDENIZAÇÃO.
1 - As questões preliminares referentes à impossibilidade jurídica do pedido devem ser afastadas em razão do disposto no artigo 8º, da Medida Provisória n° 496/2010, posteriormente convertida na Lei Federal 12.348/10.
2 - O citado diploma legal convalida as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007, como se depreende da sua simples leitura.
3 - Considerando que não houve impugnação quanto à natureza não operacional do imóvel em discussão, vê-se que o pedido de imissão na posse deduzido na inicial foi deferido pelo Juízo "a quo" em 14 de dezembro de 2006 (fls. 144), sendo certo que a decisão judicial apenas modificou o fundamento jurídico da posse que a Autora já titularizava em razão de contrato de concessão de direito real de uso firmado entre a Rede Ferroviária Federal S.A. e o Município da Estância de Atibaia em 28 de junho de 2006 (fls. 95/99), como afirmado pela própria União Federal em contrarrazões de apelação.
4 - Ainda que a transferência do domínio do imóvel não tenha se consumado, a imissão da posse em momento anterior à data fixada no diploma legal em discussão já permite a aplicação do texto legal em discussão, ainda que o trânsito em julgado da decisão judicial lhe seja posterior, considerando a inexistência de qualquer exigência legal nesse sentido.
5 - Depreende-se da simples leitura do texto legal, que a mens legis da norma é a manutenção das situações de fato criadas com a imissão na posse de Imóveis pertencentes à extinta RFFSA por entes públicos diversos, eis que, garantida a justa indenização pela perda da propriedade, a reversão dos atos materiais praticados, caso se aplique a vedação constante no decreto lei 3365/41, estaria em contrariedade ao interesse público que motivou a prática do ato expropriatório.
6 - No que tange à aventada necessidade de prévio decreto presidencial para a desapropriação de bens da Rede Ferroviária Federal, nos termos do § 3º, do artigo 2º, do Decreto Lei 3365/41, verifico que o texto legal veda "a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização", sendo certo que, no caso concreto, a desapropriação resume-se a imóveis não operacionais da extinta RFFSA e, como já dito, com a edição da Medida Provisória 496/2010, a Presidência da República ratificou expressamente as desapropriações de bens da RFFSA por entes menores, desde que a imissão na posse se desse em data anterior à 22 de janeiro de 2007.
7 - Considerando que a desapropriação do Imóvel visa a reurbanização de áreas ocupadas por habitações precárias destinadas à população de baixa renda e que própria União Federal, no caso concreto, manifestou interesse na transferência do bem imóvel ao Município Apelante (fls. 480/481, 485/487 e 499/500), a aplicabilidade do artigo 8º, da Lei 12.348/2010 ao caso concreto mostra observância ao disposto no artigo 8º, do Código de Processo Civil que dispões que "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência".
8 - Na inicial a parte Autora atribuiu ao imóvel em discussão o valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil, quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos - fls. 20), em consonância com laudo realizado pela Caixa Econômica Federal de fls. 47/104. Por sua vez, o laudo elaborado pelo perito do Juízo atribuiu ao referido imóvel o valor de R$ 23.300,00 (vinte e três mil e trezentos reais - fls. 155/208).
9 - Não há que se falar em qualquer vício no laudo apresentado, uma vez que o trabalho pericial foi minucioso, tendo sido realizado por profissional especializado, equidistante das partes, que levou em consideração o valor de mercado do imóvel à época da realização da perícia.
10 - No que tange à alegada obrigatoriedade da aplicação do método involutivo de avaliação, prevista no § 2º, do artigo 14, da Lei 11.483/07, essa refere-se tão somente à possibilidade de alienação direta pela União Federal, dos imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, o que não é o caso dos autos.
11 - Cumpre ainda ressaltar que o laudo realizado pela Caixa Econômica Federal, cujo valor é extremamente similar ao laudo elaborado pelo perito do juízo, contou com a participação de profissionais atuantes no mercado imobiliário e foi elaborado levando em conta as particularidades do imóvel, ainda que se refira a uma área mais abrangente daquela em discussão.
12 - o mero inconformismo em relação ao resultado da perícia, sem qualquer referência a elementos concretos que permitam aquilatar o efetivo valor do bem, não possui o condão de qualificar como imprestável a prova realizada.
13 - Considerando as peculiaridades do caso concreto, onde o valor trazido pelos laudos periciais colacionados se mostram extremamente similares e o apresentado pela parte autora traz uma condição ligeiramente mais favorável a ré, tendo inclusive sido acolhido pela RFFSA em momento anterior à sua efetiva liquidação, adoto o laudo trazido pela parte autora, no valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil e quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos) como o valor da justa indenização.
14 - Uma vez que o valor ofertado coincide com o valor da condenação, deixo de condenar a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 27, § 1º, do Decreto Lei 3665/41 (ApCiv 0005956-78.2009.4.03.6105, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/05/2019).
15 - Recurso de apelação provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, julgar procedente o pedido inicial, fixando o valor ofertado na inicial como o da justa indenização e autorizando o levantamento, pela União Federal, dos depósitos realizados pela parte Autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de setembro de 2019.
ADRIANA TARICCO
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 19/09/2019 14:14:03



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000480-39.2008.4.03.6123/SP
2008.61.23.000480-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Municipio de Atibaia SP
ADVOGADO : SP200877 MARCO AURÉLIO ANDRADE DE JESUS e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
SUCEDIDO(A) : Rede Ferroviaria Federal S/A - RFFSA
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : RICARDO NAKAHIRA

RELATÓRIO

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ADRIANA TARICCO (RELATORA):


Trata-se de recuso de apelação em ação de desapropriação, interposta pelo Município da Estância de Atibaia - SP em face da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), sucedida pela União Federal, objetivando o reconhecimento da pretendida desapropriação e ao pagamento de indenização a ré, correspondente ao valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil e quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos).

O pedido de imissão provisória na posse foi deferido pela decisão de fls. 144.

A sentença proferida às fls. 396/401, reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido e indeferiu a petição inicial, julgando extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 295, parágrafo único, inciso III e 267, incisos I e VI, do Código de Processo Civil de 1973.

Em razões de apelação (fls. 404/423), sustenta o Município de Atibaia, em síntese, que a presente desapropriação recai tão somente sobre bens imóveis não operacionais da extinta Rede Ferroviária Federal e, portanto:

a) a possibilidade jurídica do pedido decorre do disposto nos artigos 14, inciso I, alíneas 'a' e 'b' e 16, inciso I, ambos da Lei 11.483/07 e artigo 2º, e incisos, da Lei 11.124/2005, os quais permitem a venda direta, da União aos Municípios, de imóveis destinados a programas de regularização fundiária e provisão habitacional de interesse social e programas de reabilitação de áreas urbanas, razão pela qual não haveria qualquer impedimento na aquisição do imóvel pelo Município através da desapropriação, considerando que sua finalidade se adequa ao disposto no referido diploma legal;

b) a improcedência do pedido deduzido na inicial, tão somente em razão da impossibilidade do ente menor desapropriar o ente maior viola o princípio da ausência de hierarquia entre os entes federados;

c) a referida desapropriação não necessita de Decreto Presidencial, pois já havia lei federal autorizativa em vigor;

d) o objeto da desapropriação seria imóvel não operacional de uma sociedade anônima já extinta, razão pela qual não seria pertinente a necessidade de autorização do Governo Federal para a efetivação do ato;

e) ao suceder a Rede Ferroviária Federal a União Federal teria adquirido tanto os direitos quanto os deveres da sociedade de economia mista, sendo certo que o Decreto Expropriatório Municipal já havia constituído um ônus sobre o imóvel no momento da sucessão;

f) nos termos de entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez desativada a linha férrea, o bem teria sido afastado de sua destinação de interesse público, razão pela qual estaria sujeito a usucapião e, do mesmo modo, estaria sujeito à desapropriação pela Municipalidade;

g) o arbitramento dos honorários em 15% sobre o valor da causa se mostrou desproporcional e em franca dissonância com os critérios constantes do § 4º, do artigo 20, do Código de Processo Civil, vigente à época da condenação.

Pede, ao final, o provimento ao presente recurso de apelação, para que, subsidiariamente: a) seja julgado procedente o pedido de desapropriação intentado pela municipalidade em face da União Federal; b) a r. sentença seja declarada nula, devendo os autos retornar à origem para que seja proferida nova decisão, afastada a impossibilidade jurídica do pedido; c) a redução dos valores fixados à título de honorários advocatícios, os quais devem ser fixados nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC/73.

Às fls. 432/433 o representante do Ministério Público Federal em primeiro grau manifestou-se pela improcedência do recurso.

Em contrarrazões de apelação (fls. 435/441) a União Federal aduz, preliminarmente, que:

a) deve ser mantida a decisão que reconheceu a impossibilidade jurídica do pedido, considerando a expressa vedação da desapropriação de bens da União pelos Municípios que consta do § 3º, do artigo 2º, do Decreto lei nº 3.365/41, aplicáveis a qualquer espécie de desapropriação;

b) a Municipalidade não possui interesse de agir no que tange ao pedido de imissão na posse, considerando que já é detentora da posse em razão de contrato de concessão de uso, a título gratuito e por tempo indeterminado, celebrado em 28 de junho de 2006.

Quanto ao mérito alega que:

a) desde janeiro de 2007 o imóvel em discussão pertence à União Federal, razão pela qual, nos termos do § 2, do art. 2º, do Decreto-Lei 3.365/41, o Município não pode efetuar sua desapropriação;

b) ainda que o decreto desapropriatório tenha sido editado em 15 de agosto de 2006, não há que se falar na transferência do imóvel em momento anterior à sucessão da propriedade pela União, uma vez que, inexistindo decisão quanto ao valor da justa indenização, a desapropriação ainda não restou consumada;

c) ainda que o imóvel não fosse de propriedade da União, a desapropriação estaria vedada nos termos do § 3º, do artigo 2º, do Decreto Lei 3.365/41, que determina que "é vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República".

Após a subida dos autos a Essa Egrégia Corte Regional, a apelante requereu a concessão da antecipação dos efeitos da tutela pretendida no recurso de apelação, considerando a novidade legislativa constante do artigo 8º, da Medida Provisória n° 496/2010, posteriormente convertida na Lei Federal 12.348/10 (fls. 443/447 e 475/476), que transcrevo a seguir:

"(...)
Art. 8º. Ficam convalidadas as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007.
§ 1o  A União fica autorizada a celebrar acordos, renunciar valores, principais e acessórios, nas ações de que trata o caput, até a quitação total dos precatórios, desde que as áreas desapropriadas estejam sendo utilizadas ou sejam destinadas a projeto de reabilitação de centros urbanos, funcionamento de órgãos públicos ou execução de políticas públicas, sem fins lucrativos. 
§ 2o  Poderão ser realizados acordos em relação à parcela da área desapropriada que cumpra os requisitos do § 1o, seguindo a desapropriação em relação ao restante do imóvel. 
§ 3o  Não serão devidas quaisquer devoluções de valores já pagos em decorrência dos acordos com fundamento no § 1o. (...)"

Considerando o texto legal supratranscrito, a União Federal, em 17/03/2011, requereu a suspensão do processo por 06 (seis) meses (fls. 466/468 e 480/481), sob o fundamento de que consideraria uma proposta de acordo realizada pela Municipalidade apelante.

Decorrido expressivo lapso temporal, a União Federal novamente se manifestou às fls. 485/495 e 499/500, aduzindo a impossibilidade de apreciar o acordo até a data manifestação (09/03/2017), em razão de dificuldades operacionais nos órgãos responsáveis pela sua convalidação.

Às fls. 506/510, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do recurso, considerando que inexistiriam provas da efetiva imissão na posse do imóvel em discussão em data anterior a 22 de janeiro de 2007, como exige o artigo 8º, da Lei 12.348/2010.

Novamente instado a se manifestar, o Município da Estância de Atibaia-SP informou que, em 09 de abril de 2019, o acordo entre as partes ainda não teria se concretizado (fls. 513).

É o relatório.




VOTO

A EXMA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA ADRIANA TARICCO (RELATORA):


Inicialmente, verifico que as questões preliminares referentes à impossibilidade jurídica do pedido devem ser afastadas em razão do disposto no artigo 8º, da Medida Provisória n° 496/2010, posteriormente convertida na Lei Federal 12.348/10.

Isto posto, verifico que o citado diploma legal convalida as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007, como se depreende da simples leitura do seu art. 8º, verbis:

"(...)
Art. 8o Ficam convalidadas as desapropriações sobre imóveis não operacionais da extinta RFFSA realizadas por outros entes da Federação, desde que o apossamento ou a imissão na posse tenham ocorrido antes de 22 de janeiro de 2007.
§ 1o A União fica autorizada a celebrar acordos, renunciar valores, principais e acessórios, nas ações de que trata o caput, até a quitação total dos precatórios, desde que as áreas desapropriadas estejam sendo utilizadas ou sejam destinadas a projeto de reabilitação de centros urbanos, funcionamento de órgãos públicos ou execução de políticas públicas, sem fins lucrativos.
§ 2o Poderão ser realizados acordos em relação à parcela da área desapropriada que cumpra os requisitos do § 1o, seguindo a desapropriação em relação ao restante do imóvel.
§ 3o Não serão devidas quaisquer devoluções de valores já pagos em decorrência dos acordos com fundamento no § 1o. (...)"

Destarte, considerando que não houve impugnação quanto à natureza não operacional do imóvel em discussão, vê-se que o pedido de imissão na posse deduzido na inicial foi deferido pelo Juízo "a quo" em 14 de dezembro de 2006 (fls. 144), sendo certo que a decisão judicial apenas modificou o fundamento jurídico da posse que a Autora já titularizava em razão de contrato de concessão de direito real de uso firmado entre a Rede Ferroviária Federal S.A. e o Município da Estância de Atibaia em 28 de junho de 2006 (fls. 95/99), como afirmado pela própria União Federal em contrarrazões de apelação, in verbis:

"(...) observamos, preliminarmente, que a Municipalidade da Estância de Atibaia não necessita de imissão na posse em questão, pois ela já é detentora, s.m.j., de tal qualidade, conforme demonstraram a documentação anexada ao processo, que comprovam a celebração de um 'Contrato de Concessão de Uso', a título gratuito e por tempo indeterminado, do bem imóvel tratado neste feito. (...)" (fls. 437)

Nesse ponto, importante considerar que a Lei 12.348/10, ao fixar um marco temporal para a validação das desapropriações sobre imóveis da extinta RFFSA por outros entes da Federação, refere-se expressamente à data da imissão na posse, momento em que a desapropriada deixa de exercer de forma plena o domínio da imóvel e já se permite ao ente público praticar os atos materiais necessários ao atendimento do interesse público que determinou aquele ato.

Assim sendo, ainda que a transferência do domínio do imóvel não tenha se consumado, a imissão da posse em momento anterior à data fixada no diploma legal em discussão já permite a aplicação do texto legal em discussão, ainda que o trânsito em julgado da decisão judicial lhe seja posterior, considerando a inexistência de qualquer exigência legal nesse sentido.

Ademais, depreende-se da simples leitura do texto legal, que a mens legis da norma é a manutenção das situações de fato criadas com a imissão na posse de Imóveis pertencentes à extinta RFFSA por entes públicos diversos, eis que, garantida a justa indenização pela perda da propriedade, a reversão dos atos materiais praticados, caso se aplique a vedação constante no decreto lei 3365/41, estaria em contrariedade ao interesse público que motivou a prática do ato expropriatório.

No que tange à aventada necessidade de prévio decreto presidencial para a desapropriação de bens da Rede Ferroviária Federal, nos termos do § 3º, do artigo 2º, do Decreto Lei 3365/41, verifico que o texto legal veda "a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização", sendo certo que, no caso concreto, a desapropriação resume-se a imóveis não operacionais da extinta RFFSA e, como já dito, com a edição da Medida Provisória 496/2010, a Presidência da República ratificou expressamente as desapropriações de bens da RFFSA por entes menores, desde que a imissão na posse se desse em data anterior à 22 de janeiro de 2007.

Por fim, considerando que a desapropriação do Imóvel visa a reurbanização de áreas ocupadas por habitações precárias destinadas à população de baixa renda e que própria União Federal, no caso concreto, manifestou interesse na transferência do bem imóvel ao Município Apelante (fls. 480/481, 485/487 e 499/500), a aplicabilidade do artigo 8º, da Lei 12.348/2010 ao caso concreto mostra observância ao disposto no artigo 8º, do Código de Processo Civil que dispões que "ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência".

Reconhecida, pois, a possibilidade jurídica do pedido, passo a análise do mérito, nos termos do § 3º, do artigo 1.013 do Código de Processo Civil.

Às fls. 22/26 consta cópia do decreto municipal 5.032, de 15 de agosto de 2006, que declarou, para fins de urbanização, a utilidade pública do imóvel em discussão, assim como ressalta que, através do Decreto 4.053, também expedido pela Prefeitura de Estância de Atibaia, a área já teria sido reconhecida como Zona Especial de Interesse Social.

Na inicial a parte Autora atribuiu ao imóvel em discussão o valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil, quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos - fls. 20), em consonância com laudo realizado pela Caixa Econômica Federal de fls. 47/104.

Por sua vez, o laudo elaborado pelo perito do Juízo atribuiu ao referido imóvel o valor de R$ 23.300,00 (vinte e três mil e trezentos reais - fls. 155/208).

Às fls. 350 a União Federal havia manifestado discordância em relação ao valor apresentado pelo perito judicial, alegando que: a) o valor apurado teria sido obtido através da mera opinião de corretores de imóveis; b) o método a ser adotado para avaliação seria o método involutivo, e não o comparativo, utilizado in casu; c) o valor final se mostraria irrisório para uma área tão grande (quatro mil, seiscentos e trinta metros quadrados).

Não trouxe a parte ré, entretanto, qualquer elemento concreto que permitisse aferir a invalidade do laudo produzido pelo perito Judicial.

Com efeito, não há que se falar em qualquer vício no laudo apresentado, uma vez que o trabalho pericial foi minucioso, tendo sido realizado por profissional especializado, equidistante das partes, que levou em consideração o valor de mercado do imóvel à época da realização da perícia.

No que tange à alegada obrigatoriedade da aplicação do método involutivo de avaliação, prevista no § 2º, do artigo 14, da Lei 11.483/07, essa refere-se tão somente à possibilidade de alienação direta pela União Federal, dos imóveis não-operacionais oriundos da extinta RFFSA, o que não é o caso dos autos.

Nesse ponto cumpre ainda ressaltar que o laudo realizado pela Caixa Econômica Federal, cujo valor é extremamente similar ao laudo elaborado pelo perito do juízo, contou com a participação de profissionais atuantes no mercado imobiliário e foi elaborado levando em conta as particularidades do imóvel, ainda que se refira a uma área mais abrangente daquela em discussão, como se depreende do seguinte excerto, in verbis:

"(...) Tendo em vista a impossibilidade de determinação da avaliação nos preceitos expressos na NBR-14653-1/2001, no que tange à identificação do diagnóstico de mercado' específico do objeto avaliando na sua atual conjuntura, o mesmo fora neste preterido, em função da atual e predominante ocupação da área, com habitações informais de baixa renda (tipo 'favela') e área de seleção de lixo urbano.
Deste modo optou-se por utilizar a conjugação de métodos avaliatórios (à guisa de 'Laudo de uso restrito'), exclusivo para propiciar embasamento à negociação entre as partes.
Fora alicerçado no conceito de valor econômico do empreendimento supostamente atingível após o investimento hipotético com a realização de projetos, serviços e obras de reforma, construção e adaptação, garantida uma remuneração financeira correspondente ao 'custo de oportunidade de igual risco' e com base no valor de mercado.
Para tanto, desenvolveu-se método de quantificação de custo e método comparativo direto de dados de mercado, compilados sob a égide de cronograma físico-financeiro e fluxo de caixa (...)".

Ademais, o mero inconformismo em relação ao resultado da perícia, sem qualquer referência a elementos concretos que permitam aquilatar o efetivo valor do bem, não possui o condão de qualificar como imprestável a prova realizada.

Por fim, considerando as peculiaridades do caso concreto, onde o valor trazido pelos laudos periciais colacionados se mostram extremamente similares e o apresentado pela parte autora traz uma condição ligeiramente mais favorável a ré, tendo inclusive sido acolhido pela RFFSA em momento anterior à sua efetiva liquidação, adoto o laudo trazido pela parte autora, no valor de R$ 23.406,47 (vinte e três mil e quatrocentos e seis reais e quarenta e sete centavos) como o valor da justa indenização.

No que se refere à correção dos valores devidos, verifico que o pagamento da indenização iniciou-se após um acordo entre expropriante e expropriada (RFFSA), onde se pactuou o parcelamento do valor indenizatório oferecido pelo Município de Atibaia, ora adotado por essa Turma Julgadora, com o recolhimento mensal através de depósitos judiciais mensais e incidência de juros de 12% ao ano, mais a aplicação do IPCA sobre as parcelas vincendas, nos termos da planilha juntada às fls. 138/141, que deve ser mantida nos termos acordados.

No que tange aos juros compensatórios, assentada a constitucionalidade dos dispositivos que estabelecem que os juros compensatórios destinam-se tão-somente a retribuir a perda de renda comprovadamente sofrida pelo proprietário, em decorrência da privação da posse no período compreendido entre a data da imissão provisória no bem pelo poder público e a sua transferência compulsória ao patrimônio público, não há que se falar em sua incidência no caso concreto.

Com efeito, considerando que a legislação vigente determina a necessidade de comprovação da ocorrência de lucros cessantes para a incidência dos juros compensatórios, e que, no caso dos autos, não há qualquer alusão nesse sentido, considerando tratar-se de imóvel não operacional já ocupado por habitações informais de baixa renda, deverá ser afastada a incidência dos juros compensatórios.

Uma vez que o valor ofertado coincide com o valor da condenação, deixo de condenar a União Federal ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do artigo 27, § 1º, do Decreto Lei 3665/41 (ApCiv 0005956-78.2009.4.03.6105, DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/05/2019).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação para, reconhecendo a possibilidade jurídica do pedido, julgar procedente o pedido inicial, fixando como o valor ofertado na inicial como o da justa indenização e autorizando o levantamento, pela União Federal, dos depósitos realizados pela parte Autora.

É COMO VOTO.


ADRIANA TARICCO
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 19/09/2019 14:14:00