D.E. Publicado em 28/03/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | MARISA FERREIRA DOS SANTOS:10041 |
Nº de Série do Certificado: | 7D0099FCBBCB2CB7 |
Data e Hora: | 15/03/2019 13:44:00 |
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RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (RELATORA):
Apelações da autora e do INSS contra a sentença de fls. 701/711, que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o INSS a conceder auxílio-doença previdenciário desde a data do laudo (11.06.2010), e pagar as diferenças devidas desde 11.10.2010, corrigidas monetariamente nos termos do Provimento 64/2005 da COGE da Justiça Federal da 3ª Região, acrescidas de juros de 1% ao mês, a partir da citação.
A sentença autorizou o desconto dos valores pagos por força da tutela antecipada, declarou a impossibilidade da devolução dos valores recebidos por inexistência de má-fé e sua natureza alimentar, condenou o INSS a cessar os descontos e a devolver os valores indevidamente cobrados antes recebidos na forma de valores consignados, por conta da liminar concedida nos autos do Mandado de Segurança 2005.61.08.010234-6, da 2ª Vara Federal de Bauru, tudo desde cada retenção, atualizados monetariamente nos termos do Provimento 64/2005, e acrescidos de juros de 1% ao mês, a partir da citação, desde cada recebimento autárquico.
Os honorários foram fixados em 10% do valores devidos até a data da sentença, ausentes custas.
Sentença não submetida ao reexame necessário em razão do valor da causa.
Apelou a autora, sustentando:
A apelante requereu o provimento do recurso, com a consequente procedência do pedido inicial, afastamento da decadência, restabelecimento da aposentadoria por invalidez do aeronauta, com novo cálculo da RMI, aplicação da Súmula 47 da TNU e fixação de honorários sucumbenciais.
Apelou o INSS, sustentando;
O apelante requereu o provimento do recurso para que sejam alterados os juros moratórios, na forma do art. 1º-F da Lei 9494/1997, e os honorários advocatícios, reconhecendo-se a sucumbência reciproca.
Contrarrazões da autora às fls. 752/757.
Sem contrarrazões do INSS.
Às fls. 764/765, a autora juntou cópia da carta de concessão de aposentadoria por invalidez, com DIB em 17/07/2015.
É o relatório.
VOTO
A sentença ilíquida está sujeita ao reexame necessário, nos termos do entendimento firmado pelo STJ no REsp 1.101.727 (DJ 03/12/2009). Tenho por interposta a remessa oficial, tendo em vista que a sentença foi proferida na vigência do CPC de 1973.
A complexidade do caso impõe sejam detalhadas as alegações das partes.
Alegações da autora na petição inicial:
Pedidos da autora na petição inicial:
Juntados à inicial os documentos de fls. 32/249 (volume I) e 252/476 (volume II).
Por determinação judicial, a autora juntou aos autos os documentos de fls. 483/498).
A decisão de fls. 499/504 indeferiu a antecipação da tutela, determinou a comprovação do requerimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição, deferiu a justiça gratuita e determinou a produção de perícia médica.
Em resposta, a autora esclareceu que não requereu administrativamente a aposentadoria por tempo de contribuição porque, na forma do Enunciado n. 5 do Conselho Pleno do CRPS, "A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido". Por isso, por ocasião da alta médica que fez cessar a aposentadoria por invalidez de aeronauta, o servidor do INSS deveria tê-la convertido em aposentadoria por tempo de contribuição e implantado o benefício, sendo desnecessário o requerimento administrativo. Formulou quesitos.
Alegações do INSS na contestação:
Após a produção da prova pericial, a decisão de fls. 641/651 antecipou a tutela e determinou a implantação do benefício de auxílio-doença.
Implantado o auxílio-doença, insurgiu-se a autora, alegando que tem direito ao auxílio-doença do aeronauta, ao que respondeu o INSS, alegando a inexistência desse beneficio na legislação atual.
Pelo que se depreende dos autos, a autora foi aposentada por invalidez, na condição de aeronauta, com DIB em 01/04/1991. Estivera, antes, em gozo de auxílio-doença de aeronauta, com DIB em 25/04/1988, embora estivesse afastada do trabalho desde 03/09/1987.
Os benefícios foram concedidos na APS de Copacabana - RJ, mas os pagamentos foram transferidos para a APS de Bauru - SP, em julho/1997, tendo permanecido na APS de origem o processo administrativo de concessão, que nunca mais foi encontrado.
Inconformada com o valor da renda mensal do benefício que recebia, a autora requereu a revisão da RM em 11/06/1996, ainda na APS de Copacabana, pedido não apreciado, o que a levou a formular novo requerimento em 08/01/2004, que também não foi decidido.
Depois de muitas idas e vindas, e sem obter resposta aos pedidos de revisão administrativa, a apelante impetrou Mandado de Segurança em 2005, onde foi concedida liminar para que lhe fosse pago benefício com renda mensal no valor do teto do RGPS (R$ 2.668,15) até a conclusão do pedido de revisão administrativa, o que ocorreu em 2007.
A DECADÊNCIA
A primeira questão que se coloca diz com a decadência do direito à revisão da DIB e da RMI de benefícios concedidos em 1988 e 1991, uma vez que esta ação foi ajuizada em 2.009.
Decidiu a sentença pela configuração da decadência em face do disposto no art. 103 da Lei 8.213/1991, alterada pela Lei 10.839/2004, e também com fundamento do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 626489.
Registre-se que até a edição da MP 1.523-9, em 27.06.1997, posteriormente convertida na Lei 9.528/97, inexistia o prazo decadencial.
A Lei 9.528, de 10.12.1997, alterou o art. 103 da Lei 8.213/91, que passou a conter a seguinte redação:
Referido prazo foi reduzido para cinco anos, por força da MP-1663-15/98, convertida na Lei 9.711/98.
Posteriormente, foi editada a MP-138/03, com vigência a partir de 20.11.2003, convertida na Lei 10.839/04, que deu nova redação ao citado art. 103 e elevou o prazo decadencial, novamente, para dez anos.
Observo, de início, que havia adotado o entendimento corrente na doutrina e na jurisprudência segundo o qual o instituto da decadência era inaplicável aos benefícios concedidos até a edição da MP 1.523-9/1997, que foi convertida na Lei 9.528/97.
Contudo, a 1ª Turma do STJ, em voto de relatoria do Min. Teori Albino Zavascki, ao julgar o RESP 1.303.988 - PE, firmou o entendimento de que o prazo decadencial previsto na Lei 9.528/1997 aplica-se aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, ressalvando apenas que o termo inicial de sua aplicação é a data em que entrou em vigor o referido diploma legal (28.06.1997):
O STF também já se manifestou relativamente à questão, no RE 626489, sendo julgado o mérito de tema com repercussão geral em 16.10.2013, estabelecendo a decisão (por maioria) que o prazo de dez anos para pedidos de revisão de RMI passa a contar a partir da vigência da MP 1523/97, e não da data da concessão do benefício. Segundo o STF, a inexistência de limite temporal para futuro pedido de revisão, quando da concessão do benefício, não infirma que o segurado tenha direito adquirido a que tal prazo nunca venha a ser estabelecido.
Portanto, o prazo decadencial, conforme previsto na Lei 9.528/97, ou seja, "a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo" não pode ser aplicado aos benefícios concedidos anteriormente à sua edição, face ao princípio de irretroatividade da lei, contudo, deve ser aplicado a partir da MP 1.523-9, publicada em 27.06.1997, com vigência a partir de 28.06.1997, pelo que revejo posicionamento anteriormente adotado.
Entretanto, com relação a questões que não foram objeto de análise por parte do INSS, por ocasião do pedido administrativo, o STJ assentou:
O benefício foi concedido com DIB em 01/04/1991 e a ação foi proposta em 11/09/2009 (fl. 02). Tendo em vista a entrada em vigor da MP 1.523-9 em 28.06.1997, resta evidente que transcorreu o prazo decadencial.
O RESTABELECIMENTO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
A prova juntada comprova que a autora nunca foi chamada pelo INSS para submissão a perícia médica destinada a avaliar suas condições. A providência só foi tomada pelo INSS em 2007, depois que a autora impetrou MS para que a autarquia proferisse decisão nos pedidos de revisão anteriormente formulados, cuja liminar determinou o pagamento da renda mensal do benefício no valor do teto do RGPS até que a revisão administrativa fosse consumada.
A revisão administrativa resultou em renda mensal no valor de um salário mínimo (R$ 380,00 em julho de 2007).
Mas a revisão administrativa, requerida pela autora, resultou na sua convocação para perícia médica, que concluiu pela "recuperação parcial da capacidade laborativa" porque não estava a aposentada inapta omniprofissionalmente.
Ao tempo da concessão da aposentadoria por invalidez à autora, o aeronauta tinha essa proteção previdenciária na forma da CLPS de 1984 (Decreto 89.312/1984), que lhe garantia, ainda, a aposentadoria especial (art. 36).
O art. 30 do Decreto 89.312/1984 estabelecia os requisitos para a concessão da aposentadoria por invalidez:
A incapacidade total e permanente eram, já naquele tempo, requisitos indispensáveis à concessão do benefício.
Pelo que se depreende dos autos, a autora foi convocada para a perícia médica porque foi constatado, durante a revisão administrativa requerida, seu retorno ao trabalho junto ao Governo do Estado de São Paulo, na Divisão de Ensino, exercendo o cargo de professora de educação básica II, na região de Bauru, no período de 07/02/2000 a 08/02/2001.
Para o deslinde da questão, necessário avaliar se o exercício dessa atividade pelo período de um ano seria suficiente para afastar a incapacidade total e permanente, imprescindível à concessão da aposentadoria por invalidez, e a cessação retroativa do benefício concedido e recebido até 2009.
O auxílio-doença, com DIB em 25/04/1988, foi convertido em aposentadoria por invalidez de aeronauta em 01/04/1991, antes, portanto, da Lei 8.213/91, ao fundamento de estar "incapaz definitivamente para a atividade aérea".
A proteção previdenciária do aeronauta, com a Lei 8.213/1991, passou a ser a mesma dos demais segurados, de modo que a revisão periódica dos benefícios por incapacidade de aeronauta passou a ser feita na forma da nova legislação, com respeito à diferença, contudo, de ser a perícia médica feita por perito do INSS.
O auxílio-doença para aeronautas, até 31/5/2017, vinha sendo precedido de avaliação das condições físicas dos trabalhadores por meio de Juntas Mistas Especiais de Saúde da Aeronáutica (JMES), na forma do art. 317 da IN INSS/PRES n. 77/2015:
A JMES era regida pela Instrução do Comando da Aeronáutica (ICA) n. 160-22/2004, que foi revogada por publicação no Boletim do Comando da Aeronáutica n. 47.
Foi, então, expedida a Res. 588, de 31/5/2017, que estabeleceu o regramento para o atendimento dos aeronautas pelo INSS, deliberando no sentido de que os procedimentos referentes ao requerimento/atendimento do benefício por incapacidade do segurado aeronauta devem observar os mesmos moldes dos demais segurados do RGPS. Além de outras normas, estabeleceu:
Com o novo regramento, os aeronautas, para concessão de auxílio-doença, deixaram de ser atendidos pela Junta Mista e passaram a ser encaminhados diretamente às agências do INSS, e passaram a ter sua avaliação igual à dos demais segurados do RGPS.
Contudo, em 17/10/2007, a perícia deveria ter sido feita por Junta Médica Especializada, na forma da ICA 160-22/2000, então vigente. Essa a primeira irregularidade que levou à cessação da aposentadoria por invalidez.
O perito entendeu, naquela ocasião, que a autora já não estava total e definitivamente incapacitada para o trabalho (incapacidade omniprofissional) porque ingressou, sem concurso público, através de um amigo, num projeto do Centro Especial de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério Lourdes de Araújo (CEFAM) no ano de 2.000, onde exercia atividade artística durante 02 horas/aula por dia, com caráter extracurricular. Salienta a autora que permaneceu nessa atividade no período de 07/02/2000 a 008/02/2001, tendo se afastado em razão de seu estado de saúde.
O processo de concessão da aposentadoria por invalidez nunca foi encontrado, de modo que não se tem o laudo pericial lá produzido que fundamentou a aposentadoria por invalidez de aeronauta (B33). Mas há nos autos notícia de que foi afastada definitivamente de suas atividades por Junta Médica do Centro de Medicina Espacial em virtude de depressão reativa, quadro depressivo reativo ansioso neurótico, quadro depressivo reativo com conteúdos fóbicos, e quadro neurótico fóbico.
Os documentos juntados dão conta de que a autora foi aposentada por invalidez de aeronauta com 36 anos de idade (1991), e esteve afastada do trabalho a partir de 1987 e em gozo de auxílio-doença desde 1988. Ou seja, sem atividade laborativa desde os 33 anos de idade.
Mas é importante salientar que a aposentadoria por invalidez foi paga à apelante durante 18 anos - DIB 01/04/1991 e suspensão em abril/2009, cessação retroativa a fevereiro/2000 - e só foi cessada em razão do pedido de revisão feito pela própria autora. Não tivesse ela pedido a revisão, estaria recebendo até hoje a aposentadoria por invalidez de aeronauta.
Na data da suspensão do benefício, em 2009, a autora contava já 54 anos de idade.
A autora alega que a alta médica foi indevida porque, ao tempo da perícia, padecia dos mesmos males causadores da incapacidade, acrescidos de posterior Hepatite B e C, doenças que ora não se consideram na análise por serem posteriores ao termo inicial do benefício que se quer restabelecer.
O laudo pericial feitos nestes autos por médica psiquiatra (fls. 586/593), em 11/06/2010, esclarece:
A perita concluiu que, na data do laudo, a incapacidade era temporária, com recuperação estimada de 12 a 18 meses, estimativa feita em razão de "cronicidade e gravidade do quadro" e que, "no momento, não é passível de reabilitação profissional" "porque a incapacidade é total". Também concluiu que a segurada não pode mais exercer a atividade anterior de comissária de bordo, e que "Após estabilização do quadro psíquico a pericianda por ser reabilitada para outra função não relacionada à atividade aérea ou exercer alguma atividade relacionada a sua graduação em Letras".
Há nos autos, também, a manifestação do assistente técnico da autora, que denominou de "Contra Laudo" (fls. 620/622), que declinou:
O assistente técnico do INSS também apresentou seu laudo, onde concluiu que "Trata-se de patologia, crônica estabilizada que não compromete a atividade laboral do requerente" (fls. 626/629).
Em resposta aos quesitos complementares da autora, a perita do juízo esclareceu (fls. 633/635):
Depois da produção da prova pericial, foi deferida a antecipação da tutela para implantação do auxílio-doença.
Às fls. 688, a autora juntou atestado do médico psiquiatra que acompanha seu tratamento, o mesmo que atuou como assistente técnico (Onildo da Silva Melo, CRM 19458). Disse o médico:
A prova produzida indica que a segurada sempre padeceu de problemas psiquiátricos depois de aposentada por invalidez como aeronauta.
Por todo o contexto se observa que a insistência na revisão da renda mensal do benefício, pela qual esperou durante muito tempo, foi realmente o que moveu a autarquia a convocá-la para perícia depois de quase vinte anos.
As doenças psíquicas que acometem a segurada, afastada do trabalho desde os 33 anos de idade, são caracterizadas por alternarem períodos de exacerbação dos sintomas com períodos de quase normalidade, instabilidade emocional que impede o exercício de atividade profissional.
A isso se acrescenta que a aposentadoria por invalidez de aeronauta foi cessada em 2009, em razão da pericia médica feita em 17/10/2007, com efeitos retroativos a 07/02/2000.
Em 2009, a autora tinha 54 anos de idade. Não parece crível que pudesse recomeçar a vida laboral em qualquer atividade.
E a atividade que exerceu durante um ano na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo não ficou bem esclarecida nestes autos. Consta que a autora foi professora, embora não concursada.
A autora apelante sustenta que esse período de atividade relacionava-se ao seu tratamento médico. Aliás, o mesmo médico psiquiatra, que há muito a acompanha, atestou em 16/03/2009 (fls. 303):
A observação do mundo real indica que pessoa que padece dessa doença dificilmente consegue exercer atividade profissional onde é imperioso o contato direto com outras pessoas, como acontece com a atividade de professor.
A autora trouxe provas de que a atividade teve curta duração, e que não foi exercida de forma que se pudesse considerá-la prova da cessação da incapacidade total e permanente para o trabalho.
Às fls. 304, foi juntada declaração assinada por NAIR LEITE RIBEIRO NASSARALA, com data de 15/03/2009, com firma reconhecida. Diz a declarante:
Às fls. 305, declaração assinada por DIONISIO DALBEN GONÇALVES, com firma reconhecida, datada de 15/03/2009:
Declaração de FABIANO MOURA GONÇALVES DOS SANTOS, com firma reconhecida, datada de 18/03/2009, juntada às fls. 306:
E, por fim, a declaração assinada por EZEQUIEL DE OLIVEIRA ROSA, com firma reconhecida, e datada de 18/03/2009, juntada às fls. 307:
Desse enredo se tira que a autora realmente tentou se integrar ao grupo social, o que fez pelo período de um ano, em atividade que não está comprovado fosse de professora, mas, sim, pelas declarações transcritas, tinha caráter extracurricular e não de ensino em sala de aula, de modo que não configura retorno à atividade laborativa capaz de levar à suspensão da cobertura previdenciária.
Saliente-se que esses documentos não foram impugnados pelo INSS.
Além dos problemas psíquicos dos quais já padecia e que a levaram à aposentadoria por invalidez de aeronauta, a situação da autora se agravou com o desenvolvimento das Hepatites B e C, conforme fartamente comprovado nos autos.
As Hepatites B e C foram contraídas depois que a autora foi aposentada por invalidez, o que apenas vem comprovar que, além de não se ter recuperado da causa originária da incapacidade total e permanente, ainda contraiu outras doenças incapacitantes.
O controle das doenças que levaram à incapacidade total e permanente, presença constante nas perícias médicas judiciais, é possível por meio de medicamentos, mas nem sempre é bem sucedido, levando a concessões de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez que, muitas vezes são suspensos justamente porque a perícia administrativa conclui pela ausência de incapacidade, e, levado o caso a juízo, a perícia judicial apresenta conclusão em sentido contrário.
O que a experiência tem demonstrado é que doenças como as que acometem a autora - depressão, transtorno bipolar, transtorno de ansiedade etc. - ainda são pouco compreendidas pela ciência médica e, consequentemente, por quem tem que decidir pela concessão, indeferimento ou cessação de benefício por incapacidade já concedido, notadamente o juiz, que embasa suas conclusões no laudo.
A análise da prova produzida - pericial e documental - leva à conclusão de que a aposentadoria por invalidez de aeronauta não poderia ter sido cessada, seja porque a perícia foi feita pelo INSS em desacordo com as normas então vigentes, seja porque a incapacidade total e permanente nunca mais deixou a autora.
Por uma razão ou por outra, a hipótese é de restabelecimento da aposentadoria por invalidez de aeronauta desde quando cessada, descontando-se os valores pagos a título de auxílio-doença, com acréscimos de correção monetária e juros legais, cessando todos os descontos feitos na renda mensal do benefício ora recebido pela autora.
As parcelas vencidas serão acrescidas de correção monetária a partir dos respectivos vencimentos e de juros moratórios a partir da citação.
A correção monetária será aplicada em conformidade com a Lei n. 6.899/81 e legislação superveniente, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, observados os termos do julgamento final proferido na Repercussão Geral no RE 870.947, em 20/09/2017, ressalvada a possibilidade de, em fase de execução do julgado, operar-se a modulação de efeitos, por força de decisão a ser proferida pelo STF.
Os juros moratórios serão calculados de forma global para as parcelas vencidas antes da citação, e incidirão a partir dos respectivos vencimentos para as parcelas vencidas após a citação. E serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, na forma dos arts. 1.062 do antigo CC e 219 do CPC/1973, até a vigência do CC/2002, a partir de quando serão de 1% (um por cento) ao mês, na forma dos arts. 406 do CC/2002 e 161, § 1º, do CTN. A partir de julho de 2.009, os juros moratórios serão de 0,5% (meio por cento) ao mês, observado o disposto no art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, alterado pelo art. 5º da Lei n. 11.960/2009, pela MP n. 567, de 13.05.2012, convertida na Lei n. 12.703, de 07.08.2012, e legislação superveniente, bem como Resolução 458/2017 do Conselho da Justiça Federal.
A DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS EM RAZÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA NOS AUTOS DO MANDADO DE SEGURANÇA PROC. 2005.61.08.010234-6 (2ª VARA FEDERAL DE BAURU)
O INSS se insurge contra a sentença na parte em que reconhece ser indevida a cobrança dos valores recebidos em razão da liminar concedida no referido Mandado de Segurança, por terem sido recebidos de boa-fé pela autora.
A questão está sub judice no STJ, com andamento dos processos suspenso em todas as instâncias inferiores, nos autos do REsp 1.381.734/RN.
O julgamento do mérito dessa questão fica assim impossibilitado até o julgamento a ser proferido pelo STJ.
Contudo, nestes autos, pode-se decidir sobre a legalidade do procedimento do INSS de cobrança administrativa de tais valores.
E a jurisprudência tem sido no sentido de que o INSS não pode cobrar administrativamente valores recebidos em razão de tutela antecipada posteriormente cassada, devendo, sim, cobrá-los nos autos do processo em que aquela decisão foi proferida.
E nem poderia ser diferente! A hipótese é de retorno do processo ao status quo ante, ou seja, de retorno da situação processual presente quando a tutela antecipada foi concedida, o que só é possível com a fixação do valor devido, depois de regular contraditório e ampla defesa. Nesse sentido:
Depois de sucessivas derrotas judiciais, a Procuradoria Geral Federal e o Presidente do INSS expediram a Portaria Conjunta n. 2, de 16/01/2018, que dispõe:
Ou seja, a própria Administração Pública reconhece a impropriedade da cobrança administrativa de tais verbas.
Fato é que, independentemente do julgamento de mérito que o STJ venha a proferir sobre a questão, não pode o INSS cobrar administrativamente da autora o que recebeu em razão da decisão, posteriormente cassada, que liminarmente determinou o pagamento do benefício devido no valor do teto do RGPS até que consumada a revisão administrativa requerida.
Ilegal, portanto, a cobrança administrativa, devendo o INSS valer-se da via adequada, nos próprios autos em que foi proferida a decisão ulteriormente modificada.
O DANO MORAL
Os autos comprovam que a autora, por mais de 10 anos, aguardou o desfecho do requerimento administrativo de revisão do beneficio, o que só ocorreu em razão de decisão judicial. Tanto que acabou colhida pela decadência para a revisão da RMI, cujo prazo não se interrompe e nem se suspende mesmo no caso de evidente incompetência, desídia e ilegalidade por que passou.
Dano moral evidente! Pessoa aposentada por invalidez de aeronauta, recebendo renda mensal de um salário mínimo, padecendo de transtornos psíquicos e vendo a vida desmoronar, sem conseguir rever o valor do benefício que recebia porque o INSS simplesmente não localizou o processo administrativo!
Tão grave a situação, que originou inquérito policial.
A desorganização administrativa previdenciária, em algumas localidades, é pública e notória, desde sempre. E, neste caso, chegou ao ponto de fazer morrer o direito à revisão porque se consumou a decadência por ter a autora esperado e esperado anos a fio a localização do indigitado processo administrativo.
Se tinha direito à revisão, e talvez realmente o tivesse, perdeu-o por desídia da Administração Pública, o que, muito além dos danos materiais consistentes no pagamento dos valores corretos, agora de impossível apuração e cobrança, acarreta dano moral em razão dos agravos evidentes causados à sua saúde mental, do descrédito no Estado que deveria ampará-la, do fracasso da proteção previdenciária para a qual contribuiu.
Inaplicável, a meu ver, a máxima "O Direito não socorre os que dormem". Quem poderia prever, nos idos das décadas de 1980 e 1990 que a decadência um dia colheria os direitos dos segurados? Quem, recebendo cobertura previdenciária por incapacidade, poderia imaginar que a própria Administração daria causa à decadência perdendo processos administrativos que deveria conservar?
O que mais chama a atenção é que a autora recebeu aposentadoria por invalidez de aeronauta por quase 20 anos, tendo recebido anteriormente auxílio-doença.
O INSS, embora tivesse o poder/dever, que sempre teve, aliás, de convocar a segurada para perícia, perdeu o processo administrativo e só se "lembrou" da segurada em razão dos requerimentos de revisão por ela formulados.
E mais: foi submetida à humilhação de, depois de 20 anos aposentada por invalidez, ter sua aposentadoria cessada justamente depois de requerer administrativamente a revisão.
Há, assim, nexo de causalidade entre a ineficiência administrativa e os danosos percalços que a autora tem que passar sem poder defender seu direito de ao menos recalcular e apurar a correta fixação da renda mensal do benefício.
O valor dos danos morais é de difícil fixação. Por isso são "morais" e não "materiais". Impõe a avaliação das consequências íntimas e pessoais do ofendido, o que somente ele pode conhecer.
Em 2015, o INSS acabou por deferir, administrativamente, a aposentadoria por invalidez, quando a autora já contava 60 anos de idade.
A fixação do valor em R$ 100.000,00 (cem mil reais) se mostra, a meu ver, satisfatória no caso porque a autora, embora tenha realmente passado por todo esse drama, tanto que ficou sem receber benefício por quase 2 anos (2009 a 2011), recebeu cobertura previdenciária de auxílio-doença de 29/04/2011 a 16/07/2015, quando, então, lhe foi concedida novamente aposentadoria por invalidez, só que, desta vez, previdenciária, porque não mais existe a cobertura específica para o aeronauta.
Para o INSS, não se pode dizer que a fixação do valor seja satisfatória porque, na verdade, quem arcará com os custos será o erário público, já tão combalido por tantos desmandos. Cabe-lhe cobrar daqueles que deram causa aos danos, servidores na época.
Fixo os danos morais em R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor que deverá ser corrigido a partir do julgamento dos recursos, incidindo desde então a correção monetária e os juros de mora.
OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA
Os honorários de sucumbência devem ser fixados conforme a legislação vigente na data da publicação da sentença, isto é, conforme o CPC/1973, de modo que o percentual de 10% (dez por cento) se mostra adequado.
Fixo os honorários de sucumbência em 10% (dez por cento) do valor da condenação apurado na data do Acórdão, na forma da Súmula 111 do STJ, isto é, parcelas vencidas até a data desta decisão, conforme entendimento adotado pelo STJ (0.155.028, 18/10/2012, 2ª T., AgRgEDeclREsp) e pela 3ª Seção desta Corte (precedentes: AR 2010.03.00012023-9 - 28/05/2015; AR 2010.03.00.015567-9 - 25/06/2015; AR 2011.03.00.019451-3 - 28/05/2015; AR 2012.03.00.015973-6 - 28/11/2013; AR 2013.03.00.003538-9 - 11/06/2015), não incidindo a regra do art. 85 do CPC/2015.
DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA para:
DOU PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO INSS para que a cobrança dos valores a maior recebidos em razão da liminar concedida no Mandado de Segurança seja processada e decidida pelo juízo competente.
É O VOTO.
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