D.E. Publicado em 28/03/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, extinguir o processo sem resolução do mérito, julgando prejudicada a apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 15/03/2019 13:38:34 |
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RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural, com pedido sucessivo de aposentadoria por tempo de contribuição.
Concedidos os benefícios da justiça gratuita.
O juiz de primeiro grau julgou improcedente o pedido de aposentadoria por idade rural e condenou a autora ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), observando-se os termos da Lei 1.060/50.
Apela a autora, alegando estarem preenchidos os requisitos à concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (Relatora):
A sentença foi publicada na vigência do antigo CPC, regrada a análise pelas disposições então vigentes.
Os requisitos para concessão da aposentadoria por idade de trabalhador rural estão fixados nos arts. 142 e 143 da Lei 8213/1991, e, quando segurado especial em regime de economia familiar, nos arts. 39, I, e 142 da mesma lei.
A carência estatuída no art. 25, II, não tem aplicação integral imediata, devendo ser escalonada e progressiva, na forma estabelecida no art. 142, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à obtenção do benefício. Trata-se de regra de transição destinada àqueles que já estavam no sistema antes da modificação legislativa.
Embora o art. 2º da Lei 11.718/2008 tenha estabelecido que "para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010", mesmo a partir de 01.01.2011 é possível a concessão do benefício, contudo, com base em fundamento legal diverso.
A aposentadoria por idade continua sendo devida aos rurícolas, não mais nos termos do art. 143 do PBPS, mas, sim, com fulcro no art. 48 e parágrafos da Lei 8.213/91, com as modificações introduzidas pela Lei 11.718/2008:
Nos casos em que o(a) autor(a) completa a idade para a aposentadoria por idade rural após 31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, e deve preencher os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses, e imediatamente anterior ao requerimento.
A inicial sustentou que a autora é trabalhadora rural.
A interpretação sistemática da legislação previdenciária permite concluir que a exigência de comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao do requerimento do benefício só tem sentido quando ainda não completado o tempo necessário para a concessão, na forma prevista no art. 142 da Lei 8.213/91. Se a parte deixou as lides rurais após trabalhar pelo período exigido no art. 143, não tem sentido negar-lhe o benefício. Aplicando o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços para populações urbanas e rurais, descrito no art. 194, II, da Constituição Federal, é de se entender que, à semelhança dos urbanos, a posterior perda da condição de segurado não obsta à concessão do benefício quando já cumprida a carência.
Comprovado o exercício da atividade rural, não há que se falar em perda da qualidade de segurado, uma vez o trabalhador rural deve apenas comprovar os requisitos idade e tempo de atividade.
O conceito de carência, para o diarista e para o segurado especial, tem sentido peculiar, que se satisfaz com o exercício da atividade, dispensando o pagamento das contribuições previdenciárias.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:
A autora completou 55 anos em 27.12.2004, portanto, fará jus ao benefício se comprovar sua condição de rurícola pelo período de 138 meses.
O art. 106 da Lei 8.213/1991 enumera os documentos aptos à comprovação da atividade, rol que não é taxativo, admitindo-se outras provas, na forma do entendimento jurisprudencial dominante.
Para comprovar sua condição de rurícola, a autora juntou os documentos de fls. 22/56.
Documentos expedidos por órgãos públicos, nos quais consta a qualificação do autor como lavrador, podem ser utilizados como início de prova material, como exige o art. 55, § 3º, da Lei 8213/91, para comprovar a sua condição de rurícola, se confirmada por prova testemunhal.
Entendo que a perda da condição de segurado que não impede a concessão do benefício àquele que cumpriu a carência também se aplica aos trabalhadores rurais.
Entretanto, essa norma, como todas as demais, não comporta leitura e interpretação isoladas. Deve ser analisada dentro do sistema que a alberga e, no caso, com vistas à proteção previdenciária dada aos trabalhadores rurais.
Daí que cabe investigar o real significado da exigência contida no art. 143 da Lei 8.213/91, o quê realmente deve ser exigido do trabalhador rural para que tenha direito à sua aposentadoria por idade. Deve estar trabalhando no dia imediatamente anterior ao requerimento? Um ano antes? Dois anos antes? Qual o período de interrupção do trabalho rural que pode ser considerado imediatamente anterior ao requerimento do benefício?
Penso que a resposta está no próprio art. 143, cuja infeliz redação, ensejadora de tantas discussões, tem em vista a proteção do trabalhador rural.
No regime anterior à Constituição de 1.988, os trabalhadores rurais estavam expressamente excluídos do Regime Geral de Previdência Social, e tinham algum amparo apenas dentro dos limites do Prorural.
A Constituição de 1988 estabelece que, para fins de seguridade social, trabalhadores urbanos e rurais devem ter tratamento uniforme e equivalente, o que impõe que os trabalhadores rurais tenham a mesma proteção previdenciária dada aos urbanos.
O novo Regime Geral de Previdência Social, conforme previsto na Constituição, foi implementado com as Leis 8.212 e 8.213/91.
Instituído o novo RGPS, era necessário dar proteção àqueles trabalhadores rurais que, antes da nova legislação, estavam expressamente excluídos da cobertura previdenciária, e essa proteção veio, justamente, na forma prevista no art. 143 da Lei 8.213/91: aposentadoria por idade, desde que comprovado o efetivo exercício da atividade rural pelo período correspondente à carência prevista no art. 143, e no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício.
A "mens legis" foi, sem dúvida, proteger aquele trabalhador rural que antes do novo regime previdenciário não tivera proteção previdenciária, ou seja, que fizera das lides rurais o seu meio de vida. É verdade que a lei tolera que a atividade rural tenha sido exercida de forma descontínua. Entretanto, não admite que tenha aquele trabalhador perdido a sua natureza rurícola.
A lei implicitamente reconhece que o trabalhador rural nem sempre consegue emprego, em especial em época de entressafras, o que o obriga a aceitar trabalho de natureza urbana. Não é raro encontrar trabalhadores rurais que, por não encontrarem trabalho no campo, acabam por trabalhar como pedreiros, ou jardineiros, atividades tipicamente urbanas.
Para que se caracterize tipicamente como rural, com direito à aposentadoria com idade reduzida, o trabalhador deve, então, comprovar que exerceu atividade rural pelo menos por um período que, mesmo que descontínuo, some o total correspondente à carência exigida.
A análise só pode ser feita no caso concreto. É a história laboral do interessado que pode levar à conclusão de que permaneceu, ou não, essencialmente, trabalhador rural.
Se das provas surgir a comprovação de que o trabalho rural não foi determinante para a sobrevivência do interessado, não se tratará de trabalhador rural com direito à proteção previdenciária prevista no art. 143 da Lei 8.213/91.
O STJ decidiu, reiteradamente, em sede de recurso repetitivo:
O reconhecimento de trabalho rural exercido na qualidade de diarista ou em regime de economia familiar depende da apresentação de início de prova material contemporânea aos fatos, conforme previsto no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, corroborado por posicionamento jurisprudencial consolidado na Súmula 149 do STJ.
A prova material apresentada deve guardar a necessária correlação lógica e pertinente com a prova oral, devendo considerar, ainda, as situações peculiares do rurícola diarista, que não possui similaridade com a do rurícola em regime de economia familiar, pois o primeiro trabalha de forma avulsa, com vínculo não empregatício com o tomador do serviço, e mediante remuneração, e o segundo trabalha por conta própria, em regra, com a cooperação de familiares, sem qualquer vínculo de dependência financeira com terceiros, visando a subsistência ou o rendimento decorrente da venda da produção.
Evidente, portanto, que a prova material de cada modalidade de trabalho rural possui características próprias, principalmente quanto ao alcance e à possibilidade de seu aproveitamento por outrem.
O trabalho rural em regime de economia familiar permite o aproveitamento do início de prova material em reciprocidade entre os membros da entidade familiar, sendo permitida a comunicação da qualificação profissional de um membro para outro, como ocorre entre os cônjuges, entre pais e filhos, e em outras hipóteses nas quais presente o parentesco.
No reconhecimento do trabalho rural do diarista não se permite, em regra, o aproveitamento da prova material, que não em nome próprio, em razão do caráter solitário e avulso do trabalho desempenhado.
Assim, o diarista só poderá aproveitar o início de prova material produzida em nome de outrem, mesmo que de algum familiar, se devidamente amparado pelas demais provas dos autos.
Ocorre que, se de um lado a jurisprudência alarga o conceito de início de prova material, por outro lado, o início de prova material, por si só, não serve para comprovar o trabalho rural, sendo indispensável a existência de prova testemunhal convincente.
Nesse sentido:
Em recurso repetitivo (Resp 1352791-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgamento em 27/11/2013), o STJ firmou posicionamento de que os períodos em que o rurícola trabalhou com registro em CTPS na atividade rural devem ser computados para efeito de carência, mesmo em outras modalidades de aposentadoria. Isto porque o responsável pelo recolhimento para o Funrural era o empregador, não o empregado.
No mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, em 19 de agosto de 2015, firmou a tese de que o INSS deve computar, para efeito de carência, o período trabalhado como empregado rural, registrado por empresas agroindustriais ou comerciais, em aposentadoria por tempo de serviço rural (Processo nº 0516170-28.2009.4.05.8300).
Com relação ao reconhecimento do trabalho rural, já decidi em outras ocasiões que o ano do documento mais remoto, onde conste a qualificação de lavrador, era o termo inicial dessa atividade, ainda que a prova testemunhal se reportasse a período anterior. Contudo, com o julgamento do REsp n. 1.348.633/SP, representativo de controvérsia, de relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima, a jurisprudência do STJ admitiu o reconhecimento de tempo de serviço rural em período anterior ao documento mais antigo, desde que corroborado por convincente prova testemunhal.
Ao caso dos autos.
Para comprovar a condição de rurícola, a autora apresentou cópia dos seguintes documentos:
- Certidão de casamento, celebrado em 10.05.1985, na qual o marido da autora está qualificado como comerciante;
- CTPS da autora, sem anotações;
- CTPS do cônjuge da autora, sem anotações;
- Declaração de propriedade imobiliária rural em nome do genitor da autora;
- Certidão de matrícula de imóvel rural, lavrada em 02.03.1983, demonstrando a aquisição pela autora, através de herança, de parte de propriedade rural denominada "Sítio Fartura da Cachoeira", com área de 8,7 ha, nesta estando os genitores da autora qualificados como lavradores e ela "do lar";
- Escritura de demarcação de metragem, lavrada em 16.05.1927, em nome de terceiro;
- Certidão atestando a existência de escritura de Divisão amigável do referido imóvel, constando o nome do pai da autora como um dos beneficiados, cabendo-lhe a área de pouco mais de oito hectares, em 19.01.1953;
- Notas fiscais, emitidas entre 2005 e 2008, comprovando a venda de produtos agrícolas pelo marido da autora;
- Certidão de óbito da genitora da autora, lavrada em 21.11.1986, na qual ela está qualificada como aposentada;
- Formal de Partilha, lavrado em 06.04.1983, relativo ao falecimento do genitor da autora;
A certidão de casamento indica como profissão do marido da autora a de comerciante.
As certidões e documentos que comprovam que a autora herdou parte de um imóvel rural, após o falecimento do pai, não constitui prova material suficiente para comprovar o exercício da atividade rurícola, uma vez que se encontram isolados nos autos, na medida em que não há comprovação do efetivo exercício da atividade rural, por meio da produção ou comercialização de gêneros agrícolas, no período relativo aos documentos juntados. Nesse sentido:
A consulta ao sistema CNIS (documento em anexo) indica um vínculo urbano em nome da autora, de 01.09.1991 a 30.09.1993, na condição de empresário/empregador e, quanto ao marido, aponta que recebe benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, na condição de comerciário, desde 17.10.1997, no valor atual de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais).
Conforme documento de fl. 134, a atividade urbana em nome próprio tratava de um comércio atacadista de produtos hortigranjeiros.
A autora deveria comprovar, com documentos contemporâneos em seu nome, a continuidade do trabalho rural. Contudo, não há nos autos quaisquer documentos em nome próprio que demonstrem o exercício da atividade rural e que possam ser adotados como início de prova material.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ em recurso repetitivo:
A comprovação da condição de rurícola da autora apenas por prova testemunhal implica ofensa à Súmula 149 do STJ.
O STJ decidiu, em recurso representativo de controvérsia, que a ausência de início de prova material considerado válido para a concessão do benefício tem como consequência (arts. 485, IV, e 320, do CPC/2015 e 267 do CPC/1973) a extinção do processo sem resolução do mérito (REsp 1.352.721/SP).
Condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da causa, suspendendo a sua exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC/2015).
EXTINGO o processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC/1973 e 485, IV, e 320, do CPC/2015). Prejudicada a apelação.
É como voto.
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