Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/02/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000941-69.2007.4.03.6115/SP
2007.61.15.000941-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANCA e outro(a)
: HELENA DE LIMA FRANCA
ADVOGADO : SP016061 ANTERO LISCIOTTO e outro(a)
APELANTE : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANCA e outro(a)
: HELENA DE LIMA FRANCA
ADVOGADO : SP016061 ANTERO LISCIOTTO e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
No. ORIG. : 00009416920074036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. TABELA PRICE. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS.
1. No julgamento dos recursos aplica-se o CPC/73.
2. A Tabela Price, por si só, não pode ser considerada ilegal.
3. Verificou-se, com base na prova pericial, a ocorrência de amortização foi negativa. Nesse caso, a parcela dos juros não amortizada pelo pagamento das prestações deve ser realocada para conta apartada do saldo devedor.
4. 4. O art. 6º, "e", da Lei 4.380/64 não estabelece limitação de incidência de juros remuneratórios a 10% ao ano.
5. Existência de saldo devedor em favor da CEF.
6. Apelações desprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de fevereiro de 2019.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000941-69.2007.4.03.6115/SP
2007.61.15.000941-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANCA e outro(a)
: HELENA DE LIMA FRANCA
ADVOGADO : SP016061 ANTERO LISCIOTTO e outro(a)
APELANTE : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : CARLOS CASTILHO AGUIAR FRANCA e outro(a)
: HELENA DE LIMA FRANCA
ADVOGADO : SP016061 ANTERO LISCIOTTO e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
No. ORIG. : 00009416920074036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas em face de sentença que assim decidiu:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo a fase de conhecimento com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para fins de CONDENAR a ré à obrigação de proceder à revisão do saldo devedor do financiamento, de forma que, desde o início da execução contratual, o lançamento dos juros não pagos mensalmente seja efetuado em conta separada, cujos valores não devem sofrer nova incidência de juros remuneratórios, mas apenas correção monetária pelo índice previsto em contrato. Considerando que houve sucumbência recíproca, impõe-se a divisão proporcional das despesas, custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00, já que não houve condenação à obrigação de pagar e não se sabe, por ora, qual o proveito econômico obtido pelos autores (artigo 20, 3º e 4º, e artigo 21, caput, ambos do CPC).Traslade-se cópia aos autos da ação cautelar. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Razões recursais da CEF a fls. 415/428 e dos autores a fls. 439/454.

Foram oferecidas contrarrazões.

É o relatório.






VOTO


O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Esclareço, inicialmente, que com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.3.2015) - NCPC, em 18 de março de 2016, é necessário fazer algumas observações relativas aos recursos interpostos sob a égide do Código de Processo Civil anterior (Lei nº 5.869, de 11.01.1973) - CPC/73.

O art. 1.046 do NCPC dispõe que "[a]o entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973".

O art. 14 do NCPC, por sua vez, dispõe que "[a] norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".

Esse último dispositivo citado decorre do princípio do isolamento dos atos processuais, voltado à segurança jurídica. Isso significa que os atos praticados sob a vigência de determinada lei não serão afetados por modificações posteriores. É a aplicação do princípio tempus regit actum.

Assim, os atos praticados durante o processo, na vigência do CPC/73 não serão afetados pelo NCPC, tais como as perícias realizadas, os honorários advocatícios estabelecidos em sentença e os recursos interpostos.

Portanto, no exame do presente recurso, aplicar-se-á aos honorários advocatícios o CPC/73, pois a sentença, que os estabeleceu foi publicada sob a sua vigência, consolidando-se naquele momento o direito e o seu regime jurídico.

Pela mesma razão, não incide no caso a sucumbência recursal de que trata o art. 85, § 11, do NCPC. Isso, aliás, é objeto do enunciado nº 11 do Superior Tribunal de Justiça, aprovado em sessão plenária de 9 de março de 2016: "Somente nos recursos interpostos com decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC".

Feitos estes esclarecimentos, passo ao exame dos recursos.

A sentença merece ser confirmada.

De fato, o contrato previu que as prestações mensais seriam calculadas mediante a aplicação do Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) que, por si só, não pode ser considerado ilegal, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PERÍCIA. DESNECESSIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. APLICAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) PARA CORREÇÃO DO SALDO DEVEDOR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TABELA PRICE. LEGALIDADE. CAPITALIZAÇÃO ILEGAL DOS JUROS JÁ AFASTADA. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CONSTATAÇÃO DA MÁ-FÉ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A análise da relação contratual sob a ótica do CDC não implica alteração das conclusões do acórdão impugnado.
(...)
5. A utilização do Sistema Francês de Amortização, Tabela Price, para o cálculo das prestações da casa própria não é ilegal e não enseja, por si só, a incidência de juros sobre juros.
6. Verificada a existência de amortizações negativas, impõe-se o afastamento da indevida capitalização, providência já determinada pelo juízo de origem.
(...)
8. Agravo regimental a que se nega provimento.
(Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 201401451434, Quarta Turma, Rel. Ministro Raul Araújo, j. em 03.02.2015, DJE 13.02.2015)

Portanto, a utilização do Sistema Francês de Amortização (Tabela Price) para o cálculo das prestações do financiamento imobiliário não é ilegal e não enseja, por si só, a incidência de juros sobre juros (anatocismo). É necessário que se demonstre a existência de amortizações negativas.

Em contratos com previsão de incidência da Tabela Price, se o valor das parcelas não for suficiente para o pagamento dos juros mensais, estes são somados ao saldo devedor. Verifica-se, com isso, a amortização negativa. Posteriormente, quando do cômputo de novos juros, estes incidirão sobre o saldo devedor, já acrescido dos juros não amortizados pela parcela anteriormente paga, o que leva ao anatocismo.

No entanto, a capitalização de juros é vedada pelo ordenamento. Nesse sentido, a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

No caso em concreto, conforme consignou a sentença, verificou-se, com base na prova pericial produzida (fls. 439), que houve a prática de amortização negativa. Nesse caso, a parcela dos juros não amortizada pelo pagamento das prestações deve ser realocada para conta apartada do saldo devedor.

Nesse sentido, o julgado do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO.
1. Para efeito do art. 543-C: 1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7.
1.2. O art. 6º, alínea "e", da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios.
2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros remuneratórios.
(Recurso Especial 1070297/PR, Segunda Seção, v.u., Rel.: Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 09/09/2009, DJe 18/09/2009)
O próprio STJ, ao julgar o REsp nº 1.095.852, em interpretação do julgamento do REsp nº 1.070.297, orientou-se no sentido de que é vedada a capitalização de juros vencidos em intervalo inferior a um ano, permitida, no entanto, a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa:
RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH . CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. POSSIBILIDADE. ENCARGOS MENSAIS. IMPUTAÇÃO DO PAGAMENTO. ART. 354 CC 2002. ART. 993 CC 1916.
1. Interpretação do decidido pela 2ª Seção, no Recurso Especial Repetitivo 1.070.297, a propósito de capitalização de juros, no Sistema Financeiro da Habitação.
2. Segundo o acórdão no Recurso Repetitivo 1.070.297, para os contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação até a entrada em vigor da Lei 11.977/2009 não havia regra especial a propósito da capitalização de juros, de modo que incidia a restrição da Lei de Usura (Decreto 22.626/33, art. 4º). Assim, para tais contratos, não é válida a capitalização de juros vencidos e não pagos em intervalo inferior a um ano, permitida a capitalização anual, regra geral que independe de pactuação expressa. Ressalva do ponto de vista da Relatora, no sentido da aplicabilidade, no SFH , do art. 5º da MP 2.170-36, permissivo da capitalização mensal, desde que expressamente pactuada.
3. No Sistema Financeiro da Habitação, os pagamentos mensais devem ser imputados primeiramente aos juros e depois ao principal, nos termos do disposto no art. 354 Código Civil em vigor (art. 993 Código de 1916). Entendimento consagrado no julgamento, pela Corte Especial, do Recurso Especial nº 1.194.402-RS (Relator Min. Teori Albino Zavascki), submetido ao rito do art. 543-C.
4. Se o pagamento mensal não for suficiente para a quitação sequer dos juros, a determinação de lançamento dos juros vencidos e não pagos em conta separada , sujeita apenas à correção monetária, com o fim exclusivo de evitar a prática de anatocismo, encontra apoio na jurisprudência atual do STJ. Precedentes.
5. Recurso especial provido.
(Recurso Especial 1095852/PR, Segunda Seção, v.u., Rel.: Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 14/03/2012, DJe 19/03/2012)

Assim também tem decidido esta Décima Primeira Turma, ou seja, que é possível a capitalização dos juros com periodicidade anual:
AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. CPC, ART. 557. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH . REVISÃO CONTRATUAL. TABELA PRICE. PES. CES. TAXA REFERENCIAL - TR. TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ORDEM DE AMORTIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA . PLANO COLLOR. URV. SEGURO. CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO LEI 70/66. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CDC.
(...)
- A capitalização de juros, em intervalo anual, deve ser permitida nos contratos celebrados no âmbito do SFH , anteriores à Lei nº 11.977/2009, regra esta aplicável a todos os mútuos bancários que não eram contemplados com autorização legal específica para a capitalização em intervalo inferior.
- A fim de preservar a vedação do Decreto 22.626/33 à capitalização de juros em intervalo inferior a um ano, cumpre determinar a criação de conta separada para a contabilização dos juros vencidos sem pagamento, a qual será sujeita apenas à correção monetária.
(...)
- Agravo legal da parte autora desprovido.
(Apelação Cível 00004142620114036100, Primeira Turma, v.u., Rel.: Desembargador Federal José Lunardelli, j. em 11.02.2014 e-DJF3 Judicial 1 18/02/2014)
No período em que se deu tal anormalidade, deverá a ré promover o destaque, em conta separada, da parte de juros não amortizados no respectivo mês, corrigindo-se esta conta pelos índices contratuais, sem a incidência de novos juros, podendo ser contabilizados ao saldo devedor somente após o período de 1 (um) ano.

Sob a sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973 firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na linha de que o art. 6º, "e", da Lei 4.380/64 não estabelece limitação de incidência de juros remuneratórios a 10% ao ano. Cuida-se, unicamente, de condição para aplicação do art. 5º da referida Lei. Esse o teor da ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO .
1. Para efeito do art. 543-C: 1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do sistema financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7.
1.2. O art. 6º, alínea "e", da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios.
2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros remuneratórios.
(REsp 1070297/PR, Segunda Seção, v.u., Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 09.09.2009, DJe 18.09.2009)
Na mesma linha, a Súmula nº 422 do STJ, sendo válida, portanto, a taxa de juros pactuada no contrato.

Diante da sistemática acima apresentada, não há como se falar em declaração de inexistência de saldo devedor, devendo ser improvido tal pleito.

Tendo cada litigante sido parcialmente vencedor e vencido, correta a sentença ao estabelecer a sucumbência recíproca (CPC/73, art. 21, caput).

Posto isso, NEGO PROVIMENTO às apelações.

É o voto.





NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 19/02/2019 16:19:39