Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 21/03/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001721-07.2006.4.03.6127/SP
2006.61.27.001721-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : ELIZEU RIBEIRO
ADVOGADO : SP229461 GUILHERME DE CARVALHO e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : RUY DE AVILA CAETANO LEAL e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL OU APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE. COMPROVAÇÃO. PERICULOSIDADE. DEMAIS ATIVIDADES. NÃO CARACTERIZADA A ESPECIALIDADE. TEMPO INSUFICIENTE À CONCESSÃO DE QUAISQUER DAS BENESSES. AVERBAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. APELO DA PARTE AUTORA PROVIDO EM PARTE.
1 - Na peça vestibular, a parte autora descreve minuciosamente todo seu passado laborativo, incluindo atividades como trabalhador rural, servente e vigilante, para as quais pleiteia reconhecimento do caráter especial, em prol da concessão de "aposentadoria especial" ou, noutra hipótese, de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição".
2 - Observando-se, de forma detida, as laudas do documento profissional do autor, infere-se que, no decorrer de seu percurso laborativo (principiado em 09/05/1977, preservado até tempos hodiernos, totalizados 43 vínculos empregatícios, quase sempre de curta duração), as tarefas teriam sido desenvolvidas/categorizadas, ora como trabalhador rural, ora como safrista, ora como trabalhador braçal, ora como ajudante geral, ora como colhedor, ora como serviços gerais, ora como servente, ora como servente de pedreiro, ora como vigilante. Para todas, aguarda a resolução de sua especialidade.
3 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
4 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
5 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.032/95.
6 - Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
7 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
8 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
9 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
10 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
11 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
12 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
13 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
14 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
15 - Dentre os documentos carreados ao feito, destacam-se a já mencionada CTPS e os documentos específicos, cuja finalidade precípua seria a de comprovar, de modo inequívoco, o desempenho laboral sob condições especiais. E assim o foi, como doravante descrito: * de 21/02/1997 a 29/05/1998, na qualidade de vigilante (agência bancária) junto à empregadora Officio Serviços de Vigilância e Segurança Ltda., conforme CTPS e formulário, salientando-se, por ora, que a aludida carteira profissional detém, ainda, anotação acerca da CBO (Classificação Brasileira de Ocupação) correspondente a 58.330, que designa ofício de Guarda de Segurança e Vigia; * de 01/06/1998 a 30/11/1999, na qualidade de vigilante junto à empregadora Protege - Proteção e Transporte de Valores S/C Ltda., conforme CTPS e formulário e laudo técnico, sendo que estes últimos expõe o exercício do serviço como, partim, serviços de vigilância ostensiva simples, fazendo rondas pelo local de trabalho, portando arma de fogo calibre 38, zelando pelo bem patrimonial da empresa sob sua responsabilidade e efetuando controle de entrada/saída de pessoas no estabelecimento; * de 01/12/1999 a 30/05/2006 (data da emissão documental), na qualidade de vigilante (vigilância em geral) junto à empregadora SP- Interseg Sistemas de Segurança Ltda., conforme CTPS e PPP, com a seguinte descrição de atividades: zela pelo patrimônio, vigiando as dependências e áreas privadas, recepciona e controla a movimentação de pessoas na empresa.
16 - A profissão de guarda patrimonial, vigia, vigilante e afins, para a qual se comprove o efetivo porte de arma de fogo no exercício das atribuições, é considerada de natureza especial durante todo o período a que está a integridade física do trabalhador sujeita aos riscos de seu dever de proteger o bem alheio e inibir eventual ação ofensiva, inclusive com a possibilidade de resposta armada.
17 - Reputa-se perigosa tal função por equiparação da categoria àquelas previstas no item 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64, ainda que não tenha sido incluída pelos Decretos nº 83.090/79 e nº 89.312/84, cujos anexos regulamentares encerram classificação meramente exemplificativa. Ressalte-se que essa presunção de periculosidade perdura mesmo após a vigência do Decreto nº 2.172/97, independentemente do laudo técnico a partir de então exigido.
18 - No tocante a todas as demais tarefas indicadas em CTPS (repitam-se: trabalhador rural, safrista, trabalhador braçal, ajudante geral, colhedor, serviços gerais, servente e servente de pedreiro), circunscritas a 09/05/1977 até 18/12/1996 (esta, a data de afastamento do emprego que antecede o labor de vigilante), não se autoriza o reconhecimento da especialidade, não apenas porque tais tarefas não se encontram inseridas nos róis dos Decretos pertinentes à matéria (da insalubridade laboral), como também porque inexistem nos autos documentação referindo à exposição a qualquer agente agressivo.
19 - A atividade exercida exclusivamente na lavoura é absolutamente incompatível com a ideia de especialidade, eis que não exige, sequer, o recolhimento de contribuições para o seu reconhecimento.
20 - Com o reconhecimento de apenas parte do tempo laborativo especial pretendido, mesmo numa análise perfunctória, sem grandes esforços matemáticos, depreender-se-ia que a parte autora não atinge total de anos o suficiente à concessão de "aposentadoria especial", contando com número inferior a 25 anos de tempo de serviço exclusivamente especial.
21 - Procedendo-se ao cômputo dos intervalos especiais ora reconhecidos, acrescidos dos tempos de labor de natureza comum (demais anotações em CTPS), verifica-se que o autor, na data do aforamento da demanda, em 20/07/2006, contava com 27 anos e 23 dias de serviço (equivalente ao somatório das duas tabelas), tempo nitidamente insuficiente à aposentação reclamada.
22 - O pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 21/02/1997 a 29/05/1998, 01/06/1998 a 30/11/1999 e 01/12/1999 a 30/05/2006.
23 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a gratuidade da justiça conferida ao autor e por ser o INSS delas isento.
24 - Apelação da parte provida em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte autora para, reformando em parte a r. sentença de 1º grau, reconhecer os intervalos de labor especial de 21/02/1997 a 29/05/1998, 01/06/1998 a 30/11/1999 e 01/12/1999 a 30/05/2006, determinando à Autarquia previdenciária que proceda à respectiva averbação, com a necessária conversão, alfim estabelecendo a sucumbência recíproca, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de março de 2019.
CARLOS DELGADO


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Data e Hora: 13/03/2019 13:35:24



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001721-07.2006.4.03.6127/SP
2006.61.27.001721-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE : ELIZEU RIBEIRO
ADVOGADO : SP229461 GUILHERME DE CARVALHO e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO : RUY DE AVILA CAETANO LEAL e outro(a)
: SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


Trata-se de ação previdenciária ajuizada em 20/07/2006 por ELIZEU RIBEIRO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de "aposentadoria especial" ou, sucessivamente, de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição", mediante o reconhecimento de períodos laborativos especiais.


Citação da autarquia realizada em 07/08/2006 (fl. 47vº).


Em 23/05/2007, a d. Magistrada de Primeiro Grau, acolhendo a preliminar arguida pelo INSS, de carência da ação por falta de interesse de agir (ante a ausência de prévio pedido de benefício, à administração), julgou extinto o processo, sem exame do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC/73 (fls. 106/108), condenando o demandante no pagamento de verba honorária arbitrada em 10% sobre o valor atribuído à causa (de R$ 50.000,00), suspendendo a exigência dos valores em virtude da gratuidade processual deferida (fl. 43).


Na sequência, com a apelação do autor, defendendo a anulação do julgado (fls. 112/124) e as contrarrazões ofertadas pelo INSS (fls. 128/137), ascenderam os autos a esta Corte, sobrevindo decisão monocrática em 12/07/2012 (fls. 139/140), da lavra do Juiz Federal Convocado Leonel Ferreira, dando provimento ao apelo, anulando a r. sentença e determinando o retorno dos autos à Vara de Origem, para prosseguimento regular.


Prolatada nova sentença em 28/02/2013 (fls. 159/167) julgou-se improcedente o pedido, condenando-se a parte autora no pagamento de honorários advocatícios estipulados em 10% sobre o valor dado à causa, afastando-se, contudo, a exigência, em razão da gratuidade outrora lhe concedida.


Em suas razões recursais (fls. 169/179), requer o autor, em síntese, a reforma integral do decisum, com a consideração da especialidade de suas tarefas laborativas, de modo que, assim, faria jus à benesse vindicada.


Devidamente processado o recurso, com o oferecimento de contrarrazões recursais (fls. 183/190), regressaram os autos a esta Corte Federal.


É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):


De introito, destaca-se a tramitação dos autos sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.


Na peça vestibular, a parte autora descreve minuciosamente todo seu passado laborativo, incluindo atividades como trabalhador rural, servente e vigilante, para as quais pleiteia reconhecimento do caráter especial, em prol da concessão de "aposentadoria especial" ou, noutra hipótese, de "aposentadoria por tempo de serviço/contribuição".


Uma digressão introdutória: observando-se, de forma detida, as laudas do documento profissional do autor (fls. 22/35), infere-se que, no decorrer de seu percurso laborativo (principiado em 09/05/1977, preservado até tempos hodiernos, totalizados 43 vínculos empregatícios, quase sempre de curta duração), as tarefas teriam sido desenvolvidas/categorizadas, ora como trabalhador rural, ora como safrista, ora como trabalhador braçal, ora como ajudante geral, ora como colhedor, ora como serviços gerais, ora como servente, ora como servente de pedreiro, ora como vigilante. Para todas, aguarda a parte autora a resolução de sua especialidade.


Verifica-se que o pedido formulado pela parte autora encontra previsão legal, especificamente na Lei de Benefícios.


Do labor especial


A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.


O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.


Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos, enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.


Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifo nosso)


Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.


A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente, para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.


Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, frise-se, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.


O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80 dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90 dB.


O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80 dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.


De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.


A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.


Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90 dB.


Assim, temos o seguinte quadro:


Período Trabalhado Enquadramento Limites de Tolerância
Até 05/03/1997 Anexo do Decreto nº 53.831/64. 2. Decretos nºs 357/91 e 611/92 80 dB
De 06/03/1997 a 18/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, redação original 90 dB
A partir de 19/11/2003 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração do Decreto nº 4.882/03 85 dB

Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.


Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).


Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:


"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria"
(STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29, de 11.02.2015, public. 12.02.2015)"

Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.


Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.


Do caso em tela.


Dentre os documentos carreados ao feito (fls. 21/41), destacam-se a já mencionada CTPS e os documentos específicos, cuja finalidade precípua seria a de comprovar, de modo inequívoco, o desempenho laboral sob condições especiais. E assim o foi, como doravante descrito:


* de 21/02/1997 a 29/05/1998, na qualidade de vigilante (agência bancária) junto à empregadora Officio Serviços de Vigilância e Segurança Ltda., conforme CTPS (fl. 33) e formulário (fls. 39/40), salientando-se, por ora, que a aludida carteira profissional detém, ainda, anotação acerca da CBO (Classificação Brasileira de Ocupação) correspondente a 58.330, que designa ofício de Guarda de Segurança e Vigia;

* de 01/06/1998 a 30/11/1999, na qualidade de vigilante junto à empregadora Protege - Proteção e Transporte de Valores S/C Ltda., conforme CTPS (fl. 33) e formulário e laudo técnico (fls. 101/104), sendo que estes últimos expõe o exercício do serviço como, partim, serviços de vigilância ostensiva simples, fazendo rondas pelo local de trabalho, portando arma de fogo calibre 38, zelando pelo bem patrimonial da empresa sob sua responsabilidade e efetuando controle de entrada/saída de pessoas no estabelecimento;

* de 01/12/1999 a 30/05/2006 (data da emissão documental), na qualidade de vigilante (vigilância em geral) junto à empregadora SP- Interseg Sistemas de Segurança Ltda., conforme CTPS (fl. 33) e PPP (fls. 36/38), com a seguinte descrição de atividades: zela pelo patrimônio, vigiando as dependências e áreas privadas, recepciona e controla a movimentação de pessoas na empresa.

Entendo que a profissão de guarda patrimonial, vigia, vigilante e afins, para a qual se comprove o efetivo porte de arma de fogo no exercício das atribuições, é considerada de natureza especial durante todo o período a que está a integridade física do trabalhador sujeita aos riscos de seu dever de proteger o bem alheio e inibir eventual ação ofensiva, inclusive com a possibilidade de resposta armada.


Alie-se como robusto elemento de convicção, nesse sentido, a reforma legislativa realizada pela Lei nº 12.740/2012, que alterou o art. 193 da CLT, para considerar a atividade de vigilante como perigosa, com o adicional de 30%, em virtude da exposição da categoria a roubos ou outras espécies de violência, mesmo não fazendo menção a uso de armas.


Ademais, reputa-se perigosa tal função por equiparação da categoria àquelas previstas no item 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64, ainda que não tenha sido incluída pelos Decretos nº 83.090/79 e nº 89.312/84, cujos anexos regulamentares encerram classificação meramente exemplificativa.


Ressalte-se que essa presunção de periculosidade perdura mesmo após a vigência do Decreto nº 2.172/97, independentemente do laudo técnico a partir de então exigido.


A propósito da continuidade das circunstâncias de perigo a que exposto o segurado, bem decidiu este E. Tribunal que "Diferentemente do que ocorre com a insalubridade, na qual ganha importância o tempo, por seu efeito cumulativo, em se tratando de atividade perigosa, sua caracterização independe da exposição do trabalhador durante toda a jornada, pois que a mínima exposição oferece potencial risco de morte, justificando o enquadramento especial, não havendo que se falar em intermitência, uma vez que o autor exerce a função de vigia durante toda a jornada de trabalho, assim sendo, a exposição ao risco é inerente à sua atividade profissional" (10ª Turma, AC nº 2007.03.99.038553-3, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, j. 23/06/2009, DJF3 01/07/2009, p. 889).


Por outro lado, no tocante a todas as demais tarefas indicadas em CTPS (repitam-se: trabalhador rural, safrista, trabalhador braçal, ajudante geral, colhedor, serviços gerais, servente e servente de pedreiro), circunscritas a 09/05/1977 até 18/12/1996 (esta, a data de afastamento do emprego que antecede o labor de vigilante, fl. 33), não se autoriza o reconhecimento da especialidade, não apenas porque tais tarefas não se encontram inseridas nos róis dos Decretos pertinentes à matéria (da insalubridade laboral), como também porque inexistem nos autos documentação referindo à exposição a qualquer agente agressivo.


De mais a mais, a atividade exercida exclusivamente na lavoura é absolutamente incompatível com a ideia de especialidade, eis que não exige, sequer, o recolhimento de contribuições para o seu reconhecimento. Neste sentido, aliás, é a orientação jurisprudencial do Colendo STJ e desta Eg. 7ª Turma, in verbis:


"PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. ENQUADRAMENTO COMO ATIVIDADE ESPECIAL DE QUE TRATA O ITEM 2.2.1 DO ANEXO DO DECRETO N. 53.831/64. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 9.032/95, QUE ALTEROU O ART. 57, § 4º, DA LEI N. 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DO DIREITO À CONTAGEM DE TEMPO DE TRABALHO ESPECIAL, NA HIPÓTESE EM ANÁLISE.
1. O reconhecimento de trabalho em condições especiais antes da vigência da Lei n. 9.032/95, que alterou o art. 57, § 4º, da Lei n. 8.213/91, ocorria por enquadramento. Assim, o anexo do Decreto 53.831/64 listava as categorias profissionais que estavam sujeitas a agentes físicos, químicos e biológicos considerados prejudiciais à saúde ou à integridade física do segurado.
2. Os segurados especiais (rurícolas) já são contemplados com regras específicas que buscam protegê-los das vicissitudes próprias das estafantes atividades que desempenham, assegurando-lhes, de forma compensatória, a aposentadoria por idade com redução de cinco anos em relação aos trabalhadores urbanos; a dispensa do recolhimento de contribuições até o advento da Lei n. 8.213/91; e um menor rigor quanto ao conteúdo dos documentos aceitos como início de prova material.
3. Assim, a teor do entendimento do STJ, o Decreto n. 53.831/64, no item 2.2.1 de seu anexo, considera como insalubres as atividades desenvolvidas na agropecuária por outras categorias de segurados, que não a dos segurados especiais (rurícolas) que exerçam seus afazeres na lavoura em regime de economia familiar. Precedentes: AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 13/03/2013 e AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 09/11/2011.
4. Recurso especial a que se nega provimento." (grifos nossos).
(REsp 1309245/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 22/10/2015).
"(...) - Na presente hipótese, não há possibilidade de estender a natureza especial a qualquer trabalhador no meio rural, pois a simples sujeição às intempéries da natureza, não caracteriza o labor no campo como insalubre ou perigosa. - Para o enquadramento da atividade rural como especial na situação prevista no código 2.2.1 do anexo ao Decreto n.º 53.831/1964, necessária comprovação do exercício da atividade rural, vinculado ao regime urbano, como empregado em empresa na agroindústria, agro-comércio ou agropecuária, desde que comprovada a efetiva exposição a agentes nocivos, nos moldes da legislação vigente na época da prestação de serviço, não sendo este o caso em questão..." (APELREEX 0034200-19.2002.4.03.9999, Rel Des. Ed. FAUSTO DE SANCTIS, j. 13/01/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/01/2014 - grifos nossos).

Em suma: passíveis de reconhecimento os intervalos de 21/02/1997 a 29/05/1998, 01/06/1998 a 30/11/1999 e 01/12/1999 a 30/05/2006.

Da aposentadoria especial.

Com o reconhecimento de apenas parte do tempo laborativo especial pretendido, mesmo numa análise perfunctória, sem grandes esforços matemáticos, depreender-se-ia que a parte autora não atinge total de anos o suficiente à concessão de "aposentadoria especial", contando com número inferior a 25 anos de tempo de serviço exclusivamente especial.


Da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.


A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal, o qual dispõe:


§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

A aposentadoria proporcional, por sua vez, foi extinta pela Emenda Constitucional 20/98, que, de forma expressa, assegurou no art. 3º o direito aos que já haviam implementado, até a data de sua publicação, em 16/12/98, o requisito temporal, ou seja, 30 (trinta) anos de trabalho no caso do homem e 25 (vinte e cinco) no caso da mulher, independentemente de qualquer outra exigência (direito adquirido).


A citada Emenda Constitucional também manteve a aposentadoria proporcional para os que já se encontravam filiados ao RGPS na data de sua publicação e não possuíam tempo suficiente para requerê-la, porém estabeleceu na regra de transição, verbis:


"Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
I - contar com cinquenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do "caput", e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:
I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:
a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e
b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior"

Conforme planilhas anexas (partes 1 e 2, contínua), procedendo-se ao cômputo dos intervalos especiais ora reconhecidos, acrescidos dos tempos de labor de natureza comum (demais anotações em CTPS), verifica-se que o autor, na data do aforamento da demanda, em 20/07/2006, contava com 27 anos e 23 dias de serviço (equivalente ao somatório das duas tabelas), tempo nitidamente insuficiente à aposentação reclamada.


Por sua vez, o pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 21/02/1997 a 29/05/1998, 01/06/1998 a 30/11/1999 e 01/12/1999 a 30/05/2006.


Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a gratuidade da justiça conferida ao autor e por ser o INSS delas isento.


Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora para, reformando em parte a r. sentença de 1º grau, reconhecer os intervalos de labor especial de 21/02/1997 a 29/05/1998, 01/06/1998 a 30/11/1999 e 01/12/1999 a 30/05/2006, determinando à Autarquia previdenciária que proceda à respectiva averbação, com a necessária conversão, alfim estabelecendo a sucumbência recíproca.


É como voto.


CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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