Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/04/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001314-24.2012.4.03.6116/SP
2012.61.16.001314-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : VALDINEI GOMES PEREIRA
ADVOGADO : PR030407 LEANDRO DE FAVERI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : RICARDO PAES DE LUNA
No. ORIG. : 00013142420124036116 1 Vr ASSIS/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRESCRIÇÃO. NÃO CONFIGURADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RÁDIO TRANSCEPTOR. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/92 INCABÍVEL. MATERIALDIADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. SÚMULA 231 DO STJ. CONCURSO MATERIAL. FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL ABERTO. SOMATÓRIA DAS PENAS CONSERVADA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA.

1. O apelante foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos, em concurso material com o delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.
2. Nos termos do artigo 109, V, do Código Penal, o prazo prescricional a ser aplicado para o crime de contrabando e para o delito de desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é de 04 (quatro) anos, prazo que não restou superado entre a data do recebimento da denúncia (29/05/2015 - fl. 246) e a publicação da sentença condenatória (06/09/2018 - fl. 451). Preliminar afastada.
3. A materialidade do crime de contrabando foi demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, pela Representação Fiscal para fins penais, pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias, e pela Relação de Mercadorias, os quais atestam a apreensão de 42.940 (quarenta e dois mil, novecentos e quarenta) maços de cigarro de origem paraguaia.
4. A autoria do delito foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborada pelas provas produzidas em juízo.
5. O uso do rádio transceptor apreendido subsume-se ao tipo penal do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97. Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-lei nº 236 de 28/02/1967, não foi revogada. Todavia, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL.
6. A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante, pelos Laudos de Perícia Criminal Federal veicular, pelo Auto de Apreensão e pelos Laudos Periciais em Equipamentos Eletroeletrônicos, que apontaram a presença de rádios transceptores ocultos nos dois carros apreendidos, bloqueados na mesma frequência, sem certificação ou selo de homologação junto à ANATEL.
7. A autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.
8. Na primeira fase da dosimetria da pena de ambos os crimes, o juiz sentenciante fixou a pena-base no mínimo legal. Inexistindo recurso da acusação, não houve nada que se perquirir, e a pena restou mantida no mínimo legal.
9. Na segunda etapa da dosimetria de ambos os crimes, o juiz sentenciante reconheceu a presença da atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o que restou mantido. Por outro lado, a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do STJ, razão pela qual se mostra impossível a diminuição das penas nos moldes do citado artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, e elas restaram mantidas no mínimo legal.
10. Na terceira fase da dosimetria, restou preservado o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.
11. Com relação ao delito inscrito no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, foi estabelecida pena de multa de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tendo por base o disposto no artigo 49 do Código Penal, em razão da inconstitucionalidade da multa prevista no preceito secundário do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, na linha da jurisprudência formada por esta E. Corte.
12. Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas pela prática das infrações devem ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticaram dois crimes.
13. No caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69. Dessa forma, inicialmente deverá ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, àquela cominada ao delito de desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação.
14. Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados.
15. Diante da pena final aplicada, deve ser mantido o regime inicial aberto para fins de cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
16. Presentes os requisitos elencados no artigo 44, § 2º, do Código Penal, resta mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação pecuniária, a qual, guardada a mesma proporcionalidade com a pena corporal decretada, e observada a condição socioeconômica do réu, resta mantida no valor de 1 (um) salário mínimo; ii) prestação de serviços à comunidade pelo período da pena substituída, a ser definida pelo juízo da execução.
17. De ofício, destino a pena de prestação pecuniária à União.
18. Apelo da defesa do réu Valdinei desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA, e, DE OFÍCIO, destinar a pena de prestação pecuniária à União, nos termos do voto do Des. Fed. Relator. Prosseguindo, no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu determinar que, quando exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deverá haver a expedição de carta de sentença, bem como a comunicação ao juízo de origem para o início da execução da pena imposta ao réu, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, com quem votou o Juiz Fed. Convocado Alessandro Diaferia, vencido o Des. Fed. Maurício Kato, que divergia quanto ao marco inicial para o início do cumprimento da pena, que deve ser apenas após o trânsito em julgado.


São Paulo, 09 de abril de 2019.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 10/04/2019 16:04:40



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001314-24.2012.4.03.6116/SP
2012.61.16.001314-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : VALDINEI GOMES PEREIRA
ADVOGADO : PR030407 LEANDRO DE FAVERI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : RICARDO PAES DE LUNA
No. ORIG. : 00013142420124036116 1 Vr ASSIS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Assis/SP, que condenou RICARDO PAES DE LUNA e VALDINEI GOMES PEREIRA pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, em concurso material com o delito descrito no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

Narra a denúncia (fls. 239/240):

"Aos 27 dias do mês de maio de 2011, por volta das 13:05hs, os denunciados, mediante concurso de agentes, com consciência e vontade, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial, transportavam, cerca e 42.940 (quarenta e dois mil, novecentos e quarenta) maços de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados de documentação legal ou aduaneira. Ademais, os denunciados desenvolveram clandestinamente atividade de comunicação com o uso de radiocomunicadores instalados no interior dos respetivos veículos usados para o transporte de carga da cigarros.

No dia 26 do mês de maio de 2011, os denunciados saíram da região de Guaíra/PR com destino à cidade de Bauru/SP transportando grande quantidade de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados de documentação fiscal.

Assim, o indiciado RICARDO PAES DE LUNA, com consciência e vontade, saiu da cidade de Bauru/SP, conduzindo um veículo VW SAVEIRO, cor branca, placas EGD 1079, para buscar cigarros na cidade de Bela Vista/PR, próxima à cidade de Guaíra/PR.

Inquirido pela Polícia Federal, o indiciado supracitado relatou que chegando à cidade de Bela Vista/PR, deixou o veículo em um bar (nome do estabelecimento não identificado), onde é o ponto de carregamento de cigarros, após o veículo ser carregado com a mercadoria, o denunciado retornou com o destino à cidade de Bauru/SP (fl. 07).

Nas mesmas circunstâncias, VALDINEI GOMES PEREIRA, com consciência e vontade, saiu da cidade próxima a Guaíra/PR, no dia 26 do mês de maio de 2011, com o veículo IMP/KIA SAPORTAGE (sic) GRAND, cor azul, placas IMP 0999, carregado de cigarros desacompanhados de documentação fiscal, com destino à (sic) Bauru/SP (fl. 05).

Cabe mencionar que os denunciados agiram em concurso de pessoas, mediante promessa de pagamento por terceiro, identificado somente como FABIO (fl. 07).

Ademais, para que houvesse a comunicação entre os denunciados acerca de qualquer movimentação policial, foram usados equipamentos de radiocomunicação ocultos nos veículos já mencionados.

(...)

Os fatos foram descobertos quando, no dia 27 de maio de 2011, por volta das 13:05 hs, policiais rodoviários, ao abordarem os automóveis conduzidos pelos denunciados, encontraram no interior dos respectivos veículos, cerca de 42.940 (quarenta e dois mil, novecentos e quarenta) maços de cigarros de procedência estrangeira desprovidos de documentação fiscal. A grande quantidade de mercadoria permite que se conclua que se destinavam a fins comerciais."

O Ministério Público Federal denunciou RICARDO PAES DE LUNA E VALDINEI GOMES PEREIRA como incursos nas penas do artigo 334, § 1º, alínea "c", na redação anterior à Lei nº 13.008/14, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal, e o artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

A denúncia foi recebida em 29 de maio de 2015 (fl. 246).

Às fls. 318/319 o Ministério Público Federal retira a proposta de suspensão condicional anteriormente formulada a Valdinei Gomes Pereira (fls. 234/236), por observar que o somatório das penas mínimas abstratamente cominadas aos delitos narrados na denúncia ultrapassa o máximo permitido pelo artigo 89, caput, da Lei nº 9.099/95.

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 444/448, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para condenar os réus como incursos nas penas do crime insculpido no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, e no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, respectivamente, a um ano de reclusão, em regime aberto, e a dois anos de detenção, em regime aberto, bem como a dez dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

As penas corporais foram substituídas por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, a ser destinado a entidades sociais a serem designadas pelo juízo da execução.

Por fim, os réus foram condenados ao pagamento das custas processuais.

A sentença foi publicada em 06 de setembro de 2018 (fl. 451).

A defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA interpôs apelação, pugnando pela absolvição do réu pelo uso de rádio amador, com fundamento no artigo 386, inciso VII do CPP, sustentando a inexistência de prova do funcionamento do rádio amador e da sua utilização pelo apelante. Caso não se entenda assim, requer a desclassificação do crime descrito no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 para o artigo 70 da Lei nº 4.117/62, em razão da ausência de comprovação da habitualidade da conduta, e a consequente declinação da competência em favor do Juizado Especial Criminal, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo. Por fim, requer seja observada a prescrição retroativa relativamente aos crimes descritos nos artigos 334, § 1º, alínea "c" do Código Penal, bem como do artigo 70 da Lei nº 4.117/62 (fls. 475/483).

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 495/502.

Expedida Guia de Execução Definitiva em nome de Ricardo Paes de Luna (fl. 508).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo desprovimento da apelação interposta pela defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA (fls. 510/511v)

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.




JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 06/02/2019 20:08:40



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001314-24.2012.4.03.6116/SP
2012.61.16.001314-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : VALDINEI GOMES PEREIRA
ADVOGADO : PR030407 LEANDRO DE FAVERI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : RICARDO PAES DE LUNA
No. ORIG. : 00013142420124036116 1 Vr ASSIS/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Cuida-se de recurso de apelação interposto pela defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Assis/SP, que condenou RICARDO PAES DE LUNA e VALDINEI GOMES PEREIRA como incursos no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos, e no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.


I - PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO


Aprecio o pedido formulado pelo apelante de reconhecimento do advento prescricional, com a consequente extinção da punibilidade.

O réu foi acusado e condenado pela prática do delito do artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos, à pena de um ano de reclusão, e, pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, à pena de dois anos de detenção. O Ministério Público Federal se conformou com a r. sentença condenatória. Deste modo, a prescrição dos dois crimes se regula pela pena em concreto, nos termos do artigo 110, §1º, do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 12.234/2010, vez que os fatos são posteriores à sua vigência.

O artigo 109, V, do Código Penal dispõe que o prazo prescricional a ser aplicado para o crime de contrabando e para o delito de desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação é de 04 (quatro) anos, prazo que não restou superado entre a data do recebimento da denúncia (29/05/2015 - fl. 246) e a publicação da sentença condenatória (06/09/2018 - fl. 451).

Indefiro, portanto, o pedido de reconhecimento da extinção de punibilidade pelo reconhecimento da prescrição.


II - DO CRIME DO ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL


1. Da materialidade


A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/03), pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 10/11), pela Representação Fiscal para fins penais (fls. 160/162), pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (fls. 163/167), e pela Relação de Mercadorias (fl. 168).

Com efeito, os documentos acima elencados atestam a apreensão de 42.940 (quarenta e dois mil, novecentos e quarenta) maços de cigarro de origem paraguaia, tornando inconteste a materialidade delitiva.


2. Da autoria


A defesa de Valdinei não se insurgiu no tocante à autoria delitiva, que restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

Na fase inquisitiva, os policiais militares Adriano Ananias e Fábio Ricardo Souza Pereira esclareceram, em síntese, que decidiram abordar dois veículos que trafegavam juntos na Rodovia SP-284, km 476, Paraguaçu Paulista/SP, ambos com películas escuras nos vidros, e aparentando transportar bastante peso. Por volta das 13h05, o policial Fábio deu ordem de parada ao veículo KIA/Sportage, placas IMP-0999, conduzido por Valdinei Gomes Pereira, enquanto o policial Adriano abordou o VW/Saveiro, placas EGD-1079, conduzido por Ricardo Paes de Luna. No interior dos veículos foi localizada grande quantidade de cigarros, aparentemente de origem estrangeira, e não foi apresentada documentação fiscal das mercadorias, comprobatória da regularidade da importação. Ricardo afirmou que vinha de Guaíra/PR, juntamente com Valdinei, e transportava cigarros com destino a Bauru/SP. Ricardo não disse quem seria o proprietário dos produtos, e Valdinei nada disse sobre a ocorrência (fls. 02/04).

Os policiais militares reiteraram suas declarações em juízo (mídia de fl. 450).

Valdinei confessou a prática do delito de contrabando tanto na fase policial quanto em juízo.

Em seu interrogatório policial, declarou ter sido contratado por indivíduo desconhecido para realizar o transporte de cigarros no veículo KIA/Sportage até a cidade de Bauru/SP, pelo que receberia R$ 400,00 (quatrocentos reais). Narra que saíram de Guaíra/PR no dia anterior à abordagem policial. Não sabia o local da entrega, e fora instruído a seguir o corréu Ricardo, que dirigia uma Saveiro (fls. 05/06).

Interrogado judicialmente, Valdinei admitiu novamente a veracidade dos fatos narrados na acusação acerca do contrabando de cigarros. Indicou que Fábio lhe popôs que fizesse o transporte pelo pagamento de R$ 500,00 (quinhentos reais). Aduziu que na época passava por dificuldades financeiras e estava com um problema de saúde. Iria seguir uma Saveiro branca, conduzida por Ricardo, e levariam os cigarros até Bauru (mídia de fl. 450).

As declarações de Valdinei foram harmônicas com a do corréu Ricardo, que narrou ter sido contratado por pessoa que identificou como Fábio na cidade de Bauru/SP, onde reside, para buscar cigarros na região de Guaíra/PR. Foi-lhe entregue o veículo VW/Saveiro e ele seguiu até a cidade de Bela Vista/PR, onde deixou o veículo em um bar, ponto de carregamento dos cigarros. Após o carregamento, retornou com destino a Bauru/SP, junto de Valdinei. Dirigia à frente deste, pois conhecia melhor o caminho (fls. 07/08).

Perante a autoridade judicial, Ricardo admitiu a veracidade dos fatos narrados na denúncia. Detalhou que Fábio, que lhe propôs o pagamento de R$ 500,00 (quinhentos reais) para realizar o transporte dos cigarros, era seu cliente no salão de cabeleireiro. Fábio indicou que ele encontrasse uma pessoa, pegasse o carro, fosse para Guaíra, e retornasse com os cigarros para Bauru. Pegou a Saveiro em Guaíra/PR e foi até Terra Roxa/PR, onde conheceu Valdinei. Viajaram juntos, um atrás do outro. Um batedor os acompanhava, e os conduziria até o ponto de entrega da mercadoria em Bauru (mídia de fl. 450).

A confissão exarada por VALDINEI amolda-se às provas angariadas, tornando segura a autoria delitiva.

Como se vê, a prova oral produzida - em especial a confissão dos réus Ricardo e Valdinei e os depoimentos das testemunhas policiais - somada ao restante do conjunto probatório amealhado, torna inconteste a perpetração da conduta em comento, devendo ser mantida a condenação do apelante, como bem delineado na r. sentença.


III- DO DELITO DO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97


1. Da desclassificação do artigo 183 da Lei nº 9.472/97 para o artigo 70 da Lei nº 4.117/62


O réu Valdinei pleiteia a desclassificação do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 para o do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

O automóvel ocupado por Valdinei possuía um rádio comunicador, em plenas condições de funcionamento, sem a devida autorização da ANATEL.

Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Consiste na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

O delito do aludido artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por sua vez, consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao que é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc.

Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal).

Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.

O tipo penal definido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.

Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina:

"Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.

Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite." (g.n.)


Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento:


"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. (1) NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. RÁDIO COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. (2) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO PRETÓRIO EXCELSO. APLICABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Encontra-se vigente o artigo 70 da Lei 4.117/62, contudo o fato narrado na inicial, responsabilidade pelo funcionamento clandestino de uma emissora, denominada rádio Comunitária Fortes, não se subsume a este primeiro artigo, mas sim ao artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista a clandestinidade e a habitualidade da conduta. 2. Não há falar em incidência do princípio da insignificância, tendo em vista a ausência de demonstração de ínfima lesão ao bem jurídico, não se aplicando precedente o Pretório Excelso que contemplo hipótese flagrantemente distinta. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."

(AgRg no REsp 1113795/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 02/08/2012, DJe 13/08/2012)


"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117/62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117/62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."

(AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013) (g.n.).


O uso clandestino de rádio transceptor, portanto, subsume-se ao tipo penal do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, consoante decidido pelo C. Superior Tribunal de Justiça:


"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RÁDIO INSTALADA EM VEÍCULO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

- Esta Corte possui o entendimento pacífico de que "a prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsume-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos" (CC 101.468/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 10.9.2009).

- O recorrido foi condenado por fazer uso de rádio comunicador, desenvolvendo clandestinamente atividade de telecomunicação, pois operava rádio em veículo sem a devida autorização da autoridade competente, o que atrai a incidência do art. 183 da Lei n. 9.472/1997. Precedentes. Agravo regimental desprovido."

(AgRg no REsp 1.464.640/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Ericson Maranho, Desembargador Convocado do TJ/SP, j. 18.12.2014, DJe 06.02.2015)


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGENTE COM IDADE INFERIOR A 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ART. 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido."

(AGARESP 201501678481, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:03/05/2016)


Nesse sentido, o entendimento desta E. Décima Primeira Turma:


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. ARTIGO 70 DA LEI 4.117/92 NÃO REVOGADO MAS INAPLICÁVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. SÚMULA 444 DO STJ. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. MANTIDA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS.

1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que o uso clandestino de rádio transceptor subsume-se ao tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não àquele previsto no art. 70 da Lei nº 4.117/62.

2. É entendimento pacífico no âmbito desta Corte que a consumação do crime de contrabando prescinde da utilização clandestina de equipamentos de telecomunicações. Estes, em verdade, funcionam como instrumentos facilitadores da prática daquele delito, não exaurindo sua potencialidade lesiva com a consecução do contrabando. São, portanto, condutas autônomas, não havendo que se falar em absorção do crime do art. 183 da Lei 9.472/97 por aquele previsto no art. 334-A do Código Penal.

3. Materialidade, autoria e dolo comprovados pelo conjunto fático-probatório carreado aos autos.

4. Reexame da dosimetria da pena. Afastadas as circunstâncias judiciais desfavoráveis relativas à conduta social e à personalidade do réu. Redução da pena-base de ambos os crimes.

5. Mantida a inabilitação do acusado para dirigir veículos pelo prazo da pena privativa de liberdade fixada.

6. Apelação parcialmente provida."

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71829 - 0009168-48.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 06/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/03/2018) (grifo nosso)

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/1997.AGRAVANTE PREVISTA NO ARTIGO 62, IV, DO CP.

1. Denúncia hígida. Imputações feitas de maneira pontual e didática.

2. Com o advento da Resolução nº 63/2009, do CJF, os inquéritos policiais passaram a ter tramitação direta entre a Polícia Federal e o MPF, dispensando-se a intervenção judicial em caso de requerimento exclusivo de prorrogação de prazo. Nulidade afastada.

3. Inocorrência da prescrição. Embora a Lei nº 10.741/2003 conceitue como idosa as pessoas com 60 (sessenta) anos ou mais, o art. 115 do Código Penal não foi alterado, mantendo a previsão de redução pela metade dos prazos prescricionais aos acusados com a idade mínima de 70 (setenta) anos na data da sentença.

4. A materialidade do crime de contrabando está comprovada pelo auto de apresentação e apreensão, assim como pelos autos de infração e termos de apreensão e guarda fiscal que atestaram a apreensão de cigarros de origem paraguaia. A materialidade do crime de desenvolvimento clandestino de telecomunicações foi comprovada pelos laudos periciais, que atestaram a existência de aparelhos de radiocomunicação ocultados nos veículos e configurados para operar na mesma frequência.

5. A instalação de rádio transceptor sem a devida autorização da ANATEL caracteriza a hipótese prevista no art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Ausência de recurso da acusação. Mantidas as penas cominadas ao art. 70 da Lei nº 4.117/1962.

[...]"

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 67230 - 0007554-46.2009.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 07/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/11/2017) (grifo nosso)


Postos os fundamentos acima, a conduta do réu Valdinei, consistente em usar rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, caracteriza o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, devendo ser mantida sua condenação nesses termos.


2. Da materialidade


A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 2/3), pelos Laudos de Perícia Criminal Federal veicular de fls. 50/55 e 57/63, pelo Auto de Apreensão (fl. 143) e pelos Laudos Periciais em Equipamentos Eletroeletrônicos (fls. 65/68, 69/72 e 178/181).

Os laudos de perícia veicular esclareceram que no veículo conduzido por Ricardo, VW/Saveiro, placas EGD-1079, "foi encontrado equipamento de radiocomunicação, marca YAESU, modelo FT-1900, nº de série 0K621744, oculto no forro do teto do veículo (Figuras 12). Ao ser alimentado, verificou-se que tal equipamento encontrava-se em funcionamento (Figura 13)" (fl. 52). No veículo conduzido por Valdinei, KIA/Sportage, placas IMP-0999, "foi encontrado equipamento de radiocomunicação, marca YAESU, modelo FT-1900, nº de série 0G550068, oculto no painel do veículo. Ao ser alimentado, verificou-se que tal equipamento encontrava-se em funcionamento" (fl. 59).

O laudo pericial de fls. 65/68 esclareceu que o rádio instalado no veículo ocupado por Ricardo encontrava-se em condições de uso e estava configurado para operar na frequência de 147,962 MHz, não sendo possível que o usuário a modificasse diretamente, o que se denomina "frequência bloqueada" (fl. 67). Por fim, o laudo consignou que o equipamento de radiocomunicação não possui certificação ou selo de homologação junto à ANATEL.

Por seu turno, o laudo pericial de fls. 69/72 concluiu que o rádio existente no automóvel ocupado por Valdinei encontrava-se em condições de uso e também estava configurado para transmitir e receber na frequência de 147,962 MHz, igualmente bloqueada. Os peritos registraram que o aparelho não possuía certificação ou selo de homologação junto à ANATEL.

Posteriormente, foi elaborado outro laudo sobre os mesmos rádios (fls. 178/181). Este laudo consignou que o equipamento com número de série 0K621744 operava com potência de 46 Watts, enquanto o aparelho com número de série OG550068 operava com potência de 5 Watts.

O bem jurídico tutelado pela presente norma é a segurança e a higidez das telecomunicações no Brasil, bem como o controle e a fiscalização estatal sobre tais atividades. Trata-se de crime formal e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de danos.

Assim, configurada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, configurada está a lesão ao bem jurídico.


3. Da autoria


Verifica-se que a autoria delitiva restou comprovada, no que tange ao réu Valdinei, pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

Compulsando os autos, indubitável que no automóvel KIA/Sportage - conduzido por Valdinei - havia o rádio transceptor da marca YAESU, modelo FT-1900, nº de série 0G550068, oculto no painel do veículo, configurado para operar na frequência de 147,962 MHz, com potência de 5W.

Na fase policial, nem Valdinei, nem Ricardo foram inquiridos a respeito do uso do rádio transceptor.

Em juízo, Ricardo Paes de Luna confirmou a veracidade da acusação. Explicou que pegou a Saveiro branca em Guaíra/PR, e foi até Terra Roxa/PR, onde conheceu Valdinei. Viajavam juntos, um atrás do outro, e acompanhavam um batedor, que os levaria até o local exato de entrega dos cigarros, na cidade de Bauru/SP. Afirmou que em Terra Roxa lhe avisaram sobre o rádio transceptor oculto no veículo, cuja finalidade seria que quem estivesse à frente comunicasse aos demais o necessário. Afirmou que chegou a conversar com o batedor pelo rádio comunicador, porém não com Valdinei. O batedor informava o trajeto pelo rádio, direcionando os motoristas quando devessem virar em determinada rua, por exemplo. O modo de proceder foi o mesmo da primeira vez em que realizou o transporte de cigarros. O batedor era o mesmo, e também utilizaram o rádio, porém Valdinei não participou daquele outro transporte.

Valdinei, por sua vez, disse que seguiria uma Saveiro branca até Bauru/SP, pois não conhecia o caminho. Afirmou que o carro que conduzia não era de sua propriedade, tendo-lhe sido entregue em Terra Roxa, e que não sabia que havia um rádio instalado nele.

O policial militar Fábio Ricardo Souza Pereira, que realizou a abordagem do veículo KIA/Sportage, conduzido por Valdinei, afirmou em juízo que havia um rádio comunicador escondido no painel, o que foi constatado quando chegaram na Polícia Federal, pois, conforme retiravam as caixas de cigarros do interior do veículo, escutaram uma comunicação, e buscaram identificar de onde ela era oriunda. Descobriram se tratar de rádio transceptor, instalado de modo a disfarçar sua presença. Afirmou que não o teriam encontrado sem uma vistoria mais minuciosa (mídia de fl. 450).

É corriqueira a utilização de rádio comunicador para a perpetração do crime de contrabando, em especial para emitir alertas sobre eventuais fiscalizações policiais, a fim de assegurar o sucesso da empreitada criminosa, o que somente corrobora a prática do delito em tela.

O corréu Ricardo admitiu em juízo a utilização do equipamento para receber orientações do batedor, terceiro não identificado que viajava com os réus e que os orientava acerca do caminho. Soma-se a isso que o laudo pericial registrou que ambos os equipamentos estavam bloqueados na mesma frequência, a fim de assegurar a comunicação entre os agentes. Embora Ricardo tenha dito que não falava com Valdinei, a frequência bloqueada nos dois transceptores permitia que ambos escutassem as notícias do batedor. Por fim, o policial militar Fábio Ricardo Souza Pereira, em juízo, narrou que, já com o carro na sede da Polícia Federal, ouviram comunicação sendo recebida no interior da KIA/Sportage, o que lhes permitiu localizar o equipamento oculto atrás do painel do veículo conduzido por Valdinei. Assim, evidente que o rádio transceptor estava em uso no veículo conduzido por Valdinei quando da abordagem.

Atestado o funcionamento do equipamento instalado no veículo conduzido por Valdinei no laudo de fls. 69/72, caracterizada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, e notório que os réus, de forma livre e consciente, perpetraram a conduta descrita na denúncia, a condenação pela prática do crime de desenvolvimento clandestino de telecomunicações é medida que se impõe.

Destarte, o conjunto probatório colacionado aos autos torna induvidosa a autoria delitiva, devendo ser mantida a condenação do apelante nos moldes do artigo 183 da Lei nº 9.472/97.


IV- DA DOSIMETRIA


A sentença recorrida condenou o apelante como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334, § 1º, alínea "c", do Código Penal, e no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, respectivamente, a um ano de reclusão, em regime aberto, e a dois anos de detenção, em regime aberto, bem como a dez dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

As penas corporais foram substituídas por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária, no valor de um salário mínimo, a ser destinado a entidades sociais a serem designadas pelo juízo da execução.


Do crime do artigo 334 do Código Penal


1ª Fase


Na primeira fase da dosimetria da pena, o juiz sentenciante fixou a pena-base no mínimo legal. Inexistindo recurso da acusação, não há nada que se perquirir nesta fase. Posto isso, apesar da quantidade de cigarros autorizar a fixação da pena-base em patamar superior ao da sentença, à míngua de recurso da acusação, mantenho-a em 1 (um) ano de reclusão.


2ª Fase


Na segunda etapa da dosimetria, o juiz sentenciante reconheceu a presença da atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

O réu confessou a prática do crime de contrabando em tela, fazendo jus à atenuação da pena nos moldes do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

Por outro lado, a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do STJ, razão pela qual se mostra impossível a diminuição da pena nos moldes do citado artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

Portanto, neste momento da dosimetria, reconheço a atenuante da confissão espontânea, porém mantenho a pena no patamar de 1 (um) ano de reclusão.


3ª Fase


Na terceira etapa da dosimetria, preservo o entendimento do magistrado de primeiro grau, no sentido de que não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano de reclusão.


Do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97


1ª Fase


Na primeira fase, ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, mantenho a pena-base no mínimo legal, fixando-a, portanto, em 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.


2ª Fase


Na segunda etapa da dosimetria, o magistrado a quo reconheceu a atenuante da confissão espontânea.

Entendo que o réu não confessou a prática do crime em comento na fase judicial, entretanto, pela vedação da reformatio in pejus, mantenho a aplicação da atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

Por outro lado, a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do STJ, razão pela qual se mostra impossível a diminuição da pena nos moldes do citado artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal.

Portanto, neste momento da dosimetria, mantenho o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, porém a pena permanece no patamar de 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.


3ª Fase


Na terceira fase, ausentes causas de aumento e de diminuição, fixo definitivamente a reprimenda em 2 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Frise-se que a fixação da pena de multa em 10 (dez) dias-multa tem por base o disposto no artigo 49 do Código Penal, em razão da inconstitucionalidade da multa prevista no preceito secundário do artigo 183 da Lei nº 9.472/97, na linha da jurisprudência formada por esta E. Corte.

O valor unitário do dia-multa é de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.


Do concurso material


Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes.

Todavia, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69.

Dessa forma, inicialmente deverá ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, aquela cominada ao delito de desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação.


Do regime inicial de cumprimento da pena


Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados.

Dispõe o artigo 111 da Lei de Execução Penal:

"Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição."

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:


"EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REGIME PRISIONAL - UNIFICAÇÃO DAS PENAS - ART. 111 DA LEP - RÉU CONDENADO ÀS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO - SOMATÓRIO DE AMBAS AS REPRIMENDAS PARA FIXAÇÃO DO REGIME - POSSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO.

1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

2. Concorrendo penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84.

Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça.

3. Habeas corpus não conhecido."

(HC 389.437/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017) (g.n.)


Assim, diante da pena final aplicada - 3 (três) anos e pagamento de 10 (dez) dias-multa - deve ser estabelecido o regime inicial aberto para fins de cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.


Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos


Presentes os requisitos elencados no artigo 44, § 2º, do Código Penal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em: i) prestação pecuniária, a qual, guardada a mesma proporcionalidade com a pena corporal decretada, e observada a condição socioeconômica do réu, resta mantida no valor de 1 (um) salário mínimo, que, de ofício, destino em favor da União; ii) prestação de serviços à comunidade pelo período da pena substituída, a ser definida pelo juízo da execução.


Da fiança


Cada réu recolheu fiança no valor de R$ 2.725,00 (fls. 44 e 45).

Mantida a condenação, os valores devem servir aos propósitos previstos no art. 336 do Código de Processo Penal, e, posteriormente, eventual saldo poderá ser restituído, conforme dispõe o artigo 345 do Código de Processo Penal, na inocorrência da hipótese de aplicação do art. 344 do mesmo diploma normativo, o que só será aferido após eventual trânsito em julgado da condenação.


Da execução provisória da pena


Em sessão de julgamento de 05 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não veda o início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias, e indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44.

Desse modo, curvo-me ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reinterpretou o princípio da presunção de inocência no julgamento do HC 126.292-SP, reconhecendo que "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal."

Diante desse cenário, independentemente da pena cominada, deve ser determinada a execução provisória da pena decorrente de acórdão penal condenatório, proferido em grau de apelação.

Destarte, exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao juízo de Origem para o início da execução da pena imposta ao réu, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena.


Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo interposto pela defesa de VALDINEI GOMES PEREIRA, e, DE OFÍCIO, destino a pena de prestação pecuniária à União.


É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064
Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 10/04/2019 16:04:43