D.E. Publicado em 18/06/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas e negar provimento aos apelos defensivos e do Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli e Nelson Virgilio Grancieri contra a sentença que condenou os réus Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli e Nelson Virgilio Grancieri pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, mediante o concurso de agentes e em continuidade delitiva.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli, Nelson Virgilio Grancieri, Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67 c.c. os artigos 29 e 71, ambos do Código Penal.
Narra a peça acusatória (fls.2.074/2.083) que os denunciados Mário Bulgareli e José Ticiano Dias Tóffoli, na condição de Prefeitos do Município de Marília/SP, que exerceram o mandato municipal na gestão 2009/2012, respectivamente, nos períodos de 1º/01/2009 a 04/03/2012 e de 05/03/2012 a 31/12/2012, e os denunciados Nélson Virgílio Grancieri, Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro, Secretários da Fazenda do Município de Marília/SP, respectivamente nos períodos de 14/05/2009 a 04/10/2011, de 05/10/2011 a 29/07/2012 e de 30/07/2012 a 31/12/2012, desviaram verbas públicas de contas vinculadas ao Fundo Municipal de Saúde e de contas específicas da educação do citado Município, aplicando-as em finalidades vedadas.
A denúncia foi recebida em 14 de maio de 2015 (fls.2.224/2.228).
O Ministério Público Federal propôs a suspensão condicional do processo, com espeque no artigo 89,§2º, da Lei nº 9.099/95 para os réus Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro (fls.2.364/2.365), proposta que foi aceita pelos referidos acusados (fls.2.373/2.374 e 2.394/2.395).
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.2.592/2.637) que julgou procedente a ação penal para condenar os acusados Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli e Nelson Virgilio Grancieri à pena de 05 ( cinco) meses de detenção, em regime inicial aberto, pena privativa de liberdade substituída por uma pena de multa na cifra de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais), pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, mediante o concurso de agentes e em continuidade delitiva.
Com amparo no artigo 1º,§2º, do Decreto-Lei 201/67 foi declarada a perda do mandato eletivo outrora exercido pelos denunciados, a inabilitação, pelo prazo de 02 (dois) anos, para o exercício de qualquer cargo ou função pública, eletivo ou de livre nomeação.
Inconformados, apelam o Ministério Público Federal (fl.2.639) e os denunciados (fls.2.641, 2.642 e 2.643).
Em suas razões recursais (fls.2.670/2.671) o órgão ministerial postula a majoração da pena-base aplicada aos denunciados em decorrência da gravidade e das consequências acarretadas pelas condutas dos acusados à prestação de serviços públicos de saúde e educação na região de Marília/SP e, corolário, o aumento do "quantum" fixado na pena de multa, ao argumento de que o importe fixado pelo Juízo "a quo" não representa reprovação razoável e suficiente pela natureza da infração penal cometida.
A defesa do denunciado José Ticiano Dias Tóffoli, em suas razões recursais (fls.2.644/2.663), pede a absolvição por ausência de dolo e licitude da conduta em virtude de ter agido em estado de necessidade.
A defesa do acusado Nelson Virgilio Grancieri, em suas razões recursais (fls.2.678/2.698) aponta, em preliminar, a nulidade da prova colhida, em razão da incompetência do Juízo, bem assim a sua ilegitimidade passiva. No mérito, postula a absolvição do acusado por ausência de dolo, bem assim ao argumento de que a conduta foi praticada sob a excludente do estado de necessidade.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.2708/2712) pelo desprovimento dos apelos defensivos.
A defesa do réu Mário Bulgareli, em razões recursais (fls.2.716/2.727) pede a absolvição do acusado alegando ausência de dolo, de antijuridicidade e de culpabilidade.
Subsidiariamente, pugna a diminuição da pena, com amparo no artigo 24, §2º, do Código Penal, bem assim seja afastada a condenação à perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 02 (dois) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de livre nomeação.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls.2.732/2.737) no sentido de se negar provimento à apelação interposta pelo denunciado Mário Bulgareli.
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls.2.739/2.743) pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Federal e desprovimento dos apelos defensivos. Por fim, requereu a execução provisória da pena.
É o relatório.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
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VOTO
Dos fatos. Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli, Nelson Virgilio Grancieri, Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro foram denunciados pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67 c.c. os artigos 29 e 71, ambos do Código Penal.
Narra a peça acusatória (fls.2.074/2.083) que os denunciados Mário Bulgareli e José Ticiano Dias Tóffoli, na condição de Prefeitos do Município de Marília/SP, que exerceram o mandato municipal na gestão 2009/2012, respectivamente, nos períodos de 1º/01/2009 a 04/03/2012 e de 05/03/2012 a 31/12/2012, e os denunciados Nélson Virgílio Grancieri, Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro, Secretários da Fazenda do Município de Marília/SP, respectivamente nos períodos de 14/05/2009 a 04/10/2011, de 05/10/2011 a 29/07/2012 e de 30/07/2012 a 31/12/2012, desviaram verbas públicas de contas vinculadas ao Fundo Municipal de Saúde e de contas específicas da educação do citado Município, aplicando-as em finalidades vedadas.
Relata que segundo restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado Mário Bulgareli, no exercício do cargo de Prefeito do Município de Marília, determinou, no período de 14 de maio de 2009 a 29 de fevereiro de 2012, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Discorre constar das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 28.197.325,00 (vinte e oito milhões, cento e noventa e sete mil e trezentos e vinte e cinco reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Em depoimentos prestados nas referidas Sindicâncias, o denunciado Adélson Lélis da Silva informou que as citadas transferências foram realizadas por determinação do denunciado Mário Bulgareli, bem como que os recursos transferidos supostamente foram utilizados para custeio da folha de pagamento do Município.
Narra que restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado José Ticiano Dias Tóffoli, no exercício do cargo de Prefeito do Município de Marília, determinou, no período de 08 de maio de 2012 a 28 dezembro de 2012, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Aponta que consta das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 28.796.000,00 (vinte e oito milhões e setecentos e noventa e seis mil reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Em depoimentos prestados nas referidas Sindicâncias, o denunciado José Ticiano Dias Tófolli esclareceu que " tinha consciência da irregularidade da movimentação das verbas das contas vinculadas, todavia quando assumiu a Prefeitura, esta encontrava-se com déficit financeiro de aproximadamente oito milhões de reais, o que estava inviabilizando o andamento da máquina pública, desta forma teve que dar continuidade à movimentação irregular das contas vinculadas (...)".
Relata que segundo restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado Nelson Virgílio Grancieri, no exercício do cargo de Secretário da Fazenda Pública do Município de Marília, empreendeu, no período de 14 de maio de 2009 a 22 de setembro de 2011, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Aponta que consta das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 14.138.325,00 ( quatorze milhões, cento e trinta e oito mil e trezentos e vinte e cinco reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Em depoimentos prestados nas referidas Sindicâncias, Luciana Terruel Pelegrinelli Silva, servidora da Secretaria Municipal da Fazenda Pública de Marília à época dos fatos, informou que as citadas transferências foram realizadas pelo denunciado Nélson Virgílio Grancieri por determinação do denunciado Mário Bulgareli.
Afirma que segundo restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado Nelso Virgílio Grancieri, no exercício do cargo de Secretário da Fazenda Pública do Município de Marília, empreendeu, no período de 14 de maio de 2009 a 22 de setembro de 2011, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Indica constar das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 14.138.325,00 ( quatorze milhões, cento e trinta e oito mil e trezentos e vinte e cinco reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Em depoimentos prestados nas referidas Sindicâncias, Luciana Terruel Pelegrinelli Silva, servidora da Secretaria Municipal da Fazenda Pública de Marília à época dos fatos, informou que as citadas transferências foram realizadas pelo denunciado Nélson Virgílio Grancieri por determinação do denunciado Mário Bulgareli.
Aduz que segundo restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado Adélson Lélis da Silva, no exercício do cargo de Secretário da Fazenda Pública do Município de Marília, empreendeu, no período de 1º de novembro de 2011 a 28 de junho de 2012, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Aponta que consta das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 16.947.000,00 (dezesseis milhões e novecentos e quarenta e sete mil reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Em depoimentos prestados nas referidas Sindicâncias, o denunciado assumiu que empreendeu as citadas transferências por determinação dos denunciados Mário Bulgareli e José Ticiano Dias Tófolli, bem como que os citados recursos foram destinados ao custeio da máquina pública municipal.
Discorre que segundo restou apurado nos autos das Sindicâncias nº 3.467/2013 (fls.06/1.508) e 2.559/2013 (fls.1.604/2.045), o denunciado Gabriel Silva Ribeiro, no exercício do cargo de Secretário da Fazenda Pública do Município de Marília, empreendeu, o período de 31 de julho de 2012 a 28 de dezembro de 2012, a transferência de recursos de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação do citado Município, oriundos de transferências da União, para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília (Conta corrente nº 73004-1, Agência 141-4, Banco 001, e Conta corrente nº 06020002-5, Agência 0320, Banco 104), nas quais foram utilizados para fins diversos àqueles vinculados.
Afirma constar das citadas Sindicâncias que durante o referido período foram transferidos R$ 23.438.000,00 (vinte e três milhões e quatrocentos e trinta e oito mil reais) de contas vinculadas do Fundo Municipal de Saúde e de contas vinculadas específicas da educação para contas gerais da Prefeitura Municipal de Marília.
Na qualidade de Secretário da Fazenda do Município de Marília, cargo responsável pela movimentação das citadas contas vinculadas, o denunciado empreendeu as citadas transferências por determinação do denunciado José Ticiano Dias Tófolli.
O Ministério Público Federal propôs a suspensão condicional do processo, com espeque no artigo 89,§2º, da Lei nº 9.099/95 para os réus Adélson Lélis da Silva e Gabriel Silva Ribeiro (fls.2.364/2.365), proposta que foi aceita pelos referidos acusados (fls.2.373/2.374 e 2.394/2.395).
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls.2.592/2.637) que julgou procedente a ação penal para condenar os acusados Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli e Nelson Virgilio Grancieri à pena de 05 (cinco) meses de detenção, em regime inicial aberto, pena privativa de liberdade substituída por uma pena de multa na cifra de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais), pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, mediante o concurso de agentes e em continuidade delitiva.
Com amparo no artigo 1º,§2º, do Decreto-Lei 201/67 foi declarada a perda do mandato eletivo outrora exercido pelos denunciados, a inabilitação, pelo prazo de 02 (dois) anos, para o exercício de qualquer cargo ou função pública, eletivo ou de livre nomeação.
Das preliminares. A defesa do acusado Nelson Virgilio Grancieri, em suas razões recursais (fls.2.678/2.698) aponta, em preliminar, a nulidade da prova colhida, em razão da incompetência do Juízo, bem assim a sua ilegitimidade passiva.
A tese defensiva é no sentido de que: a) os fatos se deram enquanto os acusados Mário Bulgareli e José Ticiano Dias Tóffoli eram prefeitos e, portanto, a competência para o processamento e julgamento seria desta Corte Regional, em virtude da prerrogativa de foro e b) o crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67 é de mão própria, de forma que não admite a coautoria ou a participação.
Da prerrogativa de foro e nulidade probatória. Extrai-se dos autos que os denunciados Mário Bulgareli e José Ticiano Dias Tóffoli exerceram o mandato de Prefeito Municipal de Marília/SP na gestão 2009/2012, sendo certo que o término do mandato se dera em 2012. As Sindicâncias foram instauradas em 2013 e a denúncia oferecida dois anos depois de exaurido o mandado eletivo, em 26 de novembro de 2014.
Nessa toada, não se há falar em incompetência do Juízo "a quo" para o julgamento e processamento do feito e, corolário, de nulidade da prova coligida no transcorrer da instrução criminal.
Anoto, ademais, que no último dia 03 de maio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, decidiu restringir o foro por prerrogativa de função, limitando-o apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
O decisum foi preferido nos seguintes termos:
Verifica-se que, de acordo com o novel entendimento, o foro por prerrogativa de função somente se firma diante do concurso de duas circunstâncias, a de caráter temporal, isto é, é necessário que o agente permaneça no exercício do cargo para o qual a Constituição prevê a prerrogativa e outra de caráter funcional, consistente na necessária relação entre o delito praticado e as funções desempenhadas pela autoridade.
Cumpre ponderar que o entendimento do Supremo Tribunal Federal foi direcionado a deputados federais e senadores. Entretanto, a interpretação dada deve ser estendida às demais autoridades que possuem foro por prerrogativa de função, em observância ao princípio da isonomia.
No caso, o término do mandato eletivo afasta o foro por prerrogativa de função.
Preliminar rejeitada.
Da ilegitimidade passiva. A jurisprudência majoritária firmou entendimento sobre a possibilidade de coautoria ou participação nos crimes de responsabilidade dos prefeitos descritos no art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67:
Preliminar rejeitada.
Passo à análise do mérito recursal.
Do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67. Dispõe o art. 1º, inciso III, do Decreto-Lei n. 201/67, que:
Da materialidade. A materialidade delitiva restou comprovada pelas Sindicâncias nº 3.467/2013 e 2.559/2013 instauradas pela Prefeitura Municipal de Marília/SP e pela prova carreada aos autos no transcorrer da instrução criminal.
Colaciono, porque esclarecedores, excertos dos pareceres lançados pela Comissão Permanente de Sindicância:
Do estado de necessidade. A versão acerca da excludente da antijuridicidade não ficou cabalmente demonstrada, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal, e a mera alegação de dificuldade financeira não possui o condão de caracterizar referida justificativa penal.
Neste aspecto, os acusados não comprovaram a premência em salvar-se de perigo atual que não provocaram por sua vontade, nem poderiam evitar, ou a ameaça a direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, nos termos do artigo 24 do Código Penal.
Noutro vértice, a tese defensiva, ao apontar o desvio de verbas da saúde e da educação com o fito de promover ao pagamento da folha de salários dos servidores públicos municipais, elencando-o, na forma da referida excludente, como a única alternativa para evitar o caos na prefeitura de Marília/SP, na verdade, ratifica a conduta elementar do tipo penal do artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, consistente em desviar, ou aplicar indevidamente, em proveito próprio ou alheio, rendas ou verbas públicas.
Ademais, no caso, as transferências foram realizadas em conta de movimentação geral da Prefeitura de Marília/SP, unindo-se com outros recursos, de forma que não foi possível identificar se as verbas desviadas foram, de fato, destinadas ao pagamento dos servidores municipais.
Da autoria. A autoria delitiva está amplamente comprovada pela prova coligida aos autos e pela confissão dos denunciados.
O acusado José Ticiano Dias Tóffoli, ouvido no citado procedimento administrativo, disse que:
Na ação de improbidade administrativa ( processo nº 0003399-61.2013.403.6111), afirmou que, no dia 05 de março de 2012, assumiu a prefeitura da cidade de Marília/SP em decorrência da renúncia do ex-prefeito Mário Bulgareli. Teve ciência de que havia um déficit financeiro para rotina normal de caixa da prefeitura entre cinco a oito milhões.
Asseverou que:
Na citada ação, o denunciado Mário Bulgareli também confessou que utilizou parte do recurso da educação e da saúde para fazer exclusivamente a folha de pagamento dos servidores municipais. Apontou as dificuldades financeiras que o município enfrentou durante a sua gestão, em especial a queda de arrecadação relativa ao IPTU e do ICMS e do FPM e o pagamento de precatórios.
Alegou que a quantia destinada ao pagamento da folha de salário dos servidores municipais retornava para a saúde e para a educação e que assim agia porque não havia outra solução a ser dada (fls.2458/2463).
O acusado Nelson Virgílio Grancieri negou a prática delitiva, alegando, em resumo, que nenhuma irregularidade ocorreu, bem como que a sindicância foi instaurada por motivos políticos e narrou o procedimento adotado desde o recebimento dos recursos orçamentários e destinação correspondente (fls.2474/2488).
O conjunto probatório comprova que os acusados Mário Bulgareli, José Ticiano Dias Tóffoli e Nelson Virgílio Grancieri, na condição de Prefeitos Municipais e Secretário da Fazenda, realizaram o pagamento indevido de despesas (folha de pagamento dos servidores municipais) com recursos vinculados da saúde e da educação, de forma que a manutenção do édito condenatório pelo cometimento do crime descrito no artigo 1º, inciso III, do Decreto-Lei nº 201/67, mediante o concurso de agentes e em continuidade delitiva é de rigor.
Da dosimetria. O Juízo "a quo" assim fixou as penas:
Em suas razões recursais (fls.2.670/2.671) o órgão ministerial postula a majoração da pena-base em decorrência da gravidade e das consequências acarretadas pelas condutas dos acusados à prestação de serviços públicos de saúde e educação na região de Marília/SP e, corolário, o aumento do "quantum" fixado na pena de multa, ao argumento de que o importe fixado pelo Juízo "a quo" não representa reprovação razoável e suficiente pela natureza da infração penal cometida.
Por sua vez, a defesa de Mário Bulgareli, em razões recursais (fls.2.716/2.727) subsidiariamente, pugna a diminuição da pena, com amparo no artigo 24, §2º, do Código Penal, bem assim seja afastada a condenação à perda do cargo e inabilitação, pelo prazo de 02 (dois) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de livre nomeação, à míngua de fundamentação.
O pleito defensivo não prospera. A uma, porquanto o artigo 24,§2º, do Código Penal cuida de excludente de antijuridicidade - estado de necessidade- e, portanto, não diz respeito às circunstâncias judiciais insertas no artigo 59 do citado código para fins de diminuição da pena-base.
Ainda que assim não fosse, eventual crise financeira não justifica a adoção de meios ilícitos para superá-la.
A duas, porque o Juízo "a quo" fundamentou, à saciedade, a condenação dos réus à pena acessória de perda do cargo e à inabilitação, pelo prazo de 02 (dois) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, nos termos do §2º, do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 201/67, não comportando modificação.
Noutro vértice, o pedido ministerial, no tópico relativo à exasperação da pena-base não comporta provimento. Deveras, ainda que os recursos, embora vultosos, tenham sido aplicados com desvio de finalidade, não há indícios ou demonstração inequívoca nos autos de locupletamento indevido do montante desviado, capaz de ensejar a majoração da pena-base, nos moldes postulados pelo Ministério Público Federal.
Anoto que o Tribunal de Contas da União, em casos tais, firmou entendimento no sentido de julgar regulares, embora com ressalvas, as contas dos gestores que aplicam recursos com desvio de finalidade, não importando na apropriação dos valores, de forma que, por via transversa, na seara penal, tal circunstância não autoriza o aumento da pena-base.
Cumpre colacionar excerto do aresto do Tribunal de Contas da União:
Da execução provisória da pena. Por fim, quanto ao pedido da Exma. Procuradora Regional da República, Cristina Marelim Vianna, de execução provisória da pena, considerando-se a recente decisão proferida pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, este deverá ser realizado, no momento oportuno, isto é, após a publicação do acordão e esgotadas as vias ordinárias.
Ante o exposto: a) rejeito as preliminares arguidas e b) nego provimento aos apelos defensivos e ao apelo do Ministério Público Federal, mantendo íntegra a r. sentença recorrida.
É o voto.
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