Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/11/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012044-88.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.012044-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : MARCIO ALEXANDRE DONATE
ADVOGADO : SP132463 JOSE ANTONIO DE OLIVEIRA CARVALHO e outro(a)
: SP199005 JAKSON CLAYTON DE ALMEIDA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00120448820154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. LEI N. 9.605/98 (ART. 29, § 1º, III, C. C. § 4º, I, E ART. 32). CÓDIGO PENAL (ART. 296, § 1º, III). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABIIDADE. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. MATERIALIDADE. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. BAIXA DOS AUTOS À PRIMEIRA INSTÂNCIA (STJ, SÚMULA N. 337).
1. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. A jurisprudência tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente (STF, HC n. 125566 e 127926, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 26.10.16, apud Informativo do STF n. 845; STJ, HC n. 386.682-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 03.02.05; TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240008053-SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 17.06.08; RSE n. 200461240010018-SP, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 18.03.08; RSE n. 200561240003882-SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 19.11.07).
2. Em regra, o uso de anilhas do Ibama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção (TRF da 3ª Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).
3. O réu admitiu ser criador de aves há mais de 20 (vinte) anos e que tinha conhecimento de manter em cativeiro, inclusive, 1 (um) azulão (Cyanoloxia brissonii), ave apontada no laudo pericial como vulnerável à extinção. Assim, não lhe socorre a alegação de que não teria agido com dolo ou que sua conduta decorreria de "erro de tipo escusável". Ainda que algumas das aves tenham sido obtidas já em condições precárias, competia ao réu ao menos entregá-las às autoridades competentes, principalmente porque anilhadas. Não encontra respaldo nos autos a alegação da defesa de que o réu não tenha logrado regularizar a posse das aves por dificuldades de acesso ou bloqueio duradouro nos sistemas de registro do IBAMA.
4. Materialidade e autoria delitiva comprovadas nos autos.
5. Em Sessão Plenária, o Supremo Tribunal Federal, em 17.02.16, firmou o entendimento, segundo o qual "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal" (STF, HC n. 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 17.02.16). Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII) a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (STF, Repercussão geral em ARE n. 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.16). A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as instâncias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).
6. Apelação da defesa provida em parte. Deferida a execução provisória da pena requerida pela Procuradoria Regional da República.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação de Márcio Alexandre Donate, para absolvê-lo da imputação de prática do delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, uma vez reconhecida a absorção pelo delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, e, por unanimidade, deferir a execução provisória da pena após o exaurimento das vias ordinárias, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de outubro de 2019.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012044-88.2015.4.03.6181/SP
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RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Márcio Alexandre Donate contra a sentença de fls. 128/138v., que o condenou a 3 (três) anos de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, pela prática do delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, do art. 29, § 1º, III, c. c. § 4º, I, e do art. 32, ambos da Lei n. 9.605/98. Regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária de 10 (dez) salários mínimos e prestação de serviços à comunidade, cabendo ao Juízo das Execuções Penais indicar a entidade assistencial e o local da prestação dos serviços.

Embora a Defensoria Pública da União tenha interposto apelação, o Juízo a quo registrou a constituição de defensor pelo réu, razão pela qual determinou sua intimação para a apresentação de recurso (fl. 173).

A defesa interpôs apelação nos seguintes termos:

a) ausência de dolo no que concerne ao delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal uma vez que o réu, de "forma inocente aceitou a doação dos pássaros sem jamais suspeitar que as anilhas puderem estar adulteradas", o recorrente limitou-se a cuidar das aves, sendo evidente "a ocorrência do erro de tipo" (fls. 180 e 182);
b) a falsificação somente foi descoberta após a realização de prova pericial;
c) aplicação do princípio da consunção às condutas previstas no art. 296, § 1º, III, do Código Penal e art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 (falsificação/uso de anilhas integram o delito ambiental);
d) no que diz respeito ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, não há prova de que o réu tinha a intenção de manter em depósito aves de modo irregular, sendo que os 2 (dois) pássaros com anilhas encontrados em sua residência somente não foram transferidos para a listagem do requerido devido ao fato do IBAMA ter bloqueado o registro de passeriformes dos criadores (Operação Fibra);
e) não há prova de que os maus-tratos aos animais decorram de conduta do réu, conforme se verifica do laudo pericial, que trabalha com simples probabilidades e relata condições das aves após decorridos mais de 20 (vinte) dias da apreensão;
f) aplicação do princípio da insignificância em relação ao delito ambiental, em especial porque a Secretaria do Meio Ambiental não apurou se houve efetivo dano ambiental;
g) remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal, por se tratar de delito de menor potencial ofensivo;
h) a prestação pecuniária deve ser convertida em pena restritiva de direito não financeira, uma vez que o réu não tem condições de arcar com o pagamento de 10 (dez) salários mínimos (fls. 175/207).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 209/214).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Cristina Marelim Vianna, manifestou-se pelo não provimento do recurso. Requereu a expedição de guia de execução provisória da pena (fls. 216/220v.).

Encaminhem-se os autos ao revisor, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012044-88.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.012044-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : MARCIO ALEXANDRE DONATE
ADVOGADO : SP132463 JOSE ANTONIO DE OLIVEIRA CARVALHO e outro(a)
: SP199005 JAKSON CLAYTON DE ALMEIDA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00120448820154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. Márcio Alexandre Donate, motorista autônomo, foi denunciado pela prática do delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, bem como do art. 29, § 1º, III, c. c. § 4º, I, e do art. 32, ambos da Lei n. 9.605/98.

Afirma-se na denúncia que, em 22.08.15, Policiais Militares receberam notícia de que Márcio Alexandre manteria aves silvestres em cativeiro. Em diligência à residência do denunciado, os Policiais Militares constataram que 24 (vinte e quatro) aves silvestres eram mantidas em cativeiro, sendo que 13 (treze) não estavam regularizadas junto ao IBAMA e apresentavam anilhas irregulares.

As aves irregulares são as seguintes: 8 (oito) trinca-ferros (Saltator similis), 3 coleirinhas (Sporophila caerulescens), 1 galo-de-campina (Paroaria dominicana) e 1 (um) azulão (Cyanoloxia brissonii). O azulão é indicado como vulnerável à extinção em lista oficial do Estado de São Paulo.

O laudo pericial apurou que as aves apresentavam sintomas patológicos, tais como baixo índice corporal, dificuldade respiratória e diarreias, os quais decorrem de alimentação deficitária, exposição a situações de stress e inadequação das gaiolas nas quais eram mantidas em cativeiro. Alguns espécimes apresentavam problemas de mobilidade decorrentes do anilhamento realizado em vida adulta.

As anilhas foram submetidas a perícia, que constatou serem inidôneas. Eram utilizadas pelo denunciado na tentativa de ludibriar eventual fiscalização (fls. 84/85v.).

Ambiental. Insignificância. Inaplicabilidade. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. A jurisprudência tende a restringir a aplicação do princípio da insignificância quanto aos delitos contra o meio ambiente:


PENAL. HC. CRIME AMBIENTAL. PESCA DE CAMARÕES DURANTE PERÍODO DE REPRODUÇÃO DA ESPÉCIE. INSIGNIFICÂNCIA DA CONDUTA. INOCORRÊNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (...) ORDEM DENEGADA.
I - A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida ou em locais interditados, exatamente a hipótese dos autos, em que a pesca do camarão se deu em época de reprodução da espécie.
II - Não pode ser considerada quantidade insignificante a pesca de noventa quilos de camarão.
(...)
VI - Ordem denegada.
(STJ, HC n. 386.682-SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 03.02.05)
PROCESSUAL PENAL - CRIME AMBIENTAL - PARQUE NACIONAL DA SERRA DA BOCAINA - NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - RECURSO MINISTERIAL PROVIDO
1.- Indícios de autoria e prova da materialidade demonstrados.
2.- Em se tratando de delitos ambientais, é inviável a aplicação do princípio da insignificância, com a exclusão da tipicidade, porquanto, ainda que determinada conduta, isoladamente, possa parecer inofensiva ao meio ambiente, é certo que, num contexto mais amplo, torna-se relevante, isto é, uma vez somada a todas as demais interferências humanas na natureza, o prejuízo global causado ao ecossistema por todas aquelas condutas isoladas, no conjunto, é evidente, devendo, assim, ser eficazmente prevenida e reprimida por normas administrativas, civis e, inclusive, penais.
3.- Ademais, a Lei nº 9.605/98 prevê em seu bojo penas geralmente mais leves que, por isso, possibilitam a aplicação de institutos despenalizadores, tais como a transação penal e a suspensão condicional do processo, a indicar que o princípio da insignificância somente pode ser aplicado em casos excepcionais, isto é, quando nem mesmo a aplicação daqueles institutos seja suficiente para prevenir e reprimir a conduta ilícita causadora da lesão ambiental.
4.- Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240008053-SP, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, j. 17.06.08)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. MATERIALIDADE. AUTORIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. A materialidade restou comprovada pela localização em que se encontrava a embarcação: local conhecido como Morcegão, situada a menos de cinqüenta metros da saída da água do vertedouro de fundo da barragem da UHE de Ilha Solteira. Local proibido para pesca, segundo Laudo Pericial de fls. 21/28 e artigo 4º, da Portaria SUDEPE nº 466/72.
2. Os indícios de autoria também estão presentes, tendo em vista a localização de grande quantidade de redes de pesca em poder dos Recorridos e a tentativa de fuga empreendida.
3. Impossibilidade da aplicação do princípio da insignificância, tendo em vista o bem jurídico tutelado e os princípios da prevenção e precaução que regem o direito ambiental.
3. O fato de não ter sido apreendido nenhum peixe em poder dos réus não exclui a ilicitude do ato praticado. Os denunciados estavam atracados em local proibido para pesca, durante a noite, portando 12 (doze) redes de pesca e prestes a arremessá-las ao rio, amoldando-se tais condutas ao tipo penal em comento, tendo em vista o disposto no artigo 36, da Lei 9.605/98.
4. Considerando que o bem jurídico tutelado deve levar em conta a especial importância das espécies aquáticas existentes nos lugares onde a pesca é vedada pela autoridade competente, mesmo sem a apreensão do produto da pesca, e as condições em que os Recorridos foram surpreendidos, estando na iminência de jogarem as redes ao rio; ao menos no grau de certeza que o momento processual exige, estão configurados a materialidade delitiva e os indícios de autoria, restando a denúncia apta para ser recebida.
5. Recurso provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200461240010018-SP, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, j. 18.03.08)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. APRECIAÇÃO. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI N. 9.605/98. CRIME FORMAL. PROTEÇÃO À FAUNA ICTIOLÓGICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA NO JUÍZO AD QUEM.
POSSIBILIDADE. STF, SÚMULA N. 709.
(...)
3. O delito previsto no art. 34, caput, parágrafo único, II, da Lei n. 9.605/98 caracteriza crime formal, em virtude da definição legal da conduta 'pescar' como 'todo ato tendente' a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécies dos grupos de peixes, crustáceos etc. Não se exige, portanto, a produção do
resultado para a sua consumação, bastando apenas a realização da conduta descrita no tipo do art. 36 da Lei n. 9.605/98.
4. Não cabe ao Poder Judiciário deixar de aplicar a lei diante do alegado insignificante potencial ofensivo do dano causado, uma vez que é função do Poder Legislativo a seleção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal.
5. Não procede o argumento de que a aplicação de sanção administrativa às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente exclui a necessidade da aplicação da sanção penal, pois há previsão constitucional (CR, art. 225, § 3º) e legal (Lei n. 9.605/98) para tanto
(...)
7. Recurso em sentido estrito provido.
(TRF da 3ª Região, RSE n. 200561240003882-SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 19.11.07)

Do caso dos autos. Nos termos do entendimento jurisprudencial acima elencado, não é admissível a aplicação do princípio da insignificância em relação ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 ao argumento de que a Secretaria do Meio Ambiental não "aferiu se ouve dano ambiental" (fl. 202).

Delito ambiental e uso de anilhas falsas. Consunção. Em regra, o uso de anilhas do Ibama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção:


PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. ART. 29, § 1º, III, LEI 9.605/98. USO DE SELO PÚBLICO FALSIFICADO. ART. 296, § 1º, I e III, CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29, § 2º, LEI 9.605/98.
1. A pequena quantidade de aves apreendidas não desnatura o disposto no artigo 29, §1º, III, da Lei n. 9.605/98, que pune o ato de quem guarda, mantém em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre nativa sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Inaplicável o princípio da insignificância.
2. O uso de anilha adulterada, quando destinada a dar a aparência de regularidade à atividade consistente em manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre, constitui crime-meio e, por isso, fica absorvido pelo crime-fim.
3. Aplica-se o princípio da consunção diante da relação de dependência entre a prática do uso de anilha adulterada e a prática do crime ambiental, já que, o delito previsto no art. art. 296, § 1º, I e III, do Código Penal afigura-se como crime-meio empregado para a consecução do delito 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, e se exaure neste último.
4. A aplicação do perdão judicial previsto no § 2º do artigo 29 da Lei nº 9.605/98 pressupõe a existência de circunstâncias especiais como a guarda doméstica, em pequena quantidade, de aves silvestres domesticadas e com apego sentimental. O uso de anilhas adulteradas em parte de plantel que se encontrava misturada com outras aves com registro regular constitui circunstância que desaconselha a aplicação do benefício legal.
5. Condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo de 5 (cinco) anos referido no artigo 64, I, do CP e que já não geram efeitos negativos da reincidência, não podem ensejar o agravamento da pena-base, de acordo com a vedação de pena de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVII, "b", da CF) e com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
6. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
7. Apelação parcialmente provida.
(TRF da 3ª Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).

Do caso dos autos. Deve ser acolhida a alegação da defesa no sentido de que a conduta de uso de anilhas falsas visava à manutenção das aves em poder de Márcio Alexandre Donate, sem potencialidade lesiva autônoma, caracterizando-se a relação do falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental.

Portanto, resta absorvida a conduta prevista no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, pelo crime ambiental do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, impondo-se a absolvição do réu quanto à imputação autônoma relacionada ao uso de selo ou sinal público adulterado.

Cumpre analisar a materialidade e autoria do delito do art. 29, § 1º, III, c. c. § 4º, I, e do art. 32, ambos da Lei n. 9.605/98.

Materialidade. A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes elementos dos autos:

a) Ficha de controle de entrada de animais no Centro de Recuperação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê em 22.08.15, com descrição de estado dos animais e gaiola (fls. 15/18);
b) Relação de passeriformes registrados por Márcio Alexandre Donate junto ao IBAMA, com validade de licença até 31.07.15 (fl. 19);
c) Auto de infração ambiental lavrado em 22.08.15 (fl. 21);
d) Laudo de perícia criminal federal (saúde animal) (fls. 31/41).

Registre-se que de acordo com a descrição que acompanha a ficha de controle de entrada de animais no Parque Ecológico do Tietê, os passeriformes, na data da apreensão, apresentavam estado físico deficitário, lesões, falhas de empenamento e manutenção em gaiola com alimentação e espaço físico inadequados (fls. 17/18). O laudo pericial posteriormente realizado com base no relato da ficha de controle corrobora a conclusão de que as aves apresentavam baixo índice corporal, falhas de empenamento, lesões rostrais, calos ósseos e mobilidade reduzida. Nesse contexto, a circunstância de constar do laudo pericial que as paralisias dos membros inferiores de algumas aves provavelmente decorreria de excesso de força aplicada ao animal quando do anilhamento incorreto, causando lesão medular, não importa em mera especulação. Registre-se que o laudo pericial indicou que o azulão (Cyanoloxia brissonii) é "ave considerada vulnerável à extinção no estado de São Paulo" (fl. 40).

Autoria. Está comprovada a autoria delitiva.

Fábio Pinto Alves, Policial Militar, declarou em sede policial que, acompanhado pelo Soldado Wendel, foi à residência de Márcio Alexandre Donate apurar a veracidade de notícia anônima de manutenção de aves silvestres em cativeiro. Havia 24 (vinte e quatro) aves no local. Após consulta à lista de passeriformes de Márcio Alexandre, apurou que parte das aves não constava da lista e outra parte constava, porém com anilhas irregulares. Uma parte estava regular. Apreenderam 13 (treze) aves. Lavravam auto de infração ambiental no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais). Encaminharam-se ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres do Parque Ecológico do Tietê - CRAS-PET, local em que as aves foram depositadas e 10 (dez) anilhas puderam ser retiradas. Três anilhas não foram retiradas porque causariam lesões (fl. 3).

Em Juízo, a testemunha Fábio Pinto Alves ratificou as declarações prestadas em sede policial. Afirmou que os animais pareciam estar em boa saúde. Porém, quando examinados por biólogos e veterinários, constatou-se que apresentavam deficientes. Os Policias não têm plenas condições de apurar maus-tratos, por isso a análise compete aos técnicos. As anilhas eram fraudadas (cf. mídia, fl. 144).

Carlos Wendel Rosa, Policial Militar, declarou em sede policial que o Soldado Fábio Alves em diligência na residência de Márcio Alexandre Donate, local em que 24 (vinte e quatro) aves eram mantidas em cativeiro. Após Márcio Alexandre apresentar a lista de passeriformes, constaram que parte dos animais estava irregular e parte estava com anilhas que apresentavam indícios de falsificação. Foram apreendidos 13 (treze) animais, que foram encaminhados ao CRAS-PET. Dez anilhas puderam ser retiradas sem causar lesões aos animais (fl. 4).

A testemunha Carlos Wendel Rosa afirmou em Juízo que, em face do tempo decorrido, não se recordava dos fatos (cf. mídia, fl. 144).

Em sede policial, Márcio Alexandre Donate declarou ser motorista de caminhão, com renda mensal de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais). Possuía 23 (vinte e três) ou 24 (vinte e quatro) passarinhos na data da apreensão. Ao chegares, os Policiais Militares pediram a lista de passeriformes e checaram as aves, uma a uma. Os Policiais Militares separaram os animais cujas anilhas consideraram falsificadas. Parte delas estava há bastante tempo em seu poder, as demais foram compradas de pessoas que não mais as queriam criar. Sempre comprava animais com anilha. Não sabe dizer, à primeira vista, se uma anilha é falsa ou verdadeira. Comprou há pouco tempo o azulão do "Seu Francisco", ainda não decorreu o prazo legal para que ele transferisse o animal para sua lista. Não sabia que as aves estavam irregulares ou que as anilhas eram falsas (fls. 5/6).

Em interrogatório judicial, Márcio Alexandre Donate afirmou ser motorista e trabalhar com caminhão próprio. Tem renda mensal entre R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 3.000,00 (três mil reais). O imóvel em que reside é de propriedade da sogra. Sua mulher é empregada doméstica, o casal tem 2 (dois) filhos maiores de idade. Os animais estavam sadios, alimentados e em gaiolas limpas quando saíram de sua casa. Sempre cuidou bem dos animais, que não criados com fins lucrativos. A única coisa que poderia ser questionada é o transporte dos passarinhos em caminhonete, ocasião em que as gaiolas foram colocadas umas em cima das outras e os animais pegaram vento forte. Foram adquiridos por meio de trocas com outras pessoas. Sabe que o azulão é ave ameaçada de extinção. Pelo que poderia compreender, os animais e as anilhas eram regulares. Soube da adulteração das anilhas somente quando foi informado pelo Policial. Às vezes leva pássaros para torneios de canto em Santo André (SP). No dia da apreensão, as testemunhas de defesa Francisco, Alexandre e Gilmar foram à sua casa para um churrasco. Pensa que um colega que não havia sido convidado o denunciou. Os Policiais ficaram na parte de cima do imóvel. As aves estavam em sua residência há 1 (um) ou 2 (dois) anos. Nunca foram levadas ao veterinário. Não reconhece as anilhas cujas fotos instruem o laudo pericial, não sabe dizer se os pássaros são os que foram apreendidos em sua residência. Os pássaros podem ter apresentado diarreia por conta de stress sofrido após a apreensão e durante o trajeto ao local em que foram depositas (cf. mídia, fl. 144)

As testemunhas de defesa Severino Gomes de Araújo, Gilmar Soares Ferreira e Francisco Gomes de Moura declararam em Juízo que conhecem o acusado, em cuja residência estavam por ocasião da apreensão das aves porque participavam de um churrasco. Márcio Alexandre cuidava bem das aves, as gaiolas eram limpas, não faltava comida. Por ocasião da apreensão, as gaiolas foram empilhadas pelos Policiais em uma caminhonete, mal colocadas. Nada sabem sobre a adulteração de anilhas. Também são criadores de aves (cf. mídia, fl. 144).

Conforme se verifica, restou incontroverso que Policiais Militares Ambientais apreenderam 13 (treze) aves na residência de Márcio Alexandre Donate. As aves são da fauna silvestre e eram mantidas em cativeiro sem licença ou autorização do IBAMA. Uma das espécies, o azulão (Cyanoloxia brissonii) é "ave considerada vulnerável à extinção no estado de São Paulo" (cf. laudo pericial, fl. 40).

Por ocasião da análise da materialidade delitiva, consignou-se que a ficha de controle de entrada de animais no Parque Ecológico do Tietê é acompanhada de descrição na qual consta que, em 22.08.15, ou seja, na data da apreensão, as aves já apresentavam estado físico deficitário, lesões, falhas de empenamento e manutenção em gaiola com alimentação e espaço físico inadequados (fls. 17/18). O laudo pericial posteriormente elaborado corrobora esse entendimento ao indicar que as aves apresentavam baixo índice corporal, falhas de empenamento, lesões rostrais, calos ósseos e mobilidade reduzida (fls. 31/41).

Portanto, não encontra respaldo nos autos a alegação de que as aves teriam sido submetidas a maus tratos durante o transporte até o Parque Ecológico do Tietê ou que teriam sido mantidas em condições inadequadas após a apreensão, a resultar em paralisas, falhas de empenamento e em lesões indicadas no laudo pericial.

Os sinais de maus-tratos foram elencados com clareza nos relatórios técnicos e nas fotografias constantes dos autos, não sendo decorrentes de um suposto transporte irregular após a apreensão. As aves apresentavam traumas importantes e graves causados por condições de manejo impróprias e que resultaram em ferimentos, baixo peso e paralisias que não condizem com a data da apreensão ou da elaboração do laudo pericial. Assim, não prospera a afirmação da defesa de que os maus-tratos decorreriam de stress causado pela mudança ambiental.

As declarações das testemunhas de defesa não têm o condão de infirmar as circunstâncias da apreensão das aves na residência do réu, assim como as condições impróprias em que eram mantidas em cativeiro, conforme indicado com clareza no relatório de fls. 16/18 e no laudo pericial de fls. 31/41.

Márcio Alexandre Donate tinha plena ciência da necessidade de autorização administrativa para manutenção de espécimes da fauna silvestre em cativeiro. Afirmou ser criador de aves há mais de 20 (vinte) anos e admitiu ter ciência de que mantinha manter em cativeiro 1 (um) azulão Cyanoloxia brissonii, ave apontada no laudo pericial como vulnerável à extinção (cf. laudo pericial, fl. 40). Portanto, não socorre ao réu a alegação de que não teria agido com dolo ou que sua conduta decorreria de "erro de tipo escusável".

A afirmação de que algumas das aves teriam sido obtidas em condições precárias, não exime o réu de ao menos entregá-las às autoridades competentes, principalmente porque anilhadas. Ressalte-se que não encontra respaldo nos autos a alegação de que o réu não teria logrado regularizar a posse das aves por dificuldades de acesso ou bloqueio duradouro nos sistemas de registro do IBAMA.

Portanto, deve ser mantida a sentença na parte em que condenou o réu pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, c. c. § 4º, I, e do art. 32, ambos da Lei n. 9.605/98.

Execução provisória. HC n. 126.292 do Supremo Tribunal Federal. Esgotamento das instâncias ordinárias. Em Sessão Plenária, o Supremo Tribunal Federal, em 17.02.16, firmou o entendimento, segundo o qual "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal" (STF, HC n. 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 17.02.16). Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII) a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (STF, Repercussão geral em ARE n. 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.16). A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as instâncias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).
Do caso dos autos. A Procuradoria Regional da República requer a execução provisória da pena (fls. 216/220).
Consoante os fundamentos acima explicitados, convém o deferimento da execução provisória da pena, após o exaurimento das instâncias ordinárias.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de Márcio Alexandre Donate, para absolvê-lo da imputação de prática do delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, uma vez reconhecida a absorção pelo delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, e defiro a execução provisória da pena, após o exaurimento das vias ordinárias.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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