Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 25/04/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001072-28.2013.4.03.6117/SP
2013.61.17.001072-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : REGINALDO RODRIGUES FERNANDES e outros(as)
: DAVI CAMARGO
: JOSE ROBERTO MORO
: JOSE DOMINGOS DA SILVA
: ROSELI DO CARMO DA SILVA
: MARIA ELISA DOS SANTOS CIRINO
: CLAUDINEI DE JESUS
: JOSE BENEDITO LOPES
: AGNALDO BARDUCCI
: RENATO DE MATOS CARVALHO
: APARECIDO MACIEL DA COSTA
: MARIA ISABEL LOCATELLI MASSUCATO
: SANDRA REGINA DE JESUS LEITE
: OSVALDO JOSE DOS SANTOS
: GEISE RENATA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263777 AFONSO GABRIEL BRESSAN BRESSANIN e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : CAIXA SEGURADORA S/A
ADVOGADO : SP344647A ANDRÉ LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA
APELADO(A) : SUL AMERICA CIA NACIONAL DE SEGUROS
ADVOGADO : MG111202 LOYANNA DE ANDRADE MIRANDA
APELADO(A) : Uniao Federal
PROCURADOR : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00010722820134036117 1 Vr JAU/SP

EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. BOA-FÉ OBJETIVA. POSTULAÇÃO DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA. PROVA IMPRESCINDÍVEL AO ESCLARECIMENTO DA MATÉRIA CONTROVERTIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA ANULADA.
1. A partir de uma análise sistemática e finalística do programa de financiamento habitacional, depreende-se que a previsão contratual suscitada com vistas a elidir, em qualquer hipótese, a responsabilidade da seguradora por vícios de construção, consubstancia violação aos limites impostos pelos fins econômicos e sociais do contrato, bem como pela boa-fé que deve reger a relação contratual.
2. Em consonância com os parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, é imperioso reconhecer que as disposições contratuais sobre as quais se constitui o conflito subjacente à lide demandam interpretação sistemática e que não submeta o consumidor a situação de extrema desvantagem e incompatível com a equidade e a finalidade do contrato, razão pela qual se mostra incabível afastar-se, de plano, a cobertura do seguro habitacional por vícios estruturais de construção.
3. A prova vindicada pela parte autora tem por escopo, em princípio, a demonstração de fatos constitutivos do seu direito, bem como, por outro lado, a elucidação de questões pertinentes à matéria de defesa deduzida pelas Rés, em consonância com o disposto no art. 373, do Código de Processo Civil.
4. A denegação de produção de prova essencial ao deslinde do feito configura violação ao devido processo legal, por infringência ao contraditório e à ampla defesa. Precedentes.
5. Impõe-se o retorno dos autos à origem para que, reconhecida, em princípio, a possibilidade de responsabilização das Requeridas pelo evento lesivo tratado nos autos, o feito tenha regular prosseguimento, com a produção da prova pericial necessária à elucidação da matéria controvertida.
6. Apelação provida para anular a sentença recorrida e determinar o regular processamento do feito perante o juízo monocrático, observada a regular instrução processual.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação para anular a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 09 de abril de 2019.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 68D9614EDFBF95E3
Data e Hora: 12/04/2019 10:30:05



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001072-28.2013.4.03.6117/SP
2013.61.17.001072-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : REGINALDO RODRIGUES FERNANDES e outros(as)
: DAVI CAMARGO
: JOSE ROBERTO MORO
: JOSE DOMINGOS DA SILVA
: ROSELI DO CARMO DA SILVA
: MARIA ELISA DOS SANTOS CIRINO
: CLAUDINEI DE JESUS
: JOSE BENEDITO LOPES
: AGNALDO BARDUCCI
: RENATO DE MATOS CARVALHO
: APARECIDO MACIEL DA COSTA
: MARIA ISABEL LOCATELLI MASSUCATO
: SANDRA REGINA DE JESUS LEITE
: OSVALDO JOSE DOS SANTOS
: GEISE RENATA DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263777 AFONSO GABRIEL BRESSAN BRESSANIN e outro(a)
APELADO(A) : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : CAIXA SEGURADORA S/A
ADVOGADO : SP344647A ANDRÉ LUIZ DO REGO MONTEIRO TAVARES PEREIRA
APELADO(A) : SUL AMERICA CIA NACIONAL DE SEGUROS
ADVOGADO : MG111202 LOYANNA DE ANDRADE MIRANDA
APELADO(A) : Uniao Federal
PROCURADOR : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00010722820134036117 1 Vr JAU/SP

RELATÓRIO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):


Trata-se de ação ajuizada por Davi Camargo e Outros contra "Caixa Seguradora S/A" e "Sul América Companhia Nacional de Seguros", visando à obtenção de provimento jurisdicional que condene as Rés ao pagamento de indenização por danos materiais, a ser fixada em perícia, para reparação de danos físicos nos imóveis de que são proprietários.

Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente a pretensão autoral, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, sob o fundamento de que os vícios de edificação que fundamentam o pedido estão excluídos da cobertura securitária por expressa previsão contratual. Os Requerentes foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade encontra-se suspensa por força dos benefícios da gratuidade de justiça (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).

Os Autores interpuseram recurso de apelação, às fls. 1.407/1.416. Sustentam, em síntese, que a prova pericial requerida mostra-se essencial ao deslinde do feito, porquanto se trata de elemento indispensável à comprovação do direito da parte autora, de modo que seu indeferimento consubstancia cerceamento de defesa. No mérito, referem que a cláusula de exclusão de cobertura securitária em relação a vícios de construção contraria frontalmente a natureza do contrato, cujo escopo consiste em resguardar os segurados de eventuais danos decorrentes de defeitos que comprometam a habitabilidade do imóvel, não podendo tal disposição contratual prestar-se a elidir a responsabilidade da seguradora. Requerem, assim, o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença recorrida.

Com contrarrazões às fls. 1.420/1.426, 1.427/1.439, 1.440/1.452 e 1.454/1.459, vieram os autos a esta Corte Regional.


É o relatório.


VOTO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

A matéria devolvida ao exame desta Corte será examinada com base na fundamentação que passo a analisar topicamente.


Da responsabilidade da seguradora


Os Autores fundamentam sua pretensão em garantia contratual relativa à construção civil de imóvel, com base na qual deduzem pretensão de condenação da "Caixa Seguradora S/A" e da "Sul América Companhia Nacional de Seguros" ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de problemas físicos, de natureza progressiva e contínua, em imóveis de sua propriedade.

O Juízo a quo julgou improcedente a pretensão autoral, sob o fundamento de que a Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação, que regula a relação contratual em tela, expressamente exclui da cobertura securitária os danos originados de vícios de construção.


O recurso comporta provimento.


Consta dos autos que os Requerentes são mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por meio do qual adquiriram imóveis no conjunto habitacional "Sonho Nosso", situado no Município da Estância Turística de Barra Bonita/SP.

Relatam os Autores que, com o decurso do tempo, passaram a identificar defeitos de construção que se tornaram gradativamente aparentes e, de forma progressiva e contínua, passaram a comprometer as condições de habitualidade dos imóveis.

A pretensão indenizatória deduzida nestes autos se dirige à "Caixa Seguradora S/A" e à "Sul América Companhia Nacional de Seguros", cuja cobertura securitária decorre de contrato de adesão de natureza coativa, compreendido em apólice firmada no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.

Trata-se, portanto, de cobertura securitária cuja finalidade contratual se insere no âmbito de um programa de financiamento habitacional de âmbito nacional, destinado à execução de política orientada à facilitação da aquisição de imóveis residenciais, com a finalidade de redução do déficit habitacional.

A cobertura securitária firmada com as Apeladas, portanto, trata-se de condição preestabelecida à viabilidade da realização do financiamento de imóvel nos termos do SFH, cujas cláusulas não são passíveis de modificação, consubstanciando-se em verdadeiro contrato de adesão.

Os imóveis, por sua vez, são edificados por agentes autorizados a operar com recursos do SFH, mediante aprovação prévia de projetos e fiscalização periódica de obras, sendo as seguradoras contratadas para garantia do objeto financiado ao longo de todo o empreendimento. Uma vez concluído o empreendimento e adimplida a obrigação pactuada, é transferido ao mutuário o imóvel adquirido através do programa de financiamento habitacional, cuja solidez e demais condições necessárias à habitualidade do bem devem ser garantidas enquanto decorrência lógica da boa-fé objetiva que rege as relações contratuais.

Nesse sentido, dispõe o Código Civil, no que tange aos negócios jurídicos, que sua interpretação deve ser orientada pela boa-fé (art. 113), bem como, em relação aos contratos de adesão, que, na hipótese de haver "cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente" (art. 423).

Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor - cujas normas, consoante entendimento jurisprudencial, são aplicáveis aos contratos do SFH (STJ, AgRg no AREsp 538224/RS, AgRg no REsp 1216391/RJ, AgRg no REsp 1334688/MS) - dispõe, em seu art. 47, que a interpretação das cláusulas contratuais deve se dar da forma mais favorável ao consumidor, sendo, ainda, consideradas nulas de pleno direito aquelas que "impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos", bem como que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade" (art. 51, inc. I e IV). Ademais, estabelece a legislação consumerista a nulidade de cláusulas que estipulem uma vantagem que ofenda "os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence", ou ainda, que restrinjam "direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual" (art. 51, § 1º, inc. I e II).

Consigna-se que, no caso, a relação jurídica entabulada entre as partes decorre de contrato de adesão de natureza coativa, cuja contratação fora imposta aos Autores quando da realização do financiamento habitacional, sem a possibilidade de livre escolha da seguradora ou dos termos do instrumento contratual. É patente, portanto, que a hipótese tratada nos autos configura relação de consumo, cujas disposições contratuais devem ser interpretadas da maneira mais benéfica ao consumidor.

Nesses termos, em conformidade com a interpretação extraída das diretrizes estabelecidas pelas regras e princípios do complexo normativo aplicável à relação contratual em tela, infere-se que a disposição expressa na Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação, não pode se prestar a fundamentar, a partir de uma leitura isolada, a plena isenção de qualquer responsabilidade das Rés pelo evento lesivo tratado nos autos.

A declaração, de plano, de absoluta ausência de responsabilidade das seguradoras em face de vícios decorrentes da construção implicaria em manifesta inobservância às obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ART. 544, CPC)- AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - AUSÊNCIA DE INTERESSE DA CEF POR INEXISTIR LESÃO AO FCVS - RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA PELOS VÍCIOS DA CONSTRUÇÃO - APLICABILIDADE DO CDC - MULTA DECENDIAL CORRETAMENTE APLICADA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DA SEGURADORA. 1. Para infirmar o acórdão recorrido, quanto ao tipo da apólice objeto do financiamento, seria necessário o reexame do contrato de financiamento habitacional, pois não foi juntado aos autos, atraindo, na hipótese, os óbices insculpidos nos enunciados das Súmulas 05 e 07 do STJ. 2. Nos contratos de seguro habitacional obrigatório sob a égide das regras do Sistema Financeiro da Habitação, as seguradoras são responsáveis quando presentes vícios decorrentes da construção, não havendo como se sustentar o entendimento de que haveria negativa de vigência do art. 1.460 do antigo Código Civil. 3. Aplica-se a legislação consumerista às relações regidas pelo SFH, inclusive aos contratos de seguro habitacional, porque delas decorre diretamente. 4. A multa decendial pactuada para o atraso do pagamento da indenização é limitada ao montante da obrigação principal. 5. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no AREsp 189.388/SC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 09/10/2012, DJe 23/10/2012)
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E SFH. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO INTERNO, O QUAL SEGUE DESPROVIDO. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade recursal e da economia processual. 2. Nos casos de seguro habitacional no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), as seguradoras, em caso de previsão contratual, são responsáveis quando presentes vícios decorrentes da construção, não havendo como se sustentar o entendimento de que haveria negativa de vigência do art. 1.460 do antigo Código Civil. 3. No caso, tendo a Corte de origem assentado que os riscos decorrentes de vício de construção não se encontram cobertos na apólice, é inviável a pretensão recursal, dada a necessidade de interpretação de cláusula contratual e de reexame do conjunto fático-probatório dos autos, atraindo os óbices das Súmulas 5 e 7 desta Corte. 4. Embargos declaratórios recebidos como agravo interno, ao qual se nega provimento".
(EDcl no REsp n. 1.040.103/SC, Relator Ministro Raul Araújo, DJe de 11/12/2013)

Assim, a partir de uma análise sistemática e finalística do programa de financiamento habitacional, depreende-se que a referida previsão contratual, suscitada pelas Requeridas em sua defesa, com vistas a elidir, em qualquer hipótese, a responsabilidade da seguradora por vícios de construção, consubstancia violação aos limites impostos pelos fins econômicos e sociais do contrato, bem como pela boa-fé que deve reger a relação contratual.

Acerca da questão, destaco trecho da fundamentação exposta pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no voto proferido no julgamento dos EDcl no AgRg no REsp 1.540.894/SP (DJ 02/06/2016), cujas razões comportam plena aplicação à matéria versada na presente lide:

"As cláusulas a preverem os riscos cobertos pelo seguro habitacional foram interpretadas à luz do Código de Defesa do Consumidor para reconhecer-se que a previsão contratual de cobertura de desmoronamento não pode ser interpretada contra o consumidor para efeito de excluir a indenização pelos vícios verificados no imóvel.
A causa de pedir formulada na inicial claramente expõe advirem os danos do fluxo de chuvas, da proximidade com a orla marítima, das características do terreno, todas elas a fazerem periclitar o imóvel e, quiçá, levar ao seu desmoronamento.
Mesmo que estivesse previsto no contrato cláusula a excluir o maior e mais comumente observado risco ao imóvel, essa cláusula revelar-se-ia abusiva, pois sua aplicação estaria a, irretorquivelmente, restringir direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato de seguro de imóvel que visa a resguardar a garantia última do financiamento concedido, ou seja, o próprio imóvel.
O contrato de seguro habitacional tem cunho social, porque erigido de modo obrigatório para o resguardo da garantia do financiamento contraído sob as normas do SFH. Como fiz ver anteriormente, não se coaduna a essa particular conformação de contrato a interpretação de que construção erroneamente realizada ou com materiais inapropriados - a levar o bem à ruína ou a fragilizar-lhe de tal modo a estrutura a ponto de fazer inabitável - representaria sinistro não acobertado pelo seguro habitacional".

No mesmo sentido, destaco recente precedente do STJ, relativo a matéria análoga à dos presentes autos:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. VÍCIOS DE CONTRUÇÃO (VÍCIOS OCULTOS). AMEAÇA DE DESMORONAMENTO. CONHECIMENTO APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO. BOA-FÉ OBJETIVA PÓS-CONTRATUAL. JULGAMENTO: CPC/15. 1. Ação de indenização securitária proposta em 21/07/2009, de que foi extraído o presente recurso especial, interposto em 06/07/2016 e concluso ao gabinete em 06/02/2017. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a quitação do contrato de mútuo para aquisição de imóvel extingue a obrigação da seguradora de indenizar os adquirentes-segurados por vícios de construção (vícios ocultos) que implicam ameaça de desmoronamento. 3. A par da regra geral do art. 422 do CC/02, o art. 765 do mesmo diploma legal prevê, especificamente, que o contrato de seguro, tanto na conclusão como na execução, está fundado na boa-fé dos contratantes, no comportamento de lealdade e confiança recíprocos, sendo qualificado pela doutrina como um verdadeiro "contrato de boa-fé". 4. De um lado, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato para que o segurado compreenda, com exatidão, o alcance da garantia contratada; de outro, obriga-o, na fase de execução e também na pós-contratual, a evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente cobertos pela garantia. 5. O seguro habitacional tem conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população. Trata-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família, em caso de morte ou invalidez do segurado, e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema. 6. À luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, conclui-se que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a extinção do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua conclusão (vício oculto). 7. Constatada a existência de vícios estruturais acobertados pelo seguro habitacional e coexistentes à vigência do contrato, hão de ser os recorrentes devidamente indenizados pelos prejuízos sofridos, nos moldes estabelecidos na apólice. 8. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1.717.112/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 11/10/2018) - g.n.

Por conseguinte, deve ser refutada, no caso, a impugnação à pretensão autoral, deduzida pelas Recorridas, cujos fundamentos se amparam na ausência de cobertura contratual calcada, exclusivamente, na disposição Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação.

Em consonância com os fundamentos expostos e em convergência com os parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, é imperioso reconhecer que as disposições contratuais sobre as quais se constitui o conflito subjacente à lide demandam interpretação sistemática e que não submeta o consumidor a situação de extrema desvantagem e incompatível com a equidade e a finalidade do contrato, razão pela qual mostra-se incabível afastar-se de plano a possibilidade de responsabilização da seguradora.


Da necessidade de produção de prova


No caso, verifica-se que os Apelantes formularam pedido de produção de prova, relativa à realização de perícia para aferição de danos estruturais nos imóveis, a qual se constituiria em meio hábil à elucidação da matéria controvertida.

O pedido, porém, não foi atendido pelo Juízo a quo, que procedeu ao julgamento antecipado do mérito.

Ressalta-se que a denegação de produção de prova essencial ao deslinde do feito configura violação ao devido processo legal, por infringência ao contraditório e à ampla defesa.

No caso, observa-se que a prova vindicada pela parte autora tem por escopo, em princípio, a demonstração de fatos constitutivos do seu direito, bem como, por outro lado, a elucidação de questões pertinentes à matéria de defesa deduzida pelas Rés, em consonância com o disposto no art. 373, do Código de Processo Civil.

Em evidência, embora a legislação processual civil assegure às partes a produção de todos os meios de prova admissíveis para a comprovação do que fora alegado, o mesmo diploma legal comete ao magistrado a atribuição de determinar somente as provas necessárias ao deslinde da demanda, indeferindo as inúteis e aquelas que acarretem mora processual, velando pela rápida solução do conflito.

Assim, poderá o juiz dispensar a produção de determinada prova quando entender que o conjunto probatório existente nos autos se mostra suficiente para fornecer subsídios elucidativos do litígio, casos em que o julgamento da lide poderá ser antecipado e proferido até mesmo sem audiência.

Contudo, no caso em exame, o requerimento formulado pelos Autores visava à produção de prova imprescindível à elucidação do fato controvertido, de modo que o julgamento antecipado do mérito, na situação em análise, constitui cerceamento de defesa.

Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:

"Evidenciada a necessidade da produção de provas requeridas pela autora, a tempo oportuno, constitui cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, com infração aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. A violação a tais princípios constitui matéria de ordem pública e pode ser conhecida de ofício pelo órgão julgador."
(REsp 714467/PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, jul. 02.09.2010, DJe 09.09.2010)
AGRAVO INTERNO - INDEFERIMENTO DE PROVA IMPRESCINDÍVEL - JULGAMENTO ANTECIPADO - CERCEAMENTO DE DEFESA - SÚMULA 182.
- É defeso ao juiz indeferir produção de prova imprescindível à elucidação de fato controvertido e julgar antecipadamente a lide, sob pena de cerceamento de defesa.
- ?É inviável o agravo do Art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.
(AgRg no REsp 841802 MT 2006/0085227-2, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, J. 19/09/2006, T3 - Terceira Turma, DJ 09.10.2006 p. 302)

Impõe-se, portanto, o retorno dos autos à origem, para que, reconhecida, em princípio, a possibilidade de responsabilização das Requeridas pelo evento lesivo tratado nos autos, o feito tenha regular prosseguimento, com a produção da prova pericial necessária à elucidação da matéria controvertida.


Ante o exposto, dou provimento à apelação, para anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos Autos ao primeiro grau de jurisdição, para que outra seja proferida, após a regular instrução processual.


É o voto.

Renumerem-se os autos a partir da fl. 1.459 (contrarrazões da União Federal).


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 68D9614EDFBF95E3
Data e Hora: 12/04/2019 10:30:02