D.E. Publicado em 25/04/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação para anular a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
Trata-se de ação ajuizada por Davi Camargo e Outros contra "Caixa Seguradora S/A" e "Sul América Companhia Nacional de Seguros", visando à obtenção de provimento jurisdicional que condene as Rés ao pagamento de indenização por danos materiais, a ser fixada em perícia, para reparação de danos físicos nos imóveis de que são proprietários.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente a pretensão autoral, nos termos do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, sob o fundamento de que os vícios de edificação que fundamentam o pedido estão excluídos da cobertura securitária por expressa previsão contratual. Os Requerentes foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, cuja exigibilidade encontra-se suspensa por força dos benefícios da gratuidade de justiça (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).
Os Autores interpuseram recurso de apelação, às fls. 1.407/1.416. Sustentam, em síntese, que a prova pericial requerida mostra-se essencial ao deslinde do feito, porquanto se trata de elemento indispensável à comprovação do direito da parte autora, de modo que seu indeferimento consubstancia cerceamento de defesa. No mérito, referem que a cláusula de exclusão de cobertura securitária em relação a vícios de construção contraria frontalmente a natureza do contrato, cujo escopo consiste em resguardar os segurados de eventuais danos decorrentes de defeitos que comprometam a habitabilidade do imóvel, não podendo tal disposição contratual prestar-se a elidir a responsabilidade da seguradora. Requerem, assim, o provimento do recurso, para que seja reformada a sentença recorrida.
Com contrarrazões às fls. 1.420/1.426, 1.427/1.439, 1.440/1.452 e 1.454/1.459, vieram os autos a esta Corte Regional.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
A matéria devolvida ao exame desta Corte será examinada com base na fundamentação que passo a analisar topicamente.
Da responsabilidade da seguradora
Os Autores fundamentam sua pretensão em garantia contratual relativa à construção civil de imóvel, com base na qual deduzem pretensão de condenação da "Caixa Seguradora S/A" e da "Sul América Companhia Nacional de Seguros" ao pagamento de indenização por danos materiais decorrentes de problemas físicos, de natureza progressiva e contínua, em imóveis de sua propriedade.
O Juízo a quo julgou improcedente a pretensão autoral, sob o fundamento de que a Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação, que regula a relação contratual em tela, expressamente exclui da cobertura securitária os danos originados de vícios de construção.
O recurso comporta provimento.
Consta dos autos que os Requerentes são mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), por meio do qual adquiriram imóveis no conjunto habitacional "Sonho Nosso", situado no Município da Estância Turística de Barra Bonita/SP.
Relatam os Autores que, com o decurso do tempo, passaram a identificar defeitos de construção que se tornaram gradativamente aparentes e, de forma progressiva e contínua, passaram a comprometer as condições de habitualidade dos imóveis.
A pretensão indenizatória deduzida nestes autos se dirige à "Caixa Seguradora S/A" e à "Sul América Companhia Nacional de Seguros", cuja cobertura securitária decorre de contrato de adesão de natureza coativa, compreendido em apólice firmada no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação.
Trata-se, portanto, de cobertura securitária cuja finalidade contratual se insere no âmbito de um programa de financiamento habitacional de âmbito nacional, destinado à execução de política orientada à facilitação da aquisição de imóveis residenciais, com a finalidade de redução do déficit habitacional.
A cobertura securitária firmada com as Apeladas, portanto, trata-se de condição preestabelecida à viabilidade da realização do financiamento de imóvel nos termos do SFH, cujas cláusulas não são passíveis de modificação, consubstanciando-se em verdadeiro contrato de adesão.
Os imóveis, por sua vez, são edificados por agentes autorizados a operar com recursos do SFH, mediante aprovação prévia de projetos e fiscalização periódica de obras, sendo as seguradoras contratadas para garantia do objeto financiado ao longo de todo o empreendimento. Uma vez concluído o empreendimento e adimplida a obrigação pactuada, é transferido ao mutuário o imóvel adquirido através do programa de financiamento habitacional, cuja solidez e demais condições necessárias à habitualidade do bem devem ser garantidas enquanto decorrência lógica da boa-fé objetiva que rege as relações contratuais.
Nesse sentido, dispõe o Código Civil, no que tange aos negócios jurídicos, que sua interpretação deve ser orientada pela boa-fé (art. 113), bem como, em relação aos contratos de adesão, que, na hipótese de haver "cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente" (art. 423).
Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor - cujas normas, consoante entendimento jurisprudencial, são aplicáveis aos contratos do SFH (STJ, AgRg no AREsp 538224/RS, AgRg no REsp 1216391/RJ, AgRg no REsp 1334688/MS) - dispõe, em seu art. 47, que a interpretação das cláusulas contratuais deve se dar da forma mais favorável ao consumidor, sendo, ainda, consideradas nulas de pleno direito aquelas que "impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos", bem como que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade" (art. 51, inc. I e IV). Ademais, estabelece a legislação consumerista a nulidade de cláusulas que estipulem uma vantagem que ofenda "os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence", ou ainda, que restrinjam "direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual" (art. 51, § 1º, inc. I e II).
Consigna-se que, no caso, a relação jurídica entabulada entre as partes decorre de contrato de adesão de natureza coativa, cuja contratação fora imposta aos Autores quando da realização do financiamento habitacional, sem a possibilidade de livre escolha da seguradora ou dos termos do instrumento contratual. É patente, portanto, que a hipótese tratada nos autos configura relação de consumo, cujas disposições contratuais devem ser interpretadas da maneira mais benéfica ao consumidor.
Nesses termos, em conformidade com a interpretação extraída das diretrizes estabelecidas pelas regras e princípios do complexo normativo aplicável à relação contratual em tela, infere-se que a disposição expressa na Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação, não pode se prestar a fundamentar, a partir de uma leitura isolada, a plena isenção de qualquer responsabilidade das Rés pelo evento lesivo tratado nos autos.
A declaração, de plano, de absoluta ausência de responsabilidade das seguradoras em face de vícios decorrentes da construção implicaria em manifesta inobservância às obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato.
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:
Assim, a partir de uma análise sistemática e finalística do programa de financiamento habitacional, depreende-se que a referida previsão contratual, suscitada pelas Requeridas em sua defesa, com vistas a elidir, em qualquer hipótese, a responsabilidade da seguradora por vícios de construção, consubstancia violação aos limites impostos pelos fins econômicos e sociais do contrato, bem como pela boa-fé que deve reger a relação contratual.
Acerca da questão, destaco trecho da fundamentação exposta pelo Min. Paulo de Tarso Sanseverino, no voto proferido no julgamento dos EDcl no AgRg no REsp 1.540.894/SP (DJ 02/06/2016), cujas razões comportam plena aplicação à matéria versada na presente lide:
No mesmo sentido, destaco recente precedente do STJ, relativo a matéria análoga à dos presentes autos:
Por conseguinte, deve ser refutada, no caso, a impugnação à pretensão autoral, deduzida pelas Recorridas, cujos fundamentos se amparam na ausência de cobertura contratual calcada, exclusivamente, na disposição Cláusula 3.2, da Resolução da Diretoria 18/77 do Banco Nacional da Habitação.
Em consonância com os fundamentos expostos e em convergência com os parâmetros da boa-fé objetiva e da proteção contratual do consumidor, é imperioso reconhecer que as disposições contratuais sobre as quais se constitui o conflito subjacente à lide demandam interpretação sistemática e que não submeta o consumidor a situação de extrema desvantagem e incompatível com a equidade e a finalidade do contrato, razão pela qual mostra-se incabível afastar-se de plano a possibilidade de responsabilização da seguradora.
Da necessidade de produção de prova
No caso, verifica-se que os Apelantes formularam pedido de produção de prova, relativa à realização de perícia para aferição de danos estruturais nos imóveis, a qual se constituiria em meio hábil à elucidação da matéria controvertida.
O pedido, porém, não foi atendido pelo Juízo a quo, que procedeu ao julgamento antecipado do mérito.
Ressalta-se que a denegação de produção de prova essencial ao deslinde do feito configura violação ao devido processo legal, por infringência ao contraditório e à ampla defesa.
No caso, observa-se que a prova vindicada pela parte autora tem por escopo, em princípio, a demonstração de fatos constitutivos do seu direito, bem como, por outro lado, a elucidação de questões pertinentes à matéria de defesa deduzida pelas Rés, em consonância com o disposto no art. 373, do Código de Processo Civil.
Em evidência, embora a legislação processual civil assegure às partes a produção de todos os meios de prova admissíveis para a comprovação do que fora alegado, o mesmo diploma legal comete ao magistrado a atribuição de determinar somente as provas necessárias ao deslinde da demanda, indeferindo as inúteis e aquelas que acarretem mora processual, velando pela rápida solução do conflito.
Assim, poderá o juiz dispensar a produção de determinada prova quando entender que o conjunto probatório existente nos autos se mostra suficiente para fornecer subsídios elucidativos do litígio, casos em que o julgamento da lide poderá ser antecipado e proferido até mesmo sem audiência.
Contudo, no caso em exame, o requerimento formulado pelos Autores visava à produção de prova imprescindível à elucidação do fato controvertido, de modo que o julgamento antecipado do mérito, na situação em análise, constitui cerceamento de defesa.
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:
Impõe-se, portanto, o retorno dos autos à origem, para que, reconhecida, em princípio, a possibilidade de responsabilização das Requeridas pelo evento lesivo tratado nos autos, o feito tenha regular prosseguimento, com a produção da prova pericial necessária à elucidação da matéria controvertida.
Ante o exposto, dou provimento à apelação, para anular a sentença recorrida e determinar o retorno dos Autos ao primeiro grau de jurisdição, para que outra seja proferida, após a regular instrução processual.
É o voto.
Renumerem-se os autos a partir da fl. 1.459 (contrarrazões da União Federal).
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106 |
Nº de Série do Certificado: | 68D9614EDFBF95E3 |
Data e Hora: | 12/04/2019 10:30:02 |