Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/04/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007105-94.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.007105-9/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado ALESSANDRO DIAFÉRIA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JOSE CARLOS MEDEIROS
ADVOGADO : LEONARDO CASTRO TRINDADE (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00071059420174036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CONTRABANDO. CIGARROS. MERCADORIA DE PROIBIÇÃO RELATIVA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A importação de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular introdução no país, configura, em tese, o crime de contrabando.
2. O cigarro é mercadoria de proibição relativa, sendo que somente será permitida sua importação se forem atendidas todas as exigências legais para tanto, não bastando que se trate de cigarro produzido no Brasil sem destinação exclusiva a exportação ou fabricado no exterior.
3. Tratando-se do delito de contrabando, o mero valor do tributo iludido não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Aqui, o bem jurídico tutelado é, notadamente, a saúde pública, razão pela qual o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação.
4. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
5. Dosimetria da pena. Pena-base fixada no patamar mínimo legal.
6. Reconhecimento da atenuante da confissão espontânea. Incidência da Súmula nº 231 do STJ.
7. Fixado o regime inicial aberto de cumprimento de pena.
8. Ante a presença dos requisitos do art. 44 do CP, efetuada a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.
9. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação ministerial para reformar a sentença e condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, IV, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, decidiu determinar a expedição de carta de sentença ao juízo a quo para as providências necessárias à continuidade da execução penal (STF, HC nº 126.292, ADC nºs 43 e 44, ARE 964.246 RG), assim que esgotados os recursos no âmbito desta corte, cabível também para o caso de regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (STF, HC nº 141.978 AgR/SP) e não ocorrendo trânsito em julgado, nos termos do voto do Relator, vencido o Desembargador Federal Maurício Kato, que divergia quanto ao marco inicial para o início do cumprimento da pena, que deve ser apenas após o trânsito em julgado.




São Paulo, 09 de abril de 2019.
ALESSANDRO DIAFÉRIA
Juiz Federal Convocado


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007105-94.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.007105-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JOSE CARLOS MEDEIROS
ADVOGADO : LEONARDO CASTRO TRINDADE (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00071059420174036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença proferida pela 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP que, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, julgou improcedente a denúncia e absolveu o réu JOSÉ CARLOS MEDEIROS da imputação da prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, IV, do Código Penal, ante a incidência do princípio da insignificância.

Narra a denúncia (fls. 38/40), recebida em 18.07.2017 (fls. 43/44):

Consta da inclusa notícia de fato que em 08 de julho de 2015, nesta capital, JOSÉ CARLOS MEDEIROS foi surpreendido, em seu estabelecimento comercial localizado na Rua Estevão Ribeiro Garcia, 72, na posse de mercadoria proibida pela lei brasileira, incidindo na prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso IV, do Código Penal.
Conforme o Boletim de Ocorrência nº 3487/2015, lavrado pelo 64º D.P. Cidade A E Carvalho (fl. 22/26v), policiais civis, acompanhados da Sra. Maria Fernanda Izar dos Santos, representante da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, dirigiram-se ao estabelecimento comercial localizado no número 72 da rua Estevão Ribeiro Garcia para realização de operação de Combate ao Comércio Ilegal de Cigarros Ilícito, quando se depararam com o comércio de cigarros estrangeiros sem documentação na posse de JOSÉ CARLOS MEDEIROS.
Foi então procedida a apreensão de 927 maços de cigarros e posteriormente lavrado o auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal nº 0817900/SEPMA001270/2016 (PAF 15.771.724.585/2016-79) pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sendo 742 maços da marca Eight, 110 maços da marca San Marino e 75 maços da marca Vila Rica (fls. 08/11).
O laudo de fls. 27/31vº atesta a origem paraguaia das mercadorias bem como a ausência de selo de controle de cigarros e de pagamento dos tributos correspondentes.
As mercadorias apreendidas foram avaliadas em R$ 4.635,00 e o valor presumido de tributos não recolhidos R$ 2.317,50, conforme fl. 06.

A sentença (fls. 103/106) foi publicada em 07.02.2018 (fls. 107).

Em suas razões de apelação (fls. 108/122), o MPF pugna pelo afastamento do princípio da insignificância e consequente condenação do réu.

Contrarrazões a fls. 125/130.

A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 132/133v).

É o relatório.

À revisão.

NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007105-94.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.007105-9/SP
RELATOR : Juiz Federal Convocado ALESSANDRO DIAFÉRIA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : JOSE CARLOS MEDEIROS
ADVOGADO : LEONARDO CASTRO TRINDADE (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00071059420174036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO ALESSANDRO DIAFÉRIA (Relator): Ratifico o relatório. Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em face da sentença (fls. 225/225v) proferida pela 1ª Vara Federal de Dourados/MS que, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal, considerou o fato narrado na denúncia materialmente atípico, ante a incidência do princípio da insignificância, e absolveu os réus FABRÍCIO DA CRUZ SOBRINHO e MARCELO RODRIGUES DE SOUZA.

De início, afasto o princípio da insignificância do caso dos autos.

A importação de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular introdução no país, configura, em tese, o crime de contrabando.

A tipicidade do delito de contrabando, nos casos que envolvem a importação de cigarros, não está circunscrita apenas às hipóteses em que eles foram produzidos no Brasil com destinação exclusiva à exportação. A análise acerca da configuração desse crime não se limita à mercadoria em si, mas também à forma de sua exportação ou sua introdução no território nacional.

Em outras palavras, a proibição não envolve apenas o objeto material da conduta (cigarros), impondo-se que seu ingresso ou saída do país obedeça aos trâmites legalmente previstos para sua importação ou exportação. Não basta, por isso, que os cigarros sejam de origem estrangeira e, a princípio, passíveis de ingressar regularmente no país, para se afirmar que, caso internalizados sem o pagamento dos tributos devidos, seriam objeto do delito de descaminho.

A importação irregular do cigarro - que, inclusive, se submete a uma extensa normatização por parte da Receita Federal, do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - torna proibido o seu ingresso no território nacional. Noutras palavras, o cigarro é mercadoria de proibição relativa, sendo que somente será permitida sua importação se forem atendidas todas as exigências legais para tanto, não bastando que se trate de cigarro produzido no Brasil sem destinação exclusiva a exportação ou fabricado no exterior.

Desse modo, tratando-se do delito de contrabando, o mero valor do tributo iludido não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Aqui, o bem jurídico tutelado é, notadamente, a saúde pública, razão pela qual o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação.

Nesse sentido, há diversos precedentes do Supremo Tribunal Federal (HC nº 100.367, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09.08.2011; HC nº 110.841, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 27.11.2012) e do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no REsp nº 1378063/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25.06.2013, DJe 01.07.2013; AgRg no REsp nº 286.524/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 18.06.2013, DJe 01.07.2013; AgRg no REsp nº 311.614/SC, Quinta Turma, Rel. Des. Convocada do TJ/SE Marilza Maynard, j. 11.06.2013, DJe 17.06.2013; AgRg no REsp nº 329.716/PR, Sexta Turma, Rel. Des. Convocada do TJ/PE Alderita Ramos de Oliveira, j. 11.06.2013, DJe 25.06.2013; AgRg no REsp nº 1366118/PR, Quinta Turma, Rel. Des. Convocada do TJ/PR Campos Marques, j. 06.06.2013, DJe 11.06.2013).

A propósito, é de se destacar o seguinte trecho da decisão da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, no julgamento do Recurso Especial nº 1.332.908/MS:

[E]m se tratando do crime descrito na segunda figura do artigo 334 do Código Penal (descaminho), vale dizer, entrada ou saída de mercadoria permitida sem o recolhimento do tributo devido, em que o bem jurídico tutelado é a ordem tributária, a irrisória lesão ao Fisco conduz à própria atipicidade material da conduta. Ocorre, todavia, que nos casos de contrabando, ou seja, importação ou exportação de mercadoria proibida, em que, para além da sonegação de tributos há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material da conduta tão-somente à vista do valor da evasão fiscal, ainda que eventualmente possível, em tese, a exclusão do crime, mas em face da mínima lesão provocada ao bem jurídico ali tutelado, gize-se, a moral, saúde, higiene e segurança pública.
(...)
Assim, vê-se, indubitavelmente, que o cigarro é mercadoria de proibição relativa, cuja importação à margem da disciplina legal configura contrabando que, no presente caso, ocorreu em quantidade suficientemente expressiva para afastar a mínima lesividade à moral, higiene, segurança e saúde pública, razão pela qual não tem qualquer aplicação o princípio da insignificância.
(...)
Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, parágrafo 1º-A, do Código de Processo Civil, combinado com o artigo 3º do Código de Processo Penal, dou provimento ao recurso especial para afastar o princípio da insignificância, determinando o retorno dos autos à origem para que se prossiga com a ação penal em relação ao delito de contrabando.
(STJ, REsp nº 1.332.908/MS, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 21.08.2013, DJe 22.08.2013; destaquei)

Nesse mesmo sentido decidiu esta Décima Primeira Turma, em acórdão relatado pela Desembargadora Federal Cecília Mello:

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 334 (CONTRABANDO) E 333 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PARA O CRIME DE CONTRABANDO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. VALIDADE DO DEPOIMENTO DOS POLICIAIS MILITARES. DOSIMETRIA PARCIALMENTE REFORMADA. SÚMULA 444 DO STJ.
1 - Réus condenados por terem sido flagrados na posse de 30 caixas de cigarros estrangeiros, desacompanhadas de documentação legal de regular internação no país, e pelo fato de um dos réus ter oferecido R$ 15.000,00 aos policiais militares, a fim de que estes deixassem de praticar ato de ofício.
(...)
3 - O fato de não estar discriminado o valor dos tributos iludidos também não torna a denúncia inepta, uma vez que tal questão pode ser elucidada no decorrer da ação penal, sendo tal valor indispensável somente para eventual análise do cabimento do princípio da insignificância, o que, a propósito, no caso, é de pronto descartado.
4 - Isso porque, o Laudo de Exame Merceológico constante dos autos expressamente atestou que é proibido o ingresso e a comercialização da marca dos cigarros apreendidos ("Eight) em território nacional. Trata-se, portanto, de marca sem registro perante a autoridade sanitária brasileira, restando afastado o crime de descaminho. Assim sendo, não há que se questionar sobre o valor dos tributos iludidos, vez que se trata do crime de contrabando, situação em que não há tributos a iludir, mas sim, proibição de importação e comercialização da mercadoria. Se não é possível importar, não há tributos a pagar, restando impossibilitado o cabimento do princípio bagatelar. Precedentes.
(...)
15 - Preliminares rejeitada. Recursos improvidos. Dosimetria alterada de ofício.
(TRF3, ACR 0001887-03.2008.4.03.6181, Décima Primeira Turma, v.u., Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 27.01.2015, DJe 03.02.2015; destaquei)

Por oportuno, transcrevo os seguintes trechos do voto da relatora, que bem elucidam a questão:

Assevera a denúncia, que no dia 11/02/2008, os policiais militares Lucas Ribeiro de Paula, Elvis Santos Silva e José Neto Alves dos Santos, acionados pelo serviço de disque denúncia, dirigiram-se por volta das 22h30min, ao endereço declinado, que se tratava de um estacionamento, e abordaram o veículo VW/Kombi, placa BLS0597, conduzido por CLODOALDO. Ao vistoriarem o automóvel, foram encontradas trinta caixas de cigarros da marca EIGHT (vermelho), contendo, em cada caixa, cinquenta pacotes com dez maços e a indicação: 'made in Paraguay'.
(...)
No que diz respeito à alegada inépcia da denúncia, observo que a narrativa da inicial trouxe elementos capazes de viabilizar de antemão aos réus o entendimento sobre os fatos imputados em seus desfavores, representados pela apreensão de mercadoria alienígena sem comprovação de sua regular internação, bem como, pelo oferecimento de dinheiro aos agentes policiais para que estes deixassem de realizar ato de ofício.
Ainda, a natureza da mercadoria apreendida, quantidade, marca e origem foram devidamente expressas na exordial, o que afasta, de plano, qualquer possibilidade de reconhecimento de fato atípico.
O fato de não estar discriminado o valor dos tributos iludidos também não torna a denúncia inepta, uma vez que tal questão pode ser elucidada no decorrer da ação penal, sendo tal valor indispensável somente para eventual análise do cabimento do princípio da insignificância, o que, a propósito, no caso, é de pronto descartado.
Isso porque, o Laudo de Exame Merceológico de fls. 319/321, expressamente, atestou que é proibido o ingresso e a comercialização da marca dos cigarros apreendidos ('Eigth') em território nacional.
Trata-se, portanto, de marca sem registro perante a autoridade sanitária brasileira, restando afastado o crime de descaminho.
Assim sendo, não há que se questionar sobre o valor dos tributos iludidos, vez que se trata do crime de contrabando, situação em que não há tributos a iludir, mas sim, proibição de importação e comercialização da mercadoria.
Se não é possível importar, não há tributos a pagar, restando impossibilitado o cabimento do princípio bagatelar. (destaques no original)
Há, nessa linha, outro julgado desta Turma, de minha relatoria (TRF3, ACR 0003855-05.2008.4.03.6105, Décima Primeira Turma, v.u., Rel. Des. Fed. Nino Toldo, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015).

A internação irregular de cigarros estrangeiros configura, portanto, crime de contrabando, sendo inaplicável o princípio da insignificância.

Dito isso, passo ao exame do mérito.

A materialidade restou devidamente comprovada, mormente pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 11/14), pelo Boletim de Ocorrência (fls. 25/29v) e pelo Laudo Pericial (fls. 30/34), dos quais verifico que foram apreendidos 742 (setecentos e quarenta e dois) maços de cigarro da marca Eight, 110 (cento e dez) maços de cigarro da marca San Marino e 75 (setenta e cinco) da marca Vila Rica, todos de origem paraguaia, sem o selo de controle de cigarros e de pagamento dos tributos correspondentes.

A autoria e o dolo, por sua vez, restaram igualmente incontestes, principalmente pela prova oral produzida em juízo (fls. 84).

As testemunhas, Gêneses Cardoso Mendonça e Cleber Ronald Guimarães, policiais civis, e Maria Fernanda Izar dos Santos, representante da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, confirmaram a ocorrência da operação que resultou na apreensão dos cigarros contrabandeados no estabelecimento do réu. No entanto, diante do número de abordagens efetuadas no mesmo dia (fls. 25/29v), não se recordaram especificamente do caso do acusado.

JOSÉ CARLOS confirmou a ocorrência da abordagem em seu estabelecimento comercial, tendo, inclusive, reconhecido o policial civil Gêneses. Confirmou que havia exposto à venda os cigarros paraguaios apreendidos, aduzindo, entretanto, que não tinha conhecimento acerca da ilicitude da sua conduta, visto que não costumava comercializar cigarros.

Além disso, o denunciado asseverou que teria adquirido os cigarros por meio de um desconhecido que o abordou no seu próprio estabelecimento. Informou que o indivíduo sugeriu que cada maço de cigarro fosse vendido por R$ 2,00 (dois reais), mas que não chegou a vender nenhum, em virtude da abordagem policial.

Observo que não há como acolher a alegação de desconhecimento acerca do caráter ilícito da conduta. Tratar-se-ia, no máximo, de erro de proibição inescusável, que, como leciona Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado. 13 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 240), "trata-se do erro sobre a ilicitude do fato que não se justifica, pois, se tivesse havido um mínimo de empenho em se informar, o agente poderia ter conhecimento da realidade".

Como bem aduziu o Parquet, em suas alegações finais, "outro ponto inconsistente é a sua alegação de que um comerciante experiente, com parcos recursos, ter adquirido mercadoria, que em teoria tem pouco conhecimento, de um completo estranho, sem ter referência ou saber sua procedência".

Assim, ainda que não se pudesse falar em dolo direto, a conduta imputada ao réu seria apta a configurar, no mínimo, dolo eventual, pois mesmo sem querer a realização direta do tipo penal, teria assumido o risco da produção do resultado ao adquirir e expor à venda as mercadorias nas circunstâncias narradas acima.

Ademais, registro que o simples fato de expor à venda cigarro que sabia ser objeto de contrabando, ainda que não os tenha importado diretamente, é suficiente para caracterizar o crime, nos exatos termos do artigo 334-A, § 1º, IV, do Código Penal.

A materialidade, a autoria e o dolo restaram, portanto, comprovados. Desse modo, reformo a sentença para condenar o réu JOSÉ CARLOS MEDEIROS pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, IV, do Código Penal.

Passo, então, à dosimetria da pena.

Na primeira fase, não vislumbro a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, razão pela qual fixo a pena-base no patamar mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão.

Na segunda fase, reconheço a circunstância atenuante da confissão espontânea. No entanto, ante o teor da Súmula nº 231 do STJ, mantenho a pena inalterada nesta fase.

Na terceira fase, tendo em vista a ausência de causas de aumento ou de diminuição da pena, fixo-a definitivamente em 2 (dois) anos de reclusão.

Nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, fixo o regime inicial aberto de cumprimento de pena.

Verifico que estão presente os requisitos do art. 44 do Código Penal, razão pela qual efetuo a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, filantrópicas ou assistenciais, a critério do Juízo da Execução, pelo período da pena corporal aplicada, e prestação pecuniária, consubstanciada no pagamento de 1 (um) salário mínimo vigente no momento da infração, que deverá ser atualizado até a data do pagamento, à entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo da Execução.

Posto isso, DOU PROVIMENTO à apelação ministerial para reformar a sentença e condenar o réu pela prática do crime previsto no art. 334-A, § 1º, IV, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, nos termos da fundamentação supra.

Esgotados os recursos no âmbito desta Corte e não ocorrendo trânsito em julgado, expeça-se carta de sentença ao juízo a quo para as providências necessárias ao início da execução penal (STF, HC 126.292, ADC 43 e 44, ARE 964.246 RG), cabível também para o caso de regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, conforme já decidiu o STF (HC 141.978 AgR/SP).

É o voto.

ALESSANDRO DIAFÉRIA
Juiz Federal Convocado


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 10/04/2019 14:04:33