Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2019
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001049-61.1998.4.03.6100/SP
2001.03.99.006706-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
EMBARGANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANDRE DE CARVALHO RAMOS (Int.Pessoal)
EMBARGADO : ACÓRDÃO DE FLS.
EMBARGANTE : FUNDACAO CASPER LIBERO
ADVOGADO : SP173477 PAULO ROBERTO VIGNA e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO RECORD S/A
ADVOGADO : SP040564 CLITO FORNACIARI JUNIOR e outro(a)
EMBARGANTE : TVI COMUNICACAO INTERATIVA LTDA e outro(a)
: TECPLAN TELEINFORMATICA S/C LTDA
ADVOGADO : SP169494 RIOLANDO DE FARIA GIÃO JUNIOR
EMBARGANTE : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO
EMBARGANTE : ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA
ADVOGADO : SP305583 GUILHERME CORONA RODRIGUES LIMA
EMBARGANTE : TVSBT CANAL QUATRO DE SAO PAULO S/A e outro(a)
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
: SP156368 FABIANA DUARTE E ARONI CALDEIRA
EMBARGANTE : TELESISAN TELECOMUNICACOES TELEVENDAS COM/ IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
EMBARGANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 19 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
NOME ANTERIOR : TV GLOBO LTDA
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO e outro(a)
INTERESSADO(A) : COCONUT TELE SERVICOS REPRESENTACOES E PUBLICIDADE LTDA
ADVOGADO : SP079543 MARCELO BRAZ FABIANO e outro(a)
INTERESSADO(A) : MH TELECOMUNICACOES LTDA
ADVOGADO : RJ001459A LUIZ EUGENIO ARAUJO MILLER e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO OM LTDA
ADVOGADO : PR013832 LUIZ CARLOS DA ROCHA
INTERESSADO(A) : TV MANCHETE LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
No. ORIG. : 98.00.01049-1 19 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARACAO. REJEIÇÃO. SORTEIOS TELEVISIVOS - 0900. LEI Nº 5.768/71 E PORTARIAS MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Nº 413/97 E 1.285/97. PRÁTICA ABUSIVA. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. CARÁTER INFRINGENTE. AUSENCIA DE OMISSAO E OBSCURIDADE.

1 - As Portarias editadas com fundamento na Lei nº 5.768/71, foram tidas como ilegais, por terem desbordado do ordenamento, levando em consideração a sistemática adotada pelas Embargantes na utilização do sistema "0900". Foi afastada a aplicabilidade das Portarias e consequentemente os atos praticados, assim como a presunção de legitimidade destes, por não terem sido atendidos os critérios e condições para a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso. Restou reconhecido que nessas promoções houve desvio de finalidade e violação à Lei nº 5.768/71 que veda claramente, que outras pessoas físicas ou jurídicas participem dos resultados dos sorteios realizados em nome de instituições assistenciais.

2 - Não há obscuridade no tocante à ilegitimidade passiva das emissoras de televisão e organizadoras dos eventos, porquanto sua análise foi contextualizada e inserida em um conjunto de atos destinados ao sorteio, desde a confecção dos contratos escritos até a veiculação dos programas vinculados aos sorteios, todos entrelaçados entre si, com finalidades bem definidas.

3 - O nexo de causalidade que necessário à fixação dos danos morais foram claramente delineados, culminando por concluir que o consumidor final era o grande lesado, por estar nesse processo de relação de consumo vulnerável quanto aos objetivos desejados. A questão, inclusive, desafia a posição Estatal quanto à proteção da pessoa do consumidor, pois na era da informação não se concebe que o Poder Estatal desassista aquele para o qual se dirige a propaganda enganosa.

4 - Não houve julgamento extra petita ao ser redirecionado o direito à indenização para o Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos, porquanto reconhecido o consumidor como o grande lesado e considerando que as Entidades Filantrópicas aderiram à prática lesiva, por meio dos contratos conferindo amplos poderes de representação aos envolvidos.

5 - Não houve infringência ao princípio da adstrição. Na Ação Civil Pública confere-se maior liberdade ao julgador, levando-se em consideração a matéria fática e desde que a análise seja feita dentro dos contornos da lide, o que, in casu, ocorreu de acordo com os artigos 84 do CDC e 497 do CPC. Ao contrário do quanto alegado pelas Embargantes, o julgado se deu dentro dos limites objetivos da demanda, não tendo sido ampliado, mas conciliado o direito fundamental de ação com o de defesa, inclusive limitando a indenização.

6 - A forma de liquidação da sentença não foi devolvida ao exame da Turma, tendo permanecido a questão tal como decido na r. sentença de primeiro grau. Assim, não há omissão no julgado no tocante a definição da modalidade de liquidação a ser feita na fase de execução, porquanto nesse ponto não houve alteração da sentença de primeiro grau que estabeleceu que a restituição dos valores devidos será apurada em liquidação de sentença.

7 - Os Embargos suscitando omissão quanto a análise de dedução dos valores pagos como prêmios aos contemplados, pagamento feito as auditorias, bem como sobre eventual participação no resultado financeiro das promoções publicitárias são questões afetas ao mérito, já resolvidas no voto e apresentam-se com caráter tipicamente infringente.

8 - A omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração é aquela referente a alguma questão sobre a qual o juiz deveria ter se pronunciado de ofício ou a requerimento da parte interessada capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.

9 - Inadmissível a alteração do julgado no mérito por meios de Embargos de Declaração. Infringência não acolhida.

10 - Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 30 de abril de 2019.
ELIANA BORGES DE MELLO MARCELO
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ELIANA BORGES DE MELLO MARCELO:10253
Nº de Série do Certificado: 11DE1807235AF811
Data e Hora: 30/04/2019 19:42:54



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001049-61.1998.4.03.6100/SP
2001.03.99.006706-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
EMBARGANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANDRE DE CARVALHO RAMOS (Int.Pessoal)
EMBARGADO : ACÓRDÃO DE FLS.
EMBARGANTE : FUNDACAO CASPER LIBERO
ADVOGADO : SP173477 PAULO ROBERTO VIGNA e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO RECORD S/A
ADVOGADO : SP040564 CLITO FORNACIARI JUNIOR e outro(a)
EMBARGANTE : TVI COMUNICACAO INTERATIVA LTDA e outro(a)
: TECPLAN TELEINFORMATICA S/C LTDA
ADVOGADO : SP169494 RIOLANDO DE FARIA GIÃO JUNIOR
EMBARGANTE : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO
EMBARGANTE : ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA
ADVOGADO : SP305583 GUILHERME CORONA RODRIGUES LIMA
EMBARGANTE : TVSBT CANAL QUATRO DE SAO PAULO S/A e outro(a)
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
: SP156368 FABIANA DUARTE E ARONI CALDEIRA
EMBARGANTE : TELESISAN TELECOMUNICACOES TELEVENDAS COM/ IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
EMBARGANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 19 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
NOME ANTERIOR : TV GLOBO LTDA
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO e outro(a)
INTERESSADO(A) : COCONUT TELE SERVICOS REPRESENTACOES E PUBLICIDADE LTDA
ADVOGADO : SP079543 MARCELO BRAZ FABIANO e outro(a)
INTERESSADO(A) : MH TELECOMUNICACOES LTDA
ADVOGADO : RJ001459A LUIZ EUGENIO ARAUJO MILLER e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO OM LTDA
ADVOGADO : PR013832 LUIZ CARLOS DA ROCHA
INTERESSADO(A) : TV MANCHETE LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
No. ORIG. : 98.00.01049-1 19 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos por RÁDIO e TELEVISÃO RECORD S/A, FUNDAÇÃO CASPER LÍBERO, ABBA PRODUÇÕES e PARTICIPAÇÕES LTDA, TVI COMUNICAÇÃO INTERATIVA LTDA; TECPLAN TELEINFORMÁTICA S/C LTDA, RADIO e TELEVISAO OM LTDA, GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA, TV SBT CANAL QUATRO DE SÃO PAULO S/A; e TELESISAN TELECOMUNICAÇÕES, TELEVENDAS, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO e EXPORTAÇÃO LTDA, UNIÃO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de acórdão assim ementado:


EMENTA


DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SORTEIOS TELEVISIVOS - 0900. ENTIDADES FILANTRÓPICAS. INVESTIGAÇÃO DE IRREGULARIDADES. LEI 5.768/71. PORTARIAS MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Nº 413/97 E 1285/97. PRÁTICA ABUSIVA. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DOS CONSUMIDORES. DANO MORAL COLETIVO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. NÃO CABIMENTO. RECURSOS DE APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL PROVIDOS EM PARTE.
1 - A questão fulcral da presente Ação Civil Pública é aferir a compatibilidade das Portarias nºs 413/97 e nº 1285/97, editadas pelo Ministro da Fazenda com a Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, que dispõe sobre a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, estabelecendo normas de proteção à poupança popular, em razão de sorteios televisivos pelo sistema "0900", consideradas ilegais pelo Ministério Público Federal, consoante apurado em Inquérito Civil. Alega o Parquet Federal que as corrés atuaram de forma lesiva aos interesses dos consumidores, sendo a entidade filantrópica "mera despesa", pois o benefício e proveito econômico arrecadado pelo sistema de concursos voltava-se para os organizadores dos sorteios.
2 - Afastada a arguição de inépcia da inicial, uma vez que não se discute a constitucionalidade de lei em tese. Rejeitadas as preliminares de ilegitimidade passiva e carência da ação por ausência de ilegalidade e lesividade, pois confundem-se com o mérito da demanda. A questão da legitimidade do Ministério Público Federal encontra-se preclusa, visto que a matéria foi objeto de recurso ao Superior Tribunal de Justiça que analisou o tema, mantendo-o no polo ativo, com trânsito em julgado em 03 de fevereiro de 2011. O cerceamento ao direito de defesa não ocorreu. O Inquérito Civil Público foi instruído com provas fornecidas pelas corrés e pela Telesp e integraram os autos na sua instrução, sendo suficientes ao julgamento da lide. Foi oportunizada às partes a manifestação sobre todos os documentos para contradita-los, o que não ocorreu, eis que não produzidas provas em sentido contrário em face da apuração original.
3 - Após o marco constitucional de 1988, por meio da Medida Provisória nº 1.302, de 9 de fevereiro de 1996 e reeditada sob o nº 1.549-29, de 15 de abril de 1997, o Ministério da Justiça dispôs sobre a autorização para a realização de sorteios por entidades filantrópicas, por meio das Portarias nºs 413/97 e 1285/97, regulamentando a emissão de autorização para realização de sorteios por entidades filantrópicas. A referida Medida Provisória, e suas reedições, foi convertida na Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1988, e ao dispor sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios foi silente quanto à competência do Ministério da Justiça sobre a disciplina infralegal da matéria objeto da Lei nº 5.768, entretanto, à época em que editadas tais Portarias o Ministério da Justiça tinha atribuições para fazê-lo.
4 - Segundo apurado pelo Ministério Público Federal, as empresas que patrocinavam os sorteios procuravam as entidades filantrópicas e, como procuradoras de tais entidades, intermediavam junto aos órgãos administrativos competentes, todos os documentos e atos indispensáveis à execução dessa finalidade e, mais, convenciam-nas e ofereciam o produto, realizando de forma unilateral e com o desconhecimento das entidades filantrópicas os mecanismos empregados para tal realização.
5 - O procedimento adotado para a realização dos sorteios, em prol das entidades filantrópicas, era pelo sistema telefônico 0900. Os fatos apresentados colocam o consumidor como o destinatário de determinado bem, o qual por meio da chamada pelo sistema 0900, disponibilizada para todo o território nacional, era convencido a participar dos sorteios, concorrendo a esses prêmios, sem qualquer ônus. Para concorrer bastava o consumidor responder as mais diversas perguntas veiculadas pela emissora de televisão, como, por exemplo, o resultado de uma partida de futebol, ou respostas dentro de um determinado contexto que poderia ser um "sim" ou um "não", ou, ainda, tendo por base o resultado da Loteria Federal. Uma vez sorteado, na entrega do prêmio, os ganhadores deveriam comprovar, por meio da conta telefônica quitada, o registro da ligação feita.
6 - Embora o "0900" se afigure como um serviço de valor adicionado, não é a modalidade e conceito desse serviço que se discute na análise do procedimento em julgamento, mas a forma como esse serviço foi colocado à disposição do usuário do sistema de telefonia, ou seja, o propósito de contribuir com doações a entidades filantrópicas e, ainda, com isso ser possível ganhar um prêmio. Estimulava-se, de alguma forma, a prática do jogo, por meio de comunicação de massa com atrativos. Eram os usuários cativados por profissionais com representatividade pública inquestionável, como são os artistas de TV de renome e por programas de grande audiência, como no caso de campeonato de futebol.
7 - No que tange à relação havida entre as Entidades Beneficentes e as prestadoras de serviços, pelos contratos celebrados podemos concluir que as prestadoras de tais serviços, a pretexto de isentar as instituições filantrópicas, estabeleceram regras comuns, praticadas entre todas as corrés, tidas como "quase de adesão", com poucas variações, supostamente em conformidade com as Portarias do Ministério da Justiça n° 413/97 ou Portaria n° 1.258/97.
8 - Se um contrato viola direitos difusos ou coletivos ou, de alguma forma, os dos consumidores, como aqueles destinados à formação de cartéis, obtenção de monopólio ou desestabilização da concorrência sobre determinado bem ou serviço, estará sob evidente violação a função social prestigiada constitucionalmente, pois as partes atingidas não serão as contratantes, mas terceiros alheios à avença, porém prejudicados por ela. A questão é tormentosa por falta de qualquer sanção legal expressa nesse sentido, ficando a cargo da jurisprudência e dos doutrinadores a árdua tarefa de analisar, nas hipóteses apresentadas, quando o contrato violou a função social, com consequências danosas.
9 - É necessário analisar se a atividade triangularizada entre as corrés, as entidades filantrópicas e usuários do sistema 0900, com base em ato administrativo expedido para disciplinar a forma de atuação de todos os envolvidos, teve em foco o desvirtuamento do ordenamento, pois possibilitou que, com o acordo de vontades, fossem arrecadadas quantias astronômicas, com diminuta distribuição aos beneficiários, para que se possa, ao fim, constatar se esses atos foram ilícitos, por desconformidade à lei e a seu espírito ou foram executados dentro de parâmetros para a sua exequibilidade, bem como aferir a razoabilidade na sua execução. Essa análise triangularizada é fundamental em ação civil pública, dada a natureza coletiva da demanda, por gerar consequências para terceiros, ainda que não incluídos na lide, com efeitos erga omnes. Por meio dessa ação é possível identificar eventuais lesados e atribuir a responsabilidade dessas práticas
10 - Anota-se que a Lei nº 5.768/71 foi descumprida sobre várias formas. O artigo 2º foi descumprido quando pessoas jurídicas participaram do resultado financeiro da promoção publicitária; foi descumprido, ainda, o artigo 4º da lei, pela realização de vários sorteios no mesmo ano, para a mesma beneficiária, não tendo sido justificado o motivo de força maior que lhes davam causa; descumpriu-se, ainda, esse artigo por ter sido desvirtuada a aplicação dos recursos oriundos dos sorteios; o artigo 7º também foi infringido, considerando que foi colocado em sorteio bem de produção estrangeira, não considerado como gênero de primeira necessidade ou de uso geral. O Poder Público infringiu a lei, omitindo-se ao dar autorização para a realização de eventos, sem a prova da capacidade financeira, econômica e gerencial das entidades interessadas, além dos estudos de viabilidade econômica dos planos e das formas e condições de emprego das importâncias a receber.
11 - De outro lado, nem se diga que as Portarias do Ministro da Justiça legitimaram os atos praticados, considerando que, nesse aspecto, ou reproduziram o ordenamento mencionado, ou desbordaram dos seus termos, permitindo e concedendo a autorização para a realização de mais de um sorteio por ano, por instituição, sem a prova do motivo de força maior comprovadamente justificado; legislando sobre ponto não previsto no ordenamento, como a permissão do pagamento de despesas administrativas vinculadas aos sorteios, relativas a publicidade, mídia e produção, com operação e administração do sorteio pela pessoa jurídica contratada ou conveniada para essa tarefa e custos de telefonia e taxas correspondentes. Em poder regulamentar, o Ministério da Justiça desbordou do ordenamento que regulamentava e criou uma verdadeira estrutura destinada a propagação de sorteios, sem qualquer controle do Poder Público, possibilitando lucros exagerados em desconformidade com o espírito da lei, àqueles que não seriam os reais beneficiários, ou seja, as Entidades Filantrópicas.
12 - A validade de tributação do concurso de prognósticos é assente na jurisprudência de nossa Corte Constitucional: RE 502.271 AgRg, voto da rel. Min. Ellen Gracie, j. 10-6-2008, 2ª T, DJ de 27-6-2008. Ademais, a atividade praticada é de todo perniciosa que levou o Supremo Tribunal Federal a reconhecer em Súmula Vinculante, sob o verbete de nº 2, a inviabilidade de se legislar sobre consórcios e sorteios, tendo como questão de fundo o jogo de bingo.
13 - Não prospera a alegação de que as entidades eram convencidas a participarem dos sorteios e foram lesadas por eles. Em uma análise conjunta dos contratos celebrados com as prestadoras de serviços e diversas manifestações das entidades juntadas pelas corrés, destaca-se que: 1) no contrato celebrado com as prestadoras de serviços, as entidades não tinham qualquer expectativa dos valores a receber relativamente às receitas auferidas e o resultados final nos sorteios praticados; 2) ao contrário, autorizavam essas empresas intermediadoras a representá-las em todo o procedimento, desde a emissão do Certificado de Autorização junto ao Poder Público, até a emissão dos documentos necessários à sua execução; 3) não tinham, igualmente, qualquer custo com a assinatura desses contratos, pois conforme salientado elas contratavam as prestadoras de serviços com bens já doados, por ela ou por terceiros interessados, tendo apenas aquiescido com a divulgação de sua imagem nos sorteios levado a efeito; 4) as correspondências juntadas por algumas corrés revelam a satisfação das entidades com os recursos financeiros recebidos para a consecução de seus objetivos, seja porque não tinham ciência do valor a receber, seja porque não dispenderam quaisquer esforços para a prática dos sorteios, aguardando apenas o resultado financeiro, qualquer que fosse o valor. Isso não significa abonar as práticas do Poder Público, como a edição de Portarias de duvidosa legalidade, ou das prestadoras de serviços, pela abusiva forma de apuração e desconto de despesas sobre a receita dos concursos de prêmios, mas apenas delimitar o prejuízo ou a suposta lesividade dessas entidades, que não ocorreu, considerando a forma como participou do evento e manifestou a sua vontade, por meio do contrato celebrado.
14 - A legitimidade passiva das emissoras de TV é pertinente, pois se adequam a figura de fornecedora de serviços, na forma preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor e prestam serviços de telecomunicações, nos termos do artigo 6º, alínea "d" do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), na modalidade de radiodifusão, consoante regulamenta o artigo 4º, item 1º, alínea "b" do Decreto nº 52.795/63, não se concebendo que na era da informação essa se faça de forma indiscriminada e irresponsável, especialmente tratando-se de expediente que levaria a população ao estímulo do jogo de azar. (REsp 436.135/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 12/08/2003, p. 231)
15 - Se investigarmos os interesses no plano individual e transindividual, esse relativamente aos consumidores, podemos afirmar que as entidades interessadas, aquiesceram e foram coniventes com todo o procedimento ilegal, também pretendiam obter ganho fácil e sem qualquer esforço, para tanto contrataram empresas com o fim especifico de massificar o sistema de sorteios, pelo sistema de ligação "0900", abrangendo um número ilimitado de consumidores em todo o território nacional, que inconscientemente agiam, bem verdade por motivação de duvidoso interesse, com o fim exposto publicamente que era o de contribuir com entidades filantrópicas, tendo como contrapartida a participação em sorteio de prêmios. Nesse contexto, vislumbra-se a existência de um dano moral coletivo, em face da população brasileira, a única vulnerável nessa relação, por ter sido lesada por um refinamento do procedimento de divulgação de concursos de prognósticos, cuja finalidade não era a filantrópica, pois as empresas prestadoras de serviços em concurso de prêmios, conforme declarado abertamente, sobreviveram dos recursos recebidos nesse processo oneroso, em flagrante descompasso com a lógica da filantropia.
16 - A avaliação desse dano moral deve ser compatível com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, tendo como objetivo o desestimulo da prática de procedimentos abusivos, em torno dos concursos de prognósticos com fins lucrativos, levando-se em consideração a culpa dos seus executores, ponderando o desvio de finalidade praticado e o bem jurídico protegido. Restou amplamente provado e evidente o atentado aos princípios éticos e morais da sociedade, bem como "os valores coletivos atingidos injustificadamente do ponto de vista jurídico", devendo ser mantidos os valores fixados a título de dano moral coletivo e revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, art. 13 da Lei nº. 7.347/85.
17 - A reparação aqui desenhada mostra-se suficiente para a reparação dos danos ocorridos em face dos sorteios autorizados pelo Poder Público, não se cogitando da nulidade das Portarias editadas por terem seus efeitos sido exauridos no tempo. A determinação judicial para que não se promovessem sorteios de prêmios na forma estabelecida pelas Portarias foram suficientes a debelar a prática extorsiva de concursos de prêmios, não se podendo retornar ao status quo. Assim, mostra-se suficiente a reparação do dano moral coletivo e imprópria a restituição dos valores recebidos por cada entidade filantrópica participante, em função dos sorteios realizados. Houve participação efetiva das entidades filantrópicas, por meio das prestadoras de serviço, as quais foram contratadas e tinham amplos poderes de representação, inclusive em relação à prestação de contas, devendo ser respeitada a autonomia da vontade manifestada nesse sentido pelas entidades filantrópicas nos contratos que foram firmados segundo a autoridade de seus representantes. A sentença, nesse ponto, deve ser reformada, diante da legalidade e legitimidade das autorizações outorgada pelas entidades beneficiárias, sendo inadequada a pretensão de retroagir os efeitos dos atos praticados por meio das Portarias e invalidar todo o procedimento encetado, pois eventual lesão deverá ser reparada por meio da fixação do dano moral coletivo, mantida a sentença nesse particular.
18 - Os juros de mora e a correção monetária devidos sobre os valores arbitrados a título de dano moral coletivo incidirão nos moldes das Súmulas n°s 54 e 362 do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, os juros de mora a partir do evento danoso e a correção monetária a partir desta decisão, na forma do Manual de Cálculos vigente à época da execução do julgado.
19. A materialidade do evento danoso restou consubstanciada com a realização do sorteio, autorizado pelo Poder Público nos moldes da Portaria nº 413/97. Assim, para fins de termo inicial dos juros de mora, considera-se evento danoso a data do primeiro sorteio.
20. Portanto, são devidos juros desde a data do primeiro sorteio realizado por cada emissora, à razão de 0,5% até a entrada em vigor do Código Civil atual, quando passam a incidir juros de 1% ao mês, até a data de publicação da sentença, quando passam a incidir juros e correção cumulativamente pela SELIC, art. 406 do Código Civil, com exclusão de qualquer outro índice.
21. Em relação à União Federal, os juros são devidos desde o primeiro sorteio realizado nos moldes da Portaria nº 413/97, à razão de 0,5% até a entrada em vigor do Código Civil atual, quando passam a incidir juros isolados de 1% ao mês até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, devendo ser observados aqueles relativos à poupança. A partir da sentença passa a incidir, além dos juros, a correção monetária, conforme o IPCA.
22. Apelações das corrés parcialmente providas para afastar a condenação na restituição dos valores recebidos para cada entidade filantrópica participante, em função dos sorteios realizados, considerando como suficiente o dano moral coletivo para a reparação dos atos abusivos e lesivos.
23. Remessa Oficial, Apelação da União e Apelações das corrés parcialmente providas para fixar o termo inicial dos juros de mora na data do evento danoso, considerado o primeiro sorteio realizado.


A RÁDIO e TELEVISÃO RECORD S/A insurge-se contra o acórdão proferido, alegando omissão quanto à definição da modalidade de liquidação a ser feita na fase de execução e a dedução dos valores pagos como prêmios aos contemplados, diante do redirecionamento dos destinatários da indenização (f. 5.496-5.498).


A FUNDAÇÃO CASPER LÍBERO em seu recurso pretende prequestionar a matéria para interpor recursos às instâncias superiores. Alega contradição em relação à sua ilegitimidade passiva, considerando que apenas cedeu espaço para o palco ao anúncio publicitário. Aduz, ainda, contradição quanto à fundamentação em dissídio jurisprudencial, por ter o Superior Tribunal de Justiça revisto o seu posicionamento no tocante a legitimidade passiva das emissoras de televisão. Renova pedido de inadequação da via eleita, pois a lide se destina a discutir a legalidade da Lei nº 5.768/71 e das Portarias nºs 413/97 e 1.285/97. Invoca a contradição quando o julgado afirma que esses normativos foram ilegais. Aponta contradição em relação aos juros moratórios, pleiteando sua contagem a partir da data do julgado (f. 5.501-5.511).


A ABBA PRODUÇÕES e PARTICIPAÇÕES LTDA em seus embargos de declaração afirma que o acórdão não se pronunciou sobre o cumprimento dos atos administrativos tidos como válidos, considerando a sua presunção de legitimidade e veracidade e que não pode ser declarada como inválida a situação plenamente constituída, invocando o artigo 24 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Pretende, ainda, a revisão do julgado para que seja excluído o montante pago para as auditorias (f. 5.512-5.515)


A TVI COMUNICAÇÃO INTERATIVA LTDA. e TECPLAN TELEINFORMÁTICA S/C LTDA alegam que não teriam participado do resultado financeiro das promoções publicitárias e como prestadoras de serviços deveriam ter o mesmo tratamento dispensado à EMBRATEL. Ressaltam que não promoveram mais de um sorteio por entidade filantrópica, por terem as APAE´s personalidade jurídicas próprias, tampouco que as entidades eram convencidas a participarem dos sorteios, imputando ao Poder Público a infringência ao ordenamento, pois as embargantes agiram dentro da estrita legalidade. Alegam que o v. acórdão foi extra petita, não podendo o Tribunal decidir questão não requerida pelas partes, transbordando a esfera do reexame necessário. Pretendem questionar a matéria decidida no acórdão, assim como a reversão do julgado que reverteu toda a condenação ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (f. 5.536-5.545).


A RADIO e TELEVISAO OM LTDA insurge-se contra o acórdão proferido, especificamente quanto aos critérios da liquidação de sentença, para que se determine seja individualizado em relação a cada corré. Pretende a revisão do julgado no tocante ao termo da atualização do valor dos danos morais, considerando tratar-se de relação contratual, devendo os juros moratórios incidirem a partir do julgamento do recurso. (f. 5.546-5.547)


A GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA pretende prequestionar a matéria nas instâncias superiores, por entender que o acórdão incorreu em violação a normas constitucionais e infraconstitucionais. Alega que o acórdão foi omisso ao direcionar ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, pois o pedido Ministerial é claro para que fosse restituído às entidades filantrópicas os valores dos sorteios realizados, tendo sido ferido o princípio da adstrição. Alega que o julgado feriu o princípio da confiança e segurança jurídica, considerando que os sorteios se deram com base na legislação editada pela União Federal, invocando a jurisprudência do STF. Aduz que houve flagrante violação aos artigos 948 e 950 do CPC, ao art. 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante nº 10. Alega omissão em relação à forma pela qual se dará a liquidação da sentença, bem como sobre despesas não excluídas, ou seja, todos os custos com a realização dos sorteios. Alega, ainda, contradição quanto ao cômputo dos juros moratórios e que a negativa de vigência às Portarias, consideradas ilegais, acarreta em verdadeira inconstitucionalidade não declarada do art. 4º da Lei 5.764/71 (f. 5.548-5.567).


A TV SBT CANAL QUATRO DE SÃO PAULO S/A e TELESISAN TELECOMUNICAÇÕES, TELEVENDAS, COMÉRCIO, IMPORTAÇÃO e EXPORTAÇÃO LTDA pretendem sejam aclarados os seguintes pontos: 1) julgamento extra petita, pois em desconformidade com o pedido inicial, pelo qual se requer a indenização dos danos suportados pelos consumidores; 2) obscuridade quanto a contratação das corrés como prestadoras de serviços, cuja operacionalização da remuneração das despesas foi fixada em percentual apenas com o propósito de viabilizar antecipadamente os serviços, tendo a TVSBT cedido o espaço, enquanto a TELESISAN prestado os serviços de operacionalização e organização dos sorteios; 3) legalidade das Portarias e seus efeitos, presumidamente legais até a declaração incidental de ilegalidade; 4) obscuridade e omissão quanto à fundamentação fática que deu origem à responsabilização das embargantes, não enquadrando as condutas que teriam violado a Lei 5.768, não sendo os documento suficientes à prova de irregularidade dos sorteios; 5) ausência de nexo de causalidade entre as condutas das embargantes e o dano material fixado; 6) ausência de nexo que justifique a condenação por danos morais coletivos; 7) obscuridade quanto ao reconhecimento das emissoras como fornecedoras de serviços na forma do CDC, pois inexistente a propaganda enganosa; 8) omissão quanto à forma de liquidação da sentença; e 9) contradição pela confusa determinação de incidência dos juros e correção monetária (f. 5.568-5.589)


A UNIÃO FEDERAL pretende ver aclarados os seguintes pontos: 1) ausência de lesão ao patrimônio público ou ao consumidor pela edição das Portarias, pois regulamentadoras da Lei nº 5.768/71; 2) inexistência de dano moral coletivo e 3) a incidência dos juros e da correção monetária (f. 5.608-5.612).


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL embora abone o v. acórdão, enfatizando que não houve o transbordamento do pedido, entende ter havido contradição, por terem as entidades assistenciais sido prejudicadas pelos sorteios, razão pela qual pretende que o julgado reconheça como devido os danos materiais à cada entidade filantrópica (f. 5.614-5.620).


Em parecer a douta Procuradoria Regional da República, opina pela rejeição dos embargos declaratórios ofertados.


Este é o relatório.


ELIANA BORGES DE MELLO MARCELO
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ELIANA BORGES DE MELLO MARCELO:10253
Nº de Série do Certificado: 11DE1807235AF811
Data e Hora: 30/04/2019 19:42:49



EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0001049-61.1998.4.03.6100/SP
2001.03.99.006706-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANTONIO CEDENHO
EMBARGANTE : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANDRE DE CARVALHO RAMOS (Int.Pessoal)
EMBARGADO : ACÓRDÃO DE FLS.
EMBARGANTE : FUNDACAO CASPER LIBERO
ADVOGADO : SP173477 PAULO ROBERTO VIGNA e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO RECORD S/A
ADVOGADO : SP040564 CLITO FORNACIARI JUNIOR e outro(a)
EMBARGANTE : TVI COMUNICACAO INTERATIVA LTDA e outro(a)
: TECPLAN TELEINFORMATICA S/C LTDA
ADVOGADO : SP169494 RIOLANDO DE FARIA GIÃO JUNIOR
EMBARGANTE : GLOBO COMUNICACAO E PARTICIPACOES S/A
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO
EMBARGANTE : ABBA PRODUCOES E PARTICIPACOES LTDA
ADVOGADO : SP305583 GUILHERME CORONA RODRIGUES LIMA
EMBARGANTE : TVSBT CANAL QUATRO DE SAO PAULO S/A e outro(a)
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
: SP156368 FABIANA DUARTE E ARONI CALDEIRA
EMBARGANTE : TELESISAN TELECOMUNICACOES TELEVENDAS COM/ IMP/ E EXP/ LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
EMBARGANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 19 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
NOME ANTERIOR : TV GLOBO LTDA
ADVOGADO : SP044789 LUIZ DE CAMARGO ARANHA NETO e outro(a)
INTERESSADO(A) : COCONUT TELE SERVICOS REPRESENTACOES E PUBLICIDADE LTDA
ADVOGADO : SP079543 MARCELO BRAZ FABIANO e outro(a)
INTERESSADO(A) : MH TELECOMUNICACOES LTDA
ADVOGADO : RJ001459A LUIZ EUGENIO ARAUJO MILLER e outro(a)
EMBARGANTE : RADIO E TELEVISAO OM LTDA
ADVOGADO : PR013832 LUIZ CARLOS DA ROCHA
INTERESSADO(A) : TV MANCHETE LTDA
ADVOGADO : SP015919 RUBENS FERRAZ DE OLIVEIRA LIMA e outro(a)
No. ORIG. : 98.00.01049-1 19 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) dispõe o seguinte acerca dos embargos de declaração:


Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:
I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;
II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;
III - corrigir erro material.
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, §1º.

O artigo 489, §1º, por sua vez dispõe:


Art. 489. [...]
§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

No caso, não vislumbro a ocorrência de nenhum vício no julgado, tal como arguido pelas Embargantes.


Vários pontos em comum foram abordados pelas embargantes, merecendo destaques os seguintes: 1) pedido de pronunciamento sobre a legalidade dos ordenamentos para presquestionamento do julgado; 2) a contradição e omissão sob os seguintes aspectos: a) relativamente à declaração de ilegalidade das Portarias 413/97 e 1.285/97, considerando que sua análise acarretou, de forma indireta, no reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº Lei 5.768/71; b) ilegitimidade passiva das emissoras de televisão, por não serem fornecedoras de serviços na forma do CDC; c) contradição quanto ao critério da liquidação de sentença; d) contradição em relação a incidência dos juros moratórios e da correção monetária; e) julgamento extra petita por não se conformar com o pedido inicial; f) ausência de nexo que justifique a condenação por danos morais coletivos; g) ausência de individualização das condutas de cada corré; e, por fim, h) a omissão sobre o cumprimento dos atos administrativos tidos como válidos, considerando a presunção de legitimidade destes, não podendo ser declarada como inválida situação plenamente constituída.


Quanto ao prequestionamento, tem-se que o escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no artigo 1.022 do novo Código de Processo Civil.


Aliás, veja-se que o artigo 1.025 do novo Código de Processo Civil bem esclarece que os elementos suscitados pelas embargantes serão considerados incluídos no acórdão "para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".


Confira-se:


"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA AVENTADA NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de declaração consubstanciam instrumento processual apto a suprir omissão do julgado ou dele excluir qualquer obscuridade, contradição ou erro material. 2. "O STJ já tem entendimento pacífico de que os embargos declaratórios, mesmo para fins de prequestionamento , só serão admissíveis se a decisão embargada ostentar algum dos vícios que ensejariam o seu manejo, o que, na espécie, não se mostra evidenciado" (EDcl no MS 11.413/DF, Rel. Min. CELSO LIMONGI, Desembargador convocado do TJSP, Terceira Seção, DJe 20/9/10). 3. Resumindo-se irresignação do embargante ao seu mero inconformismo com o resultado do julgado, desfavorável à sua pretensão, não há nenhum fundamento que justifique a interposição de embargos. 4. Embargos de declaração rejeitados."
(STJ, EDAGA 201001252512, ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, 28/10/2011)

Com relação ao reconhecimento da ilegalidade das Portarias editadas com fundamento na Lei nº 5.768/71, tidas como ilegais, por terem desbordado do ordenamento, a questão foi abordada pelo o v. acórdão, levando em consideração a sistemática adotada pelas Embargantes pela utilização do sistema "0900". Nesse aspecto, foi afastada a aplicabilidade dos ordenamentos e desconsiderado os atos praticados, assim como a presunção de legitimidade destes, sob os seguintes ângulos:


(... ) a Lei 5.768/71 é anterior à vigência da Constituição Federal de 1988, e foi regulamentada pelo Poder Executivo, por meio do Decreto no 70.951, de 9 de agosto de 1972, estabelecendo critérios e condições para a distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, dentre eles que "nenhuma outra pessoa natural ou jurídica, inclusive as sociedades e associações civis de qualquer natureza, poderá participar do resultado financeiro da promoção publicitária de que trata o artigo 1º, ainda que a título de recebimento de " royalties ", aluguéis de marcas, de nome ou assemelhados, ou outra qualquer vantagem" (art. 7º); bem assim que "Não serão autorizadas a distribuir prêmios, por qualquer dos meios estabelecidos neste Regulamento, as pessoas naturais ou jurídicas prestadoras de serviço e assemelhadas, ou quaisquer outras entidades que não reunirem as condições previstas no artigo 2º" (art. 9º); e, ainda, que "Não serão autorizados os planos que: I - Importem em incentivo ou estímulo ao jogo de azar; II - Proporcionem lucro imoderado aos seus executores; III - Permitam ao interessado transformar a autorização em processo de exploração dos sorteios, concursos ou vales-brindes, como fonte de receita;(...) V - Propiciem exagerada expectativa de obtenção de prêmio" (art. 11)

Após o marco constitucional de 1988, por meio da Medida Provisória nº 1.302, de 9 de fevereiro de 1996 e reeditada sob o nº 1.549-29, de 15 de abril de 1997, o Ministério da Justiça dispôs sobre a autorização para a realização de sorteios por entidades filantrópicas, por meio das Portarias n° 413/97 e 1285/97, regulamentando a emissão de autorização para realização de sorteios por entidades filantrópicas.
(...)
De acordo com a lei, para que o procedimento pudesse ser realizado, os interessados deveriam observar determinados requisitos, conforme estabelecido no artigo 4º, da Lei nº 5.768, consistente na "indicação precisa da destinação dos recursos a obter mediante a autorização"; na "prova de que a propriedade dos bens a sortear se tenha originado de doação ou promessa irrevogável de doação de terceiros, devidamente formalizada". Essas regras que foram reproduzidas na Portaria nº 413/97, porém, não foram atendidas pelas operadoras contratadas para a execução dos concursos.
(...)
O sistema de serviços utilizando o "0900" foi objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI, instaurada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, especialmente em relação aos sorteios praticados com fundamento nas Portarias 413/97 e 1258/97, tendo como Presidente o Deputado José Carlos Yonin, que em 09 de março de 1999, concluiu:
"De tudo visto e apurado, há de deduzir que os sorteios filantrópicos 0900, via portarias 413/97 e 1258, do Ministério da Justiça e sorteios ABLE-LOTERJ, só serviram para deixar em descrédito as entidades assistenciais e alavancar o faturamento das redes de TV e de empresas interativas, em detrimento dos crédulos consumidores e da verdadeira filantropia.
Nessas promoções houve desvio de finalidade e violação à Lei n° 5.768/71 que veda claramente, que outras pessoas físicas ou jurídicas participem dos resultados dos sorteios realizados em nome de instituições assistenciais.
Enfim, os concursos ditos filantrópicos e outros com todos esses vícios e ilegalidades tolerados pelas autoridades, se prestam a mascarar, acobertar, a ilegal prática do jogo de azar, via prefixo 0900, por meio das redes de TV, concessão de serviço público, cabendo agora às autoridades competentes restaurar a moralidade e punir aqueles que se locupletaram ilicitamente, ressarcindo o erário público e consumidores.
Requeiro que cópias deste Relatório sejam encaminhados ao Sr. Presidente da República, Ministro da Justiça, aos Presidentes do Senado e Câmara Federal, ao STF, STJ, Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Procurador-Geral da República e Procurador de Justiça do Estado de São Paulo".
(...)
Os destaques feitos denotam que a Lei nº 5.768/71 foi descumprida sobre várias formas, o artigo 2° foi descumprido quando pessoas jurídicas participaram do resultado financeiro da promoção publicitária; foi descumprido, ainda, o art. 4° da lei, pela realização de vários sorteios no mesmo ano, para a mesma beneficiária, não tendo sido justificado o motivo de força maior que lhes davam causa; descumpriu-se, ainda, esse artigo por ter sido desvirtuada a aplicação dos recursos oriundos dos sorteios, sob a justificativa de ter havido prestação de serviços à prestadora de serviços, ou seja, outros contratos foram feitos utilizando-se os valores arrecadados para pagamentos de caches e despesas diversas, alegadamente indispensáveis à sua execução; houve infringência, igualmente, ao artigo 7°, considerando que foi colocado em sorteio bem de produção estrangeira, não considerado como gênero de primeira necessidade ou de uso geral. O Poder Público infringiu a lei, omitindo-se ao dar autorização para a realização de eventos, sem a prova da capacidade financeira, econômica e gerencial das entidades interessadas, além dos estudos de viabilidade econômica dos planos e das formas e condições de emprego das importâncias a receber.
(...)
De outro lado, nem se diga que as Portarias do Ministro da Justiça legitimaram os atos praticados, considerando que, nesse aspecto, ou reproduziram o ordenamento mencionado, ou desbordaram dos seus termos, permitindo e concedendo, conforme exemplos citados, a autorização para a realização de mais de um sorteio por ano, por instituição, sem a prova do motivo de força maior comprovadamente justificado; legislando sobre ponto não previsto no ordenamento, como a permissão do pagamento de despesas administrativas vinculadas aos sorteios, relativas à publicidade, mídia e produção, com operação e administração do sorteio pela pessoa jurídica contratada ou conveniada para essa tarefa e custos de telefonia e taxas correspondentes. Em poder regulamentar o Ministério da Justiça desbordou do ordenamento que regulamentava e criou uma verdadeira estrutura destinada a propagação de sorteios, sem qualquer controle do Poder Público, possibilitando lucros exagerados e em desconformidade com o espírito da lei, àqueles que não seriam os reais beneficiários, ou seja, as Entidades Filantrópicas.
Nem se diga que a Portaria MJ nº 1.285/1997 veio corrigir e coibir a forma de atuação das prestadoras de serviços, provedoras e emissoras de TV, embora exigisse mais cuidado das intervenientes/organizadoras dos eventos, com a especificação de seus dados, não restringiu a forma de atuação que vinha sendo praticada, pois o exemplo dado de vários sorteios para uma mesma Entidade foi autorizado na vigência dessa Portaria, em evidente ilegalidade, pois em desconformidade com a norma legal. A sangria dos jogos televisivos não foi coibida pela Portaria, exigindo apenas maiores dados e detalhes da prática e sistema de sorteios, sem, contudo, uma específica fiscalização pelo órgão competente.
A Portaria MJ nº 1.285/1997 ateve-se nos critérios das Entidades beneficiárias para emissão dos certificados, porém manteve a autorização de a interessada firmar contrato ou convênio com pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de administrar e/ou promover a realização do evento, cujos instrumentos deveriam ser encaminhados no ato da solicitação de autorização (art. 8°). Autorizou, ainda, o uso de tecnologias e métodos eletrônicos (como é o caso do 0900) para a inscrição e participação em sorteios, com o acompanhamento de auditagem para a verificação da lisura dos sorteios (art. 10), ainda que se afirme que o uso desses procedimentos se conforma com a evolução tecnológica dos serviços de telecomunicações, o que viabilizaria um melhor resultado para os sorteios, os dados econômicos apresentados não revelam que as Entidades foram as grandes beneficiadas do sistema, mas as operadoras/provedoras e emissoras de TV. A auditoria contratada pelas prestadoras de serviços, embora atestassem a lisura dos sorteios, não ingressaram no mérito do proveito econômico pelas beneficiárias do sistema, sendo de pouca valia essas auditagens."

A ilegitimidade passiva das emissoras de televisão e organizadoras dos eventos foi analisada e inserida em um conjunto de atos destinados ao sorteio, desde a confecção dos contratos escritos até a veiculação dos programas vinculados aos sorteios, todos entrelaçados entre si, com finalidades bem definidas.


Assim considerou o acórdão:


As entidades filantrópicas, de outro lado, por meio de contrato escrito, autorizavam as contratadas a realizarem o sorteio de eventos, na forma das Portarias que regulamentaram a lei, e a administrarem os sorteios, ficando sob a responsabilidade das contratadas arcarem com as eventualidades ocorridas, como em caso de cancelamento, bem assim a contratação de serviços ou de empresas prestadoras desses serviços exclusivamente destinadas ao evento, em especial as detentoras do Sistema de Processamento de Dados e Telefonia e patrocínios alternativos à sua realização. Deveria a contratada, na concretização do objeto contratual, providenciar toda a documentação indispensável à sua operacionalização, inclusive documentos das contratantes junto aos órgãos públicos, podendo utilizar a sua imagem em eventual entrega de prêmios. As contratadas, pela prestação dos serviços, receberiam um porcentual sobre a receita auferida e contratariam, a suas expensas, a empresa de auditoria para o acompanhamento do sorteio, com a finalidade de atestar sua lisura.
(...)
Este ponto é de primordial importância, pois se analisa os efeitos do objeto contratado sobre três óticas de atuação, a usuário do sistema "0900" e o seu propósito, relativamente às doações a Entidades, a participação nos sorteios de prêmios e o contrato celebrado entre as Entidades e os prestadores dos serviços ou executores do sistema veiculado pela TV para a doação de bens e a pratica televisiva, pratica que foi determinante para o cumprimento da meta final do objetivo inicial, vale dizer, promover a veiculação de âmbito nacional do sorteio de bens como sendo um benefício social.
(...)
Em uma análise conjunta dos contratos celebrados com as prestadoras de serviços e diversas manifestações das entidades juntadas pelas corrés, destacamos que: 1) no contrato celebrado com as prestadoras de serviços, as entidades não tinham qualquer expectativa dos valores a receber relativamente às receitas auferidas e o resultados final nos sorteios praticados; 2) ao contrário, autorizavam essas empresas intermediadoras a representa-las em todo o procedimento, desde a emissão do Certificado de Autorização junto ao Poder Público, até a emissão dos documentos necessários à sua execução; 3) não tinham, igualmente, qualquer custo com a assinatura desses contratos, pois, conforme salientado, elas contratavam as prestadoras de serviços com bens já doados, por estas ou por terceiros interessados, como no caso da TV Globo, tendo apenas aquiescido com a divulgação de sua imagem nos sorteios levado a efeito; 4) as correspondências juntadas por algumas corrés, como as de f. 2770-2775, revelam a satisfação dessas entidades com os recursos recebidos para a consecução de seus objetivos, seja porque não tinham ciência do valor a receber, seja porque não dispenderam quaisquer esforços para a prática dos sorteios, aguardando apenas o resultado financeiro, qualquer que fosse o valor.
(...)
As emissoras de TV se adequam a figura de fornecedora de serviços, na forma preconizada pelo Código de Defesa do Consumidor e prestam serviços de telecomunicações, nos termos do artigo 6º, alínea "d" do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), na modalidade de radiodifusão, consoante regulamenta o artigo 4º, item 1º, alínea "b" do Decreto nº 52.795/63, não se concebendo que na era da informação essa se faça de forma indiscriminada e irresponsável.
É este o elo que liga as emissoras ao consumidor final, especialmente por serem as corrés concessionárias de serviços em TV aberta, abrangendo em suas transmissões um sem número de telespectadores, perfectibilizando a relação de consumo. Ademais, receberam pelos serviços prestados e deveriam ser diligentes na divulgação da proposta televisionada para o público, especialmente tratando-se de expediente que levaria a população ao estímulo do jogo de azar.

Não se afigura a omissão do acórdão em relação ao nexo entre os atos praticados e os danos morais arbitrados. Nessa quadra destaco o fundamento para essa fixação:


(...) entendo que o consumidor final é o grande lesado, por estar nesse processo de relação de consumo vulnerável quanto aos objetivos desejados. A questão, inclusive, desafia a posição Estatal quanto à proteção da pessoa do consumidor, pois na era da informação não se concebe que o Poder Estatal desassista aquele para o qual se dirige a propaganda enganosa. Estamos na era da democracia da informação e a liberdade de informar não poderá ser de tal modo a permitir que a sociedade seja atingida de forma indiscriminada e predatória, formando uma cultura de desinformação por meio de uma arquitetura regulatória de duvidosa proteção aos interesses sociais e de políticas públicas.
Assim, podemos afirmar que os direitos coletivos, considerados direitos fundamentais pela Constituição Federal, não podem ser subtraídos da tutela jurídica do Estado, vinculando tanto os governantes como os operadores do direito, pois interagem com todos os ramos do direito, especialmente quanto à regulamentação da distribuição gratuita de prêmios, mediante sorteio, vale-brinde ou concurso, por meio de propaganda indiscriminada em todo o território nacional, de responsabilidade exclusiva da União Federal.

Não há que se falar em ofensa ao princípio da adstrição pelo julgado. De acordo com o art. 492, "é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado". O acórdão não desatendeu a regra, pois o que se objetiva é impedir que o juiz profira sentença de natureza diversa ou tutele direitos não albergados pelos pedidos.


Na Ação Civil Pública, ao contrário, confere-se maior liberdade ao julgador, levando-se em consideração a matéria fática e desde que a análise seja feita dentro dos contornos da lide, o que, in casu, ocorreu de acordo com os artigos 84 do CDC e 497 do CPC. Vê-se, do quanto alegado pelas Embargantes, que o julgado se deu dentro dos limites objetivos da demanda, não tendo sido ampliado, mas conciliado o direito fundamental de ação com o de defesa, inclusive limitando a indenização.


Não se concedeu mais do que o pedido feito na inicial, tampouco houve quaisquer acréscimos ao que se discutiu, todos os fatos foram analisados tal como concebidos desde a inicial e julgado com base neles, tendo como norte a mesma causa de pedir.


Nesse sentido confira-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça:


PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL. POLUIÇÃO DO RIO SERGIPE/SE. DERRAMAMENTO DE DEJETOS QUÍMICOS. MORTANDADE DE TONELADAS DE ANIMAIS MARINHOS. DANO MORAL COLETIVO. ALEGATIVA DE LITISPENDÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO DO DANO. ALEGATIVA DE CASO FORTUITO AFASTADA. REVISÃO. REEXAME DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. 1. A demanda foi ajuizada em virtude do derramamento de amônia ocorrido no Rio Sergipe/SE, ocasionado pela obstrução de uma das canaletas da caixa de drenagem química da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados da Cidade de Maruim/SE, unidade operacional da sociedade empresária ora recorrente, o que acarretou o vazamento de rejeitos químicos que contaminaram as águas daquele rio, resultando na mortandade de aproximadamente seis toneladas de peixes, alevinos, crustáceos e moluscos. 2. Não é possível conhecer da suscitada litispendência, pois, para aferir-se a tríplice identidade entre a presente demanda e a ação ajuizada perante a Comarca de Laranjeiras/RJ, faz-se necessário o revolvimento dos elementos probatórios nos autos, concernente aos documentos que instruem a referida causa, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, não há ofensa ao princípio da congruência ou da adstrição quando o juiz promove uma interpretação lógico-sistemática dos pedidos deduzidos, ainda que não expressamente formulados pela parte autora. Assim, não há se falar em provimento extra petita, pois a pretensão foi deferida nos moldes em que requerida judicialmente, haja vista que, dentre os critérios utilizados pela parte autora para deduzir o pleito reparatório, encontram-se o descaso do agente agressor, a prática reincidente e o caráter inibitório da penalidade. 4. O STJ já reconheceu o cabimento da aplicação cumulativa da indenização por danos morais coletivos com a condenação ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer no âmbito da ação civil pública, inclusive, com fundamento no art. 3º da Lei n. 7.347/85. Confira-se: REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24/9/2013, DJe 1º/10/2013. 5. O aresto recorrido afastou a alegativa de caso fortuito, sob o fundamento de que o acidente decorreu de fatos internos à própria unidade industrial, relacionados com a deficiência do projeto de drenagem dos dejetos químicos e a precária manutenção das respectivas canaletas. A revisão dessas conclusões, contudo, não é cabível no âmbito do recurso especial, por implicar o revolvimento das provas dos autos, nos termos da Súmula 7/STJ. 6. O Tribunal a quo reduziu o valor da condenação estipulada na sentença a título de danos morais coletivos para fixá-la em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a partir da análise das circunstâncias fáticas na lide, a exemplo da repercussão do dano e das condições econômicas do infrator. A revaloração desses elementos, por seu turno, mormente quando não demonstrado o caráter manifestamente excessivo da indenização, atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 7. O Juízo a quo afastou a suscitada sucumbência mínima, sob o argumento de que houve o deferimento de importante parcela do pleito deduzido na inicial e que os demais pedidos, na realidade, se tornaram prejudicados por questões inerentes à própria demora da tramitação e, portanto, não imputável à parte autora. Esse ponto, todavia, não foi especificamente impugnado nas razões do apelo especial, o que atrai a incidência da Súmula 283/STF. 8. Recurso especial conhecido em parte e, nesse extensão, não provido. (RESP 1355574 2012.02.48171-3, DIVA MALERBI (Des. Conv. TRF 3ª REGIÃO), STJ - SEGUNDA TURMA, DJE 23/08/2016) grifou-se

O reconhecimento e redirecionamento do direito à indenização para o Fundo ocorreu, porquanto reconhecido o consumidor como o grande lesado, seguindo as seguintes premissas:


Entretanto sua aplicação tem incidência quando admitidas as seguintes características, as quais foram delimitadas no curso da instrução:
(1) a conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) a ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas); (3) a intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; (4) o nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sensu).

Ao investigarmos os interesses no plano individual e transindividual, esse relativamente aos consumidores, podemos afirmar que as entidades interessadas, aquiesceram e foram coniventes com todo o procedimento ilegal, também pretendiam obter ganho fácil e sem qualquer esforço, para tanto contrataram empresas com o fim especifico de massificar o sistema de sorteios, pelo sistema de ligação "0900", abrangendo um número ilimitado de consumidores em todo o território nacional, que inconscientemente agiam, bem verdade por motivação de duvidoso interesse, com o fim exposto publicamente que era o de contribuir com entidades filantrópicas, tendo como contrapartida a participação em sorteio de prêmios.
Nesse sentido, entendo que o consumidor final é o grande lesado, por estar nesse processo de relação de consumo vulnerável quanto aos objetivos desejados. A questão, inclusive, desafia a posição Estatal quanto à proteção da pessoa do consumidor, pois na era da informação não se concebe que o Poder Estatal desassista aquele para o qual se dirige a propaganda enganosa. Estamos na era da democracia da informação e a liberdade de informar não poderá ser de tal modo a permitir que a sociedade seja atingida de forma indiscriminada e predatória, formando uma cultura de desinformação por meio de uma arquitetura regulatória de duvidosa proteção aos interesses sociais e de políticas públicas.

Quanto à incidência de juros moratórios e correção monetária, a conclusão é clara, não havendo obscuridade em seus termos:


A materialidade do evento danoso restou consubstanciada com a realização do sorteio, autorizado pelo Poder Público nos moldes da Portaria nº 413/97. Assim, para fins de termo inicial dos juros de mora, considera-se evento danoso a data do primeiro sorteio.
Portanto, são devidos juros desde a data do primeiro sorteio realizado por cada emissora, à razão de 0,5% até a entrada em vigor do Código Civil atual, quando passam a incidir juros de 1% ao mês, até a data de publicação da sentença, quando passam a incidir juros e correção cumulativamente pela SELIC, art. 406 do Código Civil, com exclusão de qualquer outro índice.
Em relação à União Federal, os juros são devidos desde o primeiro sorteio realizado nos moldes da Portaria nº 413/97, à razão de 0,5% até a entrada em vigor do Código Civil atual, quando passam a incidir juros isolados de 1% ao mês até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, devendo ser observados aqueles relativos à poupança. A partir da sentença passa a incidir, além dos juros, a correção monetária, conforme o IPCA.

Por fim, a forma de liquidação da sentença não foi devolvida ao exame da Turma, tendo permanecido a questão tal como decido na r. sentença de primeiro grau. Assim, não omissão no julgado no tocante à definição da modalidade de liquidação a ser feita na fase de execução, porquanto nesse ponto não houve alteração da sentença de primeiro que estabeleceu que a restituição dos valores devidos será apurada em liquidação de sentença. Aliás, contra essa questão não houve insurgência das recorrentes, sendo inquestionável que o valor a ser restituído, sendo ilíquido deverá ser submetido a novo provimento jurisdicional.


Os Embargos suscitando omissão quanto à análise de dedução dos valores pagos como prêmios aos contemplados, pagamento feito as auditorias, bem como sobre eventual participação no resultado financeiro das promoções publicitárias são questões afetas ao mérito, já resolvidas no voto e apresentam-se com caráter tipicamente infringente.


Com efeito, a omissão a ser suprida por meio de embargos de declaração é aquela referente a alguma questão sobre a qual o juiz deveria ter se pronunciado de ofício ou a requerimento da parte interessada capaz de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.


Analisando as razões e os fundamentos do acórdão, pode-se ver com clareza que houve abordagem de todas as alegações trazidas, não havendo omissão a ser suprida.


Conclui-se das alegações apostas nos recursos, que não almejam as embargantes suprir vícios no julgado, apenas externam seus inconformismos com a solução adotada e que lhes foi desfavorável, pretendendo vê-la alterada. Não é esse, contudo, o escopo dos embargos declaratórios.


Ante o exposto, REJEITO os embargos de declaração.


É como voto.


ELIANA BORGES DE MELLO MARCELO
Juíza Federal Convocada


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