Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/06/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000945-38.2018.4.03.6110/SP
2018.61.10.000945-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : WESLEY WILLYAN SCARASSATTI reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP069198 JOAQUIM PEDRO CALDAS DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : WILLIAM CAIXEIRO BALDINO reu/ré preso(a)
No. ORIG. : 00009453820184036110 4 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DOS ARTIGOS 155, §4º, INCISOS I E IV, C.C. ARTIGOS 14, INCISO II, E 29 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA ACOLHIDA. PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. RÉU DEPENDENTE QUÍMICO. PRESENÇA DE FUNDADA DÚVIDA A RESPEITO DA HIGIDEZ MENTAL DO ACUSADO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. APELO DA DEFESA PROVIDO, PREJUDICADO O EXAME DO MÉRITO.
1. Réu condenado pela prática do crime do artigo 155, incisos I e IV, c.c. artigos 14, inciso II, e 29, todos do Código Penal.
2. A defesa juntou aos autos, no momento da apresentação de razões recursais, cópia de laudo pericial realizado no Incidente de Dependência Toxicológica 00011649-72.2018.8.26.0602, em que há a conclusão de que o réu apresentava Síndrome de Dependência por cocaína, transtorno mental caracterizado por intenso desejo de consumo, descontrole no uso e síndrome de abstinência, bem como que quando do delito tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e parcial capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento.
3. Naqueles autos ficou constatado que o acusado agia com parcial capacidade de autodeterminação, de forma que, em decorrência da proximidade das datas da prática dos delitos (fevereiro de 2018 e março de 2018) há dúvida sobre a higidez mental do acusado, de forma que justifica a instauração do incidente de insanidade mental nestes autos, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal.
4. O laudo médico é indispensável para a aferição da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado, tendo em vista o artigo 26 do Código Penal que exige a comprovação da capacidade ou não de entendimento e de autodeterminação à época dos fatos.
5. Dessa forma, reputo necessária a realização do exame requerido pela defesa, sendo de rigor a declaração de nulidade da r. sentença condenatória.
6. Por fim, é necessário ponderar que o reconhecimento da nulidade e retorno dos autos à vara de origem levará ao excesso de prazo na prisão do réu, sem que este tenha dado causa à maior demora na prolação de nova sentença. Logo, revogo a prisão do acusado, sem embargo de decretação de custódia cautelar que venha a se tornar novamente necessária, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
6. Recurso da defesa provido, prejudicado o exame do mérito.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, acolher a preliminar suscitada pela defesa e anular a r. sentença de primeiro grau, retornando-se os autos ao juízo de origem para instauração de incidente de insanidade e elaboração de exame de dependência toxicológica. Prejudicada a apreciação do mérito do recurso defensivo. Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor de WESLEY WILLYAN SCARASSATTI, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de maio de 2019.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000945-38.2018.4.03.6110/SP
2018.61.10.000945-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : WESLEY WILLYAN SCARASSATTI reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP069198 JOAQUIM PEDRO CALDAS DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : WILLIAM CAIXEIRO BALDINO reu/ré preso(a)
No. ORIG. : 00009453820184036110 4 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por WESLEY WILLYAN SCARASSATTI, em face da sentença de fls. 344/349 vº, prolatada pelo Juízo Federal da 4ª Vara de Sorocaba/SP, que julgou procedente a denúncia, para condená-lo à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 (vinte) dias-multa, no valor unitário mínimo, pela prática do crime do artigo 155, § 4º, incisos I e IV, c.c. artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Em razões recursais (fls. 399/411), a defesa de WESLEY WILLYAN SCARASSATTI, preliminarmente, sustenta que deve ser decretada a nulidade do processo em decorrência do indeferimento da instauração de incidente de insanidade mental. No mérito, pugna por sua absolvição pela ausência de dolo, afirmando que o acusado não tinha conhecimento do crime, tendo sido apenas contratado para realizar um carreto.

As contrarrazões do Ministério Público Federal foram apresentadas às fls. 415/417.

A Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em parecer, opinou pelo provimento do recurso de apelação, para que seja anulada a sentença e restituídos os autos ao primeiro grau, com o fim de ser instaurado incidente de insanidade mental; ou, caso assim não se entenda, pela conversão do julgamento em diligência, para que se instaure o referido incidente perante esta Egrégia Corte Regional (fls. 421/423 vº).

É o relatório.

À revisão.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000945-38.2018.4.03.6110/SP
2018.61.10.000945-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : WESLEY WILLYAN SCARASSATTI reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP069198 JOAQUIM PEDRO CALDAS DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : WILLIAM CAIXEIRO BALDINO reu/ré preso(a)
No. ORIG. : 00009453820184036110 4 Vr SOROCABA/SP

VOTO

Do caso dos autos. WESLEY WILLYAN SCARASSATTI e William Caixeiro Baldino foram denunciados como incursos nas penas do artigo 155, § 4º, incisos I e IV, c.c. artigos 14, inciso II, e 29, todos do Código Penal.

Narra a denúncia (fls. 160/162) que:


"(...)
Em 13 de março de 2018, na agência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública federal, da Casa do Cidadão, em Brigadeiro Tobias, Sorocaba-SP, após quebrar e arrombar portas, buscou-se a subtração de objetos e valores depositados em cofre, que foi arrastado até a entrada do local.
Segundo se apurou, WESLEY WILLYAN SCARASSATTI, WILLIAN CAIXEIRO BALDINO maus um terceiro não identificado foram os responsáveis pela atos acima descritos. Já que pouco depois empreenderam fuga em um veículo, mas foram alcançados pela Guarda Civil Municipal, acionada pelo seu videomonitoramento. O veículo em fuga, perdeu a direção e parou em um barranco, permanecendo ali apenas o condutor, WILLIAN CAIXEIRO BALDINO, os outros dois ocupantes fugiram, mais um deles foi alcançado e retido, WESLEY WILLYAN SCARASSATTI. Logo em seguida, admitiram a responsabilidade pela tentativa de furto, que não se consumou, em razão do peso do cofre, já que não conseguiram carrega-lo até o veículo.
Segundo se apurou, o veículo utilizado era produto de roubo, praticado por um dos denunciados, fatos ao que tudo indica já sob apuração na Polícia Civil do Estado de São Paulo (fls. 29).
(...)" - grifos originais.

A denúncia foi recebida em 12 de abril de 2018 (fl. 168).

Após a regular instrução processual, foi prolatada a sentença de fls. 344/349 vº, publicada em 05 de outubro de 2018 (fl. 350).

A sentença condenatória transitou em julgado para Willian Caixeiro Baldino em 22 de novembro de 2018 (fl. 369).


Da preliminar.

Da nulidade em razão do indeferimento da instauração de incidente de insanidade mental. A defesa suscita preliminar de nulidade pelo indeferimento da instauração de incidente de insanidade mental, alegando que o acusado é dependente químico e houve afronta ao princípio do devido processo legal, disposto no artigo 5º da Constituição Federal.

Em decisão de fls. 226/227, o juízo a quo indeferiu, inicialmente, o pedido da defesa de instauração de incidente de insanidade mental nos seguintes termos:

"(...)
Indefiro a instauração de incidente de insanidade mental requerido pela defesa do réu Wesley Willyan Scarassatti, uma vez que não há nos autos indícios de insanidade decorrente de dependência química do acusado, não havendo, portanto, dúvida fundada que gere a instauração do incidente.
(...)".

Após reiterado o pleito por WESLEY WILLYAN SCARASSATTI, o julgador de primeiro grau proferiu nova decisão de indeferimento (fls. 316/318), na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal, esclarecendo que:


"(...)
De igual sorte, o pedido de instauração de incidente de insanidade mental formulado pela defesa de Wesley Willyan Scarassatti, decorrente de dependência toxicológica, não se coaduna com as informações contidas nos autos e tampouco nas declarações a respeito da dependência química prestadas pelo réu por ocasião de seu interrogatório.
Alega a defesa distúrbio mental relacionado ao uso de substância entorpecente, sem que haja, mesmo após ser ouvido o réu em audiência, dúvida razoável acerca da integridade mental do acusado.
A dependência química foi confirmada pelas testemunhas ouvidas e pelo réu que, por sua vez, alegou que sofreu com irritabilidade e insônia por conta da ausência do uso de drogas pelo período em que se mantém preso. Todavia, tal não se mostra suficiente para que se coloque em dúvida sua imputabilidade.
(...)".

Na sequência, após prolatada a sentença, a defesa juntou aos autos, no momento da apresentação de razões recursais, cópia de laudo pericial realizado em 30 de outubro de 2018, no Incidente de Dependência Toxicológica 00011649-72.2018.8.26.0602, em que há a conclusão de que WESLEY WILLYAN SCARASSATTI apresentava Síndrome de Dependência por cocaína, transtorno mental caracterizado por intenso desejo de consumo, descontrole no uso e síndrome de abstinência, bem como que quando do delito tinha plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato e parcial capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento (fls. 412/413).

Tal incidente foi instaurado em dependência aos autos da Ação Penal 0000014-05.2018.8.26.0527, em trâmite perante a 4ª Vara Criminal do Foro de Sorocaba/SP, na qual se apura a prática de eventual crime de tráfico de drogas cometido em 12 de fevereiro de 2018 (fl. 10 do Apenso).

Observa-se, assim, que, naqueles autos, ficou constatado que WESLEY agia com parcial capacidade de autodeterminação, de forma que, em decorrência da proximidade das datas da prática dos delitos (fevereiro de 2018 e março de 2018) há dúvida sobre a higidez mental do acusado, de forma que justifica a instauração do incidente de insanidade mental nestes autos, nos termos do artigo 149 do Código de Processo Penal.

Muito embora tenha sido juntada a prova (exame médico legal) apenas após ser proferida a r. sentença neste autos, nota-se que o laudo foi realizado em data posterior ao decisum, de modo que não havia como a defesa ter juntado na fase da instrução processual.

Além disso, ainda que, como asseverado pelo próprio juízo a quo, haja prova oral no sentido de que o acusado era dependente químico ao tempo do crime, entende-se que o laudo médico é indispensável para a aferição da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado, tendo em vista o artigo 26 do Código Penal que exige a comprovação da capacidade ou não de entendimento e de autodeterminação à época dos fatos.

O exame pericial, portanto, se mostra imprescindível para a demonstração de que eram realmente capazes de entender a ilicitude de sua conduta.

Em acréscimo, os artigos 45 e 46, da Lei nº 11.343/06, preceituam que:


Art. 45.  É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único.  Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput deste artigo, poderá determinar o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado".
Art. 46.  As penas podem ser reduzidas de um terço a dois terços se, por força das circunstâncias previstas no art. 45 desta Lei, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Tais dispositivos evidenciam a intenção do legislador em tratar de forma diferenciada aqueles que cometem delitos sob o efeito de substâncias entorpecentes ou que em razão da dependência tenham de alguma forma o seu discernimento afetado.

Dessa forma, reputo necessária a realização do exame requerido pela defesa, sendo de rigor a declaração de nulidade da r. sentença condenatória.

Nesse ponto, cumpre ponderar que não se desconhece que para a declaração de nulidade de determinado ato processual deve ser demonstrado o prejuízo sofrido pela parte, nos termos do disposto no artigo 563, do Código de Processo Penal. Além disso, não se declara a nulidade se de outra forma se alcança a finalidade que lhe é intrínseca.

Todavia, in casu, o prejuízo da inexistência do exame pericial é patente, pois caso realizado poderia significar isenção de pena ou ainda uma diminuição das reprimendas.

Por fim, é necessário ponderar que o reconhecimento da nulidade e retorno dos autos à vara de origem levará ao excesso de prazo na prisão do réu, sem que este tenha dado causa à maior demora na prolação de nova sentença.

Logo, revogo a prisão do acusado, sem embargo de decretação de custódia cautelar que venha a se tornar novamente necessária, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor de WESLEY WILLYAN SCARASSATTI.

Ante o exposto, acolho a preliminar suscitada pela defesa e anulo a r. sentença de primeiro grau, retornando-se os autos ao juízo de origem para instauração de incidente de insanidade e elaboração de exame de dependência toxicológica. Prejudicada a apreciação do mérito do recurso defensivo. Expeça-se alvará de soltura clausulado em favor de WESLEY WILLYAN SCARASSATTI.

É o voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
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Data e Hora: 29/03/2019 16:12:13