D.E. Publicado em 02/07/2019 |
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EMENTA
CIVIL. CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. A PRORROGAÇÃO DOS VENCIMENTOS DE OPERAÇÕES RURAIS. MITIGAÇÃO DA PREVALÊNCIA DAS CLÁUSULAS DO CONTRATO. FATO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 27/06/2019 13:58:30 |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação de consignação em pagamento ajuizada por César Pinchetti em face da União Federal, visando a quitação da parcela com vencimento em 31/10/2010, no valor de R$ 12.953,55 (doze mil, novecentos e cinquenta e três reais e cinquenta e cinco centavos).
Sustenta, em síntese:
Citada, a União apresentou sua contestação (fls. 63/76).
A r. sentença julgou procedente a ação de consignação em pagamento e declarou a quitação da parcela com vencimento em 31/10/2010, no valor de R$ 12.953,35 (doze mil, novecentos e cinquenta três reais e trinta e cinco centavos), conforme depósito comprovado à fl. 52, autorizados os depósitos das parcelas anuais seguintes referentes ao contrato nº 027200.732, nos termos do artigo 892, do Código de Processo Civil de 1973.
Apelou a União Federal requerendo a reforma da sentença para:
a)Acolher a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, extinguindo o processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267 do CPC;
b) Caso não seja esse o entendimento de Vossas Excelências, julgar improcedente o pedido do autor.
Sustenta, em síntese:
a)Impossibilidade jurídica do pedido;
b)Não aplicabilidade do artigo 4º da Lei nº 7843/1989, bem como do capítulo 2, da Seção 6, do item 9 (MCR 2.6.9 do Bacen do Manual de Crédito Rural do Banco do Brasil, e do Artigo 13 do Decreto-Lei nº 167/67, em casos de securitização;
c) Pacta Sunt Servanda.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional.
VOTO
Quanto a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, o Poder Judiciário só apreciará as questões trazidas a ele se forem preenchidos diversos requisitos constantes das leis ordinárias que regem o processo, ou seja, a parte deve atender às condições da ação e aos pressupostos processuais para que possa ser prestada a tutela jurisdicional pelo Estado-Juiz.
As condições da ação compreendem a legitimidade das partes, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido. No caso, importa somente a análise da existência do interesse de agir da parte, o qual deve estar presente não só quando da propositura da ação, mas também no momento em que a sentença for proferida, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do disposto no art. 3º do Código de Processo Civil de 1973.
A ação de consignação em pagamento é procedimento de rito especial somente útil nos casos em que a lei determina a sua aplicação, tendo o efeito de pagamento da coisa devida nos moldes do art. 890 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973.
O caput do art. 890 do Código de Processo Civil de 1973 dispõe que:
Ao tempo do ajuizamento da ação os casos que davam ensejo à consignação em pagamento estão previstos no Código Civil no art. 335 que determina que:
E ainda, conforme elucida o art. 336 do Código Civil, a consignação somente terá efeito de pagamento se preencher todos os requisitos referentes às pessoas, ao objeto, modo e tempo, sob pena do pagamento não ser considerado válido.
Na hipótese dos autos, o autor pleiteia a consignação em pagamento do valor de R$ 12.953,35 (doze mil, novecentos e cinquenta e três reais e trinta e cinco centavos), relativa à parcela vencível em 31/10/2010.
Assim, considerando que o pagamento de valor é recusado pelo credor, decorre, daí, a hipótese prevista na lei processual.
Quanto ao mérito, observo que o autor tomou empréstimo junto ao Banco do Brasil, para fins de financiamento rural, efetivado via Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária nº 009670005, firmada em 25 de junho de 1996, completada pelo Termo Aditivo de Retificação e Ratificação à Cédula Rural Hipotecária, celebrada em 24 de Junho de 2002.
Por sua vez, dispõe o parágrafo sexto da cláusula terceira do referido Aditivo de Retificação e Ratificação à Cédula Rural Hipotecária:
Pela leitura da cláusula acima referida, observa-se a não aplicação à dívida, a prorrogação dos vencimentos de operações rurais, em face da frustação de safras por fatores adversos.
Por sua vez, no campo do direito das obrigações, houve uma mitigação da prevalência das cláusulas do contrato, em detrimento aos princípios da boa-fé e da equivalência contratual entre as partes.
Evidentemente, de acordo com o princípio pacta sunt servanda, o contrato deve ser cumprido em todos os seus termos pelos contratantes, não podendo ser alterado unilateralmente por uma das partes.
No entanto, a modificação do contrato é possível por fato imprevisível e extraordinário, importando, assim, em exceção ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, com a aplicação da Teoria da Imprevisão.
Há que se ter em mente que, para se acolher a pretensão de relativização do princípio que garante a força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) é necessário que se constate que as condições econômicas objetivas no momento da execução do contrato se alteraram de tal forma que passaram a acarretar extrema onerosidade ao devedor e, em contrapartida, excessiva vantagem em favor do agente credor.
Além disso, o Enunciado nº 175 do Conselho da Justiça Federal é expresso no sentido de "a menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz".
A leitura do enunciado acima referido indica que fatos previsíveis podem se caracterizar como imprevisíveis e extraordinários, conforme a situação concreta de um contrato, se alcançada a extrema impetuosidade de suas consequências, de modo a ficar penosa a execução do contrato.
E o Direito Civil Brasileiro é explícito sob tal aspecto, que em seu artigo 478 leciona: Nos contratos de execução continuada ou diferida, se prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Observa-se que a lei prevê, expressamente, a alteração do contrato em face das dificuldades apresentadas por uma das partes, constituindo um diploma com valores sociais, onde se ressalta a teoria da imprevisão nas relações civis.
Assim, verificada a dificuldade do devedor de adimplir as condições que lhe foram impostas em contrato, pode e deve o magistrado modificá-las, adequando-as à sua realidade pessoal.
A propósito, confiram-se notas do magistério de Nelson Rosenvald, "2) Acontecimento imprevisível - o fato superveniente é qualificado como imprevisível. Interpretando-se o art. 478 na literalidade, poder-se-ia, açodadamente, concluir que o CC adotou a teoria da imprevisão, um modelo voluntarista de ênfase subjetiva, pela qual o fundamental seria precisar se as partes previram ou não o evento extraordinário. (...)
A lei fala em imprevisível, e não em imprevisto: motivo imprevisível, acontecimento imprevisível. Imprevisível qualifica o fato, enquanto imprevisto descreve o estado de espírito do agente. Assim, a imprevisibilidade só pode ser objetiva, pois independe da análise da situação psíquica das partes. Resulta de uma observação feita de fora.
(...) 3) Extrema vantagem para a outra parte - é compreensível a preocupação do legislador, haja vista que o desequilíbrio entre as prestações se torna mais evidente quando há, de um lado, onerosidade excessiva e, de outro, vantagem extrema.
(...) A resolução por alteração superveniente de circunstâncias não pode ser levada a efeito pela parte que, antes da incidência do evento extraordinário e imprevisível, agiu culposamente. (Código Civil Comentado, 12ª edição, Manole, Coordenador Ministro Cesar Peluso, pág. 519).
E, na hipótese dos autos, o autor comprovou a ocorrência de evento natural extraordinário, que dizimou a sua lavoura.
Neste sentido, confira-se o contido na Avaliação de Danos- AVADAM, emitido pelo Sistema Nacional de Defesa Civil- SINDEC (fls. 35/39):
Além disso, corroborando com a descrição acima referida, a Prefeitura Municipal de Nantes emitiu o Decreto nº 049/2009, de Julho de 2009 (fls. 40/41), declarando situação de emergência no Município de Nantes, em razão da estiagem prolongada, resultando em sensíveis perdas na produção agrícola do município, em especial nas culturas de café, cana-de-açúcar e milho, o que foi homologado pelo Decreto do Governador do Estado de São Paulo por 90 dias (fl. 32).
Observa-se, assim, ao contrário do consta da resposta do Banco do Brasil ao autor (fl. 46), não se trata de caso isolado, mas, sim, uma situação que atingiu todo o Município de Nantes.
Como já disse, a prova juntada ao pedido mostra que, efetivamente, que as lavouras de café e cana-de-açúcar do autor foram dizimadas pela intensa chuva de granizo, caracterizando evento natural extraordinário e fato imprevisível.
Assim, mostra-se pertinente a prorrogação da dívida, nos termos da norma prevista no § 4° da Lei nº 7.843/89, assim disposto:
Nessa esteira, dispõe o capítulo 2, seção 6, item 9 do Manual de Crédito Rural do Banco do Brasil, que assim dispõe:
Assim, as condições climáticas que dizimaram as lavouras do autor apontam para a necessidade de prorrogação da dívida, medida mais adequada à realidade dos autos. O afastamento da disposição imposta pela cláusula contratual se faz necessário, na medida em que a chuva de granizo impediu o cumprimento da obrigação.
Assim, não estava o Magistrado impedido por lei de rever as condições impostas ao devedor.
Diante do exposto, nego provimento à apelação da União Federal.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067 |
Nº de Série do Certificado: | 11A2170419468351 |
Data e Hora: | 14/05/2019 13:56:19 |