Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/09/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000392-90.2010.4.03.6006/MS
2010.60.06.000392-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
REL. ACÓRDÃO : Desembargadora Federal MÔNICA NOBRE
APELANTE : JOSE MARTINS CUNHA
ADVOGADO : MS012942A MARCOS DOS SANTOS e outro(a)
APELADO(A) : Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis IBAMA
ADVOGADO : DAVID WOHLERS DA FONSECA FILHO
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : ANDRE BORGES ULIANO
PARTE AUTORA : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS e outro(a)
No. ORIG. : 00003929020104036006 1 Vr NAVIRAI/MS

EMENTA

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. ARTIGO 225, CF/88. LEIS 4.771/1965, 6.938/1981, 7.347/1985, 12.651/2012. RESOLUÇÕES CONAMA 04/1985, 302/2002, 303/2002. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DANO AMBIENTAL IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E PROPTER REM. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. CONDUTA, NEXO E DANO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO A OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E RESTAURAÇÃO AMBIENTAL. APELAÇÃO, RECURSO ADESIVO E REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDOS.
- Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o objetivo de impor condenação pela ocorrência de danos ambientais causados em área de preservação permanente - APP, consistente em utilização de área de preservação permanente para edificação irregular de "rancho", na margem direita do Rio Paraná, a dificultar a regeneração natural em estágio pioneiro.
- Em sede de ação civil pública, é cabível o reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicando-se por analogia o art. 19 da Lei nº 4.717/65, em decorrência da interpretação harmônica do microssistema de tutela dos interesses difusos e coletivos. Precedentes do STJ.
- A proteção ambiental detém status constitucional e os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia (art. 225, § 3º, CF/88, art. 4º, VII, c/c art. 14, § 1º, Lei nº 6.938/81). O tema é também regido pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 182 e 186 da CF), a intitulada função socio ambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental (artigo 1.228, § 1º, do Código Civil).
- Não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça.
- O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.
- Descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.
- A alegação de que houve mera reforma da casa de madeira originalmente existente não encontra amparo na prova dos autos.
- Com relação à invocação do artigo 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, de modo a possibilitar sua continuidade.
- Não se cogita de qualquer discriminação ou perseguição ao réu, que teve ampla oportunidade de defesa na via administrativa, neste feito e por meio da ação cautelar que ajuizou anteriormente. Inocorrência de violação da isonomia.
- Equivocada a interpretação que o apelante faz do artigo 6º da CF. Os direitos sociais à moradia e ao lazer não são incompatíveis tampouco prevalecem em relação à garantia do inciso XXIII do artigo 5º da Carta Magna de que a propriedade deve atender à sua função social, na qual se inclui resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.
- A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional continuada, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. A jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Precedente do STJ.
- Considerando as várias obrigações a que foi o réu condenado, cujas despesas correrão sob sua responsabilidade, inviável a fixação de indenização pelo dano ambiental.
- Apelação, recurso adesivo e remessa oficial não providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e, por maioria, negar provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 04 de julho de 2019.
MÔNICA NOBRE
Relatora para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000392-90.2010.4.03.6006/MS
2010.60.06.000392-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Quanto ao mérito, acompanho os fundamentos adotados pelo E. Relator.

Com relação à indenização, considerando as várias obrigações a que foi o réu condenado, cujas despesas correrão sob sua responsabilidade, deixo de fixá-la.

Assim, a r. sentença deve mantida.

Diante do exposto, nego provimento à REMESSA OFICIAL, à APELAÇÃO e ao RECURSO ADESIVO.

MÔNICA NOBRE
Desembargadora Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000392-90.2010.4.03.6006/MS
2010.60.06.000392-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRE NABARRETE
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ADVOGADO : DAVID WOHLERS DA FONSECA FILHO
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
PROCURADOR : ANDRE BORGES ULIANO
PARTE AUTORA : Uniao Federal
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No. ORIG. : 00003929020104036006 1 Vr NAVIRAI/MS

RELATÓRIO

Apelação interposta por JOSÉ MARTINS CUNHA e recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença que julgou procedente em parte ação civil pública, verbis:


"DISPOSITIVO
Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC, para condenar o réu JOSÉ MARTINS CUNHA a:
(a) demolir a construção edificada em área de preservação permanente, na Região do Porto Caiuá, Município de Naviraí/MS, coordenadas geográficas UTM, Zona 22K, DATUM SAD69, obtendo-se a seguinte leitura: E: 222.593m, N: 7.425.236m (dos pedidos - fl. 23, item f.1), removendo os entulhos para local adequado;
(b) apresentar Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas - PRADE, sujeito à aprovação do IBAMA, subscrito por profissional habilitado e contendo cronograma de execução de obras;
(c) proceder à recuperação da área da APP, às suas expensas, conforme PRADE e respectivo cronograma com eventuais adequações feitas pelo IBAMA.
Assinalo o prazo de 90 (noventa) dias, a contar da intimação após o trânsito em julgado da sentença, para execução dos itens "a" e "b", restando o prazo de execução do item "c", condicionado ao cronograma do PRADE a ser apresentado.
No caso de descumprimento dos prazos fixados, deverá o requerido arcar com multa de R$100,00 (cem reais), por dia. Na eventual comprovação de inviabilidade da obrigação de fazer, caberá ao réu obrigação indenizatória a ser apurada em posterior liquidação de sentença.
Nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, condeno o réu ao pagamento/ressarcimento das despesas processuais.
Sem condenação em honorários de advogado, tendo em vista que na ACP o Ministério Público não paga honorários de advogado, quando vencido, salvo em caso de má-fé, então por simetria, não faz jus a receber tal verba quando vencedor na ação judicial (precedentes do STJ). Havendo interposição tempestiva de recurso por qualquer das partes, estando presentes os demais requisitos para a sua admissibilidade, dou-o por recebido no efeito devolutivo, previsto no artigo 14, da Lei n. 7.347/85 e, decorrido o prazo para contrarrazões, determino a remessa dos autos ao TRF/3ªRegião. (destaques do original)

Sustenta que:

a) devem ser levadas em conta a razoabilidade, a proporcionalidade, a isonomia, o ato jurídico perfeito e a irretroatividade, dado que a ocupação e antropização da região em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 4º, Decreto nº 23.793/34) não delimitava a área de proteção, de modo que não se aplica o entendimento jurisprudencial em que se fundou o magistrado;

b) a construção original de madeira é das décadas de 40/50 e foi posteriormente substituída por alvenaria;

c) a inspeção judicial constatou que até o presente há casas de madeira no bairro;

d) os imóveis próximos não sofreram ação ministerial, o que demonstra falta de proporcionalidade e isonomia;

e) ainda que se considere que a construção tem cerca de quinze anos, é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei nº 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;

f) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6º da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;

g) a demolição é medida desproporcional e fere a dignidade da pessoa humana como destinatária de momentos aprazíveis de pesca, consoante a jurisprudência.

Pede, a final, a improcedência.


Nas contrarrazões de fls. 464/488, a União Federal defende que:

a) a antiguidade da intervenção não confere direito adquirido ao infrator, tampouco o argumento de que não foi o responsável direto pelo dano, pois sua perpetuação também é ilícita;

b) a função social da propriedade inclui a preservação do meio ambiente;

c) a obrigação de proteger e reparar as APP é propter rem:

d) eventual loteamento, ainda que aprovado pela municipalidade, deve respeito às leis federais e estaduais;

e) a necessidade de restauração do meio ambiente encontra fundamento na Constituição Federal (artigo 225) e nas Leis nºs 7.735/89, 7.347/85, 9.605/98 e no artigo 186 do Código Civil. A demolição é consequência lógica dessa obrigação.


Nas contrarrazões de fls. 491/496, o Ministério Público Federal argumenta que:

a) a prova dos autos é no sentido de que a construção é recente, na vigência do Código Florestal, não de mera reforma;

b) ainda que o argumento fosse verdadeiro, não há direito adquirido a poluir e degradar o meio ambiente, pois a obrigação é propter rem, de forma que é irrelevante perquirir sobre a autoria do dano;

c) não há violação à isonomia, eis que a própria inspeção judicial menciona a existência de 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não houve "perseguição" alguma ao autor, ao contrário do que quer fazer crer, mas respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa para, por fim, chegar à conclusão que, no seu caso, cabem a demolição e a recuperação da área, situação que é diversa dos ribeirinhos que lá habitam;

d) o artigo 61-A da Lei nº 12.727/2012 não se aplica aos imóveis de veraneio e lazer.


Adesivamente, apela o Parquet (fls. 499/504) para requerer a condenação do apelante ao pagamento de indenização pelo dano causado ao meio ambiente, consoante a jurisprudência que admite que seja cumulada com a reparação, que, conquanto prioritária, não é suficiente. Aduz que seus objetos são distintos. A primeira objetiva reparar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a reposição direta e imediata. Ressalta que a fossa asséptica do réu contamina o solo e o entorno do rio, além de fazer uso de recursos hídricos que não lhe pertencem por meio da instalação de poço semi-artesiano e utilizar egoisticamente de um bem que é de interesse de todos. Deve, pois, ser fixada prestação pecuniária não inferior a quinze mil reais.


Contrarrazões do réu ao recurso adesivo às fls. 507/509, nas quais reitera e ratifica a argumentação da sua apelação, destaca jurisprudência que afastou a necessidade de demolição e que não há que se falar em pagamento de indenização por ofender os princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.


Nesta corte, o Ministério Público Federal apresentou parecer como custos legis (fls. 511/516), no qual aduziu que:

a) a manutenção do meio ambiente equilibrado é direito difuso (artigo 225 da CF) que gera deveres ao poder público e à coletividade;

b) o causador de dano ambiental responde objetivamente (Lei nº 6938), de modo que basta demonstrar sua ocorrência e o nexo causal;

c) o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com sua função socioambiental (art. 1228, § 1º, CC), o que afasta a invocação de direito adquirido;

d) inviável o retrocesso em matéria ambiental, conforme a doutrina e a jurisprudência;

e) o STJ reconhece a aplicabilidade da Lei nº 4.771/65 aos fatos ocorridos antes da entrada em vigor do atual Código Florestal;

f) está demonstrado pela perícia e é incontroverso que o imóvel em questão foi erigido em área de preservação permanente de 500 metros, limite que não foi alterado pelo novo Código Florestal;

g) o simples uso e manutenção da edificação caracteriza dano ambiental;

h) o imóvel é utilizado para lazer, o que afasta a aplicação do artigo 61-A da Lei nº 12.651/12;

i) é cabível a indenização para a integral reparação do dano, sem o qual não será possível compensar o prejuízo à coletividade e ao ecossistema durante o tempo em que a área se manteve degradada e do necessário para que se recomponha, a qual deve ser fixada em montante suficiente para estimular o poluidor a cessar a degradação, raciocínio válido também para multa diária.

Em conclusão, opinou fosse o apelo desprovido e provido recurso adesivo.


É o relatório.




VOTO

I - DO REEXAME NECESSÁRIO


O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:


"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo". (Redação dada pela Lei nº 6.014/73).

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965. 1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009). 2. Agravo Regimental não provido."
(STJ, AGREsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 25/04/2011).

In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados em sede do exórdio, porquanto requereu o Parquet Federal fosse fixada indenização em favor do Fundo Nacional do Meio Ambiente (item f.4 - fl. 11), o qual não foi contemplado. Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença, sob esse aspecto.


II - DOS FATOS E DO PROCESSAMENTO


Narrou o Ministério Público Federal que, em fiscalização realizada em 27/05/2005 (fl. 26) pelo IBAMA, foi lavrado auto de infração (fl. 26) por ter sido constatada a violação à legislação ambiental por parte do réu, JOSÉ MARTINS CUNHA, consistente na construção sem licença de um clube de pesca em área de preservação permanente na margem direita do Rio Paraná, que é de 500 metros em cursos d'água com mais de seiscentos metros. A edificação foi interditada, conforme termo de embargo (nº 342259 - fl. 27) e deu origem naquela autarquia a processo administrativo (nº 02040.000095/05-90 - fl. 37). O Parquet requisitou (fls. 138/139) a instauração de inquérito policial, que foi autuado sob o nº 120/2007 (fl. 146) e no qual foi realizado laudo de exame de meio ambiente (fls. 163/169) em que consta, verbis:


"O local examinado está na margem direito do Rio Paraná em área de preservação permanente, cercada com pilares de concreto e cerca de arame, e está ocupado com edificação destinada a lazer, em local de baixa declividade, próxima à barranca do rio (...). O imóvel se caracterizava por ser construção de alvenaria, com parte de obra com reboco e sem pintura e parte sem reboco, com piso cimentado, telhas de fibrocimento, com aproximadamente 250m2 e distante quinze metros do rio (...). Tal construção pode ter suprimido vegetação ou está impedindo a recomposição da mesma (...). A construção está em local originalmente ocupada pela flora, o que provoca redução nos locais de refúgio, passagem e alimentação da fauna, porém o dano provocado é de pequena monta."

O Ministério Público Federal, em conjunto com o Parquet estadual, encaminhou ofício ao réu (fls. 95/97) para dar-lhe oportunidade de apresentar um plano de recuperação de área degradada - PRADE, porém não houve manifestação. Outrossim, relatou que o ora apelante ajuizou ação cautelar (nº 2006.60.06.000684-6) para obter a suspensão do auto de infração e termo de embargo, porém a liminar foi negada (fls. 108/112) e a sentença de improcedência foi confirmada por esta corte, com trânsito em julgado. Aduziu que a Prefeitura Municipal de Naviraí foi consultada (fl. 105) e informou (fl. 115) que não foi emitido alvará de construção, não tem habite-se e não está cadastrada em nome do réu. Por fim, destacou que, à vista do descumprimento do embargo do imóvel e de que a cautelar não obteve êxito, foi requisitada ao IBAMA a lacração de diversas propriedades, entre as quais a dos autos, o que foi realizado no período de 06 a 08 de agosto de 2008, com o apoio da Polícia Federal (fl. 181).

Consideradas tais circunstâncias, pugnou o MPF, em sua exordial, fossem condenados os réus à recuperação da APP (florestamento), mediante a retirada das construções e impermeabilizações, plantio e manutenção, sob supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação - PRADE, coibida toda atividade lesiva, bem como ao pagamento de indenização não inferior a quinze mil reais, correspondente aos danos ambientais, além de multa diária para o caso de descumprimento, custas e honorários. Foi também requerida a intimação da União e do IBAMA para manifestarem eventual interesse em integrar a lide.

A liminar foi postergada para após a citação e acabou por não ser apreciada.

O réu foi citado e contestou (fls. 192/218).

Intimados, a União e o IBAMA requereram o ingresso no polo ativo (fls. 220/221 e 235, respectivamente), o que foi deferido (fl. 236).

O Parquet impugnou a contestação às fls. 238/243, bem como o IBAMA às fls. 252/259.

O réu requereu a utilização de prova pericial emprestada do Processo nº 2009.60.000824-8, o que foi deferido à fl. 263. O autor, entretanto, sustentou o não cabimento, dado que não participou do referido feito. Assim, o magistrado reconsiderou a decisão anterior e deferiu a produção de prova pericial (fls. 293/294), ocasião em que também determinou ao MPF a antecipação dos honorários do expert, contra a qual foi interposto agravo de instrumento e posteriormente retratada (fl. 310).

O magistrado realizou inspeção judicial, cujo relatório consta às fls. 267/271 e, relativamente ao réu, constatou o seguinte:

"Depois da caso do Everton está uma casa de uma sociedade de pescadores veranistas. Há um contrato particular de aquisição em nome do Sr. José Martins Cunha, que é um dos sócios. Essa casa mede aproximadamente cem metros quadrados e também tem duas rampas de acesso de barcos para o rio. "

O Parquet juntou cópia (em CD) do depoimento de Manoel Ferreira da Silva prestado na ação penal nº 0000824-17.2007.403.6006 e pediu que fosse ouvido, o que foi deferido à fl. 274. A audiência foi realizada em 17/02/2012 (fl. 283).

Em seguida à apresentação dos quesitos das partes, foi juntado laudo pericial às fls. 355/363, o qual foi complementado às fls. 384/392 a pedido do Parquet. Sobre o parecer houve manifestações do IBAMA (fls. 367/369), da União (fls. 371/374), do réu (fls. 376/380 e 406/411) e do MPF (fls. 402/403).

Por meio da sentença (fls. 475/489) a ação foi julgada parcialmente procedente, nos termos reproduzidos no relatório, que apenas deixou de acolher o pedido de indenização por dano ambiental.

Foram interpostos apelo do réu e recurso adesivo do MPF, ora trazidos a julgamento.


III - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE


A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:


"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais."
(destaques aditados)

A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade. Veja-se, a propósito, no mesmo sentido, recente precedente do STJ:


AMBIENTAL . PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROVIDO. RECURSO ESPECIAL. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO CÓDIGO FLORESTAL. INADEQUADA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MAIOR PROTEÇÃO AMBIENTAL . PROVIMENTO. RESPEITO AO LIMITE IMPOSTO PELO CÓDIGO FLORESTAL.
1. O agravo interno foi provido após a impugnação específica dos fundamentos utilizados na origem para inadmitir o recurso especial. Passa-se à análise do recurso especial.
2. A proteção ao meio ambiente integra axiologicamente o ordenamento jurídico brasileiro, sua preservação pelas normas infraconstitucionais deve respeitar a teleologia da Constituição Federal. Desse modo, o ordenamento jurídico deve ser interpretado de forma sistêmica e harmônica, privilegiando os princípios do mínimo existencial ecológico e do ambiente ecologicamente equilibrado.
3. Na espécie, o Tribunal de origem interpretou o Código Florestal (Lei n. 4.771/1965) de maneira restritiva, pois considerou que o diploma legal estabeleceu limites máximos de proteção ambiental, podendo a legislação municipal reduzir o patamar protetivo. Ocorre que o colegiado a quo equivocou-se quanto à interpretação do supracitado diploma legal, pois a norma federal conferiu uma proteção mínima, cabendo à legislação municipal apenas intensificar o grau de proteção às margens dos cursos de água, ou, quando muito, manter o patamar de proteção.
4. A proteção marginal dos cursos de água, em toda a sua extensão, possui importante papel de resguardo contra o assoreamento. O Código Florestal tutela em maior extensão e profundidade o bem jurídico do meio ambiente, logo, é a norma específica a ser observada na espécie.
5. Recurso especial provido.
(STJ; AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.312.435 - RJ; Rel. Min. Og Fernandes; 2ª Turma; j. em 07/02/2019) (destaques aditados)

A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).


A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.


De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:


"Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, verbis:


Lei nº 6.938/1981
"Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(omissis)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos."
"Art. 14. (omissis)
§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Lei nº 12.651/2012
"Art. 2º.  As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.
§ 1º.  Na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às disposições desta Lei são consideradas uso irregular da propriedade, aplicando-se o procedimento sumário previsto no inciso II do art. 275 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos do § 1º do art. 14 da Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, e das sanções administrativas, civis e penais."

De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.


O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º,  que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.


A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:


"Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."
"Art. 38-A.  Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: (Incluído pela Lei nº 11.428, de 2006).
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade."
"Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa."
"Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente."
"Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X - (VETADO)
XI - restritiva de direitos."

Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.


Para o caso em análise, vale também mencionar a Resolução CONAMA nº 303/2002, a qual reitera o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixa limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:


Lei nº 4.771/1965
"Art. 1º. (...)
§ 2º.  Para os efeitos deste Código, entende-se por:
(...)
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
(...)"
"Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
(...)
a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:
(...)
3- de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 metros;(redação original)
4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (redação dada pela Lei nº 7.803, de 18.07.1989)
5- de 500 (quinhentos) metros para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
"Art. 4º, § 1°. A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse social."
Resolução CONAMA nº 303/2002:
"Art. 3º Constitui Área de Preservação Permanente a área situada:I - em faixa marginal, medida a partir do nível mais alto, em projeção horizontal, com largura mínima, de:
a) trinta metros, para o curso d'água com menos de dez metros de largura;b) cinquenta metros, para o curso d'água com dez a cinquenta metros de largura;c) cem metros, para o curso d`água com cinquenta a duzentos metros de largura;d) duzentos metros, para o curso d'água com duzentos a seiscentos metros de largura; e) quinhentos metros, para o curso d'água com mais de seiscentos metros de largura;
(...)"
Lei nº 12.651/2012
"Art. 4º.  Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
(...)
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:
(...)
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; "
(destaques aditados)

O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado de tal espaço, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social, os quais foram anteriormente reproduzidos no item III.


No mesmo sentido dos dispositivos referidos há ainda a Lei nº 9.433/97 (institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989) e a Resolução CONAMA nº 369/2006 (Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP).


As normas mencionadas, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.


De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).


IV - DA RESPONSABILIZAÇÃO DO RÉU PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL


Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.


O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.


Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.


Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.


A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressa e excepcionalmente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:


"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CASAS DE VERANEIO ("RANCHOS"). LEIS 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965), 6.766/79 (LEI DO PARCELAMENTO DO SOLO URBANO) E 6.938/81 (LEI DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE). DESMEMBRAMENTO E LOTEAMENTO IRREGULAR. VEGETAÇÃO CILIAR OU RIPÁRIA. CORREDORES ECOLÓGICOS. RIO IVINHEMA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. NULIDADE DA AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL. SILÊNCIO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA, NO DIREITO BRASILEIRO, DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA AMBIENTAL TÁCITA. PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE OFÍCIO DE LICENÇA E DE TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PRECEDENTES DO STJ. 1. Trata-se, originariamente, de Ação Civil Pública ambiental movida pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul contra proprietários de 54 casas de veraneio ("ranchos"), bar e restaurante construídos em Área de Preservação Permanente - APP, um conjunto de aproximadamente 60 lotes e com extensão de quase um quilômetro e meio de ocupação da margem esquerda do Rio Ivinhema, curso de água com mais de 200 metros de largura. Pediu-se a desocupação da APP, a demolição das construções, o reflorestamento da região afetada e o pagamento de indenização, além da emissão de ordem cominatória de proibição de novas intervenções. A sentença de procedência parcial foi reformada pelo Tribunal de Justiça, com decretação de improcedência do pedido. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR 2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da "efetividade" do "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado", a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última - a bandeira mais reluzente, por assim dizer - do comando maior de "preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais", prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal. 3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal. 4. Compreensível que, com base nessa ratio ético-ambiental, o legislador caucione a APP ripária de maneira quase absoluta, colocando-a no ápice do complexo e numeroso panteão dos espaços protegidos, ao prevê-la na forma de superfície intocável, elemento cardeal e estruturante no esquema maior do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por tudo isso, a APP ciliar qualifica-se como território non aedificandi. Não poderia ser diferente, hostil que se acha à exploração econômica direta, desmatamento ou ocupação humana (com as ressalvas previstas em lei, de caráter totalmente excepcional e em numerus clausus, v.g., utilidade pública, interesse social, intervenção de baixo impacto). 5. Causa dano ecológico in re ipsa, presunção legal definitiva que dispensa produção de prova técnica de lesividade específica, quem, fora das exceções legais, desmata, ocupa ou explora APP, ou impede sua regeneração, comportamento de que emerge obrigação propter rem de restaurar na sua plenitude e indenizar o meio ambiente degradado e terceiros afetados, sob regime de responsabilidade civil objetiva. Precedentes do STJ. LICENCIAMENTO AMBIENTAL 6. Se é certo que em licença, autorização ou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), ao Administrador, quando implementa a legislação ambiental, incumbe agregar condicionantes, coartações e formas de mitigação do uso e exploração dos recursos naturais - o que amiúde acontece, efeito de peculiaridades concretas da biota, projeto, atividade ou empreendimento -, não é menos certo que o mesmo ordenamento jurídico não lhe faculta, em sentido inverso, ignorar, abrandar ou fantasiar prescrições legais referentes aos usos restringentes que, por exceção, sejam admitidos nos espaços protegidos, acima de tudo em APP. 7. Em respeito ao princípio da legalidade, é proibido ao órgão ambiental criar direitos de exploração onde a lei previu deveres de preservação. Pela mesma razão, mostra-se descabido, qualquer que seja o pretexto ou circunstância, falar em licença ou autorização ambiental tácita, mormente por quem nunca a solicitou ou fê-lo somente após haver iniciado, às vezes até concluído, a atividade ou o empreendimento em questão. Se, diante de pleito do particular, o Administrador permanece silente, é intolerável que a partir da omissão estatal e do nada jurídico se entreveja salvo-conduto para usar e até abusar dos recursos naturais, sem prejuízo, claro, de medidas administrativas e judiciais destinadas a obrigá-lo a se manifestar e decidir. 8. Embora o licenciamento ambiental possa, conforme a natureza do empreendimento, obra ou atividade, ser realizado, conjunta ou isoladamente, pela União, Distrito Federal e Municípios, não compete a nenhum deles - de modo direto ou indireto, muito menos com subterfúgios ou sob pretexto de medidas mitigatórias ou compensatórias vazias ou inúteis - dispensar exigências legais, regulamentares ou de pura sabedoria ecológica, sob pena de, ao assim proceder, fulminar de nulidade absoluta e insanável o ato administrativo praticado, bem como de fazer incidir, pessoalmente, sobre os servidores envolvidos, as sanções da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (arts. 66, 67 e 69-A) e da Lei da Improbidade Administrativa, às quais se agrega sua responsabilização civil em regime de solidariedade com os autores diretos de eventual dano causado. HIPÓTESE DOS AUTOS 9. O Recurso Especial em questão debate, entre outros pontos, os efeitos da suspensão de ofício da Licença de Operação 12/2008, emitida pelo órgão ambiental do Estado de Mato Grosso do Sul e incorporada às razões de decidir do acórdão recorrido. Nos Embargos de Declaração, o Parquet suscita, de maneira expressa, a suspensão de ofício da licença concedida, bem como diversas outras omissões. Em resposta, o respectivo acórdão limita-se a apontar pretensão supostamente infringente, sem examinar as impugnações, todas pertinentes para o deslinde da controvérsia. Por essa razão, vislumbro ofensa ao art. 535 do CPC. Precedentes do STJ em situações análogas. 10. Recurso Especial parcialmente provido para anular o acórdão dos Embargos de Declaração. (destaques aditados)
(STJ, REsp 1245149, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, v.u., DJe 13/06/2013).

In casu, o local sub judice, como visto, na margem direita do Rio Paraná, configura área de preservação permanente, nos termos do artigo 2º, alínea "a", item 5, da Lei nº 4.771/1965, na redação da Lei nº 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração (atual artigo 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012) e artigo 3º, I, "e", da Resolução CONAMA nº 303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo o laudo pericial, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel (fl. 388, quesitos 17 e 18).


Consoante ainda o parece do expert do juízo, o terreno do rancho está inteiramente inserido em área de preservação permanente. Vedada, portanto, qualquer intervenção em toda ela, na qual, todavia, verificou-se a existência de edificação de cerca de 70m2, além de rampa de acesso para barcos, bem como a supressão e o impedimento de regeneração de 250m2 da vegetação e utilização de fossa negra para coleta do esgoto.


A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação.


V- DA DEFESA DO APELANTE


Cabe examinar os argumentos de defesa do réu, que são, em suma, os seguintes:

a) devem ser levadas em conta a razoabilidade, a proporcionalidade, a isonomia, o ato jurídico perfeito e a irretroatividade, dado que a ocupação e antropização da região em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 4º, Decreto nº 23.793/34) não delimitava a área de proteção, de modo que não se aplica o entendimento jurisprudencial em que se fundou o magistrado;

b) há que se observar isonomia, pois imóveis próximos não sofreram ação ministerial;

c) é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei nº 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;

d) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6º da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;

e) a demolição é medida desproporcional, consoante a jurisprudência.


Primeiramente, é preciso que fique claro que alegação de que houve mera reforma da casa de madeira originalmente existente não encontra amparo na prova dos autos. Ao contrário, o perito, ao responder o quesito do próprio recorrente nesse sentido, foi categórico (fl. 359):

"1) a construção atual é (ou pode ser) uma reforma troca de madeira por alvenaria da construção já existente nas décadas de 1940/1950/1960?
Não há indícios de reforma, os indícios são de construção recente de +/- 15 anos (slide 02, anexo)."

O apelante apenas remete genericamente às origens da ocupação da área para afirmar que a edificação é anterior ao Código Florestal de 1965, sem qualquer evidência concreta relativamente ao seu imóvel, o que obviamente não é suficiente para elidir o exame técnico. O fato de que na região existem edificações de madeira na região tampouco legitima o argumento. Não há que se falar, portanto, em retroação da legislação mais rigorosa (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) ou ato jurídico perfeito.

A afirmação de violação à isonomia em virtude de, supostamente, vizinhos não terem sido acionados pelo MPF foi bem enfrentada pelo juiz de primeiro grau:

"Por outro lado, a circunstância de existirem outras construções na mesma área não legitima a conduta do réu; ao revés, corrobora a extensão e a potencialidade do dano que pode se formar caso legitimadas condutas similares. Nesse aspecto, cabe frisar a existência de outras demandas, tanto cíveis como criminais, no âmbito deste Juízo federal impugnando construções imobiliárias na região de APP do Porto Caiuá."

Não bastasse, a própria inspeção judicial enumerou 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário (fl. 268) na região, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não se cogita, portanto, de qualquer discriminação ou perseguição ao réu, que teve ampla oportunidade de defesa na via administrativa, neste feito e por meio da ação cautelar que ajuizou anteriormente.

Com relação à invocação do artigo 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, de modo a possibilitar sua continuidade:


AMBIENTAL. ADMINISTRATIVO. PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONSTRUÇÕES EM MARGEM DE RIO. CASA DE VERANEIO. REPARAÇÃO DE DANOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA RESTABELECER SENTENÇA. NÃO INCIDÊNCIA DE EXCEÇÃO PREVISTA NO CÓDIGO FLORESTAL.
I - A existência de jurisprudência dominante desta Corte Superior sobre a matéria autoriza o improvimento do recurso especial por meio de decisão monocrática, estando o princípio da colegialidade "[...] preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao
controle recursal dos órgãos colegiados. Precedentes." (AgInt no REsp 1.336.037/RS, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 1º/12/2016, DJe 6/2/2017), nos termos do enunciado n. 568 da Súmula do STJ e do art. 255, § 4º, do RISTJ, c/c o art. 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015.
II - Trata-se de ação civil pública promovida pelo ora recorrente com o objetivo de condenar o recorrido (a) a desocupar, demolir e remover as edificações erguidas em área de preservação permanente localizada a menos de cem metros do Rio Ivinhema, (b) a abster-se de promover qualquer intervenção ou atividade na área de preservação permanente, (c) a reflorestar toda a área degradada situada nos limites do lote descrito na petição inicial.
III - A sentença foi pela procedência, subindo o feito ao Tribunal de origem por conta de apelação do particular, que obteve êxito com a reforma imposta no acórdão impugnado, em cuja motivação nota-se que, apesar de concluir que algumas edificações foram promovidas em área de preservação permanente, causando supressão da vegetação local - o que violaria a legislação ambiental -, o Tribunal de origem reconheceu que a situação encontrava-se consolidada, concluindo, assim, por serem descabidos a desocupação, a demolição de edificações e o reflorestamento da área. Reconheceu, ainda, a possibilidade de se aplicar o art. 61-A do Novo Código Florestal, ao caso dos autos.
IV - Assim como ocorreu em precedente relatado pela Ministra Eliana Calmon, também a presente demanda vem ao Superior Tribunal de Justiça. Isso porque o Tribunal de origem, mesmo reconhecendo que as casas de veraneio estavam construídas em área de preservação permanente e que, para tal, promoveram a "supressão da vegetação local", concluiu que não era dado impor ao recorrido o dever de reparar o dano causado, à conta de a situação consolidar-se no tempo e de que o art. 4º, § 3º, da Lei n. 4.771/1965 possibilitava o resguardo da prática de atividades de interesse social desde que não descaracterizassem a cobertura vegetal e não prejudicassem a função ambiental da área.
V - O simples fato de ter havido a consolidação da situação no tempo não torna menos ilegal toda essa quadra.
VI - Teoria do fato consumado em matéria ambiental equivale a perpetuar, a perenizar um suposto direito de poluir que vai de encontro, no entanto, ao postulado do meio ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida, assim como é repelido pela nossa jurisprudência e pela da mais alta Corte do país. Precedentes: RE 609748 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-175 Divulg 12-09-2011 Public 13-09-2011 Ement VOL-02585-02 PP-00222; REsp 948.921/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009.
VII - Há de salientar-se ainda que as exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal, dentre as quais não se insere a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como decidido noutro feito: REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/6/2013, DJe 28/6/2013.
VIII - Correta, portanto, a decisão monocrática ao dar parcial provimento ao recurso especial para reformar o acórdão regional recorrido, restabelecendo os termos da sentença.
IX - Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1495757 / MS; Rel. Min. Francisco Falcão; j. em 06/03/2018)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OCUPAÇÃO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, NAS PROXIMIDADES DO RIO IVINHEMA/MS. SUPRESSÃO DA VEGETAÇÃO. CONCESSÃO DE LICENÇA ADMINISTRATIVA. ILEGALIDADE. INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO FATO CONSUMADO, EM MATÉRIA DE DIREITO AMBIENTAL. DEVER DE REPARAÇÃO DO AGENTE CAUSADOR DO DANO AMBIENTAL. PRECEDENTES DO STJ, EM CASOS IDÊNTICOS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão publicada em 31/08/2017,que, por sua vez, julgara recurso interposto contra decisum publicado na vigência do CPC/73. II. Na origem, trata-se de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de obter a condenação do ora agravante em obrigação de fazer, consistente em desocupar, demolir e remover todas as construções, cercas e demais intervenções realizadas em área de preservação permanente, localizada nas proximidades do Rio Ivinhema/MS, bem como em reflorestar toda a área degradada e pagar indenização pelos danos ambientais. A sentença julgou a ação procedente, em parte, negando a indenização postulada, por entender que "não pode a ação civil pública ter por objeto a condenação em dinheiro e, concomitantemente, a obrigação de fazer e de não fazer", em face do art. 3º da Lei 7.347/85.
III. O Tribunal de origem, apesar de reconhecer a existência de edificações, em área de preservação permanente, com supressão da vegetação, em afronta à legislação ambiental, reformou a sentença, para julgar improcedente a ação, sob o fundamento de que a situação encontra-se consolidada, em razão de prévia licença concedida pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul - IMASUL, sendo, assim, descabida a aplicação das medidas de desocupação, demolição de edificações e reflorestamento da área, determinadas pela sentença, sob pena de ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O Recurso Especial do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul postula o restabelecimento da sentença.
IV. O STJ, em casos idênticos, firmou entendimento no sentido de que, em tema de Direito Ambiental, não se admite a incidência da teoria do fato consumado. Nesse contexto, devidamente constatada a edificação, em área de preservação permanente, a concessão de licenciamento ambiental, por si só, não afasta a responsabilidade pela reparação do dano causado ao meio ambiente, mormente quando reconhecida a ilegalidade do aludido ato administrativo, como na hipótese. Nesse sentido: STJ, REsp 1.394.025/MS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/10/2013; REsp 1.362.456/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 28/06/2013.
V. Na forma da jurisprudência, "'o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)' (AgRg no REsp 1.434.797/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/05/2016, DJe 07/06/2016)" (STJ, AgInt no AgInt no AREsp 850.994/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/12/2016). Ademais, as exceções legais, previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal (Lei 12.651/2012), não se aplicam para a pretensão de manutenção de casas de veraneio, como na hipótese. Nesse sentido: STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.447.071/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 02/02/2017; AgInt nos EDcl no REsp 1.468.747/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 06/03/2017; AgRg nos EDcl no REsp 1.381.341/MS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 25/05/2016.
VI. Estando o acórdão recorrido em dissonância com o entendimento atual e dominante desta Corte, deve ser mantida a decisão ora agravada, que deu provimento ao Recurso Especial do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, para restabelecer a sentença, que julgara parcialmente procedente a presente Ação Civil Pública.
VII. Agravo interno improvido.
(AgInt nos EDcl no AREsp 359140; Rel. Min. Assusete Magalhães; j. em 07/12/2017)

Equivocada a interpretação que o apelante faz do artigo 6º da CF. Os direitos sociais à moradia e ao lazer não são incompatíveis tampouco prevalecem em relação à garantia do inciso XXIII do artigo 5º da Carta Magna de que a propriedade deve atender à sua função social, na qual se inclui resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.

Por fim, conforme já mencionado anteriormente, descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.

Assim, deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia edificada em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento da construção. A obra que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.


VI. CONCLUSÃO


Considerado o todo consignado - elementos probatórios dos autos apontados, legislação norteadora do tema e correlata doutrina - verifica-se comprovada a atuação ilegítima do requerido, consistente na manutenção de rancho de lazer e respectiva estrutura em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente acima apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado, nos moldes já estabelecidos na sentença, que devem ser mantidos.


VII. DA INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS


O único pleito inicial não acolhido pelo juízo de primeiro grau foi a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, contra o que se insurgiu o Parquet no recurso adesivo e é objeto do reexame necessário.


A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o alçar das construções. Trata-se de conduta infracional, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Como bem argumentou o Ministério Público Federal, a jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:


ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR). DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE. BIOMA DO CERRADO. ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI 7.347/1985. PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. REDUCTIO AD PRISTINUM STATUM. FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). POSSIBILIDADE. DANO AMBIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA.
1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.
2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.
3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/1985, a conjunção "ou" opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.
4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável "risco ou custo normal do negócio". Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.
5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibilidade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriável. Por isso, a simples restauração futura - mais ainda se a perder de vista - do recurso ou elemento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.
6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar - juízos retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.
7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).
8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumulação da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.
(STJ; REsp nº 1145083/MG; Rel. Min. Herman Benjamin; 2ª Turma; Dje 04/09/2012)

Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:


"RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS E PATRIMONIAIS - INCÊNDIO INICIADO NA ÁREA DE PROPRIEDADE DO RÉU QUE ATINGIU O IMÓVEL RURAL DO AUTOR - SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - CORTE LOCAL QUE, AO RECONHECER A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO RÉU (ART. 3º, INC. IV E ART. 14, § 1º, DA LEI 6.938/81), CONDENA-O AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS, A SEREM QUANTIFICADOS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE RÉ. DANOS AMBIENTAIS INDIVIDUAIS OU REFLEXOS (POR RICOCHETE) - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 14, § 1º, DA LEI Nº 9.938/81, E, OUTROSSIM, EM VIRTUDE DA VIOLAÇÃO A DIREITOS DE VIZINHANÇA - RECONHECIMENTO DO DEVER DE INDENIZAR IMPUTÁVEL AO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL.
(omissis)
5. Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1381211, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, v.u., DJe 19/09/2014);
"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RENOVATÓRIA DE LOCAÇÃO COMERCIAL AJUIZADA POR SUBLOCATÁRIA DE "POSTO DE GASOLINA". PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DA EMPRESA DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS DA RELAÇÃO LOCATÍCIA. MANUTENÇÃO DOS EQUIPAMENTOS NO IMÓVEL. NOVA AÇÃO, AJUIZADA PELOS PROPRIETÁRIOS CONTRA A ANTIGA LOCATÁRIA, OBJETIVANDO A RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS, A REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL NO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE, O PAGAMENTO DE INDENIZAÇÕES POR DANOS MATERIAIS E MORAIS E A RECONSTRUÇÃO DO PISO. LIMINAR DEFERIDA PARA DETERMINAR A REMOÇÃO DOS EQUIPAMENTOS EM CINCO DIAS E A REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA, COM EFETIVA LIMPEZA DO IMÓVEL, EM TRINTA DIAS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA, CONCLUSIVA NO SENTIDO DE QUE NÃO TERIA SIDO CUMPRIDA A LIMINAR QUANTO À LIMPEZA DO LOCAL. DIREITO À INDENIZAÇÃO RECONHECIDO, MAS APENAS EM RELAÇÃO AOS DANOS MATERIAIS, EM VALOR A SER APURADO EM PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA NO JULGAMENTO DAS APELAÇÕES. RENOVAÇÃO DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, DETERMINADA PELA QUINTA TURMA DO STJ NO RESP Nº 1.041.697/RS. DECLARATÓRIOS PARCIALMENTE ACOLHIDOS PARA SANAR OMISSÃO. NOVA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC QUE NÃO FICOU CONFIGURADA. PROVA PERICIAL PRODUZIDA NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO. DOCUMENTO QUE, CONQUANTO MENCIONADO, NÃO FOI UTILIZADO COMO RAZÃO DE DECIDIR PELO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS. RESPONSABILIDADE PELA RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. MATÉRIA CUJA ANÁLISE DEMANDA O REEXAME DE FATOS E DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. ÓBICE DAS SÚMULAS NOS 5 E 7 DO STJ. ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMA CONTIDA EM RESOLUÇÃO. INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. PEDIDO DE QUE O VALOR SEJA DEFINIDO EM LIQUIDAÇÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE NÃO TERIA FICADO COMPROVADO O PREJUÍZO MENCIONADO PELOS AUTORES. REAPRECIAÇÃO DE MATÉRIA DE FATO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. IMPEDIMENTO À EXPLORAÇÃO DO IMÓVEL QUE SOMENTE FICOU CONFIGURADO A PARTIR DA DEVOLUÇÃO DAS CHAVES AOS PROPRIETÁRIOS. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DA INDENIZAÇÃO. PROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE LIMPEZA DO LOCAL NO PRAZO DEFINIDO NA LIMINAR. PRAZO SUJEITO ÀS DETERMINAÇÕES DO ÓRGÃO MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE. PONTO QUE NÃO FOI OBJETO DE DEBATE E DECISÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM DEVIDO À PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O CUMPRIMENTO DA LIMINAR NO CONCERNENTE À RETIRADA DOS EQUIPAMENTOS. ENTENDIMENTO DA SENTENÇA REFORMADO PELO TRIBUNAL NO NOVO JULGAMENTO DOS EMBARGOS. RESSARCIMENTO DOS VALORES DESPENDIDOS PELOS AUTORES NA RETIRADA DOS TANQUES REMANESCENTES. REFORMATIO IN PEJUS CONFIGURADA. MULTA DIÁRIA. PEDIDO DE REDUÇÃO DO VALOR, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE SERIA EXCESSIVO. MATÉRIA CUJA DISCUSSÃO DEVERÁ AGUARDAR A DEFINIÇÃO, NO PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO, A RESPEITO DO MOMENTO EM QUE FOI CUMPRIDA A ORDEM DE LIMPEZA DO TERRENO.
(omissis)
12. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido." (destaques aditados)
(STJ, REsp 1372596, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, v.u., DJe 02/05/2013).

É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).


VIII - DO DISPOSITIVO


Ante o exposto, nego provimento ao apelo e dou provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento.


É o voto.


André Nabarrete
Desembargador Federal


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