D.E. Publicado em 12/09/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e, por maioria, negar provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Nº de Série do Certificado: | 11A21704064512F1 |
Data e Hora: | 05/09/2019 16:16:24 |
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Quanto ao mérito, acompanho os fundamentos adotados pelo E. Relator.
Com relação à indenização, considerando as várias obrigações a que foi o réu condenado, cujas despesas correrão sob sua responsabilidade, deixo de fixá-la.
Assim, a r. sentença deve mantida.
Diante do exposto, nego provimento à REMESSA OFICIAL, à APELAÇÃO e ao RECURSO ADESIVO.
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RELATÓRIO
Apelação interposta por JOSÉ MARTINS CUNHA e recurso adesivo do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença que julgou procedente em parte ação civil pública, verbis:
Sustenta que:
a) devem ser levadas em conta a razoabilidade, a proporcionalidade, a isonomia, o ato jurídico perfeito e a irretroatividade, dado que a ocupação e antropização da região em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 4º, Decreto nº 23.793/34) não delimitava a área de proteção, de modo que não se aplica o entendimento jurisprudencial em que se fundou o magistrado;
b) a construção original de madeira é das décadas de 40/50 e foi posteriormente substituída por alvenaria;
c) a inspeção judicial constatou que até o presente há casas de madeira no bairro;
d) os imóveis próximos não sofreram ação ministerial, o que demonstra falta de proporcionalidade e isonomia;
e) ainda que se considere que a construção tem cerca de quinze anos, é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei nº 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;
f) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6º da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;
g) a demolição é medida desproporcional e fere a dignidade da pessoa humana como destinatária de momentos aprazíveis de pesca, consoante a jurisprudência.
Pede, a final, a improcedência.
Nas contrarrazões de fls. 464/488, a União Federal defende que:
a) a antiguidade da intervenção não confere direito adquirido ao infrator, tampouco o argumento de que não foi o responsável direto pelo dano, pois sua perpetuação também é ilícita;
b) a função social da propriedade inclui a preservação do meio ambiente;
c) a obrigação de proteger e reparar as APP é propter rem:
d) eventual loteamento, ainda que aprovado pela municipalidade, deve respeito às leis federais e estaduais;
e) a necessidade de restauração do meio ambiente encontra fundamento na Constituição Federal (artigo 225) e nas Leis nºs 7.735/89, 7.347/85, 9.605/98 e no artigo 186 do Código Civil. A demolição é consequência lógica dessa obrigação.
Nas contrarrazões de fls. 491/496, o Ministério Público Federal argumenta que:
a) a prova dos autos é no sentido de que a construção é recente, na vigência do Código Florestal, não de mera reforma;
b) ainda que o argumento fosse verdadeiro, não há direito adquirido a poluir e degradar o meio ambiente, pois a obrigação é propter rem, de forma que é irrelevante perquirir sobre a autoria do dano;
c) não há violação à isonomia, eis que a própria inspeção judicial menciona a existência de 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não houve "perseguição" alguma ao autor, ao contrário do que quer fazer crer, mas respeito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa para, por fim, chegar à conclusão que, no seu caso, cabem a demolição e a recuperação da área, situação que é diversa dos ribeirinhos que lá habitam;
d) o artigo 61-A da Lei nº 12.727/2012 não se aplica aos imóveis de veraneio e lazer.
Adesivamente, apela o Parquet (fls. 499/504) para requerer a condenação do apelante ao pagamento de indenização pelo dano causado ao meio ambiente, consoante a jurisprudência que admite que seja cumulada com a reparação, que, conquanto prioritária, não é suficiente. Aduz que seus objetos são distintos. A primeira objetiva reparar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a reposição direta e imediata. Ressalta que a fossa asséptica do réu contamina o solo e o entorno do rio, além de fazer uso de recursos hídricos que não lhe pertencem por meio da instalação de poço semi-artesiano e utilizar egoisticamente de um bem que é de interesse de todos. Deve, pois, ser fixada prestação pecuniária não inferior a quinze mil reais.
Contrarrazões do réu ao recurso adesivo às fls. 507/509, nas quais reitera e ratifica a argumentação da sua apelação, destaca jurisprudência que afastou a necessidade de demolição e que não há que se falar em pagamento de indenização por ofender os princípios da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.
Nesta corte, o Ministério Público Federal apresentou parecer como custos legis (fls. 511/516), no qual aduziu que:
a) a manutenção do meio ambiente equilibrado é direito difuso (artigo 225 da CF) que gera deveres ao poder público e à coletividade;
b) o causador de dano ambiental responde objetivamente (Lei nº 6938), de modo que basta demonstrar sua ocorrência e o nexo causal;
c) o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com sua função socioambiental (art. 1228, § 1º, CC), o que afasta a invocação de direito adquirido;
d) inviável o retrocesso em matéria ambiental, conforme a doutrina e a jurisprudência;
e) o STJ reconhece a aplicabilidade da Lei nº 4.771/65 aos fatos ocorridos antes da entrada em vigor do atual Código Florestal;
f) está demonstrado pela perícia e é incontroverso que o imóvel em questão foi erigido em área de preservação permanente de 500 metros, limite que não foi alterado pelo novo Código Florestal;
g) o simples uso e manutenção da edificação caracteriza dano ambiental;
h) o imóvel é utilizado para lazer, o que afasta a aplicação do artigo 61-A da Lei nº 12.651/12;
i) é cabível a indenização para a integral reparação do dano, sem o qual não será possível compensar o prejuízo à coletividade e ao ecossistema durante o tempo em que a área se manteve degradada e do necessário para que se recomponha, a qual deve ser fixada em montante suficiente para estimular o poluidor a cessar a degradação, raciocínio válido também para multa diária.
Em conclusão, opinou fosse o apelo desprovido e provido recurso adesivo.
É o relatório.
VOTO
I - DO REEXAME NECESSÁRIO
O decisum deve ser submetido ao reexame necessário, à semelhança do que se verifica no manejo da ação popular, aplicada por analogia a Lei nº 4.717/65, em razão da interpretação sistemática e teleológica do microssistema de tutela dos interesses coletivos e difusos, nos termos de seu artigo 19, verbis:
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
In casu, verifica-se não ter sido contemplada a integralidade dos pedidos formulados em sede do exórdio, porquanto requereu o Parquet Federal fosse fixada indenização em favor do Fundo Nacional do Meio Ambiente (item f.4 - fl. 11), o qual não foi contemplado. Assim, far-se-á o reexame necessário da sentença, sob esse aspecto.
II - DOS FATOS E DO PROCESSAMENTO
Narrou o Ministério Público Federal que, em fiscalização realizada em 27/05/2005 (fl. 26) pelo IBAMA, foi lavrado auto de infração (fl. 26) por ter sido constatada a violação à legislação ambiental por parte do réu, JOSÉ MARTINS CUNHA, consistente na construção sem licença de um clube de pesca em área de preservação permanente na margem direita do Rio Paraná, que é de 500 metros em cursos d'água com mais de seiscentos metros. A edificação foi interditada, conforme termo de embargo (nº 342259 - fl. 27) e deu origem naquela autarquia a processo administrativo (nº 02040.000095/05-90 - fl. 37). O Parquet requisitou (fls. 138/139) a instauração de inquérito policial, que foi autuado sob o nº 120/2007 (fl. 146) e no qual foi realizado laudo de exame de meio ambiente (fls. 163/169) em que consta, verbis:
O Ministério Público Federal, em conjunto com o Parquet estadual, encaminhou ofício ao réu (fls. 95/97) para dar-lhe oportunidade de apresentar um plano de recuperação de área degradada - PRADE, porém não houve manifestação. Outrossim, relatou que o ora apelante ajuizou ação cautelar (nº 2006.60.06.000684-6) para obter a suspensão do auto de infração e termo de embargo, porém a liminar foi negada (fls. 108/112) e a sentença de improcedência foi confirmada por esta corte, com trânsito em julgado. Aduziu que a Prefeitura Municipal de Naviraí foi consultada (fl. 105) e informou (fl. 115) que não foi emitido alvará de construção, não tem habite-se e não está cadastrada em nome do réu. Por fim, destacou que, à vista do descumprimento do embargo do imóvel e de que a cautelar não obteve êxito, foi requisitada ao IBAMA a lacração de diversas propriedades, entre as quais a dos autos, o que foi realizado no período de 06 a 08 de agosto de 2008, com o apoio da Polícia Federal (fl. 181).
Consideradas tais circunstâncias, pugnou o MPF, em sua exordial, fossem condenados os réus à recuperação da APP (florestamento), mediante a retirada das construções e impermeabilizações, plantio e manutenção, sob supervisão do órgão ambiental, que deverá aprovar a forma de recuperação - PRADE, coibida toda atividade lesiva, bem como ao pagamento de indenização não inferior a quinze mil reais, correspondente aos danos ambientais, além de multa diária para o caso de descumprimento, custas e honorários. Foi também requerida a intimação da União e do IBAMA para manifestarem eventual interesse em integrar a lide.
A liminar foi postergada para após a citação e acabou por não ser apreciada.
O réu foi citado e contestou (fls. 192/218).
Intimados, a União e o IBAMA requereram o ingresso no polo ativo (fls. 220/221 e 235, respectivamente), o que foi deferido (fl. 236).
O Parquet impugnou a contestação às fls. 238/243, bem como o IBAMA às fls. 252/259.
O réu requereu a utilização de prova pericial emprestada do Processo nº 2009.60.000824-8, o que foi deferido à fl. 263. O autor, entretanto, sustentou o não cabimento, dado que não participou do referido feito. Assim, o magistrado reconsiderou a decisão anterior e deferiu a produção de prova pericial (fls. 293/294), ocasião em que também determinou ao MPF a antecipação dos honorários do expert, contra a qual foi interposto agravo de instrumento e posteriormente retratada (fl. 310).
O magistrado realizou inspeção judicial, cujo relatório consta às fls. 267/271 e, relativamente ao réu, constatou o seguinte:
O Parquet juntou cópia (em CD) do depoimento de Manoel Ferreira da Silva prestado na ação penal nº 0000824-17.2007.403.6006 e pediu que fosse ouvido, o que foi deferido à fl. 274. A audiência foi realizada em 17/02/2012 (fl. 283).
Em seguida à apresentação dos quesitos das partes, foi juntado laudo pericial às fls. 355/363, o qual foi complementado às fls. 384/392 a pedido do Parquet. Sobre o parecer houve manifestações do IBAMA (fls. 367/369), da União (fls. 371/374), do réu (fls. 376/380 e 406/411) e do MPF (fls. 402/403).
Por meio da sentença (fls. 475/489) a ação foi julgada parcialmente procedente, nos termos reproduzidos no relatório, que apenas deixou de acolher o pedido de indenização por dano ambiental.
Foram interpostos apelo do réu e recurso adesivo do MPF, ora trazidos a julgamento.
III - DA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
A proteção ao meio ambiente (artigo 1º, I, da LACP) tem status constitucional, a teor do disposto no artigo 225 da Lei Maior. Os agentes infratores, pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos a sanções civis, penais e administrativas, cuja incidência pode ser cumulativa, ante sua autonomia:
A preservação ambiental, assim como do patrimônio público de modo geral, é competência comum dos entes federativos (artigo 23, I, VI e VII, CF/88). Anote-se que cabe aos Estados, Distrito Federal e Municípios seguir as diretrizes editadas pela União, de modo que não podem reduzir a tutela estabelecida em âmbito de legislação federal, mas somente a incrementar, em observância aos princípios da simetria e da proteção máxima aos direitos de titularidade da coletividade. Veja-se, a propósito, no mesmo sentido, recente precedente do STJ:
A Lei Maior recepcionou a proteção anteriormente existente na esfera da legislação ordinária. Vale destacar as Leis nº 4.771/1965 e nº 6.938/1981 com suas posteriores alterações (e regulamentação pelo Decreto nº 99.274/1990), ressaltada a recente revogação do Código de 1965 com o advento da Lei nº 12.651/2012. Tais diplomas também preceituam a obrigação de toda a sociedade e do poder público quanto à defesa do meio ambiente, além da promoção das correlatas ações necessárias à sua preservação (artigos 1º e 2º, Lei nº 6.938/1981).
A novel legislação ambiental também é aplicável a situações de transição por incrementar a defesa do meio ambiente (e.g. artigo 61-A da Lei nº 12.651/2012). Frise-se ser princípio norteador do microssistema dos direitos coletivos a aplicação da norma mais protetiva para sua efetiva tutela, em razão de seu alcance e importância.
De se anotar, também, a regência do tema pelo primado do devido uso da propriedade (artigos 5º, XXII, XXIII, 170, II e III, 182 e 186 da CF/88), a intitulada função socioambiental, a qual permeia a dimensão da tutela ambiental, nos termos do artigo 1.228, § 1º, do Código Civil:
A defesa do meio ambiente abarca a apuração da responsabilidade objetiva dos agentes causadores de dano a tal patrimônio, consoante determinação expressa do artigo 4º, inciso VII, c.c. artigo 14, § 1º, ambos da citada Lei nº 6.938/1981, além do artigo 2º do atual Código Florestal, verbis:
De tais dispositivos decorre a obrigatoriedade do uso consciente da propriedade, consoante sua função social em amplo aspecto, sob pena de se impor ao agente causador do dano ambiental o dever de reparar ou indenizar pelos prejuízos sucedidos independentemente de culpa. São suficientes, assim, a comprovação de ação ou omissão, a ocorrência do dano e o nexo causal entre ambos. Despiciendo, inclusive, perquirir a respeito da licitude da atividade desenvolvida, porquanto incide na espécie a teoria do risco integral, a fim de coibir a atividade nociva e impor a reparação tanto in natura quanto em pecúnia.
O direito ambiental brasileiro igualmente não socorre o agente que ocupa determinada área depois de sua degradação, para de tal fato pretender beneficiar-se, pois as obrigações ambientais são propter rem. O atual Código Florestal, a citada Lei nº 12.651/2012, foi ainda mais longe em seu escopo protecionista, ao preceituar, em seu artigo 2º, § 2º, que "as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural". Configuram, assim, "limitações administrativas reais" por estatuir as hipóteses legais de uso permitido em numerus clausus e, portanto, não passíveis de ampliação pela via administrativa ou judicial.
A responsabilização pela ocorrência do dano ambiental e correlata aplicação de penalidade também se dá nos termos da Lei nº 9.605/1998, na forma dos artigos a seguir transcritos:
Impende registrar, também, para o escopo de solucionar a presente lide, as disposições específicas sobre as áreas de preservação permanente. A definição de tais áreas decorre ex lege, ou seja, sua regulamentação, delimitação ou especificação deriva diretamente do ordenamento jurídico, diplomas legais e também infralegais. No tocante aos diplomas regulamentares, registre-se ter o CONAMA competência para "estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos", nos termos do artigo 8º, VII, da Lei nº 6.938/1981.
Para o caso em análise, vale também mencionar a Resolução CONAMA nº 303/2002, a qual reitera o conteúdo da legislação ordinária e, por delegação legal, fixa limites para as áreas protegidas. Lembre-se que tal definição, em âmbito da legislação federal, não impede que venham os parâmetros ali estabelecidos a ser ampliados na esfera regional e local, com prevalência da norma mais protetiva. Segue a transcrição da legislação vigente à época e nos dias atuais:
O Código Florestal de 1934 (Decreto nº 23.793/1934) já preceituava ser o meio ambiente de interesse comum a todos e configurar situação limitadora do uso da propriedade. A seu turno, a Lei nº 4.771/1965, em regra mantida pelo atual Código de 2012, disciplina não serem possíveis intervenções em áreas de preservação permanente, tampouco a manutenção de edificações. Referidos diplomas, por outro lado, trazem taxativas exceções quanto ao uso tolerado de tal espaço, atreladas essencialmente às hipóteses de utilidade pública e interesse social, os quais foram anteriormente reproduzidos no item III.
No mesmo sentido dos dispositivos referidos há ainda a Lei nº 9.433/97 (institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1º da Lei nº 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei nº 7.990, de 28 de dezembro de 1989) e a Resolução CONAMA nº 369/2006 (Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP).
As normas mencionadas, que à evidência se aplicam tanto às áreas rurais como urbanas, contemplam como regra a vedação a qualquer tipo de intervenção em áreas de preservação permanente, como visto. Permitem, excepcionalmente, algumas ações e manutenção de construções eventualmente já erigidas em determinadas situações, seja à luz da legislação vigente à época dos fatos, seja nos termos dos permissivos dos atuais regramentos. No entanto, por serem excepcionais configuram rol taxativo e devem ser interpretadas de modo restritivo.
De igual modo, não se fala em prevalência de eventual direito adquirido ou ato jurídico perfeito quando se afere afronta ao próprio ordenamento à época existente. Prepondera o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em interpretação harmoniosa dos primados constitucionais, inclusive porque a "anterioridade" que deve ser considerada é a da boa qualidade ambiental, o que não implica equívoco interpretativo que gere insegurança jurídica ou injustiça. Como já se disse: "Até porque se se pudesse falar em 'anterioridade', ela deveria beneficiar a boa qualidade do meio ambiente, que sem dúvida precedeu toda a instalação fonte de danos e agressões ambientais, sendo de todo inadmissível pretender que a existência e a repetição de emissões poluentes em certo local, mesmo ao longo de seguidos anos, determine a sorte de toda uma região e comprometa indefinidamente, para o futuro, o destino do meio ambiente e da qualidade de vida da população." (MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação Civil Pública e Reparação do Dano ao Meio Ambiente. São Paulo. Ed. Juarez de Oliveira, 2004, p. 116).
IV - DA RESPONSABILIZAÇÃO DO RÉU PELA OCORRÊNCIA DO DANO AMBIENTAL
Dessume-se a obrigação de reparar pela ocorrência de dano ambiental quando há atuação em desconformidade aos regramentos de proteção ao meio ambiente e nexo de causalidade entre tal comportamento e o prejuízo causado.
O desmatamento, ocupação ou exploração de área de preservação permanente, bem como a supressão de vegetação ou impedimento à sua regeneração em tais terrenos, configuram dano ecológico in re ipsa, o qual dispensa até mesmo prova técnica de lesividade específica e enseja a obrigação propter rem de restaurar a plenitude ambiental, indenizar pela degradação e igualmente terceiros afetados, sob a sistemática da responsabilidade civil objetiva. Significa, assim, que responde pelo dano não somente aquele que perpetra a ação lesiva como, de igual forma, quem contribui para sua manutenção.
Não há qualquer conflito entre a questão da preservação ambiental e o direito de propriedade, porquanto este não pode ser desvinculado de sua função socioambiental, a qual abrange os fundamentos e preceitos norteadores já declinados, inclusive a impossibilidade da pretensão ao direito adquirido à degradação ambiental. É indissociável da função socioambiental da propriedade a noção do seu uso de modo a resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.
Tampouco se pode falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.
A título de nota, eventual autorização administrativa para a ocupação de terreno consolidado como área de preservação permanente fora dos casos expressa e excepcionalmente autorizados pelo ordenamento pátrio configuraria ato administrativo nulo, porque editado em afronta à literal disposição dos regramentos atinentes à tutela do meio ambiente ora apontados ou, no mínimo, perderia sua eficácia, dada a impossibilidade de se sustentar o "direito adquirido à degradação ambiental". O Superior Tribunal de Justiça adota posição incisiva nesse sentido, consoante se depreende do julgado a seguir transcrito:
In casu, o local sub judice, como visto, na margem direita do Rio Paraná, configura área de preservação permanente, nos termos do artigo 2º, alínea "a", item 5, da Lei nº 4.771/1965, na redação da Lei nº 7.803/89, vigente ao tempo da lavratura do auto de infração (atual artigo 4º, I, "e", da Lei nº 12.651/2012) e artigo 3º, I, "e", da Resolução CONAMA nº 303/2002, a saber, a margem ciliar de 500 metros, considerado que o curso d'água tem, segundo o laudo pericial, mais de 600 metros de largura no trecho do imóvel (fl. 388, quesitos 17 e 18).
Consoante ainda o parece do expert do juízo, o terreno do rancho está inteiramente inserido em área de preservação permanente. Vedada, portanto, qualquer intervenção em toda ela, na qual, todavia, verificou-se a existência de edificação de cerca de 70m2, além de rampa de acesso para barcos, bem como a supressão e o impedimento de regeneração de 250m2 da vegetação e utilização de fossa negra para coleta do esgoto.
A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o erigir das construções. Trata-se de conduta infracional que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação.
V- DA DEFESA DO APELANTE
Cabe examinar os argumentos de defesa do réu, que são, em suma, os seguintes:
a) devem ser levadas em conta a razoabilidade, a proporcionalidade, a isonomia, o ato jurídico perfeito e a irretroatividade, dado que a ocupação e antropização da região em litígio ocorreu antes dos rigores da lei ambiental (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) e o Código Florestal de 1934 (art. 4º, Decreto nº 23.793/34) não delimitava a área de proteção, de modo que não se aplica o entendimento jurisprudencial em que se fundou o magistrado;
b) há que se observar isonomia, pois imóveis próximos não sofreram ação ministerial;
c) é aplicável o artigo 61-A, caput e § 12, da Lei nº 12.651/2012, que autoriza a continuidade de atividades agropastoris, de ecoturismo e turismo rural;
d) o direito à moradia e ao lazer previsto no artigo 6º da CF deve ser sopesado em contraste com o bem jurídico ambiental em questão;
e) a demolição é medida desproporcional, consoante a jurisprudência.
Primeiramente, é preciso que fique claro que alegação de que houve mera reforma da casa de madeira originalmente existente não encontra amparo na prova dos autos. Ao contrário, o perito, ao responder o quesito do próprio recorrente nesse sentido, foi categórico (fl. 359):
O apelante apenas remete genericamente às origens da ocupação da área para afirmar que a edificação é anterior ao Código Florestal de 1965, sem qualquer evidência concreta relativamente ao seu imóvel, o que obviamente não é suficiente para elidir o exame técnico. O fato de que na região existem edificações de madeira na região tampouco legitima o argumento. Não há que se falar, portanto, em retroação da legislação mais rigorosa (Lei nº 4.771/65 e modificações posteriores) ou ato jurídico perfeito.
A afirmação de violação à isonomia em virtude de, supostamente, vizinhos não terem sido acionados pelo MPF foi bem enfrentada pelo juiz de primeiro grau:
Não bastasse, a própria inspeção judicial enumerou 24 ações civis públicas e 16 de rito ordinário (fl. 268) na região, além de ações penais e embargos à execução fiscal. Não se cogita, portanto, de qualquer discriminação ou perseguição ao réu, que teve ampla oportunidade de defesa na via administrativa, neste feito e por meio da ação cautelar que ajuizou anteriormente.
Com relação à invocação do artigo 61-A do Código Florestal vigente, o STJ já pacificou que as casas de lazer/veraneio não se enquadram como atividade de turismo ou ecoturismo, de modo a possibilitar sua continuidade:
Equivocada a interpretação que o apelante faz do artigo 6º da CF. Os direitos sociais à moradia e ao lazer não são incompatíveis tampouco prevalecem em relação à garantia do inciso XXIII do artigo 5º da Carta Magna de que a propriedade deve atender à sua função social, na qual se inclui resguardar o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações. Assim, no caso de restar configurado tratar-se de local de preservação permanente, torna-se absolutamente impossível sua ocupação, pois é área da mais alta relevância ecológica, de prioritária proteção.
Por fim, conforme já mencionado anteriormente, descabido falar em situação consolidada de ocupação de área de preservação permanente para evitar a ordem de desocupação e demolição das edificações nela erigidas, em nome da "razoabilidade e proporcionalidade", quando ausente licença ambiental para a supressão de vegetação nativa e ocupação do terreno, nos termos da lei, a revelar situação ab initio irregular. Não são admissíveis pequenas exceções que solapam a mens legis, ao argumento de serem imperceptíveis ou atenderem a interesses locais, pois seu conjunto agride o meio ambiente e causa evidente dano a toda a coletividade.
Assim, deflui do conjunto probatório com total segurança, por um lado, que o terreno está inteiramente dentro da área de preservação ambiental, considerada a restrição de 500 metros, segundo a Lei nº 4.771/1965, e que, por outro, não se constata, na espécie, qualquer situação passível de exclusão da regra geral, ausente em especial a chamada "exceção da utilidade pública ou interesse social" para se pretender a manutenção da moradia edificada em área de preservação permanente, ainda mais quando não demonstrada a "inexistência de alternativa técnica e locacional" no momento de planejamento da construção. A obra que se mostra desde sua concepção em desacordo à correlata normatização não pode ser beneficiada pela complacência do poder público mediante autorização de sua manutenção, justamente por violar ab initio o interesse público.
VI. CONCLUSÃO
Considerado o todo consignado - elementos probatórios dos autos apontados, legislação norteadora do tema e correlata doutrina - verifica-se comprovada a atuação ilegítima do requerido, consistente na manutenção de rancho de lazer e respectiva estrutura em violação aos normativos de proteção ao meio ambiente acima apontados, bem como estabelecido o nexo de causalidade entre sua conduta e o resultado lesivo, de maneira que é imperiosa a correspondente responsabilização pelo dano ambiental causado, nos moldes já estabelecidos na sentença, que devem ser mantidos.
VII. DA INDENIZAÇÃO POR DANOS AMBIENTAIS
O único pleito inicial não acolhido pelo juízo de primeiro grau foi a condenação do réu ao pagamento de indenização pelos danos ambientais, contra o que se insurgiu o Parquet no recurso adesivo e é objeto do reexame necessário.
A infração ora analisada, ocupação não autorizada em área de preservação permanente, não se esgotou com o alçar das construções. Trata-se de conduta infracional, que se protrai no tempo, porquanto contínua a utilização do espaço em desacordo com as normas de proteção ambiental, a agravar cada vez mais os danos ambientais no local, na medida em que impede a natural regeneração da vegetação. Como bem argumentou o Ministério Público Federal, a jurisprudência admite que seja cumulada com a reparação, a qual, conquanto seja prioritária, não é suficiente para a reparação do malefício provocado. Ademais, seus objetos são distintos. A primeira objetiva compensar danos indiretos, passados, futuros, morais coletivos e tem efeito pedagógico, ao passo que a segunda busca a restauração direta e imediata. Nesse sentido, destaco o entendimento do STJ:
Em relação à quantificação do dano ambiental, é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido da possibilidade de fixação do valor indenizatório por ocasião da liquidação por arbitramento (artigo 509 do CPC; artigos 475-C e 475-D do CPC/1973). Nesse sentido, colacionam-se os julgados a seguir do C. Superior Tribunal de Justiça:
É essa a interpretação a ser dada ao pleito formulado, pois o autor não restringiu a realização da perícia à fase de conhecimento, até mesmo porque plenamente cabível sua realização na fase de liquidação, como visto, nomeado expert pelo próprio Juízo onde será cumprido o decisum condenatório. O pedido deve ser interpretado de forma a alcançar a maior proteção jurídica possível e a máxima efetividade do provimento exarado. Consoante o entendimento assente do C. STJ: "O pedido deve ser extraído da interpretação lógico-sistemática da petição inicial, a partir da análise de todo o seu conteúdo (AgRg no Ag 784.710/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 06.10.2010. No mesmo sentido: REsp 1.159.409/AC, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 21.05.2010; e AgRg no Ag 1.175.802/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 15.03.2010). Conforme se ressaltou no julgamento do REsp 1.107.219/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 23.09.2010, 'os pedidos devem ser interpretados como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide'. Vale menção, ainda, a ressalva feita no julgamento do AgRg no REsp 737.069/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24.11.2009, de que 'não viola os arts. 128 e 460 do CPC a decisão que interpreta de forma ampla o pedido formulado pelas partes, pois o pedido é o que se pretende com a instauração da demanda'. Os precedentes acima denotam a posição consolidada do STJ quanto à necessidade de se conferir ao pedido uma exegese sistêmica, que guarde consonância com o inteiro teor da petição inicial, de maneira a conceder à parte o que foi efetivamente requerido, sem que isso implique decisão extra ou ultra petita" (STJ, REsp 1162643, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, v.u., DJe 17/08/2012).
VIII - DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, nego provimento ao apelo e dou provimento ao recurso adesivo do MPF e à remessa oficial, a fim de condenar o réu ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado, a ser quantificada em liquidação por arbitramento.
É o voto.
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