D.E. Publicado em 15/08/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):
Trata-se de apelação interposta por Karen Daniela Prieto Cubillos, representada pela Defensoria Pública da União, nos autos de ação de rito ordinário, em que objetiva a anulação do Auto de Infração nº 2401/2012 do Departamento de Polícia Federal, que aplicou multa no valor de R$ 827,75 (oitocentos e vinte e sete reais e setenta e cinco centavos), com fundamento nos artigos 96 e 125, da Lei nº 6.815/1980, em razão de não apresentar documento comprobatório de estada legal no país (f. 20).
A antecipação dos efeitos da tutela foi indeferida (f. 30-31).
O Juízo a quo julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), ficando suspensa a exigibilidade em razão da justiça gratuita (f. 50-51v.).
Apela a parte autora, sustentando que:
a) possui nacionalidade colombiana, sendo genitora de filho brasileiro, tendo direito subjetivo à concessão do visto de permanência, independentemente do pagamento de multas e outras sanções administrativas mais gravosas, eis que sua situação está acobertada pelo Decreto nº 6.975/09, que lhe é aplicável;
b) a permanência da multa poderia violar o direito de convivência familiar da criança e o direito de proteção à família, já que a apelante estaria impedida de retornar ao Brasil;
c) a apelante recolheu todos os documentos a fim de regularizar a sua situação, tanto que o seu pedido de permanência, fundamentado no artigo 75, inciso II, 'b', da Lei nº 6.815/80, foi deferido;
d) porém, em comportamento contraditório, o Departamento de Polícia Federal, com fulcro no art. 125 da Lei nº 6.815/80, aplicou multa à apelante, em razão da violação do artigo 96 do mesmo diploma legal, sendo patente a incongruência da atuação da União - concomitantemente atesta a regularidade da situação da apelante e aplica-lhe multa por considerar sua situação anterior irregular;
e) a apelante faz jus ao tratamento dispensado no Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul - Mercosul, Bolívia e Chile, assinado por ocasião da XXIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, internalizado pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.975/09, que dispõe sobre a regularização da residência de nacionais de Estado membro em outro Estado membro, mediante a comprovação da sua nacionalidade e apresentação de determinados requisitos;
f) nos termos do art. 3º, item 2, as previsões do aludido decreto se aplicam aos nacionais de uma Parte que se encontrem no território de outra Parte, caso da apelante, desde que apresentem perante os serviços de migração sua solicitação de regularização e a documentação necessária, o que também foi providenciado pela apelante;
g) o próprio Decreto nº 6.975/09 dispõe que esse procedimento será aplicado independentemente da condição migratória em que houver ingressado o peticionante no território de recepção, e, além disso, em seu art. 3º, prevê que a adoção do aludido procedimento implicará em isenção de multas e outras sanções mais gravosas;
h) a situação da apelante se subsome perfeitamente às disposições contidas no Decreto nº 6.975/09, pelo que este lhe é aplicável, sendo que a multa a ela cominada é indiscutivelmente indevida, por força da isenção prevista no artigo 3º;
i) irrelevante o fato que a apelante tenha fundamentado o pedido de sua regularização com base no art. 75, inciso II, 'b', da Lei nº 6.815/80, e não no referido Decreto nº 6.975/09, sendo descabido afastar a incidência deste - em primeiro lugar porque tendo sido o decreto devidamente aprovado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Presidente da República, suas disposições são de observância obrigatória e de conhecimento público, sendo indiferente que o peticionário não as tenha mencionado expressamente na ocasião do requerimento;
j) tal interpretação implicaria em ofensa ao direito de convivência familiar da criança e violação à proteção da família, além da vedação expressa, contida no art. 75, do Estatuto do Estrangeiro, da expulsão de alienígena que possui cônjuge ou filho brasileiro, nos termos da Súmula n º 1, do STF, e do art. 9º, item 2, do Decreto nº 6.975/09;
k) no caso, a apelante será impossibilitada de retornar ao território nacional caso não pague a multa imposta, conforme prevê o art. 26, §1º, da Lei nº 6.815/80.
Com as contrarrazões, subiram os autos à Superior Instância.
É o relatório.
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VOTO
O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator):
A questão posta nos autos diz respeito à possibilidade, ou não, da anulação do Auto de Infração e Notificação nº 2401/2012, lavrado contra Karen Daniela Prieto Cubillos, nacional da República da Colômbia, para imposição de multa no valor de R$ 827,75, com fundamento nos artigos 96 e 125, IV, da Lei 6.815/1980, por não apresentar documento comprobatório de estada legal no País (f. 20).
A autora narra que ingressou em território brasileiro em 26.05.2010, com dados de seu pedido de Refúgio feito pelo CONARE (f. 13), tendo dado à luz a filho brasileiro, nascido em 27.11.2011, em São Paulo/SP (f. 12), em uma casa-abrigo da Fundação Francisca Franco, que atende mulheres em situação de violência doméstica (f. 11).
Em 05.04.2012, compareceu à Superintendência da Polícia Federal para requerer a permanência definitiva em território nacional com base em prole brasileira, momento em que teve lavrado contra si o referido auto de infração, por infringência ao artigo 125, IV, da Lei nº 6.815/1980: "não apresentar documento comprobatório de estada regular no País". Mesmo com aplicação da multa, foi deferido o pedido de permanência definitiva foi deferido e publicado no Diário Oficial da União.
No caso em tela, a apelante foi multada com fundamento nos artigos 96 e 125, IV, da Lei nº 6.815/1980, Estatuto do Estrangeiro, que foi revogado pela Lei nº 13.445, de 24.05.2017, que instituiu a Lei de Migração, por não apresentar documento comprobatório de estada legal no País (f. 20).
Ao decidir pela aplicabilidade da multa imposta, o Juízo a quo aduziu que, verbis (50v.-51v.):
Na espécie, apesar de a União ter confirmado expressamente que a República da Colômbia teria aderido ao Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul - Mercosul, Bolívia e Chile, promulgado por meio do Decreto 6.975/2009, que prevê hipótese de isenção de multas e outras sanções administrativas mais gravosas aos imigrantes dos países signatários no artigo 3º, a sentença afastou sua aplicação sob o fundamento de que não haveria qualquer anistia a multa já imposta validamente, uma vez que a multa foi imposta à autora em 05.04.2012, antes, portanto, da adesão da República da Colômbia ao Acordo, em 29.06.2012.
Em primeiro lugar, deve ser discutida a proporcionalidade da multa aplicada diante da condição de hipossuficiência da autora, fazendo-se necessárias algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
A máxima da proporcionalidade encontra-se implicitamente consagrada na atual Constituição Federal e costuma ser deduzida do sistema de direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, bem como da cláusula do devido processo legal substantivo. Ainda, está expressamente posta no artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo federal e preceitua que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
A doutrina, por sua vez, opta muitas vezes por destrinchar o princípio da proporcionalidade em três subprincípios, viabilizando melhor exercício da ponderação de direitos fundamentais. Assim, surgem os vetores da adequação, que traduz a compatibilidade entre meios e fins; a necessidade enquanto exigência de utilizar-se o meio menos gravoso possível; e a proporcionalidade em sentido estrito que consiste no sopesamento entre o ônus imposto e o benefício trazido pelo ato administrativo.
Não se coaduna com essa postura a adoção de um formalismo jurídico simplista em detrimento da dignidade humana daqueles que o país se pretende a ajudar. Há muito no ordenamento jurídico brasileiro já é reconhecida a normatividade das normas constitucionais que não podem servir de letra morta frente a qualquer dispositivo de lei infraconstitucional.
Importa-se mencionar, portanto, que, na hipótese em comento, a teleologia da regra que rege a matéria em questão busca tutelar o controle e a ordem da situação dos estrangeiros em território nacional, de modo que não se pode considerar como intimidadora ou nociva a situação do autor que, além de demonstrar boa-fé na busca por sua regularização, obteve a concessão de permanência definitiva em território nacional com base em prole brasileira.
Nesse sentido, fica evidente que o prejuízo suportado pela apelante, que tem seu direito de permanência ameaçado ante sua falta de condições financeiras para arcar com a multa imputada, é infinitamente maior do que a perda estatal em promover uma regularização fora do prazo prescrito em lei.
Observa-se, inclusive, posicionamento mais flexível adotado por esta Corte quando a situação envolve atraso na renovação de visto de turista, verbis:
Por fim, destaca-se que a multa aplicada no valor de R$ 827,75 é maior do que o salário mínimo vigente à época de sua imputação, revelando-se totalmente desproporcional para uma pessoa com baixa renda, assistida da Defensoria Pública da União, sendo impossível quitá-la sem o sacrifício de seu sustento pessoal e de sua família.
Ademais, há uma particularidade no caso de fundamental importância para o deslinde da causa, qual seja, a autora aqui constituiu família e teve filho brasileiro, o que lhe garantiu a condição de estrangeiro regular no território nacional, nos termos do artigo 75, da Lei 6.815/1980, verbis:
Desta forma, no momento da lavratura do auto de infração (05.04.2012), a permanência da autora no país já estava assegurada pela existência do filho brasileiro, nascido em 27.11.2011 (f. 12), sob sua guarda e dependência econômica, eis que menor de idade.
Nesse sentido:
Assim, deve ser anulado o auto de infração lavrado em face da apelante.
Levando-se em conta o acolhimento do recurso, inverto o ônus da sucumbência.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação supra.
É como voto.
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Data e Hora: | 08/08/2019 19:01:33 |