Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/08/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009023-49.2012.4.03.6104/SP
2012.61.04.009023-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : EMBRATEC COML/ IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS E PRODUTOS AGRICOLAS LTDA -EPP
ADVOGADO : SP130143 DONIZETE DOS SANTOS PRATA e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00090234920124036104 2 Vr SANTOS/SP

EMENTA

CONSTITUCIONAL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ATO DE FISCALIZAÇÃO. ADUANEIRO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ART. 37, § 6º, DA CF.
I. Cuida-se de ação voltada à condenação da União Federal ao pagamento de indenização por danos materiais e morais oriundos da apreensão de mercadorias importadas na Alfândega da Receita Federal do Brasil do Porto de Santos/SP.
II. A sentença recorrida foi proferida e publicada na vigência do CPC/73 e, assim, devem ser observados os requisitos de admissibilidade no revogado Codex, bem como o entendimento jurisprudencial sobre estes, conforme estabelece o E.A. nº 2 do C. STJ.
III. A Constituição da República (art. 37, § 6º) consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa. A responsabilidade civil por ato ilícito encontra-se também albergada nos arts. 43, 186, 187 e 972 do CCB.
IV. O direito de fiscalização deve se pautar na Lei, não podendo extrapolar os limites impostos pelo legislador, sob pena de incorrer a Administração Pública na responsabilidade civil objetiva de indenizar o terceiro por danos a ele causados.
V. A fiscalização e autuação das mercadorias importadas pela autora ocorreram no bojo de procedimento fiscal especial, com substrato nos arts. 65, 66, V e 68, I, da IN-SRF nº 206/02, cuja suspeita inicial recaiu sobre suposta incapacidade financeira dos sócios (pessoa física) para disponibilizar recursos suficientes a honrar as importações da empresa, o que poderia configurar interposição fraudulenta de terceiros e/ou ocultação do sujeito passivo. Entretanto, a IN-SRF nº 206/2002 autoriza tão somente a fiscalização da pessoa jurídica, na condição de importadora das mercadorias, não podendo se estender à pessoa física dos seus sócios, visto que não se confundem. Assim, o auditor fiscal extrapolou os limites do seu poder de polícia, infringindo a legislação aduaneira invocada, o que redunda na ilegalidade e ilegitimidade do ato administrativo de fiscalização, não sendo observado o princípio constitucional da estrita legalidade que rege a Administração Pública (art. 37, caput, da CF).
VI. O art. 5º, III, da IN-SRF nº 650/06, apontado da sentença, também não autoriza a retenção das mercadorias importada para a averiguação da compatibilidade entre a capacidade econômica dos sócios com o capital da empresa. Cuida do procedimento de habilitação no Siscomex que antecede ao despacho aduaneiro.
VII. Os danos materiais abrangem tanto os prejuízos efetivamente experimentados pela autora (dano emergente) quanto decorrentes do que deixou de auferir (lucro cessante) - art. 402 do CCB. A autora logrou demonstrar os alegados danos materiais, quais sejam: (1) despesas extras com demurrage, armazenagem, fumigação para imunização do feijão, no valor de R$ 740.603,72, apurado até 30/08/12; (2) lucros cessantes em razão da impossibilidade de exercer suas atividades de forma regular, no montante de R$ 711.386,45, apurado até 30/08/12; e (3) prejuízos decorrentes das ações judiciais movidas contra a autora pelo descumprimento de contratos previamente ajustados, incluindo as despesas com a contratação de advogado para a sua defesa em tais processos, cujos valores serão apurados em liquidação de sentença.
VIII. É pacífico na jurisprudência pátria que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral quando houver ofensa à sua honra objetiva (Súmula nº 277/STJ). In casu, é evidente a ofensa à honra objetiva da empresa autora, ante a mácula à sua reputação e abalo da credibilidade perante terceiros, notadamente em razão das diversas ações judiciais promovidas contra a autora decorrente o ato irregular de fiscalização, sendo medida de rigor a condenação da ré à indenização por danos morais. Mostra-se razoável o arbitramento da indenização por danos morais no valor de R$ 1.000.000,00, considerados a extensão do dano e a prova dos autos.
IX. Quanto aos danos materiais incide correção monetária a partir do efetivo prejuízo (Súmula nº 43/STJ) e juros de mora desde o evento danoso (Súmula nº 54/STJ). Em relação aos danos morais incide correção monetária a partir do arbitramento (Súmula nº 362/STJ) e juros de mora fluem a partir do evento danoso (Súmula nº 54/STJ). Os critérios utilizados de correção monetária e juros de mora (danos materiais e morais) devem ser aqueles adotados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução CJF nº 267/13, que condensa todos os índices analisados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, adotando, inclusive, o entendimento firmado pelo E. STF no julgamento do RE nº 870.947 (tema 810), com repercussão geral reconhecida.
X. Invertidos os ônus sucumbenciais, com a condenação da ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios na ordem de 1% sobre o valor da condenação (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73).
XI. Recurso de apelação provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de apelação interposto pela autora para reformar a sentença e julgar procedente a ação, condenando a União Federal à indenização por danos materiais e morais, acrescidos de correção monetária e juros de mora, bem como ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 1% sobre o valor da condenação (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 18 de julho de 2019.
MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009023-49.2012.4.03.6104/SP
2012.61.04.009023-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MARCELO SARAIVA
APELANTE : EMBRATEC COML/ IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS E PRODUTOS AGRICOLAS LTDA -EPP
ADVOGADO : SP130143 DONIZETE DOS SANTOS PRATA e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
No. ORIG. : 00090234920124036104 2 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator):

Trata-se de recurso de apelação interposto pela autora, EMBRATEC COMERCIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS E PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. - EPP, contra r. sentença (fls. 749/752), integrada por r. decisão de embargos de declaração (fls. 755/756), que julgou improcedente a presente ação de rito ordinário, na qual se objetiva a condenação da União Federal à indenização por danos materiais e morais decorrentes da retenção de mercadorias importadas pela Receita Federal do Brasil (Alfândega do Porto de Santos/SP).

Na inicial, discorre a autora que, no exercício regular de suas atividades comerciais, importou mercadorias constantes das Declarações de Importação (DI's) nºs 08/0502696-1, 08/0524308-5, 08/0535322-9 e 08/0607541-9, registradas, respectivamente, em 05/04/2008, 09/04/2008, 11/04/2008 e 25/04/2008, as quais foram retidas pela Unidade da Receita Federal em Santos/SP (Alfândega do Porto de Santos/SP) e lavrados Autos de Infração por suposta interposição fraudulenta de terceiro e ocultação do sujeito passivo, o que deu margem às Ações Fiscais julgadas improcedentes.

Narra que foi lavrado Termo de Intimação, com base no artigo 18 do Decreto nº 4.543/2002 e artigos 65, 66, inciso V, e 68, inciso I, da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 206/2002, dispositivos legais esses que regram a regularidade nas mercadorias importadas, conteúdo, alíquota e recolhimentos de tributos federais e estaduais das declarações de importação.

Sustenta que, todavia, não houve o devido cumprimento da invocada IN-SRF nº 206/2002 pelo auditor fiscal, na medida em que se valeu dela para estender a fiscalização à pessoa física (sócios) e à jurídica, quando disciplina tão somente o despacho aduaneiro, extrapolando, assim, o seu poder de polícia.

Consigna que jamais houve irregularidade com o despacho aduaneiro, restando demonstrado sobremaneira em razão da improcedência nas Ações Fiscais decorrentes dos Autos de Infração lavrados.

Argumenta que, constatada a regularidade do despacho aduaneiro e havendo dúvidas quanto à empresa e os sócios, caberia ao auditor fiscal liberar as mercadorias e iniciar um procedimento fiscal próprio, a teor da Súmula nº 323 do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

De outro lado, afirma que a apreensão das mercadorias importadas por mais de 160 (cento e sessenta) dias impossibilitou a autora de exercer suas atividades de forma regular, além de exigir despesas extras, acarretando, assim, prejuízos de toda ordem (danos emergentes e lucros cessantes), devendo a ré responder pelo ato lesivo praticado por seus agentes (Responsabilidade Objetiva da Administração), nos termos dos artigos 37, § 6º, da Constituição Federal e 43 do Código Civil.

Informa, a título de danos materiais, dentre outros, as despesas com demurrage, armazenamento e fumigação para imunização do feijão (mercadoria apreendida perecível), bem como aquelas decorrentes das ações judicias movidas contra a autora por não conseguir honrar os seus compromissos, inclusive com a contratação de advogado para a sua defesa naqueles processos.

Assenta, também, que o procedimento de fiscalização irregular acarretou danos morais à autora, diante do abalo da sua imagem no mercado e da credibilidade perante terceiros, pois ficou impedida de honrar prazos e contratos.

Requereu, no final, a condenação da ré à indenização por danos materiais e danos morais, nos seguintes termos: (a) danos materiais decorrentes dos prejuízos que efetivamente sofreu (R$ 740.603,72 de despesas extras - danos emergentes) e no que deixou de ganhar (R$ 711.386,34 de lucros cessantes), no montante de R$ 1.451.990,17, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, sendo esses, com relação aos danos emergentes, computados desde o desembolso; e (b) danos materiais decorrentes das demandas ajuizadas contra a autora, incluindo as despesas com a contratação de advogado para a sua defesa em tais processos, cujos valores deverão ser apurado em liquidação de sentença; (c) danos morais em importância não inferior a R$ 1.000.000,00, corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora.

Atribuído à causa o valor de R$ 2.500.000,00 (set/2002).

Foram deferidos à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita (fl. 592).

Citada, a ré apresentou contestação e documentos às fls. 598/632, alegando, em síntese, que os procedimentos para fiscalização das mercadorias importadas pela autora foram adotados dentro dos limites legais, ante os fortes indícios de irregularidades, que exigiam averiguação por meio de ações fiscais. Subsidiariamente, requereu: (a) a apuração dos valores de danos materiais em liquidação de sentença (arts. 475-C e 475-D, do CPC/73), destacando que o montante foi indicado pela autora com base em contratos privados, sem a participação da União Federal; (b) o arbitramento dos danos morais em valor que atenda os critérios de razoabilidade, com pauta na extensão do dano e na prova constante dos autos; (c) a incidência da correção monetária e juros de mora na forma do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (d) a aplicação dos juros de mora a contar da citação (art. 405 do CC).

Houve réplica (fls. 638/660).

O MM. Juízo Federal a quo, por r. sentença de fls. 749/752, julgou improcedente os pedidos e extinguiu o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil de 1.973. Custas ex lege. Condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios à razão de 5% (cinco por cento) sobre o valor atualizado da causa, observando-se, quanto à execução, as regras da Lei nº 1.060/1950.

A autora opôs embargos de declaração alegando omissão quanto à dispensa do pagamento das custas e despesas processuais por força da concessão da justiça gratuita (fls. 755/756). Os declaratórios foram rejeitados, sob o fundamento de que não houve o adiantamento de outras despesas e, quanto às custas processuais, a r. sentença fixou o seu pagamento na forma da lei, de molde que serão regidas pela Lei nº 1.060/1950 (fl. 758 e verso)

Não conformada, a autora interpôs recurso de apelação, o qual foi recebido no duplo efeito (fls. 789/790).

Nas razões recursais de apelação (fls. 761/777), a autora reitera os argumentos já deduzidos na inicial, pugnando pela reforma da r. sentença, com a procedência da ação e a inversão dos ônus sucumbenciais.

Em contrarrazões (fls. 792/798), a União Federal também reitera os argumentos apresentados na contestação quanto à legalidade e legitimidade da autuação fiscal. Requer seja negado provimento à apelação, com a manutenção da r. sentença.

É o relatório.



VOTO

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal MARCELO SARAIVA (Relator):

Trata-se de recurso de apelação interposto pela autora, EMBRATEC COMERCIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS E PRODUTOS AGRÍCOLAS LTDA. - EPP, contra r. sentença (fls. 749/752), integrada por r. decisão de embargos de declaração (fls. 755/756), que julgou improcedente a presente ação de rito ordinário, na qual se objetiva a condenação da União Federal à indenização por danos materiais e morais decorrentes da retenção de mercadorias importadas pela Receita Federal do Brasil (Alfândega do Porto de Santos/SP).

De proêmio, assinalo que a r. sentença recorrida foi proferida e publicada na vigência do Código de Processo Civil de 1.973 e, assim, devem ser observados os requisitos de admissibilidade no revogado Codex, bem como o entendimento jurisprudencial sobre estes, conforme estabelece o Enunciado Administrativo nº 2 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Feitas essas considerações, passo ao exame do recurso de apelação interposto pela autora.

Cuida-se de ação voltada à condenação da União Federal ao pagamento de indenização por danos materiais e morais oriundos da apreensão de mercadorias importadas na Alfândega da Receita Federal do Brasil do Porto de Santos/SP.

Da Responsabilidade Civil Objetiva de Indenizar

A Constituição da República, em seu artigo 37, § 6º, consagra a responsabilidade do Estado de indenizar os danos causados por atos, omissivos ou comissivos, praticados pelos seus agentes a terceiros, independentemente de dolo ou culpa, in verbis:


Art 7º. (...)
(...)
§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.

Cuida-se o postulado de Responsabilidade Civil Objetiva do Estado, que prescinde da prova de dolo ou culpa do agente público, que fica restrita à hipótese de direito de regresso contra o responsável (responsabilidade civil subjetiva dos agentes), não abordada nestes autos.

Para a caracterização da responsabilidade civil objetiva exige-se a presença dos seguintes requisitos: (a) fato administrativo, consubstanciado na conduta atribuída ao Poder Público; (b) ocorrência do dano a terceiro; e (c) nexo causal entre o fato administrativo e o dano.

A propósito, colaciono arestos do Colendo Superior Tribunal de Justiça:


ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. "CASO MALATHION". PRESCRIÇÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. NORMAS TÉCNICAS DE SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. IMPUGNAÇÃO GENÉRICA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS NÃO EXCESSIVA OU IRRISÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. RECURSO NÃO CONHECIDO.
Omissis
4. Na responsabilidade objetiva, como é óbvio, desnecessária a prova de dolo ou culpa na conduta do agente. Longa e minuciosa instrução probatória indica participação determinante de preposto da Funasa no evento danoso, com ampla fundamentação da sentença e do acórdão recorrido a respeito.
Omissis
11. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 1236863/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/04/2011, DJe 27/02/2012)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. PLEITO DE DANOS MORAIS. INDEPENDÊNCIA DAS AÇÕES PROPOSTAS CONTRA O ENTE OU ENTIDADE PÚBLICA E A AÇÃO DE REGRESSO. INTERESSE PROCESSUAL QUE SE MANTÉM MESMO QUANDO AFASTADA EVENTUAL RESPONSABILIDADE DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO. RETORNO DOS AUTOS QUE SE IMPÕE PARA JULGAMENTO DA AÇÃO CONTRA O CONSELHO PROFISSIONAL, QUE RESPONDE OBJETIVAMENTE POR SEUS ATOS.
Omissis
3. A responsabilidade civil do Estado objetiva nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal, não se confunde com a responsabilidade subjetiva dos seus agentes, perquirida em ação regressiva ou em ação autônoma.
Omissis
7. A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva (...)", sendo certo que a caracterização da responsabilidade objetiva requer, apenas, a ocorrência de três pressupostos: a) fato administrativo: assim considerado qualquer forma de conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao Poder Público; b) ocorrência de dano: tendo em vista que a responsabilidade civil reclama a ocorrência de dano decorrente de ato estatal, latu sensu; c) nexo causal: também denominado nexo de causalidade entre o fato administrativo e o dano, consectariamente, incumbe ao lesado, apenas, demonstrar que o prejuízo sofrido adveio da conduta estatal, sendo despiciendo tecer considerações sobre o dolo ou a culpa. (José dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo, 12ª Edição, 2005, Editora Lumen Iuris, Rio de Janeiro, páginas 497-498).
9. Recurso Especial desprovido, divergindo do Relator porque as ações de indenização principal e a de regresso possuem objetivos distintos, sendo independentes entre si, razão pela qual mantenho incólume a ordem de realização de novo julgamento, determinando-se o retorno dos autos à instância a quo, consoante explicitado no voto da apelação supratranscrita. - (destaquei)
(REsp 976.730/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/06/2008, DJe 04/09/2008)

A responsabilidade civil por ato ilícito encontra-se também albergada nos artigos 43, 186, 187 e 972 do Código Civil:


Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Nesse contexto, configurados a prática de ato ilícito por parte de agentes do Estado, o dano (material e/ou moral) e o nexo causal entre os dois primeiros requisitos, independentemente de culpa ou dolo, nasce a responsabilidade civil objetiva do Estado de indenizar o terceiro que sofreu o dano.

Assentadas tais premissas, cumpre analisar o caso em concreto.

Da leitura dos autos, verifica-se que a autora importou mercadorias constantes das Declarações de Importação (DI's) nºs 08/0502696-1, 08/0524308-5, 08/0535322-9 e 08/0607541-9, registradas, respectivamente, em 05/04/2008, 09/04/2008, 11/04/2008 e 25/04/2008, as quais foram retidas pela Unidade da Receita Federal em Santos/SP (Alfândega do Porto de Santos/SP) e lavrados Autos de Infração, o que deu margem às Ações Fiscais (nºs 11128.003828/2008-65, 11128.004285/2008-01, 11128.004015/2008-92 e 1128.003829/2008-18), que foram julgadas improcedentes. A retenção das mercadorias importadas perdurou por mais de 160 (cento e sessenta) dias, sendo algumas perecíveis.

A fiscalização e autuação das mercadorias em questão ocorreram no bojo de procedimento especial iniciado com base no artigo 18 do Decreto nº 4.545/2002 e artigos 65, 66, inciso V e 68, inciso I, da IN-SRF nº 206/2002, em razão de suposto indício de interposição fraudulenta de terceiros e ocultação do sujeito passivo, decorrente da análise do quadro societário da empresa autora pelo auditor fiscal, que entendeu pela incapacidade financeira dos sócios em fornecerem recursos para o patrocínio das importações autuadas.

Ao tempo dos fatos, a IN-SRF nº 2006/2002 havia sido revogada pela IN-SRF nº 680, de 02/10/2006, permanecendo, contudo, vigentes os artigos 65 a 69 (da IN-SRF nº 2006/02) - legislação que disciplinava o despacho aduaneiro de importação.

É indiscutível o poder-dever da Administração Pública, por meio de seus agentes, de fiscalizar mercadorias importadas e, constatando indício de irregularidade, apurar os fatos, o que encontrava supedâneo, à época dos fatos, no artigo 18 do Decreto nº 4.543, de 26/12/2002.

Contudo, o direito de fiscalização deve se pautar na Lei, não podendo extrapolar os limites impostos pelo legislador, sob pena de incorrer a Administração Pública na responsabilidade civil objetiva de indenizar o terceiro por danos a ele causados.

Releva anotar que as Ações Fiscais foram julgadas improcedentes, diante da constatação de inexistência de irregularidade no despacho aduaneiro e na capacidade econômica da empresa autora (fls. 661/708).

É cediço, conforme assentou o MM. Juízo a quo na r. sentença, que a improcedência de ações fiscais não ocasiona, necessariamente, na ilegalidade das fiscalizações e autuações que a antecederam, procedimentos esses que se revelam, na verdade, como preparatórios e instrutórios da ação fiscal.

Por conseguinte, faz-se necessário verificar se o procedimento de fiscalização adotado na retenção das mercadorias importadas pela autora encontrava-se eivado de ilegalidade. Esclareço que o Poder Judiciário pode exercer o controle da legalidade sobre os atos administrativos emanados da Administração Pública.

Conforme dito alhures, a fiscalização e autuação das mercadorias importadas pela autora ocorreram no bojo de procedimento fiscal especial, com substrato nos artigos 65, 66, inciso V e 68, inciso I, da IN-SRF nº 206/2002, cuja suspeita inicial recaiu sobre suposta incapacidade financeira dos sócios (pessoa física) para disponibilizar recursos suficientes a honrar as importações da empresa, o que poderia configurar interposição fraudulenta de terceiros e/ou ocultação do sujeito passivo.

Entretanto, a IN-SRF nº 206/2002 (arts. 65, 66, V e 68, I), que deu supedâneo ao procedimento especial de fiscalização e a retenção das mercadorias importadas por mais de 160 dias, o que culminou nas Ações Fiscais julgadas improcedentes, autoriza tão somente a fiscalização da pessoa jurídica, na condição de importadora das mercadorias, não podendo se estender à pessoa física dos seus sócios, visto que não se confundem. Veja-se:


IN SRF nº 2006/2002 - Dos Procedimentos Especiais de Controle Aduaneiro
Art. 65. A mercadoria introduzida no País sob fundada suspeita de irregularidade punível com perda de perdimento ou que impeça seu consumo ou comercialização no País, será submetida aos procedimentos especiais de controle aduaneiro estabelecidos neste título.
Parágrafo único. A mercadoria submetida aos procedimentos especiais a que se refere este artigo ficará retida até a conclusão do correspondente procedimento de fiscalização, independentemente de encontra-se em despacho aduaneiro de importação ou desembaraçada.
Art. 66. As situações de irregularidade mencionadas no artigo anterior compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto:
(...)
V- à ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro; ou
Art. 68. O importador será cientificado da seleção para os procedimentos especiais de controle:
I - durante o despacho aduaneiro, mediante interrupção para apresentação de documentos justificativos ou informações adicionais àquelas prestadas na declaração, registrada no Siscomex;

Assim, ao se valer o auditor fiscal do procedimento especial embasado na IN-SRF nº 206/2002 para investigar a capacidade financeira dos sócios da empresa, retendo as mercadorias importadas por mais de 160 (cento e sessenta) dias, extrapolou os limites do seu poder de polícia, infringindo a legislação aduaneira invocada, o que redunda na ilegalidade e ilegitimidade do ato administrativo de fiscalização.

Portanto, não foi observado o princípio constitucional da estrita legalidade que rege a Administração Pública, nos termos do artigo 37, caput, da Carta Magna.

Note-se que o princípio da legalidade impõe ao agente público a observância dos requisitos legais como essência do ato vinculado, não podendo extrapolar os seus limites.

É certo que a Administração Pública, por meio dos seus agentes, poderia fiscalizar os sócios da empresa autora; todavia, desde que adotado procedimento de fiscalização próprio contido na legislação pertinente, não podendo se valer da Instrução Normativa nº 206/2002, dirigido unicamente ao despacho aduaneiro e à pessoa jurídica.

Reforço que sequer foram apuradas irregularidades no despacho aduaneiro e quanto à capacidade financeira da empresa, tanto que as Ações Fiscais foram julgadas improcedentes, de molde que a retenção das mercadorias perecíveis por mais de 160 (cento e sessenta) dias se mostrou irregular.

Ora, caso pairassem dúvidas quanto à capacidade financeira dos sócios, caberia ao auditor fiscal concluir e liberar as mercadorias e iniciar um procedimento fiscal próprio, nos termos da legislação regulamentar.

Nesse sentido, estabelece o artigo 12 do Decreto nº 70.235, de 06/03/1972, que disciplina o processo administrativo fiscal, que reproduzo:


Art. 12. O servidor que verificar a ocorrência de infração à legislação tributária federal e não for competente para formalizar a exigência, comunicará o fato, em representação circunstanciada, a seu chefe imediato, que adotará as providências necessárias.

A irregularidade e ilegalidade do procedimento fiscal adotado para a investigação da capacidade financeira dos sócios se dessume inclusive das decisões proferidas na esfera administrativa, que julgaram improcedentes as Ações Fiscais e determinaram o encaminhamento do expediente ao domicílio dos sócios para verificar a situação perante o IRPF.

Deveras, caso fosse permitido aferir a capacidade dos sócios pelo procedimento fiscal com base da IN-SRF nº 206/2002, não comportaria o seu encerramento e tampouco a improcedência das Ações Fiscais antes de se chegar a uma conclusão.

A propósito, confiram-se excertos dos pareceres administrativos acolhidos e que fizeram parte das mencionadas decisões administrativas de improcedência das Ações Fiscais (fls. 670/671, 682/683, 694/695 e 706/707 dos presentes autos):


"Da conclusão

Sendo assim e considerando:

1) que o convencimento fiscal básico da fiscalização sobre a existência de interposição fraudulenta de terceiros e de ocultação do real importador se consolidou a partir do exame da operação de importação cuja entrada foi escriturada na Nota Fiscal nº 1.474, a qual foi tomada como exemplo básico das irregularidades;

2) que as Notas Fiscais das saídas referentes à Entrada citada foi interpretada de forma imprópria pelo autor do feito, o que motiva o afastamento das presunções formuladas pela fiscalização;

3) que, afastada a prova indiciária fundamental, as demais se tornaram extremamente fracas para subsidiar a manutenção da ação fiscal;

4) que o Balanço Patrimonial (fls. ...) apresentado pela empresa demonstra que a referida dispõe no seu Ativo Circulante de R$ 2.756.517,14, dos quais R$ 2.187.699,65 a receber de clientes, denotando sua capacidade financeira para gerar recursos suficientes para realizar a operação em análise;

5) (...)

6) que, não obstante essa constatação, carece de investigação mais profunda a incoerência entre a magnitude das operações comerciais da empresa com os acanhados rendimentos declarados pelos sócios perante o Imposto de Renda;

5) tudo o mais que deste consta, propõe-se:

1º)- que seja julgada improcedente a ação fiscal objeto do Auto de Infração (...);

2º)- que seja encaminhado expediente ao domicílio tributário dos sócios para verificar sua situação perante o IRPF, principalmente ao se considerar que somente R$ 2.570,00 foram declarados como rendimento dos sócios, enquanto registra R$ 740.030,64 na conta 'Outras despesas operacionais' (fls. ...), o que pode caracterizar a retirada 'pro-labore' disfarçada."


Por pertinente, destaco que o artigo 5º, inciso III, da IN-SRF nº 650/2006, apontado na r. sentença como fundamento da legalidade da fiscalização, também não autoriza a retenção das mercadorias importada para a averiguação da compatibilidade entre a capacidade econômica dos sócios com o capital da empresa, ao revés do entendimento do juiz de primeiro grau. Segue a transcrição do mencionado dispositivo legal:


Art. 5º. Para fins de habilitação, a pessoa jurídica requerente da habilitação ordinária será submetida à análise fiscal, tendo por base as informações constantes das declarações fiscais apresentadas à SRF e os documentos referidos no art. 3º, para:
(...)
III - verificar, quanto aos sócios, sua capacidade empresarial e econômica relativamente ao capital aportado na empresa;

A IN-SRF 650, de 12/05/2006, dispõe sobre os procedimentos de habilitação de importadores, exportadores e intermediadores da Zona Franca de Manaus para operação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex) e credenciamento de seus representantes para a prática de atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, o que, todavia, não é o caso em voga.

O procedimento de habilitação no Siscomex antecede ao despacho aduaneiro, de molde que sem essa habilitação sequer é possível importar ou exportar, passando pelo crivo da Secretaria da Receita Federal, quando analisa, quanto aos sócios, sua capacidade empresarial e econômica relativamente ao capital aportado na empresa.

O Inspetor Chefe da Secretaria da Receita Federal inclusive se pronunciou a respeito da IN-SRF nº 650/206, por ocasião da prolação das decisões de improcedência das Ações Fiscais, conforme se verifica dos excertos dos pareceres administrativos acolhidos e que fizeram parte das mencionadas decisões (fls. 668/669, 680/681, 692/693 e 704/705 dos presentes autos):


"Da análise

(...)

Referindo-se ao fato de que o início do procedimento fiscal partiu da premissa de que os sócios não tinham capacidade financeira para disponibilizar recursos suficientes a honrar as importações da empresa, defende-se alegando que o servidor deixou de observar o dispositivo legal que, em procedimentos especiais de fiscalização, se dirige à empresa e não aos sócios, com os quais não se confundem, conforme expressamente prevê o Princípio da Entidade a que se refere a Resolução CRC nº 750, de 1993, que dispõe:

Art. 4º o '... Patrimônio não se confundem com aqueles dos seus sócios ou proprietários, no caso de sociedade ou instituição'.

Examinando-se essa questão, vê-se que o pressuposto fiscal somente foi utilizado após a consulta do DIRF dos sócios, quando se verificou que esses teriam declarado parcos rendimentos no período fiscalizado, considerados incompatíveis com o total das importações realizadas pela empresa, que efetua operações da monta daquela aqui constatada.

Entretanto, prescrição normativa vinculadora contida no Inc. III - art. 5º da IN -SRF 650, de 2006, essa questão teria sido examinada por ocasião da habilitação ordinária a que se submeteu a empresa, diante da obrigatoriedade de se averiguar a capacidade empresarial e econômica dos sócios relativa ao capital aportado na empresa, regra essa que afasta a presunção suscitada pelo autor do feito de que os sócios não teriam capacidade de integralizar o capital social da empresa.

Certo, entrementes, é que o fato pode ser revisto a qualquer tempo, diante da dúvida pertinente, principalmente ao se considerar a flagrante incoerência entre a grandiosidade da movimentação econômica da empresa com a insignificância financeira dos seus sócios, indicação denotativa de que os referidos encontram-se em situação irregular com o IRPF."


Afirma o Inspetor Chefe da Secretaria da Receita Federal que a prescrição contida na IN-SRF nº 650/2006 (art. 5º, III) já teria sido examinada por ocasião da habilitação ordinária a que se submeteu a empresa, o que confirma o seu caráter antecedente ao despacho aduaneiro, assim como evidencia a impossibilidade de investigar a capacidade financeira dos sócios no procedimento fiscal discutido, o qual teve inicio com base na IN-SRF nº 206/2002.

Outrossim, como observado nas decisões administrativas, é certo que poderão ser revistas as condições para a habilitação ordinária; porém, exige procedimento regular e a observância dos limites legais, como já explanado.

Por pertinente, consigno que a ré, em sua contestação, fez menção a Processo Fiscal de interposição fraudulenta de terceiros instaurado contra a autora na cidade de Corumbá/MS, o qual se assemelharia ao instaurado na Alfândega de Santos/SP (ora em discussão), onde aplicada penalidade administrativa para declarar inapta a pessoa jurídica (fls. 621/623), na tentativa de desmerecer a reclamada indenização pela autora nestes autos.

Todavia, a processo citado em nada interfere na análise da presente lide e, além disso, conforme noticiado pela autora, a questão relativa ao procedimento fiscal na cidade de Corumbá/MS foi objeto de discussão judicial no âmbito desta Corte, quando foi declarada a nulidade da autuação por não configurada a interposição fraudulenta de terceiros (AC nº 2009.60.04.000149-2/MS) - fls. 730/737.

Assim, configurada a ilegalidade e ilegitimidade do ato administrativo de fiscalização (fato administrativo), com base na legislação aduaneira, assim como demonstrado, por documentação robusta, o dano causado à autora pela retenção irregular das mercadorias importadas por mais de 160 (cento e sessenta) dias, além do nexo causal entre ambos, exsurge a responsabilidade civil objetiva da ré em indenizar a empresa autora pelos prejuízos decorrentes, que emerge dos artigos 37, § 6º, da Constituição Federal e 43, 186, 187 e 972 do Código Civil Brasileiro.

Dos danos materiais

Especificamente quanto aos danos materiais, é de se assinalar que abrangem tanto os prejuízos efetivamente experimentados pela autora (dano emergente) quanto decorrentes do que deixou de auferir (lucro cessante), em face da retenção irregular das mercadorias importadas.

Nesse sentido, dispõe o artigo 402 do Código de Processo Civil Brasileiro:


Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

Da robusta prova coligida, a autora logrou demonstrar os alegados danos materiais, tanto com relação ao que ela perdeu (dano emergente) quanto o que deixou de ganhar (lucro cessante), em virtude da retenção irregular das mercadorias importadas (que incluíam produtos perecíveis) por mais de 160 (cento e sessenta) dias, quais sejam:

(1) as despesas extras com demurrage, armazenagem, fumigação para imunização do feijão, no valor de R$ 740.603,72, apurado pela autora até 30/08/2012;

(2) os lucros cessantes em razão da impossibilidade de exercer suas atividades de forma regular, no período da apreensão das mercadorias importadas, o que acarretou a perda de outros negócios, no montante de R$ 711.386,45, apurado pela autora até 30/08/2012; e

(3) os prejuízos decorrentes das ações judiciais movidas contra a autora pelo descumprimento de contratos previamente ajustados (fls. 53/71), em face da impossibilidade de cumprir suas atividades de forma regular, incluindo as despesas com a contratação de advogado para a sua defesa em tais processos (fls. 710/727).

No tocante ao quantum debeatur de indenização por danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes), a ré não contestou os valores apresentados pela autora nem requereu a sua verificação mediante perícia, limitando-se a afirmar que foram baseados em contratos privados, sem a participação da ré, devendo ser apurados em liquidação de sentença.

Assim, diante da ausência de apresentação de valores que a ré entende devidos a esse título, reputam-se corretos aqueles apresentados pela autora e que gozam de liquidez (despesas extras no valor de R$ 740.603,72 e lucros cessantes no montante de R$ 711.386,45 - ambos apurados até 30/08/12, cujo total é R$ 1.451.990,17), os quais encontram sua base na robusta prova documental carreada nos autos.

Por sua vez, cumpre esclarecer que o fato de a União Federal não ter participado dos contratos firmados pela autora com relação às mercadorias importadas, não invalida o seu conteúdo e tampouco afasta os efeitos deles oriundos, sobretudo no que diz respeito ao seu descumprimento (inexecução) em razão da retenção irregular.

Com relação aos danos materiais decorrentes das mencionadas ações judiciais promovidas contra a autora, incluindo aqueles oriundos da contratação de advogado para o patrocínio de sua defesa, muito embora a autora tenha apresentado valores, conforme assinalou, algumas ações, ao tempo do ajuizamento da presente demanda, encontravam-se pendentes de julgamento e outras aguardavam o trânsito em julgado. Por conseguinte, até a formação dos títulos executivos nos referidos processos, os valores cobrados serão alterados pela incidência da correção monetária, juros e verba honorária, o que demanda a apuração dos valores, como requerido pela autora/apelante, em sede de liquidação de sentença, por arbitramento (arts. 475-C e 475-D do CPC/73 e 509 e 519 do CPC/15).

Dos danos morais

No tocante aos danos morais, a ação indenizatória visa assegurar a compensação de prejuízo a interesse extrapatrimonial, experimentado pela autora em razão da irregular retenção de mercadorias importadas, que a impossibilitou de exercer suas atividades de forma regular de suas atividades, impedindo, assim de honrar prazos e compromissos.

É pacífico na jurisprudência pátria que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral quando houver ofensa à sua honra objetiva, nos termos da Súmula nº 277 do Colendo Superior Tribunal Federal: "A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

Nesse sentido, destaco aresto do Colendo Superior Tribunal:


PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO. ANÁLISE DE MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. REEXAME. MATÉRIA DE PROVA.
1. O STJ possui entendimento firmado quanto à possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, nos termos da Súmula 227/STJ, desde que haja ofensa à sua honra objetiva. Ocorre que, para averiguar se houve ou não comprovação dos danos morais sofridos, necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ.
(Omissis)
4. Recurso Especial não conhecido. (Destaquei)
(REsp 1726984/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 19/11/2018)

In casu, é evidente a ofensa à honra objetiva da empresa autora, ante a mácula à sua reputação e abalo da credibilidade perante terceiros, notadamente em razão das diversas ações judiciais promovidas contra a autora decorrente o ato irregular de fiscalização.

Assim, diante da manifesta ofensa à honra objetiva da autora é medida de rigor a condenação da ré à indenização por danos morais.

Anote-se que o dano moral não apresenta as mesmas características do dano patrimonial, sendo que a distinção não decorre da natureza do direito, bem ou interesse lesado, mas do efeito da lesão sobre o ofendido (caráter da repercussão do dano).

O quantum indenizatório de danos morais não pode se mostrar exorbitante nem insignificante, pois visa desestimular a prática de atos semelhantes. Portanto, deve ser fixado com observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

No caso em foco, mostra-se razoável o seu arbitramento no valor de R$ 1.000.000,00, considerados a extensão do dano e a prova dos autos.

Da correção monetária e dos juros de mora

Sobre os valores de indenização por danos materiais e morais (responsabilidade extracontratual) devem incidir correção monetária e juros de mora.

Quanto aos danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) incide correção monetária a partir do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº 43 do Colendo Superior Tribunal de Justiça; e juros de mora desde o evento danoso, a teor da Súmula nº 54 da aludida Corte Especial.

Por sua vez, em relação aos danos morais a correção monetária será a partir do arbitramento, ex vi da Súmula nº 362 do Colendo Superior Tribunal de Justiça; e os juros de mora fluem a partir do evento danoso, na forma da Súmula nº 54 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

Para melhor ilustração, transcrevo os verbetes das aludidas Súmulas:


Súmula 43/STJ: Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir do efetivo prejuízo.
Súmula 54/STJ: Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.
Súmula 362/STJ: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

Os critérios utilizados de correção monetária e juros de mora, quanto aos danos materiais e morais, devem ser aqueles adotados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução do Conselho da Justiça Federal nº 267/2013.

Saliento que o referido Manual de Cálculos condensa todos os índices analisados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, adotando, inclusive, o entendimento firmado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 870.947 (tema 810), com repercussão geral reconhecida: "O artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."

Diante da ilegalidade do ato de fiscalização, é medida de rigor dar provimento ao recurso de apelação da autora para reforma da r. sentença e julgar procedente a ação, condenando a União Federal à indenizar a autora por danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e danos morais, acrescidos de correção monetária e juros de mora. Os danos materiais fixados quantos às citadas despesas extras e os lucros cessantes no total de R$ 1.451.990,17 (apurado até 30/08/12), devendo ser apurados em liquidação de sentença aqueles decorrentes dos prejuízos experimentados pela autora com ações judiciais movidas contra a autora, incluindo as despesas com a contratação de advogado para a sua defesa em tais processos. Os danos morais arbitrados em R$ 1.000.000,00.

Dos ônus sucumbenciais

Por conseguinte, devem ser invertidos os ônus sucumbenciais, condenando-se a ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios na ordem de 1% sobre o valor da condenação, considerados os parâmetros de grau de zelo do profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido, assim como os princípios da equidade, proporcionalidade e razoabilidade, nos termos do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1.973.

Impende registrar que a orientação firmada no Colendo Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que "o marco temporal para a aplicação das normas do CPC/2015 a respeito da fixação e distribuição dos ônus sucumbenciais é a data da prolação da sentença ou, no caso dos feitos de competência originária dos tribunais, do ato jurisdicional equivalente à sentença." (EDcl na MC 17.411/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2017, DJe 27/11/2017).

De outro lado, destaco que o Colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que, vencida a Fazenda Nacional, como na hipótese, o montante arbitrado a título de verba honorária não encontra limite aos percentuais indicados no § 3º, do artigo 20, do Código de Processo Civil de 1.973, não podendo, contudo, ser inferior a 1% (um por cento) do valor da causa ou do proveito econômico perseguido no processo, sob pena de ser considerado irrisório. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes: REsp nº 1.155.125/MG, PRIMEIRA SEÇÃO, Relator Min. CASTRO MEIRA, julgado em 10/03/2010, DJe em 06/04/2010; REsp 1356986/DF, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2013, DJe 11/12/2013.

Isto posto, dou provimento ao recurso de apelação interposto pela autora para reformar a r. sentença e julgar procedente a ação, condenando a União Federal à indenização por danos materiais e morais, acrescidos de correção monetária e juros de mora, bem como ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 1% sobre o valor da condenação (art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/73), nos termos da fundamentação acima.

É o voto.


MARCELO SARAIVA
Desembargador Federal


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