Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/08/2010
HABEAS CORPUS Nº 0011771-04.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.011771-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HENRIQUE HERKENHOFF
IMPETRANTE : APARECIDO JOSE DE LIRA
: MARIA LUCIA DOS SANTOS GALLINARO
PACIENTE : JORGE LUIZ FERREIRA MARGARIDO reu preso
ADVOGADO : APARECIDO JOSE DE LIRA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 00140836820094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. . EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO. DEMORA RAZOÁVEL E ATRIBUÍVEL À COMPLEXIDADE DA CAUSA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. PRISÃO PREVENTIVA: DECISÃO FUNDAMENTADA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS: IRRELEVÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL: ALEGAÇÃO: OBTENÇÃO DE PROVAS POR MEIO ILÍCITO: IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DE "AÇÃO CONTROLADA" PELA INEXISTÊNCIA DE CONCEITUAÇÃO E TIPICIDADE DO CRIME DE "ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA". INVIABILIDADE: DECRETO N° 5.015/04: INCORPORAÇÃO DA CONVENÇÃO DE PALERMO NO ORDENAMENTO JURÍDICO: VALIDADE DA APLICAÇÃO DA DEFINIÇÃO, À LUZ DO ART. 1º DA LEI 9.034/95, COM A REDAÇÃO DA LEI 10.217/01. APLICAÇÃO DA LEI 9.034/95 Á REUNIÃO DE PESSOAS QUE CONFIGURE QUADRILHA OU BANDO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1 . A concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida excepcional, somente admitida nos casos em que a demora decorra exclusivamente de diligências requeridas pela acusação, ou resulte da inércia do próprio Judiciário, em ofensa ao princípio da duração razoável do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII da CF.
2 . A instrução somente tem início no recebimento da denúncia. O excesso de prazo não é apurado mediante cômputo aritmético, mas deve ser aferido segundo o princípio da razoabilidade, levando-se em conta as circunstâncias excepcionais que eventualmente venham a retardar a instrução criminal.
3 . Trâmite processual de acordo com as particularidades do caso concreto, apresentando demora justificada. Atraso não decorrente de abuso imputável à acusação ou ao Juiz, mas justificável ante o número de acusados (14), intimação para a resposta preliminar de cada um, expedição de mandados de citação, cartas precatórias e edital de citação para apresentação de respostas à acusação.
4 . Paciente réu em ação penal ajuizada após o término de uma operação policial realizada a partir de informações encaminhadas pela Assessoria de Pesquisas Estratégicas do INSS que investigou suposta organização criminosa que agia em vários estados do país, especializada na obtenção, por meios fraudulentos, do benefício previdenciário de pensão por morte.
5 . Ação controlada implementada para que a autoridade policial acompanhasse a atuação de alguns dos integrantes da suposta organização. Presença de indícios de que o paciente seria um dos responsáveis pelo fornecimento de documentos falsos utilizados na criação de segurados fictícios.
6 . Denúncia que imputou ao paciente a prática, em tese, dos crimes previstos nos arts. 171, § 3º, 288, 297 e 299, c/c o art. 29 e 69, todos do CP.
7 . Legalidade da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, fazendo expressa menção à situação concreta que a exigia como garantia da ordem pública e econômica, da aplicação da lei penal e para assegurar a instrução criminal. Presença dos pressupostos previstos no artigo 312 do CPP.
8 . Eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para a concessão da liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida constritiva excepcional:
9 . Inviabilidade de trancamento da ação penal sob a justificativa de provas obtidas por meio ilícito pela indevida realização de ação controlada, sob o argumento de inexistência de conceito legal de organização criminosa.
10 . Por meio do Decreto n° 5.015/04, o Brasil incorporou a Convenção de Palermo ao nosso sistema jurídico. Esse tratado não tipificou um crime específico de "organização criminosa", e a Lei n° 9.034/95 não traz as elementares exigíveis e presentes em um tipo penal incriminador. A Jurisprudência e a doutrina consideram como válida a aplicação da definição de organização criminosa, à luz do artigo 1º, da Lei 9.034/95 com a redação dada pela Lei 10.217/01, com a tipificação do art. 288 do Código Penal e do Decreto Legislativo 231/03, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em Palermo/Itália, que conceituou a organização criminosa como sendo: "... grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".
12. Diante da ausência de tipificação legal da conduta de "participar de organização criminosa", o Ministério Público tem denunciado os membros de organizações criminosas por formação de bando ou quadrilha para evitar que a conduta criminosa fique sem sanção, como ocorre no caso sob julgamento, em que o paciente foi denunciado pelo crime do art. 288 do CP., dentre outros, não se lhe atribuindo o crime de "participar de organização criminosa".
13 . Considerando que a Lei nº 9.034/95 é aplicável também à reunião de pessoas que configure quadrilha ou bando, como dispõe o artigo 1º da referida Lei, não há que se discutir se a ação controlada gerou uma prova ilícita, eis que é perfeitamente possível sua realização tanto nos casos em que se investiga uma organização criminosa, assim definida na Convenção de Palermo, quanto na investigação de uma quadrilha ou bando, não havendo ilicitude nas provas obtidas com a sua realização e conseqüente constrangimento ilegal.
14 . Ordem denegada.




ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 27 de julho de 2010.
Henrique Herkenhoff
Desembargador Federal


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HABEAS CORPUS Nº 0011771-04.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.011771-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HENRIQUE HERKENHOFF
IMPETRANTE : APARECIDO JOSE DE LIRA
: MARIA LUCIA DOS SANTOS GALLINARO
PACIENTE : JORGE LUIZ FERREIRA MARGARIDO reu preso
ADVOGADO : APARECIDO JOSE DE LIRA e outro
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 00140836820094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF:

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JORGE LUIS FERREIRA MARGARIDO, ora sob custódia, apontando constrangimento ilegal proveniente do Juízo Federal da 3ª Vara Criminal de São Paulo/SP que recebeu a denúncia nos autos da ação penal nº. 2009.61.81.014083-8, em que lhe é imputada a prática, em tese, dos crimes previstos nos artigos 171, § 3º, 288 e 297, todos do Código Penal, e decretou sua prisão preventiva.

Os impetrantes sustentam que houve excesso de prazo para a formação da culpa, sustentando que o paciente está preso desde novembro de 2009 por força de prisão preventiva decretada pela autoridade impetrada porque, supostamente, compunha organização criminosa especializada em fraudar benefícios de pensão por morte em desfavor do INSS, imputando-se a ele a responsabilidade pelo fornecimento de documentos falsos à organização, permitindo, com isso, a obtenção de benefícios fraudulentos, bem como de empréstimos consignados junto a instituições financeiras.

Alegam a excepcionalidade do instituto da prisão preventiva, contrariedade ao princípio da presunção de inocência e ausência de pressupostos autorizadores, pelo fato de o paciente ser primário, ter domicílio certo trabalho honesto p e bem como o fato de a defesa não ter contribuído para a demora na tramitação processual.

Aduzem ainda que, nos autos de nº 2009.61.81.006070-3, que versam sobre as medidas investigatórias sobre a suposta organização criminosa, houve autorização para o retardamento de eventuais prisões em flagrante, nos termos do artigo 2º, da Lei nº 9.034/95, deferindo-se ação controlada para a apuração e acompanhamento dos demais investigados a partir de seus comparecimentos a determinadas agências bancárias, em contrariedade ao texto original da referida lei, que regulava apenas os meios de prova e procedimentos investigatórios referentes a quadrilha ou bando, sem mencionar as organizações criminosas, que só passaram a ser mencionadas com a modificação da redação do artigo 1º pela Lei n 10.217/01 e cujo conceito não está definido.

Assim, afirmam que o deferimento da ação controlada e do flagrante prorrogado dos co-acusados deu azo ao surgimento de provas ilícitas em relação ao paciente, inadmissíveis no presente feito por violar direitos fundamentais. Por fim, sustentam que a gravidade da infração ou o clamor social, por si só, não são suficientes para a segregação provisória do paciente.

Requerem o relaxamento da prisão cautelar do paciente, com expedição de alvará de soltura e o trancamento da ação penal

A autoridade impetrada prestou informações ( fls. 22/25) e juntou documentos de fls. 26/124.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 136/138).

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 131/146).

É o relatório.



Henrique Herkenhoff
Desembargador Federal


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HABEAS CORPUS Nº 0011771-04.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.011771-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HENRIQUE HERKENHOFF
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HENRIQUE HERKENHOFF:

Segundo consta da documentação acostada aos autos e das informações prestadas pela autoridade impetrada, o paciente é réu em ação penal que foi ajuizada após o término de uma operação policial realizada a partir de informações encaminhadas pela Assessoria de Pesquisas Estratégicas do INSS que investigou suposta organização criminosa que agia em vários estados do país, especializada na obtenção, por meios fraudulentos, do benefício previdenciário de pensão por morte.

O "modus operandi" da organização consistia em criar uma pessoa fictícia, por meio de falsificação de documentos pelos quais se obtinha CPF materialmente verdadeiro mas ideologicamente falsos para cada pessoa, incluindo-as como seguradas no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de algumas contribuições sociais. Essas pessoas passavam a constar do CNIS. Após, falsificava-se certidão de óbito desses "segurados" e requeria-se, por meio de um intermediário/procurador, o benefício de pensão por morte em favor de um dependente também fictício. No caso de concessão, o intermediário dirigia-se à agência bancária indicada pelo INSS para sacar a primeira parcela do benefício e retirar o cartão magnético que permitiria os saques das demais.

Uma ação controlada foi implementada para que a autoridade policial acompanhasse a atuação de alguns dos integrantes da suposta organização, e posteriormente foi autorizada a interceptação telefônica dos terminais dos investigados, identificando-se, ainda, a atuação da organização na obtenção de empréstimos consignados a fim de antecipar valores que seriam recebidos, bem como a presença de indícios de que o ora paciente Jorge seria um dos responsáveis pelo fornecimento dos documentos falsos e espelhos de RGs falsos utilizados na criação dos segurados fictícios.

Em 04/11/2009, foi decretada a prisão preventiva do ora paciente e de outros oito investigados, com fundamento na garantia da ordem pública e econômica e para assegurar a aplicação da lei penal, e todos foram presos em 17/11/2009. Com a conclusão do inquérito em 16/12/2009, o paciente foi denunciado em 21.12.2009 como incurso, em tese, nas penas dos delitos previstos nos artigos 171, § 3º, 288, 297 e 299, c/c o art. 29 e 69, todos do Código Penal. A denúncia foi recebida em 22 de dezembro de 2009.

A autoridade impetrada esclareceu que, dos quatorze acusados, seis foram citados via mandado, sete por meio de precatórias e um por edital, e que os autos, após a apresentação da resposta à acusação referente ao corréu Claudemiro Leite da Cunha pela Defensoria Pública da União, aguardam resposta à acusação dos corréus Arlésio e Eliane, pois, em que pese terem sido citados em 26 de janeiro de 2010, seu defensor constituído quedou-se inerte, razão pela qual foi intimado, aos 26 de março de 2010, a apresentar a resposta prévia no prazo de 10 (dez) dias.

Por fim, informou que, dada a demora por parte da defesa desses últimos corréus em apresentar resposta à acusação, chamou os autos à conclusão para eventual desmembramento em relação a eles e apreciação das respostas apresentadas pelos demais corréus.

Consoante já deixei assentado na decisão que indeferiu a liminar, o excesso de prazo deve ser aferido segundo o princípio da razoabilidade, considerando-se as circunstâncias excepcionais que eventualmente venham a retardar a instrução criminal, bem como a complexidade do feito.


Ademais, a instrução criminal somente tem início no recebimento da denúncia, e o excesso de prazo não é apurado mediante cômputo meramente aritmético, mas sim segundo o princípio da razoabilidade, levando-se em conta as circunstâncias excepcionais que eventualmente venham a retardar a instrução criminal.


Verifico que o trâmite processual transcorre de acordo com as particularidades do caso concreto, apresentando uma demora justificada. Trata-se de atraso não decorrente de abuso imputável à acusação ou ao Juiz, mas justificável ante o número de acusados (quatorze) e a intimação para a resposta preliminar de cada um, demandando a expedição de mandados de citação, cartas precatórias e edital de citação para apresentação de respostas à acusação, o que torna razoável e justificada a demora na formação da culpa, de modo a afastar o alegado constrangimento ilegal por excesso de prazo.

Tampouco se há falar em constrangimento ilegal por ausência dos requisitos para o decreto de prisão preventiva.

O artigo 312 do Código de Processo Penal estabelece os fundamentos para a prisão preventiva, ao afirmar que poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver provas da existência de crime e indícios suficiente de autoria.


O decreto de prisão preventiva do paciente fez expressa menção à situação concreta que a exigia. Transcrevo trechos da cópia do decreto referentes ao paciente, anexado aos autos pelo Ministério Público Federal (fls. 150/151):


"... além de presentes os indícios de materialidade e de autoria, constato haver necessidade da prisão cautelar para a garantia da ordem pública, porquanto, como alegado pela autoridade policial, as condutas delituosas praticadas são o meio de vida e a fonte de renda dos investigados e usuais no seio da organização criminosa, sendo imprescindível sua prisão cautelar para impedir que saquem os benefícios fraudulentamente conseguidos e outros porventura existentes, bem como eventuais empréstimos compulsórios correlatos ainda não identificados. Igualmente, tenho como necessária a prisão processual para assegurar a aplicação da lei penal, uma vez que os agentes, ao que tudo indica, não possuem laços com o distrito da culpa, pois, além da prática reiterada de utilização de documentos falsos, transitam com facilidade e constantemente por diversas cidades e estados brasileiros, do que se infere que, uma vez deflagrada operação policial sem que haja prisão dos envolvidos, a aplicação da lei penal em caso de condenação restará inviabilizada. Além do mais, a reiterada utilização de documentos falsos por parte dos investigados traz dúvidas quanto às verdadeiras identidades dos investigados, motivo pelo qual se torna imperiosa a medida cautelar de restrição de liberdade. Por fim, o grande poderio econômico da organização, extraído pelos inúmeros benefícios previdenciários auferidos fraudulentamente (há, nos autos, notícia de mais de 30 benefícios previdenciários fraudulentos), em conjunto com os empréstimos compulsórios auferidos pela organização, consoante demonstram as interceptações telefônicas, tudo em prejuízo dos cofres públicos, mais especificamente da Previdência Social, justificam o pressuposto da prisão cautelar consistente na garantia da ordem econômica.
(...)
(...) nos termos dos artigos 312 e 313, inciso I, do Código de Processo penal, e para garantia da ordem publicam da ordem econômica, da aplicação da lei penal e para assegurar a instrução criminal, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de (...) JORGE LUIS FERREIRA MARGARIDO..."
(grifei).



Todos esses fatos denotam o fumus boni iuris da custódia cautelar, que evidenciam a real indispensabilidade da medida constritiva, nos termos do artigo 312, do Código de Processo Penal, a desaconselhar a concessão da liberdade provisória requerida e afastar a alegação de constrangimento ilegal.


Por outro lado, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para a concessão da liberdade provisória, quando demonstrada a presença de outros elementos que justifiquem a medida constritiva excepcional:


"CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDO. PRISÃO PREVENTIVA. REITERAÇÃO DE PRÁTICAS ILÍCITAS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. EXCESSO DE PRAZO. DEMORA JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. TRÂMITE REGULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.
I. Não se vislumbra ilegalidade na custódia cautelar do réu, tendo em vista que procedida em conformidade com as exigências legais, atendendo aos termos do art. 312 do Código de Processo Penal e da jurisprudência dominante.
II. A reiteração de condutas ilícitas, o que denota ser a personalidade do réu voltada para a prática delitiva, obsta a revogação da medida constritiva. Precedentes. [...]
VI. Ordem denegada."
(STJ - HC 59646/RS, 5ª Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, j. 19.9.2006, DJU de 16.10.2006, p. 407).
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PREVENÇÃO À REITERAÇÃO DA PRÁTICA DELITUOSA. EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. SÚMULA 52/STJ. ORDEM DENEGADA.
1. A existência de fortes indícios, devidamente demonstrados, de que o paciente é dado à reiteração de práticas criminosas é circunstância que justifica a custódia cautelar para a garantia da ordem pública.
2. Conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições pessoais favoráveis não implicam direito à liberdade provisória, quando a prisão encontra-se fundamentada no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. Resta superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, quando encerrada a fase relativa à instrução criminal (Súmula 52/STJ).
4. Ordem denegada."
(STJ - HC 65586/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, 05.12.2006, DJ 05.02.2007, p. 303)


Por fim, também não vislumbro o alegado constrangimento ilegal como justificativa para o trancamento da ação penal, sob a alegação de que as provas dos autos foram obtidas por meios ilícitos pois a organização criminosa da qual o paciente supostamente fazia parte não poderia ser objeto de ação controlada, já que não existe uma definição legal do que venha a ser uma "organização criminosa."


É certo que não existe em nosso ordenamento jurídico o crime específico de "organização criminosa" e que, legalmente, não se há como confundir o crime organizado com o bando ou quadrilha.

Em razão do Decreto n° 5.015/04, o Brasil incorporou a Convenção de Palermo ao nosso sistema jurídico. Contudo, esse tratado não tipificou um crime específico de "organização criminosa", e a Lei n° 9.034/95 não traz as elementares exigíveis e presentes em um tipo penal incriminador.


Assim, a Jurisprudência tem considerado como válida a aplicação da definição de organização criminosa, à luz do artigo 1º, da Lei 9.034/95 com a redação dada pela Lei 10.217/01, com a tipificação do art. 288 do Código Penal e do Decreto Legislativo 231/03, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizada em Palermo/Itália, que conceituou a organização criminosa como sendo: "... grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material".

"HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL.
(...)
Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.° 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente. "
(STJ, HC 200700418799, Relator(a) LAURITA VAZ, STJ, QUINTA TURMA, DJE DATA:22/09/2008)
" (...)
15. Note-se que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, à qual o Brasil aderiu e internalizou, com o Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004, no seu artigo 2º, alínea "a", adotou como conceito de grupo criminoso organizado o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.
(...)"
(TRF 3, HC 2010.03.00.011345-4/MS, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:02/07/2010 PÁGINA: 262)

A doutrina também tem entendido estar bem definido o conceito de organização criminosa por meio da Convenção de Palermo, para fins de atender o princípio da legalidade:

"(...) Em que pese a respeitáveis entendimentos contrários, entendemos que a Lei Federal n. 9.034/95 efetivamente, conceituou organização criminosa. Não se criou qualquer requisito adicional dependente de integração hermenêutica pelos operadores do direito para determinar se a presença de uma organização criminosa: bastará tão somente a presença dos requisitos tradicionalmente exigíveis para o crime descrito no art. 288 do Código Penal, desde que associados à efetiva prática de pelo menos um crime"
(MAIA, Carlos Rodolfo F. Tigre. "Lavagem de dinheiro", 2ª ed. Malheiros, SP, 2007. p.78).

Diante da ausência de tipificação legal da conduta de "participar de organização criminosa", o Ministério Público tem denunciado os membros de organizações criminosas por formação de bando ou quadrilha para evitar que a conduta criminosa fique sem sanção, como ocorre no caso sob julgamento.

De fato, o paciente foi denunciado pelo crime do artigo 288 do Código Penal, cujo conceito é estável no Direito Penal, não se atribuindo a ele o crime de "participar de organização criminosa", já que não seria possível fazê-lo pois não existe em nosso ordenamento jurídico.


"PENAL. HABEAS CORPUS. PRETENDIDA ANULAÇÃO DA DECISÃO QUE RECEBEU O ADITAMENTO À DENÚNCIA, POR HAVER IMPUTADO AO PACIENTE CRIME DE "ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA". ACUSAÇÃO QUE VERSA SOMENTE SOBRE QUADRILHA E CRIME DE LAVAGEM DE ATIVOS.ORDEM DENEGADA.
1.HABEAS CORPUS objetivando a anulação da decisão que recebeu o aditamento à denúncia.
2.O paciente foi denunciado pela prática dos crimes de quadrilha ou bando e de sonegação fiscal. Posteriormente, aditou-se a inicial para acrescentar à imputação o crime do artigo 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613/98 - lavagem de ativos. 3.Em momento algum o MPF atribuiu ao paciente o crime de organização criminosa, e nem poderia fazê-lo porque esse tipo penal inexiste. O Brasil, por meio do Decreto n° 5.015 de 12/3/2004, incorporou a Convenção de Palermo ao nosso sistema jurídico, sendo que em momento algum esse notável tratado e, menos ainda outra norma de natureza penal tipificou um crime específico de "organização criminosa".
4.Não constatado qualquer traço de ilegalidade no aditamento à denúncia recebido pelo Juízo a quo.
5.Ordem denegada."
(TRF 3, HC 200903000140005, Relator(a) JUIZ JOHONSOM DI SALVO , PRIMEIRA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:24/06/2010 PÁGINA: 32)

Consoante bem ressaltado no parecer:


"(...)
Considerando ainda que a Lei nº 9.034/95 é aplicável também à reunião de pessoas que configure quadrilha ou bando, como dispõe o artigo 1º da referida Lei, não há que se discutir se a ação controlada gerou uma prova ilícita, eis que é perfeitamente possível sua realização para a organização de que o paciente fazia parte.
Portanto, a ação controlada é possível tanto para os casos em que se investiga uma organização criminosa, assim definida na Convenção de Palermo, e, também, quando se investiga uma quadrilha ou bando, não havendo ilicitude nas provas obtidas com a sua realização."
(fls. 146).

Com tais considerações, ausente o alegado constrangimento ilegal, denego a ordem.

É o voto.

@@assinatura@@




Henrique Herkenhoff
Desembargador Federal


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