Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/02/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013615-89.2014.4.03.6000/MS
2014.60.00.013615-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES e outro(a)
APELANTE : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
: JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES
APELADO(A) : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO
ABSOLVIDO(A) : DEJANIRA MACHADO RECALDE
: JUAREZ LOPES CANCADO
No. ORIG. : 00136158920144036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. SENTENÇA. NULIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CÓDIGO PENAL (ART. 168, III). MATERIALIDADE. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. PERDIMENTO DE BENS.
1. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, contém a exposição dos fatos criminosos com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e o rol de testemunhas. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis. Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate.
2. Após a instrução processual, a acusação considerou que havia situação emergencial a justificar a ausência de licitação, razão pela qual requereu a absolvição dos réus da prática do delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93. Requereu, ainda, a desclassificação do delito do art. 312, caput, do Código Penal, para o art. 171 c. c. o art. 71 do Código Penal. Conforme apontou a Procuradoria Regional da República, a alteração não decorreu do surgimento de fatos novos, mas da interpretação dada pela acusação aos fatos narrados na denúncia, vale dizer, não houve introdução de fato novo a ensejar a capitulação jurídica dos delitos, razão pela qual não se aplica o art. 384 do Código de Processo Penal. No que diz respeito à imputação de prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, a própria Lei, em seu art. 1º e parágrafo único, dispõe sobre as atividades que considera próprias de instituição financeira ou equiparada, razão pela qual a ausência de indicação, na denúncia, não permite concluir por sua inépcia ou por indevida atividade integradora do magistrado que a recebe.
3. Não há nulidade na sentença, pois houve análise lógica e coerente das afirmações de acusação e defesa. A discordância do réu em relação à capitulação jurídica dos fatos, à interpretação de provas e ao valor da prestação pecuniária são matérias de mérito cuja análise será feita oportunamente.
4. O delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86 é de natureza permanente e se sujeita ao prazo prescricional é de 8 (oito) anos. Os fatos ocorreram entre julho de 1999 e dezembro de 2003 e a denúncia foi recebida em 22.06.11, antes do decurso do prazo prescricional. A sentença de parcial procedência, proferida em 26.04.18, interrompe a prescrição para todos os delitos (CP, art. 117, § 1º, parte final). Portanto, não procede a alegação de prescrição da pretensão punitiva estatal.
5. A materialidade do delito do art. 168, III, do Código Penal restou comprovada nos autos.
6. Não merece reparo a sentença na parte em que considerou não configurado o delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86.
7. Os documentos dos autos são suficientes à comprovação de que houve desvio ou apropriação de valores provenientes da arrecadação de prêmios do seguro DPVAT no período de junho de 1999 a dezembro de 2003. A posse ou detenção dos valores foi obtida de modo legítimo, com base em contrato de prestação de serviços que não pode ser considerado, em si, meio fraudulento de que os réus teriam se valido para obter vantagem ilícita. Ainda que se admita a existência de fraude na celebração do contrato por meio de interposta pessoa ("testa de ferro"), não houve artifício, ardil ou adoção de qualquer outro meio fraudulento fraude em relação aos contribuintes que se valeram da empresa para realizar o pagamento de seus débitos. Portanto, não merece acolhida a insurgência do Ministério Público quanto à alteração da capitulação jurídica dos fatos para o art. 168, III, do Código Penal, com fundamento no art. 383 do Código de Processo Penal.
8. Embora o montante apurado pela Auditoria do DETRAN-MS divirja do indicado pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, restou incontroverso nos autos o desvio de valores.
9. Há prova satisfatória de autoria delitiva em relação a ambos os réus, ora apelantes.
10. Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, deve haver exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16).
11. O arbitramento do dia-multa levou em consideração a capacidade econômica do réu, que afirmou ser empresário e dono de diversas propriedades rurais. Não há contradição em relação à prestação pecuniária do corréu, por serem diversas as condições econômicas.
12. Dosimetria da pena revista.
13. O Juízo a quo, nos termos do art. 91, II, b, do Código Penal, decretou o perdimento de bens. Consignou que o réu, ao ser inquirido perante a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, assumiu que os valores desviados do SUS foram investidos em seu terreno, o mesmo que foi objeto de sequestro. Portanto, trata-se de clara situação de proveito do crime (CP, art. 91, II, b), a impor a perda dos bens em favor da União. A perda, em favor da União, de bem que constitua proveito auferido com a prática do fato criminoso não resta afastada pelo ressarcimento do valor desviado.
14. Negado provimento às apelações da acusação e das defesas. De ofício, alteradas as penas de multa. Mantidos os demais termos da sentença.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações criminais da acusação e das defesas e, de ofício, fixar a pena de multa de João Roberto Baird em 16 (dezesseis) dias-multa e a de Roberto Teles Barbosa em 23 (vinte e três) dias-multa. No mais, mantida a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 17 de fevereiro de 2020.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 19/02/2020 16:42:57



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013615-89.2014.4.03.6000/MS
2014.60.00.013615-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES e outro(a)
APELANTE : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
: JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES
APELADO(A) : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO
ABSOLVIDO(A) : DEJANIRA MACHADO RECALDE
: JUAREZ LOPES CANCADO
No. ORIG. : 00136158920144036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO-VISTA

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e pelas defesas de João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa contra a sentença de fls. 2.938/2.958-v° e completada às fls. 2.986/2.989-v°, que julgou procedente em parte a denúncia para:

a) absolver Dejanira Machado Recalde da prática dos delitos do art. 89 da Lei n. 8.666/93, dos arts. 168, III e 288 do Código Penal e do delito do art. 16 da Lei 7.452/86;

b) absolver Juarez Lopes Cançado da prática dos crimes dos arts. 168, III, e 288, ambos do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86;

c) condenar João Roberto Baird pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 116 (cento e dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em 2003, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86;

d) condenar Roberto Teles Barbosa pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, a 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco dias) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86. Decretado o perdimento, em favor da União, dos imóveis de matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS), nos termos do art. 91, II, b, do Código Penal.

Em suas razões o Ministério Público Federal sustenta o seguinte:

a) interpõe recurso para a condenação dos réus João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa pela prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86 e do art. 171, § 3º, do Código Penal, bem como para o aumento das penas aplicadas pelo Juízo a quo;

b) restou comprovado que os réus, entre julho de 1999 e dezembro de 2003, operaram S & I Informática Ltda., como uma instituição financeira, sem autorização do Banco Central;

c) ao contrário da conclusão da sentença, a atividade desenvolvida pelos réus encontra previsão no art. 1º da Lei n. 7.492/86, ou seja, é própria de instituição financeira (intermediação e custódia de valores);

d) conforme dispõe o Decreto n. 2.867/98, a atividade concernente ao prêmio do seguro DPVAT deve ser exercida por instituição financeira que tenha autorização para funcionar;

e) ainda que por via dissimulada e indireta, os réus desenvolveram atividade exclusiva de instituição financeira, a ensejar a aplicação do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86, o que não resta infirmado pela possibilidade de contratação de correspondente para a prestação de serviços, conforme previsto na Resolução CMN n. 3.954/01;

f) merece reparo a sentença na parte em que capitulou como apropriação indébita as condutas praticadas pelos réus, em detrimento do crime de estelionato apontado em alegações finais, uma vez que restou demonstrada a conduta fraudulenta consistente em utilização de interposta pessoa ("testa de ferro") na assinatura de contrato como o Detran de Mato Grosso do Sul;

g) a conduta dos réus permitiu que S & I Serviços de Informática fosse usada para o desvio de recursos públicos durante 4 (quatro) anos, impondo-se o reconhecimento de que João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa praticaram a conduta do art. 171, § 3º, do Código Penal;

h) as penas-bases aplicadas pelo Juízo a quo devem ser exasperadas, tendo em vista a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime (fls. 3.007/3.011).

Por sua vez, a defesa de João Roberto Baird alega, em apelação, o que segue:

a) nulidade da decisão que recebeu a denúncia, pois a ausência de fundamentação e violação ao art. 93, IX, da Constituição da República e aos arts. 395 e 396 do Código de Processo Penal;

b) nulidade da sentença, pois afirma que não houve comprovação de que o réu firmou contrato com o corréu Roberto Teles Barbosa, a despeito da juntada aos autos do instrumento particular de compromisso irretratável e irrevogável de compra e venda do imóvel de Matrícula n. 200.995, do CRI de Campo Grande (fls. 1.820/1.826);

c) ao apreciar os embargos de declaração, o Juízo a quo, ao verificar que o documento fora juntado aos autos, afirmou que não seria suficiente para comprovar que "serviu como garantia de pagamento de débito", o que viola o art. 93, IX, da Constituição da República e os arts. 155 e 156 do Código de Processo Penal;

d) nulidade da sentença por ausência de correlação com os fatos indicados na denúncia, com ofensa ao art. 5º, LIV, da Constituição da República e ao art. 384, § 2º, do Código de Processo Penal: o Juízo a quo desconsiderou a imputação da denúncia (CP, art. 312) e das alegações finais da acusação (CP, art. 171) e condenou o apelante por crime diverso (CP, art. 168, III), sem reabrir a instrução após nova "descrição fática";

e) prescrição da pretensão punitiva em relação ao delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, com declaração de incompetência do Juízo a quo para o processamento do feito;

f) o Juízo a quo igualmente desempenhou o papel reservado à acusação ao afastar a alegação de inépcia da denúncia por não ter apontado a norma integradora do art. 16 da Lei n. 7.492/86 (cf. fl. 2.043v.);

g) o Laudo Pericial n. 1.068/2008, elaborado pela Polícia Federal e apontado na sentença como prova determinante de prática delitiva, analisou apenas parte das informações de S & I Serviços e Informática e o encerramento das investigações ocorreu após 3 (três) anos de sua elaboração, com crédito em favor da empresa;

h) a sentença sequer apontou o montante que teria sido desviado pelo réu, valendo-se ora da conclusão do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul, ora dos valores indicados em auditoria do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, divergentes entre si;

i) não houve demonstração de sociedade de fato entre João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa em período anterior a 24.04.02 (a afirmação de que Roberto Teles seria empregado e "laranja" do ora apelante carece de lastro probatório);

j) não houve ato simulado ou fictício praticados com o intuito de encobrir a participação do apelante em eventos anteriores ao seu ingresso na empresa e aduzir o contrário é ignorar o disposto no art. 1.025 do Código Civil;

l) o réu deve ser absolvido da prática do crime do art. 168, III, do Código Penal, pois não há comprovação de que participou da apropriação de valores decorrentes do recolhimento do seguro obrigatório;

m) no que diz respeito à dosimetria da pena, malgrado tenha sido reconhecida como atípica a imputação de prática contra o Sistema Financeiro Nacional, as circunstâncias do delito foram consideradas reprováveis, o que é contraditório e deve ser afastado, fixando-se no mínimo legal a pena-base do delito do art. 168, III, do Código Penal;

n) não há elementos nos autos que sustentem a conclusão de que as consequências do delito teriam sido de grande vulto, com desvio de R$ 7.369.397,55 (sete milhões, trezentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e sete reais e cinquenta e cinco centavos), razão pela qual a pena-base do delito do art. 168, III, do Código Penal, não deve ser exasperada;

o) inexistência de critério objetivo para a fixação da prestação pecuniária em R$ 100.000,00 (cem mil reais), além de ser contraditória uma vez considerada a prestação pecuniária fixada para o corréu Roberto Teles Barbosa;

p) a pena deve ser reduzida em 2/3 (dois terços), à vista do disposto no art. 16 do Código Penal (fls. 3.015/3.052).

Enquanto a defesa de Roberto Teles Barbosa, interpõe apelação nos seguintes termos:

a) insurge-se contra a sentença na parte em que determinou o perdimento, em favor da União, dos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS);

b) assume a responsabilidade por suas ações e omissões e consigna que jamais foi artífice ou beneficiário da apropriação indébita de recursos públicos por empresa da qual era detentor de apenas 10% (dez por cento) das cotas sociais;

c) discorre sobre o sequestro de bens previsto no Decreto-lei n. 3.240/41 e a equivocada decretação do perdimento de bens sob o fundamento de que seriam proveito de crime (CP, art. 91, II, b);

d) não houve questionamento ou discussão sobre a licitude da origem dos imóveis do apelante, pois o incidente havia sido instaurado com a finalidade de garantir eventual reparação de dano ao erário;

e) mera informação constante em boletim de ocorrência, não submetida a contraditório e não confirmada em Juízo, não é fundamento válido para a decretação de perdimento de bens;

f) a propriedade dos imóveis tem origem legal, conforme se verifica das escrituras públicas e demais documentos que instruem a apelação;

g) houve restituição integral do valor desviado antes do recebimento da denúncia, ou seja, o dado ao erário foi reparado (fls. 3.100/3.133 e documentos de fls. 3.135/3.245).

Contrarrazões dos réus às fls. 3.053/3.067 e 3.069/3.075.

A acusação apresentou contrarrazões e requereu a execução provisória das penas após esgotadas as instâncias ordinárias (fls. 3.077/3080v. e 3.255/3.259).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pelo não provimento dos recursos da defesa e pelo provimento do recurso da acusação (fls. 3.255/3.275).

Em sessão de julgamento realizada em 14.10.2019, o Eminente Relator, Desembargador André Nekatschalow, negou provimento às apelações criminais da acusação e das defesas e, de ofício, fixou a pena de multa de João Roberto Baird em 16 (dezesseis) dias-multa e a de Roberto Teles Barbosa em 23 (vinte e três) dias-multa, no mais, manteve a sentença.

É o relatório.

Pedi vista dos autos para melhor reflexão sobre o tema.

Acompanho o Relator quanto ao não provimento dos recursos interpostos pela acusação e pelas defesas, bem como pelo ajuste de ofício às penas de dias-multa fixadas aos réus.

No entanto, apresento fundamentos diversos quanto aos utilizados para o perdimento de bens.

Inicialmente, observo que após negar provimento aos recursos da acusação e defesas, contra a sentença que julgou parcialmente procedente a denúncia para condenar os réus João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa, nos termos descritos no relatório, o eminente Relator fundamentou o seu posicionamento quanto à manutenção do perdimento de bens, sob os seguintes argumentos (fl. 3.409):

"Perdimento de bens. O Juízo a quo, com fundamento no art. 91, II, b, do Código Penal, decretou o perdimento de bens de Roberto Teles Barbosa, a saber, imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS).

O Juízo a quo consignou que o réu, ao ser inquirido perante a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, assumiu que os valores desviados do SUS (cerca de R$ 1.000.000,00) foram investidos em seu terreno, vale dizer, para a aquisição de grama, edificação e instalação de energia elétrica em 2 (dois) campos de futebol (fls. 2.957/2.958). Os terrenos sequestrados foram os do complexo desportivo mencionado em depoimento do réu, conforme representação policial de fls. 168/170.

Portanto, trata-se de clara situação de proveito do crime (CP, art. 91, II, b), a impor a perda dos bens em favor da União, que não resta afastada pelo ressarcimento do valor desviado (cf. fls. 2.986/2.989v.)."

Ocorre que em sede recursal (fls. 3.100/3.245), a defesa de Roberto Teles Barbosa insurge-se contra a sentença na parte em que determinou o perdimento, em favor da União, dos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS), alega, em síntese, que a propriedade dos imóveis tem origem legal, não constituindo proveito de crime; que a sentença se baseou em mera informação constante em boletim de ocorrência, não submetida a contraditório, inclusive, não confirmada em Juízo, não sendo, portanto, fundamento válido para a decretação de perdimento de bens; juntou documentos e afirma que houve integral restituição do valor desviado antes do recebimento da denúncia.

Entretanto, em análise aos autos, verifico que não lhe assiste razão. Vejamos:

De fato, observa-se que os fundamentos constantes na decisão condenatória do juízo a quo referem-se ao fato do réu, quando "inquirido perante a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, assumiu que os valores desviados do SUS (cerca de R$ 1.000.000,00) foram investidos em seu terreno, vale dizer, para a aquisição de grama, edificação e instalação de energia elétrica em 2 (dois) campos de futebol (fls. 2.957/2.958). Os terrenos sequestrados foram os do complexo desportivo mencionado em depoimento do réu, conforme representação policial de fls. 168/170."

Verifica-se que diante de tal cenário, o réu, através do seu defensor, estrategicamente, apresenta argumentos convincentes no sentido de descredibilizar a própria informação levada ao conhecimento policial, realizada em data próxima aos fatos (03/12/2003), justamente para esgotar o suporte fático-jurídico que sustenta a decretação do perdimento de bens. Para tanto, nega a veracidade da versão apresentada naquela oportunidade, inclusive, aponta detalhes que sugerem uma conduta friamente arquitetada por ele e pelo corréu João, que na ocasião tinha como finalidade encobrir a responsabilidade do último em relação aos delitos em que ambos foram condenados no presente feito.

Ademais, na tentativa de demonstrar a credibilidade dos argumentos lançados na peça recursal, os quais encontram-se no sentido de demonstrar a ausência de proveito do crime, principalmente no que tange à aquisição e melhorias nos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS), junta documentos situados às fls. 3.135/3.245.

Constata-se que de fato o réu apresenta argumentos capazes de minar a credibilidade da versão apresentada no inquérito policial, entretanto, não suficientemente para afastar a conclusão judicial de que os imóveis, objetos do perdimento de bens, configuram-se como proveito do crime praticado. Isso porque realizada a análise conjunta com os demais elementos constantes nos autos, deve no caso em tela, prevalecer o princípio geral do direito Nemo auditur propriam turpitudinem allegans, ou, em outras palavras, ninguém pode se beneficiar da própria torpeza.

Aliás, merece destaque a postura processual do réu Roberto Teles, que diferentemente daquele que visa a contribuir para o esclarecimento dos fatos, de modo a resultar no julgamento justo, simplesmente, tentou por diversas vezes, se esquivar da verdade da forma que mais lhe beneficiava, tanto que o juiz sentenciante também percebendo o respectivo intento, fez constar a seguinte observação na sentença (fl. 2.949):

"As constantes mudanças de sua versão sobre os fatos indicam que o réu está disposto a alterar sua tese defensiva de acordo com a conveniência do momento, admitindo a prática do crime num primeiro momento, quando os fatos ainda são recentes e se mostra mais adequado a sua defesa confessar o crime. Num segundo momento o réu passa a negar a prática dos crimes e para isso se utiliza de argumentos evasivos incapazes de afastar seu protagonismo no esquema criminoso. "

Observa-se, em que pese o esforço do réu em tentar demonstrar uma suposta coação, ou mesmo, intuito de ludibriar a justiça ao se apresentar à delegacia policial para descrever a prática de um crime por ele consumado, consistente no desvio de cerca de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) do SUS, para investi-lo no empreendimento pessoal, objeto do perdimento, causa estranheza o fato de que naquele momento, o réu encontrava-se devidamente representado por advogado, o qual, inclusive, trata-se do mesmo patrono que o defende até o momento (fls. 3.164/3.168);

Ademais, parece visível que o réu não relevou a verdade em sede policial, tanto que na ocasião afirmou:

"Que, acerca de seis anos atrás o declarante adquiriu uma área de três hectares nos fundos do Bairro Giocondo Orsi, onde começou a construir campos de futebol; Que, por volta do mês de outubro ou novembro /2002 o Prefeito André Pucinelli desapropriou um hectare dessa área, para fazer o prolongamento da via parque, destruindo praticamente todas as melhorias que o declarante até então tinha feito naquela área e sem recursos para a reforma, o declarante resolveu fazer retiradas da S & I para cobrir suas despesas com a reforma da área, sem contudo dar ciência destes fatos ao seu sócio João Roberto Baird." (fl. 3.165).

Porém, verifica-se pelas próprias cópias de Escrituras Públicas de Compra e Venda e documentos correlatos juntados pelo réu às fls. 3.187/3.195, que o respectivo imóvel, ao contrário do alegado acima, não havia sido adquirido "acerca de seis anos atrás", ou seja, por volta de 1997, mas em 03/04/2000, sendo que no ano seguinte, 19/01/2001 o transferiu para a Teles Esportes Ltda., pessoa jurídica da qual é sócio (fls. 3.197/3.202).

Repara-se que no momento em que o imóvel foi adquirido, o réu já estava envolvido com a prática do crime de apropriação em debita, havia quase 01 (um) ano, uma vez que a condenação se referiu ao período de julho de 1999 a dezembro de 2003 (fls. 2.938/2.958-vº).

Outro fator que chama atenção é que diferentemente do que fez constar no boletim de ocorrência, não havia qualquer benfeitoria na parte desapropriada, conforme demonstra o Laudo de Avaliação nº 068/2001 (fls. 3.226/.3230).

Em que pese o réu ter juntado a cópia de Cédula de Crédito Comercial nº 21/95002-4, assinada em 12/03/2001, junto ao Banco do Brasil, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que dentre outros objetos, continha a "construção de um prédio com área coberta de 640 m2 (16m X 40m), ele não demonstrou a origem do dinheiro para a aquisição de grama para os campos de futebol e para a respectiva execução de serviços de engenharia elétrica de iluminação (fls. 3.208/3.222).

Observa-se, ainda, conforme descrito nas Escrituras Públicas de Compra e Venda, que o imóvel adquirido por Roberto Teles (com área de 33.029,29 metros quadrados) se deu no valor de R$ 67.000,00 (sessenta e sete mil reais), sendo no ano seguinte transferido para a Teles Esportes Ltda., na quantia de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), valores estes, que se configuram muito abaixo daquele informado pelo réu (R$ 1.000.000,00) referente aos investimentos realizados no empreendimento.

Por outro lado, embora o réu tenha afirmado que o dinheiro, objeto do desvio, não foi direcionado para o investimento nos imóveis, dando a entender que quem de fato teria se apropriado do valor seria o seu sócio e corréu, João Baird, não apresentou detalhes do ocorrido, elementos que certamente teria condições, tendo em vista o crime ter sido realizado por ambos.

Por fim, não há que falar em ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa, uma vez que a perda de bens se refere a uma das modalidades de efeitos da condenação, nos termos artigo 91, inciso II, alínea "b", do Código Penal, que no caso dos autos restou demonstrado serem proveito de crime. Ademais, ressalta-se que os principais elementos fáticos para a manutenção da decretação de perdimento dos bens, decorrem justamente dos documentos colacionados aos autos pelo próprio réu.

Ante o exposto, pelo meu voto, acompanho o entendimento adotado pelo Des. Federal André Nekatschalow, para, igualmente, NEGAR PROVIMENTO ao recurso, ainda que por outros fundamentos.

É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013615-89.2014.4.03.6000/MS
2014.60.00.013615-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES e outro(a)
APELANTE : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
: JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES
APELADO(A) : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO
ABSOLVIDO(A) : DEJANIRA MACHADO RECALDE
: JUAREZ LOPES CANCADO
No. ORIG. : 00136158920144036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal contra a sentença de fls. 2.938/2.958v., integrada às fls. 2.986/2.989v., que julgou procedente em parte a denúncia para: a) absolver Dejanira Machado Recalde da prática dos delitos do art. 89 da Lei n. 8.666/93, dos arts. 168, III e 288 do Código Penal e do delito do art. 16 da Lei 7.452/86; b) absolver Juarez Lopes Cançado da prática dos crimes dos arts. 168, III, e 288, ambos do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86; c) condenar João Roberto Baird pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 116 (cento e dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em 2003, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86; d) condenar Roberto Teles Barbosa pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, a 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco dias) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86. Decretado o perdimento, em favor da União, dos imóveis de matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS), nos termos do art. 91, II, b, do Código Penal.

Em apelação, o Ministério Público Federal sustenta o seguinte:

a) interpõe recurso para a condenação dos réus João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa pela prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86 e do art. 171, § 3º, do Código Penal, bem como para o aumento das penas aplicadas pelo Juízo a quo;
b) restou comprovado que os réus, entre julho de 1999 e dezembro de 2003, operaram S & I Informática Ltda. como uma instituição financeira, sem autorização do Banco Central;
c) ao contrário da conclusão da sentença, a atividade desenvolvida pelos réus encontra previsão no art. 1º da Lei n. 7.492/86, ou seja, é própria de instituição financeira (intermediação e custódia de valores);
d) conforme dispõe o Decreto n. 2.867/98, a atividade concernente ao prêmio do seguro DPVAT deve ser exercida por instituição financeira que tenha autorização para funcionar;
e) ainda que por via dissimulada e indireta, os réus desenvolveram atividade exclusiva de instituição financeira, a ensejar a aplicação do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86, o que não resta infirmado pela possibilidade de contratação de correspondente para a prestação de serviços, conforme previsto na Resolução CMN n. 3.954/01;
f) merece reparo a sentença na parte em que capitulou como apropriação indébita as condutas praticadas pelos réus, em detrimento do crime de estelionato apontado em alegações finais, uma vez que restou demonstrada a conduta fraudulenta consistente em utilização de interposta pessoa ("testa de ferro") na assinatura de contrato como o Detran de Mato Grosso do Sul;
g) a conduta dos réus permitiu que S & I Serviços de Informática fosse usada para o desvio de recursos públicos durante 4 (quatro) anos, impondo-se o reconhecimento de que João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa praticaram a conduta do art. 171, § 3º, do Código Penal;
h) as penas-bases aplicadas pelo Juízo a quo devem ser exasperadas, tendo em vista a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime (fls. 3.007/3.011).

João Roberto Baird alega, em apelação, o que segue:

a) nulidade da decisão que recebeu a denúncia, pois a ausência de fundamentação e violação ao art. 93, IX, da Constituição da República e aos arts. 395 e 396 do Código de Processo Penal;
b) nulidade da sentença, pois afirma que não houve comprovação de que o réu firmou contrato com o corréu Roberto Teles Barbosa, a despeito da juntada aos autos do instrumento particular de compromisso irretratável e irrevogável de compra e venda do imóvel de Matrícula n. 200.995, do CRI de Campo Grande (fls. 1.820/1.826);
c) ao apreciar os embargos de declaração, o Juízo a quo, ao verificar que o documento fora juntado aos autos, afirmou que não seria suficiente para comprovar que "serviu como garantia de pagamento de débito", o que viola o art. 93, IX, da Constituição da República e os arts. 155 e 156 do Código de Processo Penal;
d) nulidade da sentença por ausência de correlação com os fatos indicados na denúncia, com ofensa ao art. 5º, LIV, da Constituição da República e ao art. 384, § 2º, do Código de Processo Penal: o Juízo a quo desconsiderou a imputação da denúncia (CP, art. 312) e das alegações finais da acusação (CP, art. 171) e condenou o apelante por crime diverso (CP, art. 168, III), sem reabrir a instrução após nova "descrição fática";
e) prescrição da pretensão punitiva em relação ao delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, com declaração de incompetência do Juízo a quo para o processamento do feito;
f) o Juízo a quo igualmente desempenhou o papel reservado à acusação ao afastar a alegação de inépcia da denúncia por não ter apontado a norma integradora do art. 16 da Lei n. 7.492/86 (cf. fl. 2.043v.);
g) o Laudo Pericial n. 1.068/2008, elaborado pela Polícia Federal e apontado na sentença como prova determinante de prática delitiva, analisou apenas parte das informações de S & I Serviços e Informática e o encerramento das investigações ocorreu após 3 (três) anos de sua elaboração, com crédito em favor da empresa;
h) a sentença sequer apontou o montante que teria sido desviado pelo réu, valendo-se ora da conclusão do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul, ora dos valores indicados em auditoria do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, divergentes entre si;
i) não houve demonstração de sociedade de fato entre João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa em período anterior a 24.04.02 (a afirmação de que Roberto Teles seria empregado e "laranja" do ora apelante carece de lastro probatório);
j) não houve ato simulado ou fictício praticados com o intuito de encobrir a participação do apelante em eventos anteriores ao seu ingresso na empresa e aduzir o contrário é ignorar o disposto no art. 1.025 do Código Civil;
l) o réu deve ser absolvido da prática do crime do art. 168, III, do Código Penal, pois não há comprovação de que participou da apropriação de valores decorrentes do recolhimento do seguro obrigatório;
m) no que diz respeito à dosimetria da pena, malgrado tenha sido reconhecida como atípica a imputação de prática contra o Sistema Financeiro Nacional, as circunstâncias do delito foram consideradas reprováveis, o que é contraditório e deve ser afastado, fixando-se no mínimo legal a pena-base do delito do art. 168, III, do Código Penal;
n) não há elementos nos autos que sustentem a conclusão de que as consequências do delito teriam sido de grande vulto, com desvio de R$ 7.369.397,55 (sete milhões, trezentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e sete reais e cinquenta e cinco centavos), razão pela qual a pena-base do delito do art. 168, III, do Código Penal, não deve ser exasperada;
o) inexistência de critério objetivo para a fixação da prestação pecuniária em R$ 100.000,00 (cem mil reais), além de ser contraditória uma vez considerada a prestação pecuniária fixada para o corréu Roberto Teles Barbosa;
p) a pena deve ser reduzida em 2/3 (dois terços), à vista do disposto no art. 16 do Código Penal (fls. 3.015/3.052).

Roberto Teles Barbosa interpõe apelação nos seguintes termos:

a) insurge-se contra a sentença na parte em que determinou o perdimento, em favor da União, dos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS);
b) assume a responsabilidade por suas ações e omissões e consigna que jamais foi artífice ou beneficiário da apropriação indébita de recursos públicos por empresa da qual era detentor de apenas 10% (dez por cento) das cotas sociais;
c) discorre sobre o sequestro de bens previsto no Decreto-lei n. 3.240/41 e a equivocada decretação do perdimento de bens sob o fundamento de que seriam proveito de crime (CP, art. 91, II, b);
d) não houve questionamento ou discussão sobre a licitude da origem dos imóveis do apelante, pois o incidente havia sido instaurado com a finalidade de garantir eventual reparação de dano ao erário;
e) mera informação constante em boletim de ocorrência, não submetida a contraditório e não confirmada em Juízo, não é fundamento válido para a decretação de perdimento de bens;
f) a propriedade do imóveis tem origem legal, conforme se verifica das escrituras públicas e demais documentos que instruem a apelação;
g) houve restituição integral do valor desviado antes do recebimento da denúncia, ou seja, o dado ao erário foi reparado (fls. 3.100/3.133 e documentos de fls. 3.135/3.245).

Contrarrazões dos réus às fls. 3.053/3.067 e 3.069/3.075.

A acusação apresentou contrarrazões e requereu a execução provisória das penas após esgotadas as instâncias ordinárias (fls. 3.077/3080v. e 3.255/3.259).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pelo não provimento dos recursos da defesa e pelo provimento do recurso da acusação (fls. 3.255/3.275).

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0013615-89.2014.4.03.6000/MS
2014.60.00.013615-1/MS
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES e outro(a)
APELANTE : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
: JOAO ROBERTO BAIRD
ADVOGADO : MS003291 JOSE WANDERLEY BEZERRA ALVES
APELADO(A) : ROBERTO TELES BARBOSA
ADVOGADO : MS007132B ANATOLIO FERNANDES DA SILVA NETO
ABSOLVIDO(A) : DEJANIRA MACHADO RECALDE
: JUAREZ LOPES CANCADO
No. ORIG. : 00136158920144036000 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

Retifico o relatório para fazer constar que os apelantes foram absolvidos da prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, não da Lei n. 7.452/86, como constou.

Imputação. Em 15.06.11, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Dagoberto Nogueira Filho, Dejanira Machado Recalde, João Roberto Baird, Juarez Lopes Cançado e Roberto Teles Barbosa.

Dagoberto Nogueira Filho e Dejanira Machado Recalde foram denunciados pela prática do delito do art. 89, caput, da Lei n. 8.666/93, do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86 e dos arts. 288 e 312, caput, ambos do Código Penal.

Roberto Teles Barbosa e João Roberto Baird foram denunciados pela prática do delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93, do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86 e dos arts. 288 e 312, caput, ambos do Código Penal.

Juarez Lopes Cançado foi denunciado pela prática do delito do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86 e dos arts. 288 e 312, caput, ambos do Código Penal.

Da indevida dispensa de licitação. Consta do inquérito policial que, em 28.07.99, Dagoberto Nogueira Filho, à época Diretor Geral do Departamento Nacional de Trânsito do Mato Grosso do Sul, valeu-se de dispensa de licitação indevidamente fundamentada no art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93, com a contratação da empresa S & I Serviços e Informática Ltda. para o serviço de arrecadação do prêmio de seguro DPVAT, entre outros.

Roberto Teles Barbosa e João Roberto Baird são os proprietários da empresa beneficiada.

Dejanira Machado Recalde, na condição de Diretora de Administração e Finanças do Detran-MS, participou da indevida dispensa de licitação, pois elaborou e assinou documento referente ao Processo de Contratação Emergencial n. 09/75264-99, bem como indicou a empresa beneficiada.

Dagoberto Nogueira Filho instruiu Dejanira Machado Recalde sobre as 2 (duas) empresas cujos nomes deveriam ser consultados para celebração do contrato. As empresas são S & I Serviços de Informática Ltda., de propriedade de Roberto Teles Barbosa e João Roberto Baird, e a empresa Itel Informática Ltda., de propriedade de João Roberto Baird.

Conforme restou apurado, jamais existiu situação emergencial a justificar a dispensa de licitação, ou seja, o fato de que o Banco do Brasil não mais arrecadaria valores de DPVAT. A comunicação de fechamento de apenas 3 (três) postos de atendimento do Banco do Brasil não comprometeria a regular arrecadação de valores.

Dos crimes previstos no art. 16 da Lei n. 7.492/86 e no art. 312 do Código Penal. O Ministério Público Federal requisitou auditoria do Departamento de Trânsito do Mato Grosso do Sul e da empresa S & I Serviços e Informática Ltda., cujo relatório foi conclusivo no sentido de que, no período de julho de 1999 a dezembro de 2003, houve ilegalidade na arrecadação e repasse de valores do seguro DPVAT ao Fundo Nacional de Saúde, ao Departamento Nacional de Trânsito e à companhia seguradora.

Os valores previstos no art. 1º do Decreto n. 2.867/98 não foram regularmente passados e o agente arrecadador, a despeito da exigência legal, não era uma instituição bancária. Para dar aparência de legalidade à arrecadação do prêmio do seguro DPVAT, em 28.09.99, a empresa ATP Tecnologia e Produtos S/A celebrou contrato com S & I Serviços de Informática. O contrato, assinado por Juarez Lopes Cançado, Diretor Executivo da ATP, e por Roberto Teles Barbosa, proprietário de S & I Serviços de Informática, autorizava a última empresa a "proceder o recebimento, por conta, ordem e risco da Fenaseg, por meio de toda sua rede de agências em todo o território nacional, dos valores correspondentes aos prêmios de Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT". Dejanira Machado Recalde figurou como testemunha.

Questionada, a Federação Nacional das Empresas dos Seguros Privados e de Capitalização - Fenaseg, informou que não autorizou o referido procedimento.

Portanto, no período de julho de 1999 a dezembro de 2003, Roberto Teles Barbosa e João Roberto Baird operaram instituição financeira sem autorização do Banco Central, a configurar a prática do delito do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86.

Ambos os denunciados contaram com o auxílio de Dagoberto Nogueira Filho e Dejanira Machado Recalde, os quais transferiram a responsabilidade pela arrecadação e repasse dos valores a entidade não bancária, de modo a propiciar o desvio de recursos.

Juarez Lopes Cançado também teve participação no peculato-desvio, uma vez que celebrou o indevido contrato na condição de Diretor-Executivo da ATP Tecnologia e Produtos S/A, inclusive com o repasse à S & I Serviços de Informática Ltda. de R$ 372.314,49 (trezentos e setenta e dois mil, trezentos e catorze reais e quarenta e nove centavos), nos meses de fevereiro a outubro de 2000.

No mesmo período, Roberto Teles Barbosa e João Roberto Baird perpetraram o delito do art. 312 do Código de Processo Penal, pois deixaram de repassar ao Fundo Nacional de Saúde o montante de R$ 5.600.375,55 (cinco milhões, seiscentos mil, trezentos e setenta e cinco reais e cinquenta e cinco centavos), bem como deixaram de recolher R$ 1.769.022,00 (um milhão, setecentos e sessenta e nove mil e vinte e dois reais) ao Departamento Nacional de Trânsito.

Após os fatos, João Roberto Baird recolheu, respectivamente, ao Fundo Nacional de Saúde e à Secretaria da Receita Federal os montantes de R$ 1.430.628,35 (um milhão quatrocentos e trinta mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta e cinco centavos) e de R$ 150.415,62 (cento e cinquenta mil, quatrocentos e quinze reais e sessenta e dois centavos). João Roberto Baird recolheu R$ 140.745,92 (cento e quarenta mil, setecentos e quarenta e cinco reais e noventa e dois centavos) ao Fundo Nacional de Saúde (Apenso 1, fl. 53).

A denúncia indica os Laudos de Exames Contábeis ns. 1803/2008 e 1068/2008 e conclui no sentido de que Roberto Baird restituiu aproximadamente 10% (dez por cento) do montante desviado, conforme apurado em auditoria do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul, que aponta o desvio de mais de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), em valores atualizados até maio de 2005.

Do delito do art. 288 do Código Penal. Segundo a denúncia, "do descrito verifica-se, por fim, que os cinco denunciados associaram-se pra o fim de cometer crimes, conforme previsto no art. 288 do Código Penal" (fls. 1.644/1.655).

Do processo. Em 22.06.11, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal de Campo Grande (fl. 1.660).

Em 15.05.15, o Supremo Tribunal Federal firmou sua competência para o processamento do feito no que diz respeito a Dagoberto Nogueira Filho, diplomado no cargo de deputado federal em 19.12.14. Determinado o desmembramento do processo, com remessa de cópias ao Juízo a quo para prosseguimento do feito em relação aos demais réus (Ação Penal n. 917, fls. 2.782/2.785).

Com o retorno dos autos ao Juízo a quo, o Ministério Público Federal, em alegações finais, afirmou que em relação aos delitos do art. 89, caput e parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, as condutas não são típicas, pois no caso dos autos havia situação de emergência que autorizava a dispensa de licitação. No que toca ao delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, aduziu não haver prova a demonstrar o envolvimento de Juarez Lopes Cançado e Dejanira Machado Recalde.

No que diz respeito a João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa, o Ministério Público Federal requereu a condenação pelo crime de operação de instituição financeira sem autorização legal. Acrescentou que o delito de art. 312 do Código Penal deveria ser desclassificado para o art. 171 c. c. o art. 71 do Código Penal (fls. 2.793/2.799).

Em alegações finais, Roberto Teles Barbosa arguiu preliminares e requereu a absolvição (fls. 2.805/2.819). Juarez Lopes Cançado e Dejanira Machado Recalde requereram a absolvição, conforme aduzido pela acusação em alegações finais (fls. 2.897/2.903 e 2.904/2.934). João Roberto Baird arguiu nulidades e requereu a absolvição (fls. 2.851/2.891).

O Juízo a quo, em 26.04.18, julgou procedente em parte a denúncia para: a) absolver Dejanira Machado Recalde da prática dos delitos do art. 89 da Lei n. 8.666/93, dos arts. 168, III e 288 do Código Penal e do delito do art. 16 da Lei 7.452/86; b) absolver Juarez Lopes Cançado da prática dos crimes dos arts. 168, III, e 288, ambos do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86; c) condenar João Roberto Baird pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, à pena de 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 116 (cento e dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em 2003, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86; d) condenar Roberto Teles Barbosa pela prática do crime do art. 168, III, c. c. os arts. 16 e 71, todos do Código Penal, a 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão e 175 (cento e setenta e cinco dias) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), absolvendo-o da prática do delito do art. 89, parágrafo único, da Lei n. 8.666/93, do art. 288 do Código Penal e do art. 16 da Lei n. 7.452/86. Decretado o perdimento, em favor da União, dos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS), nos termos do art. 91, II, b, do Código Penal (fls. 2.938/2.958v. e 2.986/2.989v.).

Nulidade. Inexistência. João Roberto Baird sustenta a nulidade da decisão de recebimento da denúncia, por violação ao art. 93, IX, da Constituição da República e aos arts. 395 e 396 do Código de Processo Penal.

A alegação não merece prosperar.

A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, contém a exposição dos fatos criminosos com todas as suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, a classificação do crime e o rol de testemunhas. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis. Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate.

João Roberto Baird sustenta, ainda, que teria havido nulidade processual por falta de correlação entre os fatos narrados na denúncia e nas alegações finais da acusação, não tendo sido observado o art. 384 do Código de Processo Penal. O réu foi denunciado pela prática do delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93, do art. 16, caput, da Lei n. 7.492/86 e dos arts. 288 e 312, caput, ambos do Código Penal. Após a instrução processual, a acusação considerou que havia situação emergencial a justificar a ausência de licitação, razão pela qual requereu a absolvição de João Roberto Baird e de Roberto Teles Barbosa da prática do delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93. Requereu, ainda, a desclassificação do delito do art. 312, caput, do Código Penal, para o art. 171 c. c. o art. 71 do Código Penal. Conforme apontou a Procuradoria Regional da República (fl. 3.269v.), a alteração não decorreu do surgimento de fatos novos, mas da interpretação dada pela acusação aos fatos narrados na denúncia, vale dizer, não houve introdução de fato novo a ensejar a capitulação jurídica dos delitos, razão pela qual não se aplica o art. 384 do Código de Processo Penal.

No que diz respeito à imputação de prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, não merece reparo a decisão do Juízo a quo ao afirmar que a referida Lei, em seu art. 1º e parágrafo único, dispõe sobre as atividades que considera próprias de instituição financeira ou equiparada, razão pela qual a ausência de indicação, na denúncia, não permite concluir por sua inépcia ou por indevida atividade integradora do magistrado que a recebe.

Por fim, não se verifica a nulidade da sentença, pois houve análise lógica e coerente das afirmações de acusação e defesa. A discordância do réu em relação à capitulação jurídica dos fatos, à interpretação de provas e ao valor da prestação pecuniária são matérias de mérito cuja análise será feita oportunamente.

Prescrição. Inocorrência. João Roberto Baird sustenta a prescrição da pretensão punitiva em relação ao delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86. Trata-se de crime permanente cuja pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, sujeitando-se ao prazo prescricional é de 8 (oito) anos. Os fatos ocorreram entre julho de 1999 e dezembro de 2003 e a denúncia foi recebida em 22.06.11, antes do decurso do prazo prescricional.

A sentença de parcial procedência, proferida em 26.04.18 (fl. 2.959), interrompe a prescrição para todos os delitos (CP, art. 117, § 1º, parte final). Portanto, não procede a alegação de prescrição da pretensão punitiva estatal.

Materialidade. A materialidade do delito do art. 168, III, do Código Penal, restou comprovada pelos seguintes elementos dos autos:

a) Contrato n. 18/99, firmado por Detran-MS e S & I Serviços e Informática Ltda. em 29.07.99 para "prestação de serviço de recebimento e processamento de guias de recolhimento e outros documentos de crédito" referente ao DPVAT, dentre outros (Apenso I, fl. 162, cláusula primeira);
b) Contrato n. 3/2000, firmado por Detran-MS e S & I Serviços e Informática Ltda. em 29.07.99 para prestação de serviços em Campo Grande, Dourados, Três Lagoas e Corumbá concernente ao recebimento, autenticação, processamento, transporte de valores e transferência de informações das guias e multas do Detran -MS (Apenso I, fl. 170, cláusula primeira);
c) Termo Aditivo n. 22/2003, firmado entre as mesmas partes em 13.01.03, que prorroga a vigência do Contrato n. 3/2000 até 24.01.04 (Apenso 1, fl. 192, cláusula primeira);
d) Relatório de Auditoria do Detran-MS, instaurada para apurar denúncia do Fundo Nacional de Saúde referente ao contrato firmado entre o Detran-MS e S & I Serviços e Informática Ltda. "para prestação de serviços e cobranças de tributos relativos a regularização de veículos no Mato Grosso do Sul", segundo o qual, no tocante ao prêmio do seguro DPVAT, "a participação de uma empresa de informática, que assumiu todas as responsabilidades pela arrecadação e repasse de valores, contraria o art. 1º do Decreto n. 3.867, de 08 de dezembro de 1998, que dispõe que estava arrecadação deve ser efetuada em rede bancária"; os contratos firmados com a S & I Serviços e Informática Ltda. e com Itel Informática Ltda. conferem às empresas "completo controle de todas as operações do Detran-MS, não só quanto ao processamento das informações, mas também quanto a emissão de guias de recolhimento e arrecadação de impostos (IPVA, IOF etc.), multas, taxas de licenciamento, controle de bancos de dados, seguro DPVAT, controle das transferências bancárias dos recursos arrecadados, repasses dos recursos do FNS/Denatran etc."; a empresa S & I desviava valores das cotas-partes do DPVAT pertencentes ao Fundo Nacional de Saúde, em relação ao qual houve apuração de débito no montante de R$ 5.600.375,55 (cinco milhões, seiscentos mil, trezentos e setenta e cinco reais e cinquenta e cinco centavos), além de débito de R$ 1.769.022,00 (um milhão, setecentos e sessenta e nove mil e vinte e dois reais) para com o Denatran (Apenso I, fls. 9, 19 e 21, itens 7.1.3, 7.1.11, 9.2);
e) Contrato n. 54/99, celebrado com a empresa ATP (da qual Juarez Lopes Cançado era sócio-diretor), que credenciou a S & I Serviços e Informática Ltda. para o gerenciamento de valores cabíveis ao Fenaseg (Apenso, fls. 238/254);
f) Ofício da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização - Fenaseg, na condição de representante das seguradoras que participam do Convênio de Operação do DPVAT, no qual informa que o prêmio será arrecadado pela rede bancária e repassado pelo agente arrecadador à conta única do Tesouro Nacional (FNS e Denatran) e às seguradoras conveniadas e quanto à cláusula primeira do contrato objeto destes autos, na qual consta autorização ao agente arrecadador para o recebimento por conta, ordem e risco da Fenaseg, esclarece que se refere exclusivamente à parcela do prêmio destinada às sociedades seguradoras e que a Fenaseg não autoriza o procedimento indicado na referida cláusula contratual, ou seja, a arrecadação e repasse das parcelas das seguradoras devem ser realizados pela rede de bancos estaduais ou por agentes arrecadadores autorizados (fls. 23/24);
g) Contrato social de S & I Serviços e Informática Ltda., datado de 11.03.99, no qual Roberto Teles Barbosa consta como sócio-administrador (cf. mídia, Apenso 2, fls. 22/28);
h) Contrato social de S & I Serviços e Informática Ltda., datado de 24.04.02, por meio do qual João Roberto Baird ingressa na sociedade na condição de sócio-administrador, com 72.000 cotas sociais das 80.000 cotas sociais integralizadas (cf. mídia, Apenso 2, fls. 36/37);
i) Contrato social de S & I Serviços e Informática Ltda., datado de 17.12.03, em que Roberto Teles Barbosa retira-se da sociedade, há o ingresso de novo sócio com 8.000 cotas sociais e João Roberto Baird permanece como sócio-administrador com 72.000 cotas sócias (cf. mídia, Apenso 2, fls. 38/44);
j) Portaria de instauração do Inquérito Policial n. 457/04, destinado à apuração de notícia de não repasse de valores do DPVAT pelos sócios da empresa S & I Serviços e Informática Ltda. (cf. mídia, Anexo 4, fls. 5/7);
l) Perícia Contábil n. 1811/2005, do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a qual a empresa S & I Serviços e Informática Ltda. não repassou ao SUS, Denatran e Fenaseg valores de parcelas de seguros obrigatórios e IOF no montante de R$ 19.198.638,06 (dezenove milhões, cento e noventa e oito mil, seiscentos e trinta e oito reais e seis centavos), com os acréscimos legais até maio de 2005, o montante devido resulta em R$ 30.277.214,14 (trinta milhões, duzentos e setenta e sete mil, duzentos e catorze reais e catorze centavos) (Apenso 4, fls. 151/201);
m) Portaria de instauração do Inquérito Policial n. 2.809, para investigar a prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86 e art. 168 do Código Penal pelos administrativos de S & I Serviços de Informática Ltda. (fl. 2);
n) Laudo de Exame Contábil n. 1.803/2009, elaborado pela Delegacia de Polícia Federal, referente à contabilidade da empresa S & I Serviços e Informática Ltda. no que toca aos repasses de valores ao Fundo Nacional de Saúde, Detran-MS e à Secretaria da Receita Federal, que concluiu inexistir identificação contábil que permita individualizar os destinatários do valor que João Roberto Baird afirma ter restituído (R$ 3.831.943,35), destacando os Peritos que a empresa realizava operações de empréstimo ao diretor que, em 2003, totalizaram R$ 460.000,00, sendo que a transferência de valores decorre da recomposição de empréstimos concedidos contra empréstimos recebidos do sócio; a empresa finalizou o exercício de 2003 registrando uma obrigação para com o sócio no valor de R$ 1.060.628,35; a distribuição de resultados mensais para o segundo sócio, Roberto Teles Barbosa, totalizou R$ 110.000,00 no exercício de 2003, valor que não guarda relação com o que consta em sua DIRPF de 2004; por fim, os valores que João Roberto Baird afirma ter ressarcido correspondem a cerca de 10% (dez por cento) do montante desviado, segundo informações do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (fls. 1.248/1.252).

Não merece reparo a sentença na parte em que considerou não configurado o delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, consistente em "fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio".

O que caracteriza a instituição financeira enquanto tal é exatamente sua atividade de captação de poupança e a respectiva custódia, operando a intermediação entre depositantes e tomadores de recursos financeiros. Nesse sentido, o art. 1º da Lei n. 7.492/86 define instituição financeira como sendo a "pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários".

Assiste razão ao Ministério Público Federal ao aduzir que a atividade da instituição financeira é mais complexa e abrange outros aspectos, mas de qualquer modo não constitui a mera atividade de arrecadar recursos financeiros de terceiros.

O Contrato n. 18/99, acima elencado, foi celebrado entre Detran-MS e a empresa S & I Serviços e Informática Ltda. para "prestação de serviço de recebimento e processamento de guias de recolhimento e outros documentos de crédito (...) por qualquer modalidade pela qual se processe o pagamento o pagamento, nos termos deste contrato, transferir informações por meio eletrônico para o Banco do Brasil S/A e para a Empresa de Processamento de Dados de Mato Grosso do Sul - PRODASUL" (Apenso I, fl. 162, cláusula primeira). À empresa S & I Serviços e Informática Ltda. não competia, portanto, a administração dos valores devidos ao Detran e ao Fundo Nacional de Saúde, os quais eram por ela arrecadados na condição de simples prestadora de serviços.

Não se trata, ainda, de instituição financeira por equiparação (Lei n. 7.492/86, art. 1º, parágrafo único, I e II), que se caracteriza em relação à pessoa jurídica que "capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança popular, ou recursos de terceiros" (inciso I) ou "a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas" (inciso II). Nesses casos, apesar de não se tratar de intermediação financeira propriamente dita, está presente a custódia de valores ou títulos de terceiros, vale dizer, de poupança popular. A denúncia refere-se à atividade de "arrecadar" prêmios do seguro DPVAT, que não se confunde com a de "captar" e "administrar" seguros.

Tendo em vista que a atividade exercida não era típica de instituição financeira, a irregularidade da arrecadação, dada a inexistência de autorização para atuar como agente arrecadador do DPVAT (função atribuída à rede bancária pela então vigente Portaria Interministerial MS/MF/MJ n. 4.4044/98), não é suficiente à configuração do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86, consistente em "fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio".

Acrescenta a acusação que as condutas dos réus devem ser capituladas como estelionato, não como apropriação indébita, uma vez que restou demonstrada a fraude consistente em utilização de interposta pessoa ("testa de ferro") na assinatura de contrato como o Detran-MS. Ocorre que os documentos dos autos são suficientes à comprovação de que houve desvio ou apropriação de valores provenientes da arrecadação de prêmios do seguro DPVAT no período de junho de 1999 a dezembro de 2003.

A posse ou detenção dos valores foi obtida de modo legítimo, com base em contrato de prestação de serviços que não pode ser considerado, em si, meio fraudulento de que os réus teriam se valido para obter vantagem ilícita.

Embora o montante apurado pela Auditoria do Detran-MS divirja do indicado pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, restou incontroverso nos autos o desvio de valores.

Ainda que se admita a existência de fraude na celebração do contrato por meio de interposta pessoa ("testa de ferro"), não houve artifício, ardil ou adoção de qualquer outro meio fraudulento em relação aos contribuintes que se valeram da empresa para realizar o pagamento de seus débitos.

Portanto, não merece acolhida a insurgência do Ministério Público quanto à alteração da capitulação jurídica dos fatos para o art. 168, III, do Código Penal, com fundamento no art. 383 do Código de Processo Penal.

Autoria. Há prova satisfatória de autoria delitiva em relação a João Roberto Baird e Roberto Teles Barbosa.

Roberto Teles Barbosa declarou perante a Autoridade Policial que se retirou da empresa S & I em 17.12.03. Sua ex-esposa Maria Auxiliadora de Oliveira Santos inicialmente era sócia da empresa, mas não exercia atividade de administração. Maria Auxiliadora retirou-se e Argemiro ingressou na sociedade, também sem função, apenas constava no contrato social. João Roberto Baird foi admitido formalmente na sociedade em 24.02.02, mas não exercia função administrativa ou gerencial. João Roberto Baird dava suporte na obtenção de novos contratos. Sobre os fatos referidos nestes autos, afirmou que, por meio de funcionário do Banco do Brasil, soube que a instituição bancária não mais desempenharia o serviço de arrecadação do DPVAT. Foi ao Detran-MS e informou-se sobre a documentação necessária à prestação do serviço. Conversou com a secretária de Dagoberto. Por orientação do Detran-MS, procurou a empresa ATP, conforme documento de fls. 238/254 do Apenso. Celebrou contrato com a ATP antes de assinar com o Detran-MS. Conheceu Dejanira Machado Recalde após a assinatura do primeiro contrato com o Detran-MS. Sobre o fato de Dejanira ter assinado, como testemunha, o contrato que a S & I celebrou com a ATP, aduziu que uma funcionária desta empresa foi ao Detran-MS e explicou o modo de repasse de valores entre as empresas. A S & I inicialmente usava o código de repasse de valores do Banco do Brasil, porém em determinado momento a instituição bancária informou que esse código não poderia ser usado. Diligenciou junto à Fundação Nacional de Saúde, que marcou uma conversa com o responsável pelo Banco do Brasil. Nessa conversa, foi informado da dificuldade em obter um código de repasse de valores, pois a S & I não era uma instituição financeira. Por cerca de 5 (cinco) meses a empresa não pôde repassar os valores ao Fundo Nacional de Saúde. Os repasses para a ATP ocorreram normalmente (valores que deveriam ser repassados ao Denatran). Após esse período, o declarante "verificou a existência de um código tendo como favorecido o Fundo Nacional de Saúde" e passou a utilizá-lo. Cerca de 3 (três) meses depois, foi informado que era um código do Banco Econômico/Banco Excel Econômico. Não obstante, esse código foi utilizado até o final do contrato. Sobre os valores que foram retidos, alegou que ficaram em conta corrente aguardando a solução do impasse. Indagado sobre o montante do desvio de valores, respondeu que aproximadamente R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Após a descoberta dos fatos, fez um acordo (contrato de dação) com João Roberto Baird, que faria o ressarcimento dos valores desviados. Com a venda de um terreno seu, que vale cerca de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), faria o ressarcimento a João Roberto Baird. Cerca de 6 (seis) meses antes de sua saída da empresa, as desvios passaram a ocorrer. Auferia inicialmente uma renda mensal entre R$ 2.000,00 (dois mil reais) e R$ 3.000,00 (três mil reais). No final do período, sua renda mensal ficava em torno de R$ 10.000,00 (dez mil reais) (fls. 62/66).

Ao ser reinquirido pela Autoridade Policial, Roberto Teles Barbosa aduziu ter se afastado da empresa em outubro de 2003, por isso não tem conhecimento dos valores que a empresa deixou de repassar no período de julho de 1999 a dezembro de 2003, segundo auditoria do MPF do Rio de Janeiro (R$ 5.600.375,55 ao FNS e R$ 1.769.022,00 ao Detran). Não foi desvio, foi um "não repasse de valores arrecadados". Também não tem conhecimento do montante apurado pelo Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (R$ 19.198.638,06). Exerceu o direito ao silencia ao ser questionado sobre o destino dos valores desviados e a participação de João Roberto Baird. Não se recorda da época em que João Roberto Baird ingressou na empresa S & I nem dos valores por ele investidos para possibilitar a celebração dos contratos. Negou que João Roberto Baird atuasse como sócio oculto da empresa. Conheceu João Roberto Baird na época em que trabalhou na empresa Dígito Processamento de Dados, nunca foram amigos, tinham apenas bom entrosamento profissional. Após sair da empresa S & I, não mais teve contato com João Roberto Baird. Confirma ter assumido uma dívida para com João Roberto Baird, dando como garantia um terreno. A dívida refere-se ao valor de R$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil reais) por ele confessado em depoimento prestado em sede policial (Boletim de Ocorrência n. 8/2003, que também instruiu o Inquérito Policial n. 457/04). Negou ter relacionamento pessoal com Dagoberto Nogueira Filho (fls. 442/443).

Em interrogatório judicial, Roberto Teles Barbosa aduziu ter sido sócio de S & I Serviços e Informática. João Roberto Baird ingressou na empresa em 2002, não era sócio oculto em período anterior. A empresa não prestava serviço para o Detran-MS quando foi contratada para arrecadar o DPVAT. O objeto social da empresa era a prestação de serviços na área de informática, instalação de computadores, softwares etc. A empresa recebeu carta-convite para a realização do serviço e apresentou proposta, não tinha nenhum contrato com órgãos públicos. Indagado sobre a capacitação técnica para arrecadação de tributos, afirmou que a empresa faria meramente um serviço de caixa, recebia um documento e depositava dinheiro na conta para ser repassado. Não havia autorização do Banco Central para prestar o serviço, contratos com o Detran e a ATP davam suporte para a realização desse serviço. Não sabe dizer se a ATP celebrou o contrato em nome da Fenaseg ou se teria poderes para fazê-lo. A única informação que recebeu é a de que era um contrato padrão, de nível nacional. Não conhecia Dagoberto Nogueira Filho. Pelo que sabe, 4 (quatro) empresas receberam carta-convite. Não tinha conhecimento da legislação que atribui à rede bancária a realização desse serviço. Não sabe dizer quem passou a arrecadar os valores porque foi desligado da empresa bem antes, devido aos fatos. A empresa tinha, em média, 72 horas para fazer o repasse das importâncias arrecadadas. Não desviou verba pública, apenas fez uma retirada de dinheiro da empresa. O dinheiro estava na conta da empresa, depois da entrada de seu sócio. Não sabe dizer se a empresa reteve valores para além do prazo previsto em contrato. Por informações dos autos e por seu advogado, soube que houve ressarcimento parcial pela empresa, mas não sabe dizer se João Roberto Baird emprestou valores. Tem o segundo grau completo. Indagado pelo Ministério Público Federal sobre as circunstâncias da constituição da empresa, relatou que tinha um curso de rede Novel, sistema que interligava computadores. Havia poucos profissionais nessa área e muita procura. Começou a prestar esse serviço e depois adquiriu uma empresa de informática, porque exigiam nota fiscal. Não se recorda do ano em que abriu a empresa. Tinha conhecimentos e pediu ajuda para várias pessoas, inclusive para João Roberto Baird, que lhe cedeu equipamentos para que desse início às atividades. Reservou-se o direito ao silêncio ao ser indagado sobre as condições da prestação de serviços antes da cessão de equipamentos por João Roberto Baird, bem como sobre o ajuda financeira dele recebida, sobre o nome do contador da empresa, número de funcionários e declarações de imposto de renda da empresa até a venda para João Roberto Baird. Reservou-se o direito ao silêncio quando indagado sobre o registro de ocorrência policial de desvio de valores na empresa e sobre as circunstâncias pelas quais se tornou sócio de Tele Sports, seu salário atual e dados pessoais e familiares. O Ministério Público Federal, após afirmar que considerava o interrogado "um laranja" de João Roberto Baird, ofereceu-lhe acordo para colaboração na elucidação dos fatos. O interrogado reservou-se o direito de permanecer em silêncio (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Na fase investigativa, João Roberto Baird declarou ser empresário e pecuarista. É proprietário da empresa Itel Informática Ltda. e de 4 (quatro) propriedades rurais no Mato Grosso do Sul. É o atual proprietário, em conjunto com Ricardo Fernandes Araújo, da empresa S & I Serviços e Informática Ltda., na qual ingressou em 24.02.02, após a retirada de Argemiro Vicente de Souza. Não se recorda dos valores pagos para o ingresso na S & I Serviços e Informática Ltda. Conhece Roberto Teles Barbosa há cerca de 15 (quinze) anos. Roberto Teles Barbosa foi seu funcionário na Itel Informática. Não auxiliou Roberto Teles Barbosa por ocasião da compra da empresa Vip Show Assessoria de Eventos Ltda., cuja denominação social foi posteriormente alterada para S & I. Prestou auxílio financeiro para Roberto Teles Barbosa após a S & I ter celebrado contrato com o Detran-MS, nos idos de 1999. O auxílio consistiu no repasse de maquinário (material de escritório, computadores etc.), veículos, assim como o necessário para o gerenciamento da estrutura que estava sendo implementada. A documentação do empréstimo provavelmente consta dos arquivos da S & I. Acordou com Roberto Teles Barbosa que o ressarcimento ocorreria com o crescimento da empresa e obtenção de lucro. Em que pese o empréstimo, não passou a ter poderes de gestão da empresa. Argemiro Vicente de Souza, sócio da empresa à época dos fatos, apenas constava no contrato social, não tinha poderes de gerência. Conhece Argemiro Vicente de Souza há mais de 20 anos, foi seu funcionário na Itel. Questionado sobre a ajuda prestada a Roberto Teles Barbosa na ocasião em que celebrado o contrato com o Detran-MS, afirmou ter prestado auxílio unicamente no fato de que se fazia necessária a abertura de conta corrente (Ag. 048-5, conta n. 33448600-9) para remessa de valores do DPVAT/PRF/RENACH). Quando ingressou na empresa, não tinha conhecimento da legislação que dispunha sobre o recolhimento do DPVAT em rede bancária. Somente veio a ter ciência quando notificado da auditoria por meio de ofício do Fundo Nacional de Saúde. Em dezembro de 2003, recebeu ligação telefônica de Gilberto Tadeu Vicente, Diretor do Detran-MS, que lhe informou sobre a auditoria que seria realizada por uma equipe de funcionários da Susep. Entrou imediatamente em contato com Roberto Teles Barbosa, que admitiu estar desviando valores. Disse a Roberto Teles Barbosa que fosse até a sede da empresa para atender os auditores. Em 17.12.03. Roberto Teles Barbosa foi definitivamente afastado da empresa. Providenciou a lavratura do Boletim de Ocorrência n. 8/2003, após encaminhar Roberto Teles Barbosa à Polícia Civil para restar declarações sobre o desvio de valores. Apurou o patrimônio de Roberto Teles Barbosa e identificou um empreendimento denominado Teles Esportes, no valor aproximado de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil reais). Esse empreendimento foi utilizado como garantia em contrato de confissão de dívida. Os valores desviados giram em torno de R$ 1.5000.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), descontados os acréscimos legais. Após a realização de auditorias, a empresa S & I repassou ao Fundo Nacional de Saúde, à Secretaria da Receita Federal e ao Detran-MS o montante de R$ 3.831.943,35 (três milhões, oitocentos e trinta e um mil, novecentos e quarenta e três mil e trinta e cinco centavos). A auditoria do Fundo Nacional de Saúde continua em andamento (fls. 113/116).

Reinquirido pela Autoridade Policial, José Roberto Baird confirmou as declarações anteriormente prestadas. A empresa Itel Informática presta serviços para o Detran-MS desde 1999 e a S & I passou a prestá-los em 1999. Não reconhece os valores que o Fundo Nacional de Saúde e o Denatran afirma não terem sido repassados pela S & I no período de julho de 1999 a dezembro de 2003 (R$ 5.600.375,00e R$ 1.769.022,00, respectivamente). As auditorias não levaram em consideração os valores depositados em conta do Banco do Brasil. Sobre a perícia contábil do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, segundo a qual a S & I não repassou às seguradoras, à Receita Federal, ao Denatran e ao SUS o montante que, atualizado até maio de 2005, totalizaria R$ 30.277.214,14 (trinta milhões, duzentos e setenta e sete mil, duzentos e catorze reais e catorze centavos), aduziu que discorda do valor, que não tomou conhecimento oficial da perícia e que toda a documentação referente aos recolhimentos continua em posse da empresa S & I. Apresenta cópia de ofício da Fenaseg. Roberto Teles Barbosa foi o responsável pelos desvios, os quais ocorreram entre o segundo semestre de 2002 e novembro de 2003.Acredita que os valores desviados foram aplicados por Roberto Teles Barbosa em um centro esportivo. Conhece Roberto Teles Barbosa desde 1999, quando o empregou na empresa Dígito Processamento de Dados. Fez aportes financeiros na empresa S & I, que restituiu aproximadamente R$ 3.823.000,00 (três milhões, oitocentos e vinte e três mil reais) do montante desviado. Conhece Dagoberto Nogueira Filho desde 1999, pois sua empresa Itel Informática prestava serviços para o Detran-MS. Auxiliou Roberto Teles Barbosa quando a S & I celebrou contrato com o Detran-MS porque ele foi seu funcionário, além de amigo de longa data. O auxílio consistiu na infraestrutura necessária ao funcionamento da empresa (máquinas, computadores, cadeiras e mesas). Não houve ressarcimento desses valores. Após ingressar na S & I, fez novos aportes financeiras. Não se recorda de valores. Deixou a administração da S & I por conta de Roberto Teles Barbosa. Nunca foi solto oculto da S & I, apenas ajudava Roberto Teles Barbosa a melhorar de vida, já que era seu amigo. Questionado sobre o Boletim de Ocorrência n. 8/2003, por meio do qual Roberto Teles Barbosa confessou o desvio de R$ 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil reais), o inquirido declarou que o sistema de contabilidade das arrecadações possibilitava a qualquer pessoa acompanhar os valores repassados às devidas contas. Roberto Teles Barbosa apresentou-lhe planilha com as importâncias desviadas (fls. 436/438).

Em interrogatório judicial, João Roberto Baird negou ter sido sócio de fato de S & I Serviços e Informática Ltda. antes de seu ingresso formal em 24.04.02. Desde 1989 conhece Roberto Teles Barbosa, ele foi seu empregado de 1995 a 1997. Na data da celebração do contrato de S & I com o Detran-MS, em 28.07.99, Roberto Teles Barbosa era o sócio da empresa. Depois de seu ingresso na S & I, tomou conhecimento de que houve prestação de serviço para a Prodasul, de arrecadação e emissão de código de barras, malgrado o restrito objeto social. Sabe dizer que havia urgência na celebração do contrato com o Detran-MS, pois prestava serviço a esse órgão por meio do Itaú Informática. Toda a parte de tecnologia de informática do Detran-MS era feita pela Itel Informática, que foi convocada e não teve interesse nesse tipo de serviço. Não sabe dizer sobre cartas-convite encaminhadas pelo Detran-MS para instituições financeiras. A Itel Informática era responsável pelo processamento de dados no Detran-MS quando a S & I foi contratada em licitação emergencial. Depois que ingressou na S & I e teve conhecimento dos fatos, passou a gerir o assunto. O contrato da S & I com o Detran-MS não era somente para o recebimento de DPVAT, mas também para recebimento de multas da Polícia Rodoviária, IPVA, taxas, guias etc. O problema ocorreu com a parte do Fundo Nacional de Saúde, pois não havia um número para depósito desse dinheiro, que ficou parado a conta da empresa até a obtenção desse número. A S & I celebrou contrato com a ATP. Sobre poderes que a ATP teria para falar em nome da Fenaseg, sabe dizer que essa empresa era responsável por gerir os recursos. Soube depois que a ATP só auditava os valores do Denatran e da Fenaseg. Não tem conhecimento do ofício da Fenaseg de fls. 23/24, no qual nega ter dado autorização referida em cláusula de contrato firmado entre a S & I e a ATP. Não sabe dizer porque o Detran fez 5 (cinco) aditivos ao contrato, em vez de realizar procedimento licitatório. Quando ingressou na S & I, notificou imediatamente o Detran sobre o desinteresse na continuidade da prestação de serviços. A S & I realizava diversos tipos de arrecadação, os repasses eram integrais. Houve problema apenas com a Receita Federal e o Fundo Nacional de Saúde. Após seu ingresso na S & I, em 2002, Roberto Teles Barbosa continuou a administrar esse contrato, pois era pessoa de sua confiança. Não tinha condições de lidar com esse assunto, que era muito especifico e exigia dedicação diária. A partir do dia em que entrou na empresa até o último dia em que houve arrecadação, em 2003, recebeu informações mensais de Roberto Teles Barbosa. Quanto aos recursos, considerava não ser possível o desvio, dada a conferência on line e as auditorias constantes. A auditoria das verbas do DPVAT era realizada pela ATP. Somente depois soube que o pessoal da ATP auditava somente o Denatran e a Fenaseg, ou seja, não auditava o Fundo Nacional de Saúde. É um dinheiro depositado pelos bancos em conta do Tesouro Nacional e ninguém checa esses valores, esses 45% do Fundo Nacional de Saúde. Assim que teve ciência dos fatos, procurou afastar Roberto Teles Barbosa da empresa e suspender as atividades de arrecadação, para apurar o montante desviado. Admite ter havido desvio de valores arrecadados, porém houve ressarcimento ao Fundo Nacional de Saúde e ao Denatran. Foram ressarcidos cerca de R$ 3.900.00,00 (três milhões e novecentos mil reais), além de R$ 245.000,00 (duzentos e quarenta e cinco mil reais) decorrentes de cheques sem fundo etc. Atualmente a empresa tem, inclusive, crédito reconhecido junto ao Denatran. Para o ressarcimento, vendeu uma fazenda que estava em nome de sua empresa Agropecuária Figueirão. Considera incorreto afirmar que houve desvio de valores entre julho de 1999 e dezembro de 2003, pois não foram considerados valores depositados em conta bancária do Banco do Brasil. Malgrado o pedido, não houve quebra de sigilo dessa conta bancária. Os desvios começaram somente em agosto de 2003. Negou que a S & I tenha repassado valores à ATP. À vista da informação constante de fls. 255/305 do Apenso 2, sobre repasse de valores entre as empresas (R$ 372.314,49), afirmou que, provavelmente, decorre de algum ressarcimento de desvio do Denatran. Sobre a Nota Técnica 62, de 2010, em que o Denatran afirma ser credor de R$ 968.884,00, a ATP foi questionada e negou a existência de valores a serem ressarcidos. Posteriormente o Denatran reconheceu não haver nenhuma diferença. Prestou auxílio em infraestrutura a Roberto Teles Barbosa em 1999, para abertura de S & I Serviços de Informática Ltda. Após a celebração do contrato com o Detran, outros postos foram desativados em diversas localidades. Roberto o procurou, pois a empresa não tinha estrutura de tocar tudo isso. Foi em 2002, ano em que entrou como sócio na S & I e colocou infraestrutura, máquinas, veículos na empresa. Reinquirido sobre o auxílio inicial à empresa, em 1999, afirmou que eram recursos a que Roberto tinha direito (indenizações, gratificações). Roberto trabalhou com ele e provavelmente tudo ficou documentado nos livros de registros da empresa, na rescisão de Roberto. Indagado sobre a referência feita, em sede policial, a auxílio financeiro prestado a Roberto logo após a celebração do contrato com o Detran (ou seja, não para abertura da empresa), admitiu tê-lo feito. Roberto pagou esse empréstimo. Indagado sobre o interesse que teria em ajudar Roberto financeiramente e com infraestrutura para abertura da empresa, afirmou que trabalharam juntos na M3M em 1987, 1988. O interrogado era sócio minoritário dessa empresa, da qual saiu em 1990. Montou a Itel Informática e chamou Roberto para trabalhar para ele. Roberto ficou com ele em 1995, 1996. Como a empresa estava indo bem, Roberto pensou em também tocar sua vida. Ele comprou uma empresa e começou a prospectar serviço. Atualmente a S & I está inativa. A Itel é uma empresa que fabrica softwares, arquivos de documentos, digitalização e assistência técnica. Há muitos anos é uma empresa parceira da IBM no Mato Grosso do Sul. Sobre a auditoria do Tribunal de Contas do Estado que apontou desfalque de cerca de R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais), nunca foi notificado, inquirido. O Tribunal de Contas nunca o auditou ou teve acesso a documentação da empresa. Foi investigado pela Polícia Federal, pela ATP e nunca houve questionamento sobre esses valores. Provou os valores que foram efetivamente desviados, inclusive com ajuizamento de ação de prestação de contas, em andamento. Não sabe dizer porque Roberto Teles Barbosa reservou-se o direito ao silencio ao ser indagado em Juízo sobre a relação financeira entre eles mantida. Não tem mais contato com Roberto Teles Barbosa. Descobriu a existência desse desvio ao receber ligação no telefone celular de Gilberto Tadeu, dando conta de uma auditoria. Entrou em contato com Roberto Teles, que admitiu não estar repassando integralmente os valores do DPVAT. Após contato com advogados, levou Roberto Teles Barbosa à Delegacia, porque sabia que isso era um problema. A partir desse momento, retirou Roberto Teles Barbosa da empresa. Atualmente o sócio da S & I é Ricardo Araújo, que também é seu sócio na Itel. Não tem noção do atual valor de mercado da Itel Informática. Roberto Teles Barbosa não o ressarciu, o que fez foi pegar o imóvel que ele tinha, fizeram um contrato que só não foi registrado porque havia um problema de INSS. O contrato está vigorando até o encerramento desse processo, quando os valores serão atualizados e a dívida discutida judicialmente entre ambos (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Em sede policial, Dagoberto Nogueira Filho afirmou ter sido Diretor-Presidente do Detran-MS no período de janeiro de 1999 a janeiro de 2002. Após o Banco do Brasil informar que não continuaria a prestar o serviço de recebimento de verbas do Detran-MS, a empresa S & I Serviços e Informática Ltda. foi contratada em caráter emergencial. Indagado sobre a realização de vários aditivos, respondeu que decorrem de prorrogação contratual prevista em lei. O contrato foi celebrado com a S & I tendo por base outro contrato celebrado por essa empresa com a ATP, representante da Fenaseg. A autorização dada pela Fenaseg permitia à S & I o recolhimento de verbas do DPVAT, com posterior redistribuição aos órgãos federais conveniados. Recebeu uma ligação de um representante da Fenaseg, cujo nome não se recorda, que o questionou sobre a solução encontrada para o recolhimento das verbas do Detran. Relatou, então, a celebração de contrato com a S & I que, em data posterior, firmou contrato com a ATP. Pelo que tem conhecimento, a S & I era gerida por Roberto, embora houvesse pelo menos mais um sócio, João Roberto Baird. Não tinha conhecimento dos dispositivos legais que dispõem sobre a necessária arrecadação do DPVAT em rede bancária (fls. 110/112). Reinquirido pela Autoridade Policial, Dagoberto Nogueira Filho aduziu que a prestação de serviços pela empresa S & I dizia respeito aos recolhimentos de responsabilidade do Detran-MS no âmbito estadual (multas e taxas), "já em relação ao recolhimento do seguro DPVAT, não foi o Detran-MS quem delegou poderes de arrecadação à empresa S & I, pois como tais valores seriam repassados diretamente à conta das seguradoras através do código de barras, tal delegação foi dada pela Fenaseg, órgão responsável pelo repasse às seguradoras". Desconhece os valores de não repasse apurados em auditorias e perícias. Conheceu João Roberto Baird na época em que prestou serviços ao Detran, ele era um dos donos da empresa S & I. Não tinha conhecimento que a S & I e a Itel Informática, únicas empresas a apresentar proposta de contratação, eram de propriedade de João Roberto Baird. Nunca teve participação direta ou indireta nas empesas ou em negócios de João Roberto Baird (fls. 432/434).

Em interrogatório judicial, Dagoberto Nogueira Filho afirmou ter renegociado todos os contratos do Detran-MS e aqueles que não lhe deram abatimento foram cancelados, com promoção de nova licitação. Ao que parece, João Roberto Baird tinha uma empresa de informática. Não conhecia Roberto Teles Barbosa quando assumiu o Detran-MS. Dejanira Machado Recalde foi convidada por ele para ser sua diretora, ela já era funcionária de carreira. O Detran-MS tinha um contrato com o Banco do Brasil, mas o governador passou a negociar a dívida estadual com o HSBC. A folha de pagamento foi retirada do Banco do Brasil que, em represália, fechou todos os postos ao argumento de que a prestação desse serviço não trazia lucro. A arrecadação deixou de ser feita pela rede bancária. O serviço foi terceirizado e passou a ser realizado por empresa credenciada pelo Banco Central, o que permanece até os dias atuais. No que diz respeito aos fatos referidos na denúncia, houve licitação emergencial e 4 (quatro) empresas foram recomendadas pela Central de Compras. Eram empresas que já prestavam serviços para o governo estadual. Todas foram convidadas a participar e a ganhadora foi S & I Serviços e Informática. Posteriormente, a Central de Compras passou a fazer a licitação normal. A empresa S & I já prestava serviços de informática para o Detran-MS e tinha capacidade técnica para o serviço de arrecadação, conforme averiguado à época. Ela tinha autorização do Banco Central para realizar a arrecadação. No período emergencial, nada foi desviado. Os bancos não manifestaram interesse, por isso o Detran-MS não contratou outra instituição financeira para a prestação do serviço. O pagamento era realizado pelo sistema de código de barras. Assim que a pessoa pagava já havia distribuição da parte do valor do Estado, da Fenaseg, do Denatran e do Município. A empresa não ficava com o dinheiro. Ocorre que o desvio de valores deu-se justamente com esses códigos de barras. Inquirido sobre a capacidade técnica da S & I informática, tendo em vista seu objeto social à época da contratação emergencial (comércio varejista de máquinas e equipamentos para escritório, comunicação e informática), Dagoberto Nogueira Filho aduziu que houve juntada aos autos da autorização da empresa para fazer a arrecadação, ou seja, ela era credenciada. Após a licitação, a Fenaseg fez um contrato direto com a empresa vencedora, documento juntado aos autos. Não sabe dizer se a empresa ATP Tecnologia, Produtos S/A representava a Fenaseg. Após o término de sua gestão, o Detran-MS apurou que não recebia o percentual que lhe era devido e, em cobrança à Fenaseg, houve a constatação de que faltavam recursos. O próprio Detran-MS pediu a investigação. Os auditores e a Polícia Federal apuraram que o desvio ocorria por meio do código de barras. Não sabe dizer se João Roberto Baird era sócio oculto de S & I Serviços e Informática. Não sabe dizer porque João Roberto Baird teria efetuado o ressarcimento de parte dos valores desviados, embora diga que não era o sócio da empresa à época dos fatos. Talvez porque a empresa dele tenha dado prejuízo aos cofres públicos. Não sabe de repasse de valores da empresa de João Roberto Baird para a ATP (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Na fase investigativa, a corré Dejanira Macho Recalde, funcionária aposentada do Detran-MS, afirmou que na condição de Diretora de Administração e Finanças foi informada por Dagoberto Nogueira Filho, à época Presidente do Detran-MS, de que o Banco do Brasil não mais prestaria o serviço de recolhimento do IPVA e seguro obrigatório. Houve abertura de um processo emergencial de contratação de empresa para a realização do serviço. Foram encaminhadas correspondências para S & I Serviços e Informática Ltda. e Itel Informática, para que apresentassem valores. Não sabia que o art. 1º do Decreto n. 2.867/98 dispunha que o DPVAT deveria ser arrecadado pela rede bancária. Roberto Teles Barbosa apresentou-se como representante de S & I Serviços e Informática Ltda. e João Roberto Baird como responsável por Itel Informática (fls. 42/43). Posteriormente, aduziu que foram também encaminhadas consulta para as empresas Plansis e Beltec e que o fechamento de apenas 3 (três) postos de atendimento do Banco do Brasil configurava situação emergencial por obrigar o contribuinte a deslocar-se cerca de 10 km, até o centro de Campo Grande. À época dos fatos, os contratos sociais apresentados pelas empresas não indicavam que ambas eram de João Roberto Baird (fls. 455/456).

Em interrogatório judicial, Dejanira Machado Recalde afirmou que foram encaminhadas cartas-convite para 4 (quatro) empresas por ocasião da licitação emergencial. Essas empresas já prestavam serviços para o Estado. Recebeu apenas a informação de que o Banco do Brasil não mais prestaria o serviço de arrecadação. Considera que não foi contratada uma instituição bancária porque seria necessário processo licitatório e havia urgência na prestação do serviço, haveria um transtorno imenso à população. Não se lembra se a S & I era credenciada pelo Banco Central para a prestação do serviço. Atualmente a arrecadação é também terceirizada, não pelo Detran-MS, mas pelo próprio Banco do Brasil. Não houve desvio de valores no período emergencial. Houve celebração de contrato com a ATP Tecnologia e Produtos S/A, da qual ela não é testemunha, apenas apôs ciência em anexo do contrato. Não sabe indicar o benefício do desvio de valores. Não acompanhou o ressarcimento de valores (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Juarez Lopes Cançado confirmou, perante a Autoridade Policial, ser Diretor-Executivo da ATP Tecnologia e Produtos S/A, que celebrou contrato com a empresa S & I Serviços e Informática Ltda., em 28.09.99, por meio do qual autorizou esta empresa a receber, por conta e risco da Fenaseg, valores correspondentes a prêmios do DPVAT. A ATP é empresa ligada à Associação Brasileira de Bancos Estaduais e Regionais. O fundamento legal para a celebração de contrato foi o Código Civil, o Decreto n. 2.867/98 e a Portaria Interministerial MS/MF/MJ n. 4044/98, que inclusive prevê, em seu Anexo II, a arrecadação pela ECT, que não é instituição financeira. A empresa S & I era arrecadadora oficial do Detran-MS (fls. 188/189).

A testemunha Clodoaldo de Oliveira Miranda declarou na fase investigativa que, no período de 1999 a 2003, trabalhou na empresa S & I na função de assistente administrativo. Foi contratado por Roberto Teles Barbosa. Não conhece João Roberto Baird. Realizava conferência da movimentação diária nos caixas da empresa no que diz respeito às guias de recolhimento que eram processadas nos postos de atendimento do Detran-MS. Somente teve conhecimento dos valores não repassados pela S & I por ocasião da auditoria realizada por pessoas de fora do Estado. Questionado se havia atendido solicitação de Roberto Teles Barbosa para ir ao "caixa da arrecadadora apanhar o dinheiro", respondeu que sim. Não se recorda do número de vezes, mas em média buscava, a pedido de Roberto Teles Barbosa, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Apenas cumpria ordens, por isso não sabe os motivos dessa determinação de Roberto Teles Barbosa (fls. 133/134). Ao ser reinquirido, a testemunha aduziu que seu trabalho consistia na conferência física dos valores arrecadados. Não tinha acesso às transferências posteriormente realizadas para as contas do Denatran e SUS. Por duas vezes pediu ao funcionário Virlei dos Reis que efetuasse retiradas de dinheiro dos postos de arrecadação, a pedido de Roberto Teles Barbosa. Nunca cogitou sobre o destino dados pelos valores por ele repassados a Roberto Teles Barbosa. Por ocasião da autoria realiza em dezembro de 2003, soube pelo contador Carlos que João Roberto Baird também era sócio da empresa (fls. 449/450).

Em Juízo, a testemunha Clodoaldo de Oliveira Miranda reiterou ter trabalhado na empresa S & I Serviços e Informática à época dos fatos. Foi contratado por Roberto Teles Barbosa, a quem se reportava. Como assistente administrativo, tinha por incumbência conferir as guias de depósito com as fichas de encaminhamento que os caixas repassavam. Teve ciência do desvio de DPVAT somente com a chegada de auditoria na empresa, em 2003. Não conhece João Roberto Baird. Confirmou as declarações prestadas em sede policial, em especial acerca da retirada de dinheiro nos postos de arrecadação, a pedido de Roberto Teles Barbosa. Pegava o dinheiro no caixa, marcava na ficha técnica e entregava pessoalmente para Roberto Teles Barbosa (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

A testemunha Flávio Henrique Sanches dos Santos declarou em Juízo ter trabalho na empresa S & I Serviços e Informática de outubro de 2000 a dezembro de 2003. Entrou na empresa como conferente de documentos, passou a digitador e por fim para caixa. Foi contratado por meio de um programa do governamental. Conheceu Roberto Teles Barbosa como dono da empresa e Márcio Balbuíno era a pessoa a quem se reportava. Em dezembro de 2003, foi notificado de que a empresa iria fechar. Não conhece João Roberto Baird nem tem conhecimento do desvio de valores públicos (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Perante a Autoridade Policial, Márcio Victor Woeth afirmou que por ocasião de seu desligamento de S & I Serviços e Informática, soube que o setor de recursos humanos da empresa localizava na sede da Itel Telecomunicações, que seria de João Roberto Baird, segundo informado por funcionários desta empresa (fls. 72/73).

Em sede judicial, a testemunha Márcio Victor Woeth aduziu ter trabalhado na empresa S & I Serviços e Informática no período de 2002 a 2004. Não conhece Roberto Teles Barbosa, mas sabe que ele era o proprietário da empresa. (http://web.trf3.jus.br/anexos/download/O55C0232BC).

Os elementos dos autos são suficientes à comprovação de que Roberto Teles Barbosa e José Roberto Baird praticaram o delito do art. 168. III, do Código Penal.

Roberto Teles Barbosa figurava como sócio-administrador de S & I Serviços e Informática Ltda. no período em que ocorreram os desvios. Malgrado tenha apresentado diferentes versões sobre os fatos, os depoimentos das testemunhas Clodoaldo de Oliveira Miranda e Flávio Henrique Sanches dos Santos indicam que o réu apresentava-se como sócio-administrador da empresa, tinha a disponibilidade financeira dos valores arrecadadores e retirava valores do caixa.

Anote-se ainda que, em sede recursal, Roberto Teles Barbosa insurge-se apenas contra a parte da sentença que determinou o perdimento, em favor da União, dos imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande.

No que concerne a João Roberto Baird, embora não constasse formalmente nos quadros societários da empresa na data da celebração do contrato com o Detran-MS, para ela "emprestou" maquinário, veículos e bens necessários ao exercício de suas atividades.

O Laudo n. 1.068/2008, da Polícia Federal, aponta que João Roberto Baird, em 04.12.03 e 27.02.04, depositou na conta da empresa S & I Informática, respectivamente, os valores de R$ 1.430.628,35 (um milhão, quatrocentos e trinta mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta e cinco centavos) e R$ 675.214,17 (seiscentos e setenta e cinco mil, duzentos e catorze reais e dezessete centavos). Em 23.03.04, João Roberto Baird depositou R$ 1.010.000,00 (um milhão e dez mil reais) (Apenso XV, fls. 3/11).

Não é crível que, por mera liberalidade, João Roberto Baird tenha montado uma empresa para um ex-funcionário e/ou amigo. No que diz respeito ao suposto pagamento de verbas trabalhistas a Roberto Teles Barbosa, não há elementos nos autos que o respaldem.

Não há verossimilhança, ainda, na afirmação de João Roberto Baird de que assumiu os expressivos valores desviados por seu sócio e que, para se precaver, tenha apenas celebrado um contrato de compromisso de compra e venda que sequer indica que o imóvel teria sido oferecido em garantia do pagamento do débito (fls. 1.820/1./826). Nesse passo, deve ser consignado que houve análise do referido contrato pelo Juízo a quo em embargos de declaração.

João Roberto Baird apresenta-se como empresário e pecuarista, a afastar a verossimilhança da afirmação de que passaria a integrar o quadro societário da S & I Serviços e Informática sem conhecer sua situação financeira e a regularidade das atividades por ela desenvolvidas. Conforme registrou o Juízo a quo, a S & I Serviços e Informática é uma sociedade de responsabilidade limitada e o pagamento de dívidas por João Roberto Baird indica que procurava evitar a persecução penal, sendo ele o real proprietário da empresa.

Ressalte-se que o Laudo n. 1.803/2009, da Delegacia de Polícia Federal, concernente à contabilidade da empresa S & I Serviços e Informática Ltda. no que toca aos repasses de valores ao Fundo Nacional de Saúde, Detran-MS e à Secretaria da Receita Federal, concluiu inexistir identificação contábil que permita individualizar os destinatários do valor que João Roberto Baird afirma ter restituído (R$ 3.831.943,35). Destacaram os Peritos que a empresa realizava operações de empréstimo ao diretor que, em 2003, totalizaram R$ 460.000,00 (quatrocentos e sessenta mil reais), sendo que a transferência de valores decorre da recomposição de empréstimos concedidos contra empréstimos recebidos do sócio; a empresa finalizou o exercício de 2003 registrando uma obrigação para com o sócio no valor de R$ 1.060.628,35 (um milhão e sessenta mil, seiscentos e vinte e oito reais e trinta e cinco centavos). No exercício de 2003, a distribuição de resultados mensais para Roberto Teles Barbosa foi de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), valor que, afirmam os Peritos, não guardam relação com o que consta na DIRPF de 2004; por fim, os valores que João Roberto Baird alega ter ressarcido correspondem a cerca de 10% (dez por cento) do montante desviado, segundo informações do Tribunal de Contas do Mato Grosso do Sul (fls. 1.248/1.252).

Por fim, o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso do Sul concluiu que durante o período em que João Roberto Baird constou formalmente como sócio de S & I Serviços e Informática também houve omissão no repasse de valores arrecadados (Anexo 4, fls. 1.210/1.260).

Portanto, não merece reparo a sentença na parte em que concluiu que João Roberto Baird contribuiu para os desvios, tendo fornecido toda a infraestrutura e o conhecimento sem os quais o contrato de prestação de serviços não teria sido celebrado com a S & I Serviços e Informática Ltda.

Ao contrário do que afirma João Roberto Baird, não é necessário que a sentença aponte o montante exato desviado. Ademais, não houve efetiva impugnação dos réus no que diz respeito à falsidade ou erronia na conclusão das apurações. Consigne-se, porém, que na Ação Declaratória n. 2006.60.00.009956-6, em trâmite perante a 4ª Vara Federal Cível de Campo Grande (MS), a empresa S & postula a declaração de extinção de seu débito com a União. Em 17.07.18, foi publicada sentença para declarar que a empresa nada deve à União, mais precisamente ao Denatran e ao Fundo Nacional de Saúde. No que diz respeito aos valores pertencentes ao Detran-MS, as Informações ns. 6/2011 e 7/2011 indicam que os débitos foram liquidados, não remanescendo saldo devedor (fls. 1.809/1.810 e 1.816).

Dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria da pena de João Roberto Baird, o Juízo a quo considerou que o réu agiu com culpabilidade considerável, pois se apropriou de verbas públicas, merecendo destaque as pertencentes ao Fundo Nacional de Saúde - FNS, que se destinam ao custeio da assistência médico-hospitalar de pessoas vitimadas por acidente de trânsito (Decreto n. 2.867/98). As consequências do delito foram de grande vulto, com desvio de cerca de R$ 7.369.397,55 (sete milhões, trezentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e sete reais e cinquenta e cinco centavos) em valores pertencentes ao Denatran e ao FNS. As circunstâncias do delito também foram tidas como reprováveis, pois o réu se valia de empresa sem natureza bancária para efetuar a arrecadação de valores, quando somente a rede bancária e os Correios foram fazê-lo (Portaria Interministerial MS/MF/MJ n. 4.044/98). Não há registro de antecedentes criminais nem elementos que permitam afirmar a conduta social e a personalidade do réu. Os motivos do crime foram tidos como comuns à espécie.

Em decorrência, a pena-base do delito do art. 168 do Código Penal foi fixada em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão.

Ausentes agravantes e atenuantes.

Presente a causa de aumento do inciso III do art. 168 do Código Penal, uma vez que as apropriações ocorreram em razão de ofício, emprego ou profissão do réu (na condição de sócio de fato e, posteriormente, sócio efetivo de S & I Serviços e Informática Ltda.). A pena foi aumentada em 1/3 (um terço), totalizando 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.

O Juízo a quo fez incidir a causa de diminuição de pena do ar. 16 do Código Penal, a ser estabelecida "tendo em conta o tempo que mediou entre a data do delito e a conduta do agente de reparar o dano". Os fatos ocorreram entre julho de 1999 e dezembro de 2003, com restituição de valores iniciada ainda em 2003 e concluída em 2004, tendo sido necessário o ajuizamento de ação para o reconhecimento da quitação do débito em 2006. Nesses termos, aplicou a redução em 1/2 (metade), a resultar na pena de 1 (um) ano, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão.

Em razão da aplicação do art. 71 do Código Penal, a pena foi acrescida em 2/3 (dois terços). A pena definitiva aplicada foi de 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão. A pena de multa foi majorada para 116 (cento e dezesseis) dias multa, ao fundamento de que deveria ser proporcional à pena privativa de liberdade.

O valor do dia-multa foi arbitrado em 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em 2003, dada a grande capacidade econômica do réu, à vista da vultosa soma restituída.

Houve substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a entidade a ser definida pelo Juízo da Execução.

Regime inicial aberto.

Em apelação, o Ministério Público Federal requer a majoração da pena-base, tendo em vista a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências do crime.

João Roberto Baird insurge-se em relação ao aumento da pena-base em razão das circunstâncias do crime, consideradas reprováveis malgrado tenha sido afastada a prática de delito contra o Sistema Financeiro Nacional. Acrescenta não haver elementos nos autos que sustentem a conclusão de que as consequências do delitivo teriam sido de grande vulto, com desvio de R$ 7.369.397,55 (sete milhões, trezentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e sete reais e cinquenta e cinco centavos). Ainda, não haveria critério objeto para a fixação da prestação pecuniária em R$ 100.000,00 (cem mil reais), além de ser contraditória em face da prestação pecuniária fixada para o corréu Roberto Teles Barbosa. Postula a defesa, por fim, a redução da pena em 2/3 (dois terços), à vista do disposto no art. 16 do Código Penal.

Passo à análise da dosimetria da pena.

Considero acentuada a culpabilidade de João Roberto Baird, que se valeu de interposta pessoa para a constituição de empresa e celebração de contrato com o Detran-MS. Houve apropriação de verbas públicas, dentre elas verbas destinadas ao custeio de assistência médico-hospitalar a vítimas de acidentes de trânsito. Embora não tipificada como crime contra o Sistema Financeira Nacional, há que se registrar a astúcia e reprovabilidade da conduta do réu.

As consequências do delito foram de grande vulto, ainda que se considere apenas os valores que o réu admite terem sido desviados.

Nesses termos, mantenho o aumento da pena-base em 2/3 (dois terços), conforme fixado pelo Juízo a quo.

Ausentes agravantes e atenuantes.

Presente a causa de aumento do inciso III do art. 168 do Código Penal, a pena deve majorada em 1/3 (um terço), resultando em 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.

No que toca ao disposto no art. 16 do Código Penal, não merece acolhimento a insurgência da defesa para a diminuição da pena em 2/3 (dois terços). Os fatos ocorreram entre julho de 1999 e dezembro de 2003, com restituição de valores iniciada ainda em 2003 e concluída em 2004. Portanto, é razoável a diminuição da pena em 1/2 (metade), conforme fixado pelo Juízo a quo, a resultar em 1 (um) ano, 1 (um) mês, 10 (dez) dias de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Não houve insurgência da defesa em relação ao aumento da pena em 2/3 (dois terços), com fundamento no art. 71 do Código Penal.

A pena definitiva resulta em 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 6 (seis) dias de reclusão, conforme consignado pelo Juízo a quo.

Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, deve haver exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16).

Nesses termos, de ofício, reduzo a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa.

Não merece reparo o arbitramento do dia-multa em 1/15 (um quinze avos) do salário mínimo vigente em 2003, tendo em vista a capacidade econômica do réu, que afirmou ser empresário e dono de diversas propriedades rurais.

Substituída a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e prestação pecuniária, que mantenho em R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo em vista a capacidade econômica demonstrada por João Roberto Baird. Ressalto inexistir contradição em relação à prestação pecuniária de Roberto Teles Barbosa, por serem diversas as condições econômicas dos réus.

No que toca a Roberto Teles Barbosa, o Juízo a quo, na primeira fase de dosimetria da pena, afirmou a reprovabilidade da conduta do réu, dada a natureza das verbas apropriadas. As consequências do delito foram de grande vulto, cerca de R$ 7.369.397,55 (sete milhões, trezentos e sessenta e nove mil, trezentos e noventa e sete reais e cinquenta e cinco centavos) em valores pertencentes ao Denatran e ao FNS. As circunstâncias do delito foram tidas como reprováveis, pois o réu se valia de empresa sem natureza bancária para efetuar a arrecadação de valores, quando somente a rede bancária e os Correios foram fazê-lo. Não há nos autos elementos a indicar que o réu teria antecedentes criminais, assim como inexistem dados idôneos que permitam afirmar sua personalidade e conduta social. Os motivos do crime são comuns à espécie. Diante do exposto, a pena-base pela prática do delito do art. 168 do Código Penal foi fixada em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.

Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.

O Juízo a quo fez incidir a causa de aumento do inciso III do art. 168 do Código Penal, uma vez que as apropriações ocorreram em razão de ofício, emprego ou profissão do réu (na condição de sócio de fato e, posteriormente, sócio efetivo de S & I Serviços e Informática Ltda.). A pena foi aumentada em 1/3 (um terço), totalizando 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.

Aplicada a causa de diminuição de pena do art. 16 do Código Penal no mínimo legal de 1/3 (um terço), tendo em vista que não foi Roberto Teles Barbosa quem promoveu a devolução dos valores desviados, sendo apenas beneficiado pelo disposto na causa geral de diminuição de pena (restituição por corréu). A pena resultou em 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 23 (vinte e três) dias de reclusão e 14 (catorze) dias-multa.

Em razão da incidência do art. 71 do Código Penal, a pena foi acrescida em 2/3 (dois terços). A pena definitiva aplicada foi de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão. A pena de multa foi majorada para 175 (cento e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em 2003, ao fundamento de que deveria haver aumento proporcional à pena privativa de liberdade.

Houve substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a entidade a ser definida pelo Juízo da Execução.

Regime inicial aberto.

Passo à análise da insurgência da defesa em relação à dosimetria da pena.

A majoração da pena-base em 2/3 (dois terços) é razoável, tendo em vista a culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito.

Malgrado não tenha havido impugnação da defesa, cumpre retificar, de ofício, a fixação dos dias-multa, pois deve haver exasperação proporcional à pena privativa de liberdade. Assim, a pena definitiva aplicada a Roberto Teles Barbosa deve ser de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses, 18 (dezoito) dias de reclusão e 23 (vinte e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em 2003.

No mais, mantida a dosimetria da pena.

Perdimento de bens. O Juízo a quo, com fundamento no art. 91, II, b, do Código Penal, decretou o perdimento de bens de Roberto Teles Barbosa, a saber, imóveis de Matrículas ns. 214.903 e 212.886, do CRI do 1º Ofício de Campo Grande (MS).

O Juízo a quo consignou que o réu, ao ser inquirido perante a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, assumiu que os valores desviados do SUS (cerca de R$ 1.000.000,00) foram investidos em seu terreno, vale dizer, para a aquisição de grama, edificação e instalação de energia elétrica em 2 (dois) campos de futebol (fls. 2.957/2.958). Os terrenos sequestrados foram os do complexo desportivo mencionado em depoimento do réu, conforme representação policial de fls. 168/170.

Portanto, trata-se de clara situação de proveito do crime (CP, art. 91, II, b), a impor a perda dos bens em favor da União, que não resta afastada pelo ressarcimento do valor desviado (cf. fls. 2.986/2.989v.).

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações criminais da acusação e das defesas e, de ofício, fixo a pena de multa de João Roberto Baird em 16 (dezesseis) dias-multa e a de Roberto Teles Barbosa em 23 (vinte e três) dias-multa. Mantidos os demais termos da sentença.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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