Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/08/2019
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003250-46.2014.4.03.6106/SP
2014.61.06.003250-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : RINALDO ESCANFERLA
ADVOGADO : SP129397 MARCOS CESAR MINUCI DE SOUSA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANNA FLAVIA NOBREGA CAVALCANTI UGATTI e outro(a)
No. ORIG. : 00032504620144036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL. PREFEITO. CONVÊNIO. MUNICÍPIO DE POLONI/SP E MINISTÉRIO DO TURISMO. VERBA FEDERAL. FESTIVIDADES. CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS MEDIANTE INTERMEDIÁRIO SEM EXCLUSIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO. COBRANÇA DE INGRESSOS DISSIMULADA E SEM ADEQUADO REPASSE. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO SEM APROPRIADO PROCEDIMENTO. UTILIZAÇÃO DE MODALIDADE LICITATÓRIA INADEQUADA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. REEQUANDRAMENTO NORMATIVO DOS ATOS DE IMPROBIDADE SEM INTERFERÊNCIA NA DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Em se tratando de ação civil pública, a extensão da sentença que não acolheu integralmente a pretensão inicial está submetida a remessa necessária pro societate, consoante pacífica jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça.
2. Cuida-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Rinaldo Escanferla, sob a alegação que ele, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha por objetivo veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni".
3. As improbidades, consoante descrição do Parquet calcada em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, consistiram na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade de representação; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso e, finalmente, contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.
4. A sentença recorrida acolheu parcialmente as teses e provas iniciais, condenando o réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92.
5. A contratação da dupla Chitãozinho e Xororó para apresentação no evento, no valor de R$ 80.000,00, deu-se por intermédio da empresa Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda., e com inexigibilidade de licitação, esta última supostamente amparada na hipótese prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93.
6. Cediço que as normas sobre contratação direta, ou seja, aquelas que preveem hipóteses de dispensa, inexigibilidade, licitação vedada e proibida, ou licitação dispensada, justamente por excepcionarem o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, devem receber interpretação restritiva, razão pela qual o termo "empresário exclusivo", contido no art. 25, III, da Lei de Licitações, deve ser compreendido como empresário único, habitual do artista, não abrindo espaços para a representação eventual, esporádica, a qual, certamente, traria à seara de contratações do Poder Público o indesejável risco das intermediações, comissões e especulações.
7. Este E. TRF da 3ª Região possui firme jurisprudência no sentido de que a contratação realizada pelo Poder Público com mero intermediário do artista, que não o representa de forma permanente ou duradoura ou que detém a exclusividade de representação limitada a determinados dias ou eventos, não autoriza a incidência da inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei de Licitações (Ap. Cível 0000283-35.2014.4.03.6136, Rel. p/Acórdão Desembargador Federal Johonsom di Salvo, p. em 23/05/2019; AI 0026136-92.2012.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Andre Nabarrete, p. em 14/06/2016; AI 0030721-22.2014.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Nelton dos Santos, p. em 11/12/2015).
8. Como bem apontado pelo MPF e reconhecido na sentença, a Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda. não detinha a exclusividade de representação dos referidos artistas, senão para as datas correspondentes ao evento objeto do Convênio. É dizer: na prática, a contratação em tela não se deu diretamente com os aludidos artistas, nem tampouco com seus empresários exclusivos, mas sim, com empresa intermediária, cujos poderes de representação se limitavam tão somente ao período da realização dos eventos.
9. E contrariamente ao alegado pelo recorrente, inexistia lastro para que a inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 fosse interpretada de modo a também contemplar a figura do "empresário temporário".
10. Isso porque, não bastasse a literalidade da norma e a jurisprudência indicarem apenas a contratação direta junto ao artista ou com seu empresário exclusivo, a Cláusula Terceira, "II", do Convênio em tela, ao dispor sobre os deveres do Município-convenente, e citando determinação do TCU, expressamente dispôs que, para os fins do art. 25, III, da Lei de Licitações, na hipótese de contratação de artista por meio de empresário, era necessária a apresentação de contrato de exclusividade, não confundível com a autorização que atribui exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento.
11. Verifica-se, ainda, que o ora recorrente não deu qualquer atenção ao conteúdo da Cláusula Terceira, II, "cc", do Convênio, pois deixou de providenciar publicação no Diário Oficial da União dos contratos de exclusividade dos artistas, bem como não ordenou publicidade oficial acerca do Processo de Inexigibilidade 003/2009, relativo também à contratação desses artistas, em direta afronta ao que dispõe o art. 26 da Lei 8.666/93.
12. Logo, em face dessa contratação irregular, o apelante incorreu em improbidade administrativa consubstanciada em violação ao princípio da legalidade, impessoalidade e publicidade, nos termos do art. 11, caput, da Lei 8.429/92.
13. Da cobrança de ingressos: alega o recorrente que, contrariamente ao afirmado na sentença, não houve cobrança de ingressos para o evento em questão, não se podendo cogitar, portanto, de qualquer irregularidade quanto à destinação desses recursos.
14. Todavia, a prova testemunhal, formada essencialmente por testemunhas arroladas pelo próprio apelante, confirmou que houve venda de ingressos, em pelos menos alguns dos dias de shows; a servidora pública fiscal do Ministério do Turismo e subscritora de relatório de verificação in loco, em um dos dias do evento, também atestou a cobrança de ingressos no valor de R$ 20,00. Nenhuma das partes soube informar acerca da destinação dessa arrecadação, nem mesmo a Câmara Municipal, instada a tanto.
15. Tem-se, portanto, que, para além de prestar informação falsa (note-se o teor do Ofício 81/2011, pelo qual o réu informou ao Ministério do Turismo que o evento havia sido gratuito), o apelante descumpriu a Cláusula Terceira, item "II", "dd", do Convênio em baila, o qual dispunha que, caso houvesse arrecadação com a cobrança de ingressos em shows no respectivo âmbito de execução, tais valores deveriam ser obrigatoriamente revertidos para a consecução de seu objeto ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
16. No ponto, observa-se efetivo dano ao erário, uma vez que, consoante dados do Plano de Trabalho, bem como informações prestadas pela Coordenação Extraordinária de Análise de Prestação de Contas do Ministério do Turismo, pela ausência de repasse dos valores cobrados a título de ingresso, ao menos R$ 115.000,00 deixaram de ser aplicados na execução do objeto do Convênio ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
17. Desse modo, é certo que o recorrente incorreu em improbidade administrativa danosa ao erário, pois ensejadora de perda patrimonial e irregular aplicação de verba pública (art. 10, caput e inc. XI da LIA), além de vulneradora do preceito da legalidade e honestidade na administração pública (art. 11, caput).
18. Da contratação em modalidade licitatória diversa do Pregão: observa-se dos autos que os bens e serviços relativos ao Convênio, referentes a infraestrutura e segurança, foram adquiridos pela modalidade licitatória carta convite.
19. Ocorre que, nos termos da Lei 10.520/2002, art. 1º do Decreto 5.450/2005 e Portaria Interministerial 127/2008, no âmbito de Convênios que envolvam repasse voluntário de verbas federais, as respectivas licitações para aquisição de bens e serviços comuns devem ser realizadas obrigatoriamente na modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.
20. A defesa do apelante, nesse ponto, está dissociada das razões da acusação e dos fundamentos da sentença, eis que não se imputou irregularidade pela ausência de pregão para a contratação de artistas, mas sim, pela aquisição de serviços comuns de infraestrutura e segurança.
21. Mais uma vez, está-se diante de improbidade administrativa por violação ao princípio da legalidade (art. 11, caput, da Lei 8.429/92).
22. Dolo: sustenta o apelante, enfim, que as falhas apuradas representam meras irregularidades administrativas, impassíveis de serem qualificadas como atos de improbidade administrativa, até porque atenderam a prévio parecer jurídico.
23. Entretanto, o dolo está evidenciado pela deliberada inobservância dos preceitos relativos ao Convênio, cujos termos e condições de execução, além de previstos em lei, constavam nas próprias cláusulas contratuais; ademais, tratando-se de mandatário político, Prefeito Municipal, mostra-se inadmissível que as transgressões à regulamentação do Convênio tenham ocorrido de forma substancial.
24. Isso não bastasse, o C. STJ firmou jurisprudência no sentido de que, para a caracterização da improbidade administrativa violadora dos princípios da administração pública (art. 11 da LIA), basta o dolo genérico.
25. Do reenquadramento das sanções e dosimetria: o enquadramento da sentença, unicamente no art. 11 da LIA, merece ser revisto, uma vez que, pela supracitada ausência de repasse dos valores obtidos mediante cobrança de ingressos, houve efetivo dano aos cofres públicos, configurando a improbidade administrativa prevista no art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92.
26. A possibilidade de reenquadramento das sanções de improbidade administrativa em sede de remessa necessária é possível, eis que tal revisão ocorre pro societate, sendo que o réu defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica porventura indicada, bastando, nessas espécies de demanda, que o autor aponte, com precisão, a causa de pedir relativa a um ou mais tipos de atos ímprobos descritos na Lei 8.429/92, bem como os elementos subjetivos que nortearam a ação do sujeito tido por responsável. Nesse sentido: STJ, REsp 1086994/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe: 12/03/2014; TRF 3ª Região, Sexta Turma, Ap. Cível 0016910-38.1999.4.03.6105, Rel. Desembargadora Federal Diva Malerbi, p. em 21/12/2017).
27. Conquanto necessário o reenquadramento normativo dos atos de improbidade, vislumbra-se razoável e proporcional, nos termos do art. 12 da LIA, a manutenção das medidas impostas na sentença, consistentes em ressarcimento ao erário do valor de R$ 115.000,00, pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00 e suspensão dos direitos políticos por 03 anos.
28. A sanção de suspensão de direitos políticos, por sinal, revela-se adequada ao caso concreto, nas vertentes pedagógica, punitiva e de interesse social, pois, em se tratando de Prefeito Municipal que malversou recursos públicos, acarreta, após o trânsito em julgado, a impossibilidade temporária de sua assunção a novo mandato.
29. Nega-se provimento à apelação e dá-se parcial provimento à remessa necessária, unicamente para que fixada a condenação do recorrente nos termos do art. 10, caput e inc. XI, c/c art. 11, caput, todos da Lei 8.429/92, mantidas as sanções fixadas na sentença.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa necessária tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 08 de agosto de 2019.
DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI:10014
Nº de Série do Certificado: 11A217030941EFCB
Data e Hora: 09/08/2019 14:34:23



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003250-46.2014.4.03.6106/SP
2014.61.06.003250-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : RINALDO ESCANFERLA
ADVOGADO : SP129397 MARCOS CESAR MINUCI DE SOUSA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANNA FLAVIA NOBREGA CAVALCANTI UGATTI e outro(a)
No. ORIG. : 00032504620144036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Trata-se de remessa necessária tida por interposta e apelação em ação civil pública, ajuizada, com pedido cautelar de indisponibilidade de bens, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra RINALDO ESCANFERLA e pela qual objetivou, em suma, condenação do réu por improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429/92.

O Parquet provoveu a ação civil pública por improbidade administrativa, amparado em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, alegando que o requerido, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha o objetivo de veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni". Tais ilegalidades consistiram, em suma, na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso; e contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.

O pedido cautelar de decretação de indisponibilidade de bens foi indeferido, na mesma oportunidade em que recebida a petição inicial (fls. 144).

A r. sentença (fls. 253-258-v), após regular instrução, condenou os réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92, pela aplicação de verbas públicas federais sem a prestação de contas e com violação de preceitos básicos fixados na lei de licitações, a ressarcimento ao erário municipal no valor de R$ 115.000,00 devidamente atualizado, bem como a pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00, além de impor suspensão de direitos políticos por 3 anos. Sem verba honorária, custas ex lege.

RINALDO ESCANFERLA, em suas razões de apelação (fls. 266/275), sustentou, em resumo, o seguinte: a) contrariamente ao afirmado na sentença, a prova testemunhal demonstrou não ter havido cobrança de ingressos no dia do evento, até porque realizado em praça pública; b) as irregularidades apontadas pela CGU são meramente formais, inaptas a configurar improbidade administrativa, sendo que não agiu com dolo e, sim, amparado em parecer jurídico; c) não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos; d) a contratação dos artistas que se apresentaram no evento foi regular, seja diante das declarações de exclusividade fornecidas, seja porque a inexigibilidade dispensa a obrigatoriedade da adoção da modalidade licitatória pregão; e) ser de rigor, portanto, o provimento do recurso, para que julgados improcedentes os pedidos iniciais.

Após contrarrazões (fls. 279/286), os autos foram encaminhados a esta E. Corte Regional.

O Ministério Público Federal com atribuição nesta instância manifestou-se pelo conhecimento de ofício da remessa oficial e respectvo provimento parcial, tão somente para que à sentença seja adicionada condenação do réu na proibição de contratar com a Administração Pública. No mais, opinou pelo desprovimento da apelação defensiva (fls. 312/316).

Às fls. 318/329, o Ministério Público Federal anexou aos autos o Ofício 1411/2018-TCU/SECEX-SP, oriundo do TCU, informando que, em julgamento de Tomada de Contas Especial, as contas relativas ao Convênio objeto desta demanda foram desaprovadas.

Intimado a se manifestar sobre o Ofício supramencionado, o apelante restou silente.

É o relatório.

DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI:10014
Nº de Série do Certificado: 11A217030941EFCB
Data e Hora: 09/08/2019 14:34:16



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003250-46.2014.4.03.6106/SP
2014.61.06.003250-9/SP
RELATORA : Desembargadora Federal DIVA MALERBI
APELANTE : RINALDO ESCANFERLA
ADVOGADO : SP129397 MARCOS CESAR MINUCI DE SOUSA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANNA FLAVIA NOBREGA CAVALCANTI UGATTI e outro(a)
No. ORIG. : 00032504620144036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

"EMENTA"
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL. PREFEITO. CONVÊNIO. MUNICÍPIO DE POLONI/SP E MINISTÉRIO DO TURISMO. VERBA FEDERAL. FESTIVIDADES. CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS MEDIANTE INTERMEDIÁRIO SEM EXCLUSIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO. COBRANÇA DE INGRESSOS DISSIMULADA E SEM ADEQUADO REPASSE. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO SEM APROPRIADO PROCEDIMENTO. UTILIZAÇÃO DE MODALIDADE LICITATÓRIA INADEQUADA. DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONFIGURAÇÃO. REEQUANDRAMENTO NORMATIVO DOS ATOS DE IMPROBIDADE SEM INTERFERÊNCIA NA DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. APELAÇÃO DEFENSIVA DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Em se tratando de ação civil pública, a extensão da sentença que não acolheu integralmente a pretensão inicial está submetida a remessa necessária pro societate, consoante pacífica jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça.
2. Cuida-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Rinaldo Escanferla, sob a alegação que ele, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha por objetivo veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni".
3. As improbidades, consoante descrição do Parquet calcada em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, consistiram na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade de representação; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso e, finalmente, contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.
4. A sentença recorrida acolheu parcialmente as teses e provas iniciais, condenando o réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92.
5. A contratação da dupla Chitãozinho e Xororó para apresentação no evento, no valor de R$ 80.000,00, deu-se por intermédio da empresa Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda., e com inexigibilidade de licitação, esta última supostamente amparada na hipótese prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93.
6. Cediço que as normas sobre contratação direta, ou seja, aquelas que preveem hipóteses de dispensa, inexigibilidade, licitação vedada e proibida, ou licitação dispensada, justamente por excepcionarem o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, devem receber interpretação restritiva, razão pela qual o termo "empresário exclusivo", contido no art. 25, III, da Lei de Licitações, deve ser compreendido como empresário único, habitual do artista, não abrindo espaços para a representação eventual, esporádica, a qual, certamente, traria à seara de contratações do Poder Público o indesejável risco das intermediações, comissões e especulações.
7. Este E. TRF da 3ª Região possui firme jurisprudência no sentido de que a contratação realizada pelo Poder Público com mero intermediário do artista, que não o representa de forma permanente ou duradoura ou que detém a exclusividade de representação limitada a determinados dias ou eventos, não autoriza a incidência da inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei de Licitações (Ap. Cível 0000283-35.2014.4.03.6136, Rel. p/Acórdão Desembargador Federal Johonsom di Salvo, p. em 23/05/2019; AI 0026136-92.2012.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Andre Nabarrete, p. em 14/06/2016; AI 0030721-22.2014.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Nelton dos Santos, p. em 11/12/2015).
8. Como bem apontado pelo MPF e reconhecido na sentença, a Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda. não detinha a exclusividade de representação dos referidos artistas, senão para as datas correspondentes ao evento objeto do Convênio. É dizer: na prática, a contratação em tela não se deu diretamente com os aludidos artistas, nem tampouco com seus empresários exclusivos, mas sim, com empresa intermediária, cujos poderes de representação se limitavam tão somente ao período da realização dos eventos.
9. E contrariamente ao alegado pelo recorrente, inexistia lastro para que a inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 fosse interpretada de modo a também contemplar a figura do "empresário temporário".
10. Isso porque, não bastasse a literalidade da norma e a jurisprudência indicarem apenas a contratação direta junto ao artista ou com seu empresário exclusivo, a Cláusula Terceira, "II", do Convênio em tela, ao dispor sobre os deveres do Município-convenente, e citando determinação do TCU, expressamente dispôs que, para os fins do art. 25, III, da Lei de Licitações, na hipótese de contratação de artista por meio de empresário, era necessária a apresentação de contrato de exclusividade, não confundível com a autorização que atribui exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento.
11. Verifica-se, ainda, que o ora recorrente não deu qualquer atenção ao conteúdo da Cláusula Terceira, II, "cc", do Convênio, pois deixou de providenciar publicação no Diário Oficial da União dos contratos de exclusividade dos artistas, bem como não ordenou publicidade oficial acerca do Processo de Inexigibilidade 003/2009, relativo também à contratação desses artistas, em direta afronta ao que dispõe o art. 26 da Lei 8.666/93.
12. Logo, em face dessa contratação irregular, o apelante incorreu em improbidade administrativa consubstanciada em violação ao princípio da legalidade, impessoalidade e publicidade, nos termos do art. 11, caput, da Lei 8.429/92.
13. Da cobrança de ingressos: alega o recorrente que, contrariamente ao afirmado na sentença, não houve cobrança de ingressos para o evento em questão, não se podendo cogitar, portanto, de qualquer irregularidade quanto à destinação desses recursos.
14. Todavia, a prova testemunhal, formada essencialmente por testemunhas arroladas pelo próprio apelante, confirmou que houve venda de ingressos, em pelos menos alguns dos dias de shows; a servidora pública fiscal do Ministério do Turismo e subscritora de relatório de verificação in loco, em um dos dias do evento, também atestou a cobrança de ingressos no valor de R$ 20,00. Nenhuma das partes soube informar acerca da destinação dessa arrecadação, nem mesmo a Câmara Municipal, instada a tanto.
15. Tem-se, portanto, que, para além de prestar informação falsa (note-se o teor do Ofício 81/2011, pelo qual o réu informou ao Ministério do Turismo que o evento havia sido gratuito), o apelante descumpriu a Cláusula Terceira, item "II", "dd", do Convênio em baila, o qual dispunha que, caso houvesse arrecadação com a cobrança de ingressos em shows no respectivo âmbito de execução, tais valores deveriam ser obrigatoriamente revertidos para a consecução de seu objeto ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
16. No ponto, observa-se efetivo dano ao erário, uma vez que, consoante dados do Plano de Trabalho, bem como informações prestadas pela Coordenação Extraordinária de Análise de Prestação de Contas do Ministério do Turismo, pela ausência de repasse dos valores cobrados a título de ingresso, ao menos R$ 115.000,00 deixaram de ser aplicados na execução do objeto do Convênio ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
17. Desse modo, é certo que o recorrente incorreu em improbidade administrativa danosa ao erário, pois ensejadora de perda patrimonial e irregular aplicação de verba pública (art. 10, caput e inc. XI da LIA), além de vulneradora do preceito da legalidade e honestidade na administração pública (art. 11, caput).
18. Da contratação em modalidade licitatória diversa do Pregão: observa-se dos autos que os bens e serviços relativos ao Convênio, referentes a infraestrutura e segurança, foram adquiridos pela modalidade licitatória carta convite.
19. Ocorre que, nos termos da Lei 10.520/2002, art. 1º do Decreto 5.450/2005 e Portaria Interministerial 127/2008, no âmbito de Convênios que envolvam repasse voluntário de verbas federais, as respectivas licitações para aquisição de bens e serviços comuns devem ser realizadas obrigatoriamente na modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.
20. A defesa do apelante, nesse ponto, está dissociada das razões da acusação e dos fundamentos da sentença, eis que não se imputou irregularidade pela ausência de pregão para a contratação de artistas, mas sim, pela aquisição de serviços comuns de infraestrutura e segurança.
21. Mais uma vez, está-se diante de improbidade administrativa por violação ao princípio da legalidade (art. 11, caput, da Lei 8.429/92).
22. Dolo: sustenta o apelante, enfim, que as falhas apuradas representam meras irregularidades administrativas, impassíveis de serem qualificadas como atos de improbidade administrativa, até porque atenderam a prévio parecer jurídico.
23. Entretanto, o dolo está evidenciado pela deliberada inobservância dos preceitos relativos ao Convênio, cujos termos e condições de execução, além de previstos em lei, constavam nas próprias cláusulas contratuais; ademais, tratando-se de mandatário político, Prefeito Municipal, mostra-se inadmissível que as transgressões à regulamentação do Convênio tenham ocorrido de forma substancial.
24. Isso não bastasse, o C. STJ firmou jurisprudência no sentido de que, para a caracterização da improbidade administrativa violadora dos princípios da administração pública (art. 11 da LIA), basta o dolo genérico.
25. Do reenquadramento das sanções e dosimetria: o enquadramento da sentença, unicamente no art. 11 da LIA, merece ser revisto, uma vez que, pela supracitada ausência de repasse dos valores obtidos mediante cobrança de ingressos, houve efetivo dano aos cofres públicos, configurando a improbidade administrativa prevista no art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92.
26. A possibilidade de reenquadramento das sanções de improbidade administrativa em sede de remessa necessária é possível, eis que tal revisão ocorre pro societate, sendo que o réu defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica porventura indicada, bastando, nessas espécies de demanda, que o autor aponte, com precisão, a causa de pedir relativa a um ou mais tipos de atos ímprobos descritos na Lei 8.429/92, bem como os elementos subjetivos que nortearam a ação do sujeito tido por responsável. Nesse sentido: STJ, REsp 1086994/SP, Rel. p/ Acórdão Min. Mauro Campbell Marques, DJe: 12/03/2014; TRF 3ª Região, Sexta Turma, Ap. Cível 0016910-38.1999.4.03.6105, Rel. Desembargadora Federal Diva Malerbi, p. em 21/12/2017).
27. Conquanto necessário o reenquadramento normativo dos atos de improbidade, vislumbra-se razoável e proporcional, nos termos do art. 12 da LIA, a manutenção das medidas impostas na sentença, consistentes em ressarcimento ao erário do valor de R$ 115.000,00, pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00 e suspensão dos direitos políticos por 03 anos.
28. A sanção de suspensão de direitos políticos, por sinal, revela-se adequada ao caso concreto, nas vertentes pedagógica, punitiva e de interesse social, pois, em se tratando de Prefeito Municipal que malversou recursos públicos, acarreta, após o trânsito em julgado, a impossibilidade temporária de sua assunção a novo mandato.
29. Nega-se provimento à apelação e dá-se parcial provimento à remessa necessária, unicamente para que fixada a condenação do recorrente nos termos do art. 10, caput e inc. XI, c/c art. 11, caput, todos da Lei 8.429/92, mantidas as sanções fixadas na sentença.

A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Destaco, inicialmente, que em se tratando de ação civil pública, a extensão da sentença que não acolheu integralmente a pretensão inicial está submetida a remessa necessária pro societate, consoante pacífica jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, reafirmada no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.220.667/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, Dje de 30/06/2017.


Cuida-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra RINALDO ESCANFERLA, sob a alegação que este, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha por objetivo veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni".


As improbidades, consoante descrição do Parquet calcada em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, consistiram, em suma, na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade de representação; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso e, finalmente, contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.


A sentença ora recorrida acolheu parcialmente as teses e provas levantadas pelo Órgão Ministerial, condenando o réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92, pela aplicação de verbas públicas federais sem a prestação de contas e com violação de preceitos básicos fixados na lei de licitações e cláusulas do Convênio, a ressarcimento ao erário municipal no valor de R$ 115.000,00, bem como a pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00, além de impor suspensão de direitos políticos por 03 anos.


Irresignado, o réu apresentou recurso de apelação, cujos argumentos passa-se à análise.


Da contratação irregular de artistas


A contratação da dupla Chitãozinho e Xororó para apresentação no evento, no valor de R$ 80.000,00, deu-se por intermédio da empresa Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda., e com inexigibilidade de licitação, esta última supostamente amparada na hipótese prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 (verbis):


"Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
[...]
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública".

Cediço que as normas sobre contratação direta, ou seja, aquelas que preveem hipóteses de dispensa, inexigibilidade, licitação vedada e proibida, ou licitação dispensada, justamente por excepcionarem o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, devem receber interpretação restritiva, razão pela qual o termo "empresário exclusivo", contido no art. 25, III, da Lei de Licitações, deve ser compreendido como empresário único, habitual do artista, não abrindo espaços para a representação eventual, esporádica, a qual, certamente, traria à seara de contratações do Poder Público o indesejável risco das intermediações, comissões e especulações.


Este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região possui firme jurisprudência no sentido de que a contratação realizada pelo Poder Público com mero intermediário do artista, que não o representa de forma permanente ou duradoura ou que detém a exclusividade de representação limitada a determinados dias ou eventos, não autoriza a incidência da inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei de Licitações. Confira-se:


"AÇÃO CIVIL PÚBLICA CALCADA NA LEI Nº 8.429/92: apelações de J.R.B., ex-prefeito de Ariranha/SP, e C.R.G., empresário, contra sentença condenatória em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, motivada pela indevida dispensa de licitação na contratação de artistas no âmbito do Convênio 0186/2010, celebrado entre o Município de Ariranha/SP e o Ministério do Turismo, para realização do evento denominado "Rodeio dos Campeões de Ariranha". LEI GERAL DE LICITAÇÕES: a análise conjunta dos artigos 25, III, e 26, da Lei Geral de Licitações permite concluir que a contratação direta do profissional do setor artístico somente será legal nos casos em que (i) o artista for consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública; (ii) o profissional a ser contratado seja, justificadamente, o mais adequado para atender a finalidade da entidade, em vista de suas características pessoais; (iii) haja procedimento administrativo prévio da inexigibilidade, que permita a avaliação da legalidade do processo e da escolha; (iv) a contratação seja formalizada diretamente com o artista ou com empresário que detenha exclusividade na representação do artista, ou seja, aquele que atua junto ao artista com vínculo permanente e também único, excetuando qualquer outro. CONTRATAÇÃO SUSPEITA: no caso dos autos, embora a contratação tenha sido precedida de parecer jurídico, a higidez do procedimento é suspeita. Ainda, não há a devida exclusividade do empresário, que não pode ser assim considerada, para os fins do inciso III do artigo 25 da Lei nº 8.666/93, quando ventila curtos períodos de tempo ou eventos determinados. DEVER OBRIGACIONAL DE INDENIZAR O CONTRATADO: a nulidade do contrato administrativo não desonera o Poder Público do dever obrigacional de indenizar o contratado pelo serviço prestado, sob pena de ocorrência de enriquecimento sem causa, conforme artigo 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93 (STJ - AgRg no REsp 1311455/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 08/09/2015, DJe 23/09/2015; REsp 1192563/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/05/2015, DJe 06/08/2015; REsp 836.495/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 26/11/2013, DJe 06/12/2013; AgRg no REsp 332.956/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 21/11/2002, DJ 16/12/2002; REsp 753.039/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/06/2007, DJ 03/09/2007). Em consequência, aquilo que efetivamente foi pago ao corréu ou diretamente a dois cantores, como contraprestação de serviços artísticos efetivamente prestados, não pode ser considerado dano ao erário, sob pena de enriquecimento sem causa do Município de Ariranha. DÉBITO ADIMPLIDO NO CURSO DA DEMANDA: da verba recebida do Ministério do Turismo, restou comprovada a devolução de R$ 55.212,20, corrigidos. E o valor residual de R$ 44.859,81, que se achava em aberto na data do ajuizamento dessa ação civil pública, foi recomposto no curso do processo, com correção, por meio do contrato de parcelamento celebrado entre o Ministério do Turismo e o Município de Ariranha/SP, de modo que a dívida, de qualquer modo, está completamente quitada. Trata-se de fato superveniente que deve ser levado em consideração, conforme artigo 493 do Código de Processo Civil/2015. SERVIÇO DE AGENCIAMENTO: a contratação dos artistas poderia ter sido realizada diretamente pelo Município de Ariranha/SP, sem licitação, com seus verdadeiros empresários exclusivos. No caso dos autos o ajuste foi feito com a intermediação da empresa comandada pelo corréu C.R.G., que atuou como agenciadora. Embora essa intermediação pudesse ser desnecessária, é certo que tal serviço é um "facilitador" e, uma vez usufruído pelo ente público, deve ser remunerado, consoante o já referido artigo 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO: nesse cenário, o eventual dano ao erário decorrente da ausência de licitação do serviço de agenciamento que, como dito, era perfeitamente licitável, somente seria comprovado se tivesse sido constatado que tal serviço poderia ter sido contratado de maneira mais vantajosa pela Administração, caso uma disputa entre empresários ou facilitadores ocorresse. Entretanto, essa vantagem não foi demonstrada nos autos pelo Ministério Público Federal, assim como não foi comprovado que um terceiro - o corréu C.R.G. ou os artistas - enriqueceu ilicitamente, mormente quando salta aos olhos que o serviço foi prestado. Mais - a demonstrar a ausência de prejuízo para a União Federal está o fato de que, convidada a ingressar nos autos, a AGU não viu necessidade disso (fls. 121). CONDENAÇÃO COM FULCRO NO ARTIGO 10, I, VIII E XII, DA LIA AFASTADA: não se aperfeiçoou a improbidade tal como tratada pelo Ministério Público Federal quando alojou os fatos imputados aos corréus, especialmente ao ex-prefeito, nos três incisos do artigo 10 da Lei nº 8.429/92 que, na esteira da jurisprudência recente do STJ, exige que tenha ocorrido dano ao erário (STJ - AgInt no AREsp 1224206/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 09/04/2019, DJe 11/04/2019; AgInt no REsp 922.526/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 26/03/2019, DJe 03/04/2019). CONDENAÇÃO COM FULCRO NO ARTIGO 11, I, DA LIA MANTIDA: sem reparo a conclusão da sentença quanto à configuração do artigo 11, I, da Lei nº 8.429/92, conforme jurisprudência do TJSP (Apelação 0001581-33.2009.8.26.0035, Relator (a): Claudio Augusto Pedrass, Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público, Foro de Águas de Lindoia - Vara Única; Data do Julgamento: 26/04/2016; Data de Registro: 28/04/2016) e do STJ (AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 1. 066.824/PA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 18/9/2013; REsp 951.389/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 4/5/2011; REsp 1536573/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 19/03/2019, DJe 28/03/2019; AgInt no AREsp 1205949/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 26/03/2019, DJe 02/04/2019). DOSIMETRIA DAS PENAS REFORMADA: condenação dos corréus restrita à prática do ato de improbidade administrativa descrito no artigo 11, I, da Lei nº 8.429/92, em concurso de agentes pois não se tratou de "infração de mão própria", ao pagamento de multa civil em favor da União Federal, fixada em quinze vezes o valor da remuneração do Prefeito Municipal de Ariranha/SP ao tempo dos fatos para o réu J.R.B., e em oito vezes para o réu C.R.G. Esses valores serão corrigidos conforme a Res. 267/CJF e apurados em liquidação. CANCELADAS AS DEMAIS APENAÇÕES E A INDISPONIBILIDADE DE BENS. PRESQUESTIONAMENTO: para viabilizar o eventual acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional (STJ - EDROMS 18205/SP, Ministro Felix Fischer, DJ 08.05.2006; AgRg no REsp 1330823/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 18/10/2012, DJe 25/10/2012). RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO".
(TRF 3ª Região, Sexta Turma, Apelação Cível 0000283-35.2014.4.03.6136, Rel. p/Acórdão Desembargador Federal Johonsom di Salvo, p. em 23/05/2019)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. INEXISTÊNCIA DE PERDA DO OBJETO. INDISPONIBILIDADE DOS BENS DOS RÉUS: EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATOS ÍMPROBOS. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. CONTRATAÇÃO DIRETA. INDEVIDA. PERICULUM IN MORA PRESUMIDO. AGRAVO PROVIDO EM PARTE.
- Pugna o MPF pelo enquadramento nos atos de improbidade descritos no artigo 10 (prejuízo ao erário), incisos V (permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado), VIII (frustrar a licitude de processo licitatório ou não realizar licitação quando exigido por lei) e XII (permitir, facilitar e concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente) e no artigo 11, caput (violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições), da LIA.
- A indisponibilidade visa a garantir o resultado útil da ação civil pública: o ressarcimento integral dos danos, e o pagamento da respectiva multa eventualmente determinados em decisão transitada em julgado.
- A documentação acostada demonstra que os agravados participaram de contratação realizada sem prévia licitação e em desacordo com as exigências para que fosse reconhecida como inexigível, na medida em que a empresa intermediária contratada apenas representava os artistas nas datas dos shows sob análise e não com exclusividade como exige a lei.
- A contratação direta viola o 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93, que prevê a inexigibilidade da licitação para a contratação de profissional do setor artístico diretamente ou por empresário exclusivo, comprovados indícios suficientes da prática da conduta descrita no artigo 10, incisos VII e XII, bem como do artigo 11 caput da LIA.
- O artigo 7º da Lei nº 8.429/1992 revela que a demonstração da existência de indícios do dano ao erário ou de enriquecimento ilícito - fumus boni iuris do feito principal - por si só legitima a concessão da aludida liminar, considerado que o periculum in mora, requisito geral das medidas cautelares, encontra-se, nessa situação, subentendido no artigo 37, § 4º, da CF.
- A administração pública está vinculada aos princípios enunciados no artigo 37 da CF, em especial ao da legalidade, de acordo com o qual apenas lhe é permitido agir da forma prevista em lei e, assim, o simples cumprimento do contratado não é suficiente à satisfação do interesse público quando não observadas as diretrizes legais e/ ou contratuais por ocasião de seu desenrolar.
- A incidência da medida cautelar sobre o patrimônio do investigado independe de sua aquisição ter se dado antes ou posteriormente à prática dos atos de improbidade objeto da ação civil pública (TRF3, AG 200003000336140, Terceira Turma, DJU 29/11/2000).
- A manutenção da indisponibilidade patrimonial se funda na existência de indícios da prática de ato de improbidade previsto no artigo 10 da LIA, que prevê as hipóteses de dano ao erário.
- O valor a ser indisponibilizado deve abranger o suposto dano, ao qual deve ser somada a multa prevista para a respectiva conduta.
- A multa deve corresponder a até duas vezes o valor do dano ao erário, nos termos do inciso II do artigo 12 da LIA.
- Agravo de instrumento parcialmente provido".
(TRF 3ª Região, Quarta Turma, Agravo de Instrumento 0026136-92.2012.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Andre Nabarrete, p. em 14/06/2016)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Recurso Especial submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, firmou ser dispensável a comprovação de dilapidação efetiva ou iminente do patrimônio de réus em ação de improbidade para que seja deferida a medida de indisponibilidade de bens, exigindo, por outro lado, fortes indícios de responsabilidade dos agentes pela prática de ato de improbidade administrativa.
2. No presente caso, a petição inicial descreve a atuação do ora agravante e de cada um dos réus, enquadrando-as como lesivas ao erário e violadoras de princípios da administração pública, bem como a condição em que atuaram e o elemento subjetivo presente em suas condutas.
3. A jurisprudência desta Corte Regional é firme no sentido de que a contratação realizada pela Administração Pública com mero intermediário do artista, que não atua de forma permanente ou duradoura e detém exclusividade limitada a determinados dias ou eventos, não autoriza a inexigibilidade de licitação com base no artigo 25, inciso III, da Lei nº 8.666/1993.
4. No presente caso, as declarações acostadas aos autos dão conta de que os representantes legais dos artistas detinham a exclusividade limitada às apresentações de dias determinados e em eventos específicos, sinalizando a existência de indícios da prática de ato de improbidade administrativa, razão pela qual deve ser mantida a indisponibilidade de valores decretada pelo MM. Juiz de primeira instância.
5. A indisponibilidade há de recair sobre bens suficientes para garantir eventual condenação à reparação integral dos danos e ao pagamento da multa civil, esta no importe de duas vezes o valor do dano.
6. Agravo desprovido.
(TRF 3ª Região, Terceira Turma, AI 0030721-22.2014.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Nelton dos Santos, p. em 11/12/2015)

Ocorre que, in casu, como reconhecido na sentença, a Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda. não detinha a exclusividade de representação dos referidos artistas, senão para as datas correspondentes ao evento objeto do Convênio. É dizer: na prática, a contratação em tela não se deu diretamente com os aludidos artistas, nem tampouco com seus empresários exclusivos, mas sim, com empresa intermediária, cujos poderes de representação se limitavam tão somente ao período da realização dos eventos.


E contrariamente ao alegado pelo recorrente, inexistia lastro para que a inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 fosse interpretada de modo a também contemplar a figura do "empresário temporário".


Isso porque, não bastasse a literalidade da norma e a jurisprudência indicarem apenas a contratação direta junto ao artista ou com seu empresário exclusivo, a cláusula Terceira, item "II", do Convênio em tela, ao dispor sobre os deveres do Município-convenente, e citando determinação do Tribunal de Contas da União, expressamente dispôs que, para os fins do art. 25, III, da Lei de Licitações, na hipótese de contratação de artista por meio de empresário, era necessária a apresentação de contrato de exclusividade, não confundível com a autorização que atribui exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento. In verbis:


"CLÁUSULA TERCEIRA - DAS OBRIGAÇÕES DOS PARTÍCIPES
[...]
II - COMPETE AO CONVENENTE:
[...]
apresentar na prestação de contas, quando da contratação de artistas, consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, atualizada, por meio de intermediários ou representantes, cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório, sob pena de glosa dos valores envolvidos. Ressalta-se que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento, conforme dispõe o Acórdão nº 96/2008 - Plenário do TCU [...]".

Verifica-se, ainda, que o ora recorrente não deu qualquer atenção ao conteúdo da Cláusula Terceira, II, "cc", do Convênio, pois deixou de providenciar publicação no Diário Oficial da União dos contratos de exclusividade dos artistas, bem como não ordenou publicidade oficial acerca do Processo de Inexigibilidade 003/2009, relativo também à contratação desses artistas, em direta afronta ao que dispõe o art. 26 da Lei 8.666/93.


Logo, em face dessa contratação irregular, o apelante incorreu em improbidade administrativa consubstanciada em violação ao princípio da legalidade, impessoalidade e publicidade, nos termos do art. 11, caput, da Lei 8.429/92.


Da cobrança de ingressos


Pondera o recorrente que, contrariamente ao afirmado na sentença, não houve cobrança de ingressos para o evento em questão, não se podendo cogitar, portanto, de qualquer irregularidade quanto à destinação desses recursos.


Todavia, a prova testemunhal, formada essencialmente por testemunhas arroladas pelo próprio apelante (v.g. Vitor Tostes Filho e João Carlos Lourenção), confirmou que houve venda de ingressos, em pelos menos alguns dos dias de shows. A servidora pública Deusdete Rodrigues Rolim, fiscal do Ministério do Turismo e subscritora de relatório de verificação in loco em um dos dias do evento, também atestou a cobrança de ingressos no valor de R$ 20,00 (mídia às fls. 94, p. 65/69). Nenhuma das partes soube informar acerca da destinação dessa arrecadação, nem mesmo a Câmara Municipal, instada a tanto (fls. 222/225).


Tem-se, portanto, que, para além de prestar informação falsa (note-se o teor do Ofício 81/2011, pelo qual o réu informou ao Ministério do Turismo que o evento havia sido gratuito), o apelante descumpriu a Cláusula Terceira, item "II", do Convênio em baila, o qual dispunha que, caso houvesse arrecadação com a cobrança de ingressos em shows no respectivo âmbito de execução, tais valores deveriam ser obrigatoriamente revertidos para a consecução de seu objeto ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.


No ponto, observa-se efetivo dano ao erário, uma vez que, consoante dados do Plano de Trabalho (mídia às fls. 94, cv 707698-2009 pc vol 11, p. 6), bem como informações prestadas pela Coordenação Extraordinária de Análise de Prestação de Contas do Ministério do Turismo (fls. 115/121), pela ausência de repasse dos valores cobrados a título de ingresso, ao menos R$ 115.000,00 deixaram de ser aplicados na execução do objeto do Convênio ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.


Desse modo, é certo que o recorrente incorreu em improbidade administrativa danosa ao erário, pois ensejadora de perda patrimonial e irregular aplicação de verba pública (art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92), além de vulneradora do preceito da legalidade e honestidade na administração pública (art. 11, caput).


Da contratação em modalidade licitatória diversa do Pregão


Observa-se dos autos que os bens e serviços relativos ao Convênio, referentes a infraestrutura e segurança, foram adquiridos pela modalidade licitatória carta convite.


Ocorre que, nos termos da Lei 10.520/2002, art. 1º do Decreto 5.450/2005 e Portaria Interministerial 127/2008, no âmbito de Convênios que envolvam repasse voluntário de verbas federais, as respectivas licitações para aquisição de bens e serviços comuns devem ser realizadas obrigatoriamente na modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.


A defesa do apelante, nesse ponto, está dissociada das razões da acusação e dos fundamentos da sentença, eis que não se imputou irregularidade pela ausência de pregão para a contratação de artistas, mas sim, pela aquisição de serviços comuns de infraestrutura e segurança.


Mais uma vez, está-se diante de improbidade administrativa por violação ao princípio da legalidade (art. 11, caput, da Lei 8.429/92).


Do elemento volitivo: dolo.


Sustenta o apelante, enfim, que as falhas apuradas representam meras irregularidades administrativas, impassíveis de serem qualificadas como atos de improbidade administrativa, até porque atenderam a prévio parecer jurídico.


Entretanto, o dolo, in casu, está evidenciado pela deliberada inobservância dos preceitos relativos ao Convênio, cujos termos e condições de execução, além de previstos em lei, constavam nas próprias cláusulas contratuais. Ademais, tratando-se de mandatário político, Prefeito Municipal, mostra-se inadmissível que as transgressões à regulamentação do Convênio tenham ocorrido de forma substancial.


Isso não bastasse, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que, para a caracterização da improbidade administrativa violadora dos princípios da administração pública (art. 11), basta o dolo genérico. Veja-se:


"ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SECRETÁRIO MUNICIPAL. FRACIONAMENTO IRREGULAR DO OBJETO LICITATÓRIO. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. COMPROVADO. REVISÃO DAS PENALIDADES. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 951.389/SC, firmou jurisprudência no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade que atenta contra os princípio da Administração Pública, faz-se necessária a análise do elemento volitivo, consubstanciado pelo dolo, ao menos genérico, de agir no intuito de infringir os princípios regentes da Administração Pública.
2. No caso dos autos, a Corte a qua, ao narrar a conduta perpetrada pelo acusado, consignou expressamente que "O demandante, no claro intuito de escapar à tomada de preços, não só fez dois pedidos de contratação de empresa de consultoria um seguido do outro por valor pouco abaixo do piso de tal modalidade de licitação, como heterodoxa e expressamente requisitou a realização mediante convite, em ambos os casos (fls. 16 e 144). Cercou-se, portanto, de todas as cautelas necessárias à licitação na modalidade convite".
3. Diante desse contexto, verifica-se que restou claramente demonstrado o dolo, ao menos genérico, no fracionamento irregular do objeto licitatório, o que é suficiente para configurar o ato de improbidade de que trata o art. 11 da Lei nº 8.429/92.
4. O próprio fracionamento do objeto licitatório indica que o agente detinha pleno conhecimento das normas que regem o processo de licitação, tendo, inclusive, buscado enquadrar os valores dos produtos àqueles que permitiram a realização do concurso na modalidade convite. Nessas condições, não se faz possível alegar o desconhecimento das regras atinentes ao certame, o que afasta, de plano, a ausência do elemento subjetivo necessário à condenação.
5. A jurisprudência deste Tribunal é uníssona no sentido de que a revisão das penalidades aplicadas em ações de improbidade administrativa somente se faz possível em hipóteses excepcionais, nas quais, da leitura do acórdão recorrido, exsurgir a desproporcionalidade manifesta entre o ato praticado e as sanções aplicadas, o que não é o caso vertente.
6. Agravo interno a que se nega provimento".
(AgInt no AREsp 754.498/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018)

Por esses motivos, não é de ser acolhida a tese acerca de ausência de dolo.


Do reenquadramento das sanções e dosimetria


A sentença condenou o réu unicamente como incurso no art. 11, VI, da Lei de Improbidade Administrativa.


Tal enquadramento, entretanto, merece ser revisto, uma vez que, pela supracitada ausência de repasse dos valores obtidos mediante cobrança de ingressos, houve efetivo dano aos cofres públicos, configurando também a improbidade administrativa prevista no art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92. Tanto assim que a própria sentença, ao empreender condenação lastreada no art. 11 dessa Lei, impôs a medida de ressarcimento ao erário, apontando o valor de R$ 115.000,00 como o do prejuízo ocorrido.


Destaca-se que a possibilidade de reenquadramento das sanções de improbidade administrativa em sede de remessa necessária é possível, eis que tal revisão ocorre pro societate, sendo que o réu defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica porventura indicada, bastando, nessas espécies de demanda, que o autor aponte, com precisão, a causa de pedir relativa a um ou mais tipos de atos ímprobos descritos na Lei 8.429/92, bem como os elementos subjetivos que nortearam a ação do sujeito tido por responsável. Nesse sentido: STJ, REsp 1086994/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe: 12/03/2014; TRF 3ª Região, Sexta Turma, Ap. Cível 0016910-38.1999.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI,e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/12/2017).


Daí que, em se tratando de improbidades administrativas definidas no art. 10 e 11 da Lei 8.429/92, incidem as penas definidas no art. 12, incisos II e III, dessa Lei, cumulativamente ou não (verbis):


"Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
[...]
 II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos".

Nesse diapasão, a dosimetria deve levar em consideração, ainda, a gravidade do fato, bem como a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelos agentes, consoante o art. 12, caput e parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa.


Conquanto havido o reenquadramento normativo dos atos de improbidade, vislumbra-se razoável e proporcional a manutenção das medidas impostas na sentença, consistentes em ressarcimento ao erário do valor de R$ 115.000,00, pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00 e suspensão dos direitos políticos por 03 anos. Esta última, por sinal, revela-se adequada ao caso concreto, nas vertentes pedagógica, punitiva e de interesse social, pois, em se tratando de Prefeito Municipal que malversou recursos públicos, acarreta, após o trânsito em julgado, na impossibilidade temporária de sua assunção a novo mandato político.


Ante o exposto, nega-se provimento à apelação e dá-se parcial provimento à remessa necessária, unicamente para que fixada a condenação do recorrente nos termos do art. 10, caput e inc. XI, c/c art. 11, caput, todos da Lei 8.429/92, mantidas as sanções fixadas na sentença.


É como voto.















DIVA MALERBI
Desembargadora Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI:10014
Nº de Série do Certificado: 11A217030941EFCB
Data e Hora: 09/08/2019 14:34:19