D.E. Publicado em 19/08/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e dar parcial provimento à remessa necessária tida por interposta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Trata-se de remessa necessária tida por interposta e apelação em ação civil pública, ajuizada, com pedido cautelar de indisponibilidade de bens, pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra RINALDO ESCANFERLA e pela qual objetivou, em suma, condenação do réu por improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429/92.
O Parquet provoveu a ação civil pública por improbidade administrativa, amparado em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, alegando que o requerido, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha o objetivo de veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni". Tais ilegalidades consistiram, em suma, na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso; e contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.
O pedido cautelar de decretação de indisponibilidade de bens foi indeferido, na mesma oportunidade em que recebida a petição inicial (fls. 144).
A r. sentença (fls. 253-258-v), após regular instrução, condenou os réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92, pela aplicação de verbas públicas federais sem a prestação de contas e com violação de preceitos básicos fixados na lei de licitações, a ressarcimento ao erário municipal no valor de R$ 115.000,00 devidamente atualizado, bem como a pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00, além de impor suspensão de direitos políticos por 3 anos. Sem verba honorária, custas ex lege.
RINALDO ESCANFERLA, em suas razões de apelação (fls. 266/275), sustentou, em resumo, o seguinte: a) contrariamente ao afirmado na sentença, a prova testemunhal demonstrou não ter havido cobrança de ingressos no dia do evento, até porque realizado em praça pública; b) as irregularidades apontadas pela CGU são meramente formais, inaptas a configurar improbidade administrativa, sendo que não agiu com dolo e, sim, amparado em parecer jurídico; c) não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos; d) a contratação dos artistas que se apresentaram no evento foi regular, seja diante das declarações de exclusividade fornecidas, seja porque a inexigibilidade dispensa a obrigatoriedade da adoção da modalidade licitatória pregão; e) ser de rigor, portanto, o provimento do recurso, para que julgados improcedentes os pedidos iniciais.
Após contrarrazões (fls. 279/286), os autos foram encaminhados a esta E. Corte Regional.
O Ministério Público Federal com atribuição nesta instância manifestou-se pelo conhecimento de ofício da remessa oficial e respectvo provimento parcial, tão somente para que à sentença seja adicionada condenação do réu na proibição de contratar com a Administração Pública. No mais, opinou pelo desprovimento da apelação defensiva (fls. 312/316).
Às fls. 318/329, o Ministério Público Federal anexou aos autos o Ofício 1411/2018-TCU/SECEX-SP, oriundo do TCU, informando que, em julgamento de Tomada de Contas Especial, as contas relativas ao Convênio objeto desta demanda foram desaprovadas.
Intimado a se manifestar sobre o Ofício supramencionado, o apelante restou silente.
É o relatório.
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VOTO
A SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI (RELATORA): Destaco, inicialmente, que em se tratando de ação civil pública, a extensão da sentença que não acolheu integralmente a pretensão inicial está submetida a remessa necessária pro societate, consoante pacífica jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, reafirmada no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.220.667/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, Dje de 30/06/2017.
Cuida-se de ação civil pública por improbidade administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra RINALDO ESCANFERLA, sob a alegação que este, na qualidade de Prefeito de Poloni/SP, executou irregularmente o Convênio 1212/2009, firmado com a União por intermédio do Ministério do Turismo e que tinha por objetivo veicular a denominada "XXV Festa do Peão de Boiadeiro e V Festa Agropecuária de Poloni".
As improbidades, consoante descrição do Parquet calcada em relatório da CGU - Controladoria-Geral da União, consistiram, em suma, na contratação direcionada de artistas por meio de empresários sem exclusividade de representação; ausência de publicidade no tocante a inexigibilidade de licitação; ausência de informações sobre a destinação de valores arrecadados mediante ingresso e, finalmente, contratação sem o uso da modalidade pregão, obrigatória à situação.
A sentença ora recorrida acolheu parcialmente as teses e provas levantadas pelo Órgão Ministerial, condenando o réu como incurso no art. 11, VI, da Lei 8.429/92, pela aplicação de verbas públicas federais sem a prestação de contas e com violação de preceitos básicos fixados na lei de licitações e cláusulas do Convênio, a ressarcimento ao erário municipal no valor de R$ 115.000,00, bem como a pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00, além de impor suspensão de direitos políticos por 03 anos.
Irresignado, o réu apresentou recurso de apelação, cujos argumentos passa-se à análise.
Da contratação irregular de artistas
A contratação da dupla Chitãozinho e Xororó para apresentação no evento, no valor de R$ 80.000,00, deu-se por intermédio da empresa Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda., e com inexigibilidade de licitação, esta última supostamente amparada na hipótese prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 (verbis):
Cediço que as normas sobre contratação direta, ou seja, aquelas que preveem hipóteses de dispensa, inexigibilidade, licitação vedada e proibida, ou licitação dispensada, justamente por excepcionarem o princípio constitucional da impessoalidade da administração pública, devem receber interpretação restritiva, razão pela qual o termo "empresário exclusivo", contido no art. 25, III, da Lei de Licitações, deve ser compreendido como empresário único, habitual do artista, não abrindo espaços para a representação eventual, esporádica, a qual, certamente, traria à seara de contratações do Poder Público o indesejável risco das intermediações, comissões e especulações.
Este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região possui firme jurisprudência no sentido de que a contratação realizada pelo Poder Público com mero intermediário do artista, que não o representa de forma permanente ou duradoura ou que detém a exclusividade de representação limitada a determinados dias ou eventos, não autoriza a incidência da inexigibilidade prevista no art. 25, III, da Lei de Licitações. Confira-se:
Ocorre que, in casu, como reconhecido na sentença, a Marcinho Costa Produções Artísticas S/C Ltda. não detinha a exclusividade de representação dos referidos artistas, senão para as datas correspondentes ao evento objeto do Convênio. É dizer: na prática, a contratação em tela não se deu diretamente com os aludidos artistas, nem tampouco com seus empresários exclusivos, mas sim, com empresa intermediária, cujos poderes de representação se limitavam tão somente ao período da realização dos eventos.
E contrariamente ao alegado pelo recorrente, inexistia lastro para que a inexigibilidade de licitação prevista no art. 25, III, da Lei 8.666/93 fosse interpretada de modo a também contemplar a figura do "empresário temporário".
Isso porque, não bastasse a literalidade da norma e a jurisprudência indicarem apenas a contratação direta junto ao artista ou com seu empresário exclusivo, a cláusula Terceira, item "II", do Convênio em tela, ao dispor sobre os deveres do Município-convenente, e citando determinação do Tribunal de Contas da União, expressamente dispôs que, para os fins do art. 25, III, da Lei de Licitações, na hipótese de contratação de artista por meio de empresário, era necessária a apresentação de contrato de exclusividade, não confundível com a autorização que atribui exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento. In verbis:
Verifica-se, ainda, que o ora recorrente não deu qualquer atenção ao conteúdo da Cláusula Terceira, II, "cc", do Convênio, pois deixou de providenciar publicação no Diário Oficial da União dos contratos de exclusividade dos artistas, bem como não ordenou publicidade oficial acerca do Processo de Inexigibilidade 003/2009, relativo também à contratação desses artistas, em direta afronta ao que dispõe o art. 26 da Lei 8.666/93.
Logo, em face dessa contratação irregular, o apelante incorreu em improbidade administrativa consubstanciada em violação ao princípio da legalidade, impessoalidade e publicidade, nos termos do art. 11, caput, da Lei 8.429/92.
Da cobrança de ingressos
Pondera o recorrente que, contrariamente ao afirmado na sentença, não houve cobrança de ingressos para o evento em questão, não se podendo cogitar, portanto, de qualquer irregularidade quanto à destinação desses recursos.
Todavia, a prova testemunhal, formada essencialmente por testemunhas arroladas pelo próprio apelante (v.g. Vitor Tostes Filho e João Carlos Lourenção), confirmou que houve venda de ingressos, em pelos menos alguns dos dias de shows. A servidora pública Deusdete Rodrigues Rolim, fiscal do Ministério do Turismo e subscritora de relatório de verificação in loco em um dos dias do evento, também atestou a cobrança de ingressos no valor de R$ 20,00 (mídia às fls. 94, p. 65/69). Nenhuma das partes soube informar acerca da destinação dessa arrecadação, nem mesmo a Câmara Municipal, instada a tanto (fls. 222/225).
Tem-se, portanto, que, para além de prestar informação falsa (note-se o teor do Ofício 81/2011, pelo qual o réu informou ao Ministério do Turismo que o evento havia sido gratuito), o apelante descumpriu a Cláusula Terceira, item "II", do Convênio em baila, o qual dispunha que, caso houvesse arrecadação com a cobrança de ingressos em shows no respectivo âmbito de execução, tais valores deveriam ser obrigatoriamente revertidos para a consecução de seu objeto ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
No ponto, observa-se efetivo dano ao erário, uma vez que, consoante dados do Plano de Trabalho (mídia às fls. 94, cv 707698-2009 pc vol 11, p. 6), bem como informações prestadas pela Coordenação Extraordinária de Análise de Prestação de Contas do Ministério do Turismo (fls. 115/121), pela ausência de repasse dos valores cobrados a título de ingresso, ao menos R$ 115.000,00 deixaram de ser aplicados na execução do objeto do Convênio ou recolhidos à conta do Tesouro Nacional.
Desse modo, é certo que o recorrente incorreu em improbidade administrativa danosa ao erário, pois ensejadora de perda patrimonial e irregular aplicação de verba pública (art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92), além de vulneradora do preceito da legalidade e honestidade na administração pública (art. 11, caput).
Da contratação em modalidade licitatória diversa do Pregão
Observa-se dos autos que os bens e serviços relativos ao Convênio, referentes a infraestrutura e segurança, foram adquiridos pela modalidade licitatória carta convite.
Ocorre que, nos termos da Lei 10.520/2002, art. 1º do Decreto 5.450/2005 e Portaria Interministerial 127/2008, no âmbito de Convênios que envolvam repasse voluntário de verbas federais, as respectivas licitações para aquisição de bens e serviços comuns devem ser realizadas obrigatoriamente na modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.
A defesa do apelante, nesse ponto, está dissociada das razões da acusação e dos fundamentos da sentença, eis que não se imputou irregularidade pela ausência de pregão para a contratação de artistas, mas sim, pela aquisição de serviços comuns de infraestrutura e segurança.
Mais uma vez, está-se diante de improbidade administrativa por violação ao princípio da legalidade (art. 11, caput, da Lei 8.429/92).
Do elemento volitivo: dolo.
Sustenta o apelante, enfim, que as falhas apuradas representam meras irregularidades administrativas, impassíveis de serem qualificadas como atos de improbidade administrativa, até porque atenderam a prévio parecer jurídico.
Entretanto, o dolo, in casu, está evidenciado pela deliberada inobservância dos preceitos relativos ao Convênio, cujos termos e condições de execução, além de previstos em lei, constavam nas próprias cláusulas contratuais. Ademais, tratando-se de mandatário político, Prefeito Municipal, mostra-se inadmissível que as transgressões à regulamentação do Convênio tenham ocorrido de forma substancial.
Isso não bastasse, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que, para a caracterização da improbidade administrativa violadora dos princípios da administração pública (art. 11), basta o dolo genérico. Veja-se:
Por esses motivos, não é de ser acolhida a tese acerca de ausência de dolo.
Do reenquadramento das sanções e dosimetria
A sentença condenou o réu unicamente como incurso no art. 11, VI, da Lei de Improbidade Administrativa.
Tal enquadramento, entretanto, merece ser revisto, uma vez que, pela supracitada ausência de repasse dos valores obtidos mediante cobrança de ingressos, houve efetivo dano aos cofres públicos, configurando também a improbidade administrativa prevista no art. 10, caput e inc. XI da Lei 8.429/92. Tanto assim que a própria sentença, ao empreender condenação lastreada no art. 11 dessa Lei, impôs a medida de ressarcimento ao erário, apontando o valor de R$ 115.000,00 como o do prejuízo ocorrido.
Destaca-se que a possibilidade de reenquadramento das sanções de improbidade administrativa em sede de remessa necessária é possível, eis que tal revisão ocorre pro societate, sendo que o réu defende-se dos fatos e não da capitulação jurídica porventura indicada, bastando, nessas espécies de demanda, que o autor aponte, com precisão, a causa de pedir relativa a um ou mais tipos de atos ímprobos descritos na Lei 8.429/92, bem como os elementos subjetivos que nortearam a ação do sujeito tido por responsável. Nesse sentido: STJ, REsp 1086994/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe: 12/03/2014; TRF 3ª Região, Sexta Turma, Ap. Cível 0016910-38.1999.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI,e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/12/2017).
Daí que, em se tratando de improbidades administrativas definidas no art. 10 e 11 da Lei 8.429/92, incidem as penas definidas no art. 12, incisos II e III, dessa Lei, cumulativamente ou não (verbis):
Nesse diapasão, a dosimetria deve levar em consideração, ainda, a gravidade do fato, bem como a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelos agentes, consoante o art. 12, caput e parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa.
Conquanto havido o reenquadramento normativo dos atos de improbidade, vislumbra-se razoável e proporcional a manutenção das medidas impostas na sentença, consistentes em ressarcimento ao erário do valor de R$ 115.000,00, pagamento de multa civil fixada em R$ 20.000,00 e suspensão dos direitos políticos por 03 anos. Esta última, por sinal, revela-se adequada ao caso concreto, nas vertentes pedagógica, punitiva e de interesse social, pois, em se tratando de Prefeito Municipal que malversou recursos públicos, acarreta, após o trânsito em julgado, na impossibilidade temporária de sua assunção a novo mandato político.
Ante o exposto, nega-se provimento à apelação e dá-se parcial provimento à remessa necessária, unicamente para que fixada a condenação do recorrente nos termos do art. 10, caput e inc. XI, c/c art. 11, caput, todos da Lei 8.429/92, mantidas as sanções fixadas na sentença.
É como voto.
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