D.E. Publicado em 18/10/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Nº de Série do Certificado: | 11DE190723530485 |
Data e Hora: | 09/10/2019 13:59:21 |
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RELATÓRIO
O Excelentíssimo Desembargador Federal SOUZA RIBEIRO (Relator):
Trata-se de ação ordinária ajuizada por ANA PAULA MARANGHETTI ARIAS, Analista Pericial em Medicina do quadro do Ministério Público da União, objetivando o pagamento de danos materiais decorrentes dos vencimentos que lhe foram sonegados em razão de determinação administrativa que majorou sua jornada laboral para oito horas diárias, contrariando a jornada especial estabelecida na Lei nº 9.436/97, fixada em 20 horas semanais para os médicos, no período correspondente a 17/01/2005 até 01/02/2007 (02 anos e 14 dias), além do pagamento de danos morais.
Alega, em síntese, que foi aprovada em concurso público para a carreira de Técnico Pericial em Clínica Médica (atual Analista Pericial em Medicina), sendo empossada em 23/10/1997, com suas atribuições prescritas na forma da Lei 8.628/93, e cumpriu, desde o início, jornada de trabalho de 04 (quatro) horas diárias, perfazendo um total de 20 (vinte) horas semanais. Todavia, por meio de um edital administrativo restou determinado que a partir de 17/01/2005 os Analistas Periciais em Medicina deveriam cumprir a carga horária de 40 horas semanais, nos termos da Lei nº 8.112/1990.
Aduz que a celeuma sobre a questão da jornada de trabalho dos Analistas Periciais em Medicina tem seu ponto fulcral na concepção equivocada de que o Médico-Perito não executa atividade privativa de médico, diferentemente do cargo de Analista de Saúde-Clínica Médica (área médica), também pertencente ao quadro do Ministério Público da União, deixando de se considerar, na hipótese, que o pré-requisito formal para o ingresso em referida carreira é o diploma de graduação em medicina, sendo, portanto, ambos os cargos privativos de Médico.
Ainda, sustenta que o STF, quando do julgamento do MS nº 25.027-DF, consolidou o entendimento de que, não havendo especificação da jornada de trabalho, prevalece a jornada especial estabelecida na Lei nº 9.436/97, fixada em 20 horas semanais para os médicos.
A r. sentença julgou improcedente o pedido.
Apelação da parte autora. Em preliminar, pleiteia a apreciação do agravo retido interposto contra decisão proferida nos autos de impugnação ao valor da causa, em apenso. No mérito, reitera os argumentos da inicial, enfatizando que, por se enquadrar na categoria de médico servidor público, faz jus a jornada de trabalho prevista em legislação especial, que lhe confere a garantia de exercer apenas quatro horas diárias, razão pela qual faz jus aos vencimentos do período de 17/01/2005 até 01/02/2007, quando exerceu, por determinação administrativa, a jornada de 8 horas diárias, sem a contrapartida financeira prevista na Lei nº Lei nº 9.436/97, que é especial.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o breve relatório.
VOTO
O Excelentíssimo Desembargador Federal SOUZA RIBEIRO (Relator):
Do agravo retido
Insurge-se a parte autora contra a decisão que acolheu a impugnação da causa interposta pela União, majorando o valor da causa.
Nesse passo, anoto que a correta indicação do valor da causa é requisito de admissibilidade da petição inicial, além de que o mesmo deve ter por parâmetro o conteúdo econômico pretendido pela parte, a teor do que prescrevem os arts. 258, 259, caput, e 282, V, do CPC/73 (então em vigor).
Ademais, observo que função do valor da causa não é apenas a de servir de parâmetro para a fixação dos honorários advocatícios, mas também a de servir de base de cálculo das custas processuais e taxas judiciárias, com consequências inclusive na interposição de recursos.
Egas Moniz de Aragão, com base nos termos claros do art. 258 do CPC, ressalta que a toda causa deverá ser atribuído um valor, cuja estimativa há de ser feita mesmo em relação às causas que não contenham valor econômico (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 311).
De acordo com o art. 258 do CPC, "a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato".
A regra legal é genérica e abrangente, razão por que se aplica, também, à ação declaratória.
Na peça vestibular, deverá o autor, portanto, indicar a vantagem econômica objetivada com a declaração, ainda que seu valor preciso não possa ser desde logo estabelecido.
Nesse sentido:
Dessa forma, a decisão objurgada acolheu a impugnação ao valor da causa, utilizando como parâmetro de aferição os pleitos da autora: a) danos materiais, consistentes em remuneração, vigente à época dos fatos, no período de 2 anos; e b) danos morais, no valor de cem vezes o valor de sua última remuneração.
Imperioso realçar que, na hipótese de o autor fixar previamente as indenizações por danos morais, estipulando, de forma expressa, o valor econômico do bem da vida perseguido, esse quantum também deverá corresponder ao valor da causa.
Confira-se, nesse sentido, a jurisprudência:
Assim, tendo em vista a pretensão econômica almejada pela parte autora considero adequada a estipulação do valor da causa que foi atribuído na decisão combatida, em R$ 1.150.250,00 (um milhão, cento e cinquenta mil e duzentos e cinquenta reais) razão pela qual entendo pela manutenção da decisão agravada.
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo retido.
Mérito
Quanto ao mérito, a questão central diz respeito ao direito da autora à percepção dos vencimentos relativos à extrapolação de sua jornada diária e semanal durante o período de janeiro de 2005 a fevereiro de 2007, em que cumpriu jornada de 40 horas semanais (8 horas diárias - segunda jornada de vinte horas semanais de trabalho), por determinação administrativa, sem observância da jornada especial de seu cargo de médica, garantida pela Lei nº 9.436/1997 e pelo Decreto-Lei nº 1.445/1976, além de pedido de indenização por danos morais.
Desta forma, a questão controvertida consiste em saber se as normas apontadas pela apelante, em relação aos servidores médicos (Decreto-Lei nº 1.445/1976 e a Lei nº 9.436/1997), que estabelecem a jornada de 20 horas semanais, são especiais em relação ao Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990).
Nessa seara, anoto que, a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o "regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais", em seu artigo 19, expressamente estabelece:
Nota-se que o referido diploma legal tratou da carga horária dos servidores públicos em geral, omitindo-se quanto à jornada de trabalho daqueles ocupantes de cargos efetivos das categorias funcionais de médicos, remetendo tal disciplina à lei específica.
Por seu turno, a Lei n° 9.436/97, dispondo especificamente sobre a jornada de trabalho de Médico, Médico de Saúde Pública, Médico de Trabalho e Médico Veterinário, da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, assim determinou:
Vale ressaltar, ainda, a prescrição do Decreto-Lei nº 1.445/1976, igualmente vigente à época do ocorrido, bem como não contraditório aos termos da lei supracitada, que, reajustando os vencimentos e salários dos servidores civis do Poder Executivo, dos membros da Magistratura e do Tribunal de Contas da União, assim estabeleceu:
Ademais, realço que, de acordo com o entendimento estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n. 25.027-DF, ante a ausência de disposição específica na lei que rege a carreira integrada pelo médico servidor público, aplica-se a ele a disposição do art. 1º da Lei n. 9.436/97, pois as normas gerais que hajam disposto a respeito da jornada de trabalho dos servidores públicos em geral, sem nada especificar a respeito da jornada de trabalho dos médicos, não revogam a norma especial que versa especificamente sobre o tema.
Confira-se:
Coube ao STF decidir, nessa ação, se a remuneração prevista na Lei 7.819/89 deveria corresponder à jornada de quatro horas, na forma fixada pelo TRT, ou à jornada de oito horas, prevista na Lei 8.112/90, comum aos demais servidores do mesmo nível de referência. Entendeu o Plenário, naquela oportunidade, que a ausência de definição da jornada de trabalho dos médicos na Lei 7.819/892 não acarretava a incidência da jornada geral de oito horas da Lei 8.112/90, visto que tanto o Decreto-Lei 1.445/76 quanto a Lei 9.436/97 fixavam em quatro horas a jornada dos médicos servidores da administração pública federal. Dessarte, deliberou a Corte, então, nos termos do voto do Relator daquele MS, que "tem-se, no caso, portanto, norma especial, específica, relativamente à jornada de trabalho diária dos médicos. Não importa que norma gerais posteriores hajam disposto a respeito da remuneração dos servidores públicos, de forma geral, sem especificar a respeito da jornada de trabalho dos médicos."
Explicitaram, ainda, os ministros que, por se tratar de legislação especial, somente poderia ser alterada ou revogada por nova lei, também específica, e nunca por lei geral, como as que reajustaram os vencimentos dos servidores públicos, dentre os quais os analistas, cuja especialidade era medicina.
Nesse mesmo sentido, ainda mais recente, confira-se o seguinte julgado:
Destaco, ainda, algumas decisões monocráticas que têm adotado essa mesma linha em sede liminar: MS 25.875-MC, Rel. Min. Marco Aurélio; MS 25.918-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes; MS 31.200-MC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e MS 32.753-MC, Rel. Min. Dias Toffoli.
Quanto a hipótese dos autos, considerado todo o acima exposto, imperioso realçar que as Lei nºs 8.628/1993, 9.953/2000, 10.476/2002, bem como, por último, a Lei nº 11.415/2996, que as revogou, vigentes à época dos acontecimentos, ao dispor especificamente sobre a Carreira de Apoio Técnico-Administrativo do Ministério Público da União (MPU), reuniu médicos e demais servidores de nível superior no mesmo nível de referência na tabela de vencimentos, a todos atribuindo idêntica remuneração, não obstante distintas as respectivas atividades funcionais, todavia, silenciou-se a respeito da carga horária dos mesmos. Dessa forma, quanto a esse específico tópico (jornada laboral dos servidores médicos) prevalece as lei especial supracitada, sendo desimportante o fato de normas gerais posteriores disporem apenas a respeito da remuneração desses servidores públicos, sem especificaram a respeito da carga de trabalho dos mesmos.
Ademais, nos mesmos moldes dos precedentes supramencionados, não se verifica disposição específica na legislação, dispondo sobre a remuneração em contraposição à jornada de trabalho dos analistas periciais cuja especialidade é a medicina, não sendo possível dar guarida à determinação da autoridade administrativa, no sentido de alterar o cumprimento da jornada de trabalho da apelante, aumentando-a, até porque o próprio § 2º, do artigo 19 da Lei 8112/90 estabeleceu que tal dispositivo não poderia ser aplicado à duração de trabalho estabelecida em lei especial.
De outra parte, não há qualquer elemento que embase a distinção entre os analistas de saúde e analistas periciais, ambos com especialidade em medicina, sustentada pela Administração para alterar a jornada de labor desses últimos no lapso de 17/01/2005 a 01/02/2007.
Na verdade, consta do processo parecer emitido pelo Procurador-Chefe Raimundo Simão de Melo, da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (MPU) a qual dispõe, de modo contundente, que o cargo de Técnico Pericial -Clínica (Analista Pericial em Medicina) desenvolve obrigatoriamente atividades privativas de profissional "médico ". (fls. 45/48).
Outrossim, considerando as atribuições estipuladas pelo MPU para o cargo em epígrafe (fls. 56 e 283), bem como as funções descritas na Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.627/2001 como de exercício privativo de médico (fls. 60/75), em especial, -realizar perícias médicas administrativas, cíveis ou penais em sua área de competência, bem como auditoria médica-, verifico que não há justificativa plausível a descaracterizar a parte autora da condição de profissional atuante de medicina.
Deste modo, não se pode admitir que a promovente, no lapso de 17/01/2005 a 01/02/2007, se sujeitava à jornada de trabalho prevista no artigo 19 da Lei nº 8.112/90 (regra geral), já que tal dispositivo excepciona a sua incidência aos casos regulamentados por leis especiais, como ocorre na hipótese em tela.
Destarte, seguindo o critério da especialidade, há de prevalecer o que fixado na lei especial, afastando-se, pois, as disposições do artigo 19 da Lei nº 8.112/90 (regra geral).
Sendo assim, de rigor a reforma da r. sentença, a fim de que a União seja condenada ao pagamento das remunerações, vigentes no período de 17/01/2005 a 01/02/2007, relativas à jornada de 20 (vinte) horas semanais excedentes, no lapso em questão, efetivamente comprovadas nos registros de ponto da autora.
Por derradeiro, acerca do pleito de indenização por danos morais, observo que o artigo 5º, X, da Constituição Federal assegurou, expressamente, a todos que sofram violação do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra a indenização por danos morais . Além disso, a Carta Magna, em seu artigo 37, §6º, estabeleceu a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados por seus agentes a terceiros.
Assim, para a configuração da responsabilidade civil do Estado é necessária a demonstração dos seguintes pressupostos: conduta lesiva do agente, o dano e o nexo de causalidade.
Em se tratando de dano moral, é necessária ainda a demonstração da ocorrência de sofrimento desproporcional e incomum, cuja compensação pecuniária possa amenizar, mas nunca satisfazer integralmente o prejuízo causado.
Desse modo, à míngua de elementos informativos, ou seja, prova documental tendente a demonstrar que a decisão administrativa provocou, de forma inconteste, sofrimento desproporcional e incomum ao seu direito de personalidade, não pode ser acolhido o pedido formulado pela requerente, nesse particular.
Por fim, anoto que eventuais outros argumentos trazidos nos autos ficam superados e não são suficientes para modificar a conclusão baseada nos fundamentos ora expostos.
No que diz respeito aos honorários sucumbenciais, entendo que devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, pois razoável e compatível com a complexidade da causa, nos termos do art. 20, §§ 3 e 4º, do Código de Processo Civil.
Com relação aos juros de mora, anoto que, consoante a entrada em vigor da Lei nº 11.960/09, ocorrida em 30.06.2009, a atualização monetária do débito judicial e a incidência de juros de mora devem obedecer aos critérios estabelecidos no novo regramento legal, dispondo que "nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança", já que cuida a espécie de norma de natureza processual tendo, destarte, incidência imediata ao processo.
Isso porque, segundo entendimento do C. STF, adotado no julgamento do RE 559.445/PR, as normas que disciplinam os juros moratórios possuem natureza processual (instrumental) e devem ser aplicadas aos processos em curso seguindo a mesma sistemática da correção monetária, que impõe a incidência dos percentuais previstos na lei específica vigente à época do período a ser corrigido. Nesse sentido:
Assim, aplicam-se juros de mora no percentual de 1% ao mês, nos termos do art. 3.º Decreto n.º 2.322/87, no período anterior à 24/08/2001, data de publicação da Medida Provisória n.º 2.180-35, que acresceu o art. 1.º-F à Lei n.º 9.494/97; percentual de 0,5% ao mês, a partir da MP n.º 2.180-35/2001 até o advento da Lei n.º 11.960, de 30/06/2009, que deu nova redação ao art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97; e percentual estabelecido para caderneta de poupança, a partir da Lei n.º 11.960/2009, a partir de quando a atualização do débito deve ser feita pelos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
Relativamente à correção monetária, a mesma deve incidir nos termos da legislação vigente à época da liquidação do julgado, observando-se, oportunamente, no que tange aos critérios de atualização, o julgamento do C. STF no RE 870.947/SE.
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO e DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da parte autora, para condenar a União ao pagamento das remunerações, vigentes no período de 17/01/2005 a 01/02/2007, relativas à jornada de 20 (vinte) horas semanais excedentes, no lapso em questão, efetivamente comprovadas nos registros de ponto da autora, nos termos da fundamentação. Honorários advocatícios, correção monetária e juros de mora, consoante acima explicitado.
É O VOTO.
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