Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/02/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007690-88.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.007690-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JULIANA BERCHMANS DE MENDONCA
ADVOGADO : SP146195 LUIZ GUILHERME MOREIRA PORTO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00076908820134036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 296, §1º, III, CP. USO INDEVIDO DE LOGOTIPO DA ANVISA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE DO ART. 61, II, "G", CP. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.
De acordo com a denúncia, em 01/02/2010, a ré fez uso indevido de logotipo da ANVISA, em inspeção realizada em estabelecimento produtor de alimentos, como se representante da ANVISA fosse, incorrendo, dessa forma, nas sanções do art. 296, §1º, III do CPP.
A materialidade está demonstrada através do memorando nº 945/2010 da ANVISA; auto de inspeção contendo o logotipo da ANVISA, assinado pela apelante e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.
As provas coligidas aos autos demonstram, com a certeza necessária, que a apelante fez uso indevido do logotipo da ANVISA, ao preencher o documento intitulado "auto de inspeção", em que foram apontadas supostas irregularidades em estabelecimento produtor de alimentos, e entregá-lo aos responsáveis, fazendo-os crer que se tratava de uma inspeção da vigilância sanitária, ainda que executada por uma empresa de consultoria privada, em parceria.
Mantida a valoração negativa da conduta social, uma vez que a acusada se valeu de sua formação em nutrição para cometer o delito, violando dever funcional.
A prática do delito visou à obtenção de lucro fácil, já que a emissão de "auto de inspeção" em formulário contendo o logotipo da ANVISA serviu de instrumento intimidatório para que a empresa contratasse os serviços de consultoria oferecido pela própria ré, pelo valor de R$4.000,00, sob pena de posterior aplicação de multa.
Redução da pena-base.
Afastada a incidência da agravante do art. 61, II, "g" do CP, uma vez que os fundamentos que a embasam também serviram para exasperar a pena-base no tocante à conduta social.
A confissão da ré foi utilizada expressamente na sentença para embasar a autoria delitiva, devendo incidir a atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, na fração de 1/6 (um sexto).
Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação interposta pela defesa para reduzir a pena-base e a quantidade de dias multa, fixando definitivamente a pena em 2 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor da União Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de janeiro de 2020.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Data e Hora: 05/02/2020 15:33:07



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007690-88.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.007690-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JULIANA BERCHMANS DE MENDONCA
ADVOGADO : SP146195 LUIZ GUILHERME MOREIRA PORTO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00076908820134036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de apelação criminal interposta por JULIANA BERCHMANS DE MENDONÇA em face da sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de São Paulo/SP, que a condenou pela prática do crime previsto no art. 296, §1º, III do CP.

Narra a denúncia (fls. 113/115):


"Em 01 de fevereiro de 2010, Juliana Berchmans de Mendonça entrou no estabelecimento Paneteria ZN, na Rua Engenheiro Paulo Mauriti, em São Paulo/SP, e se apresentou, voluntária e conscientemente, falsamente como consultora da empresa Projeto Controle contratada pela ANVISA. Nessa ocasião, estava na referida paneteria a funcionária Michelle Silva Araujo. Nessa oportunidade, Juliana, que portava um crachá da ANVISA, disse estar ali para verificar como estava o processo de rotulagem nutricional. Juliana, entretanto, nunca teve, muito menos ao tempo do fato aqui narrado, qualquer vínculo com a Agência de Vigilância Sanitária.
Atuando indevidamente como se funcionária em atuação pela ANVISA fosse, JULIANA identificou alguns rótulos na Paneteria que qualificou como irregulares. Juliana, então, ofereceu o serviço de confecção de rótulos pelo valor de 4 mil reais.
Juliana, como dito, fazendo-se passar por consultora da ANVISA, lavrou na referida data um auto de inspeção. No referido ato, fez uso, voluntária e conscientemente, de logotipo próprio para identificação da Agência de Vigilância Sanitária (fl. 28).
O auto de inspeção foi lavrado, entretanto, sem qualquer conhecimento ou anuência por parte da ANVISA, tendo o logotipo sido usado, voluntária e conscientemente, de forma indevida, conquanto em inspeção ignorada pela própria Agência.
Assim, Juliana Berchmans, voluntária e conscientemente, fez uso indevido do logotipo da ANVISA em inspeção que realizou sem conhecimento da agência, mas como se da própria ANVISA fosse, tendo lavrado auto de inspeção em que constava no alto documento o logotipo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, autarquia federal criada pela Lei 9.782. Com essa conduta, em 01 de fevereiro de 2010, Juliana consumou em sua responsabilidade o delito previsto no art. 296, §1º, III do CP [...]".

A denúncia foi recebida em 12/08/2013 (fls. 116/117).

Após regular instrução, o Juízo da 5ª Vara Federal de São Paulo proferiu a sentença de fls. 273/355v, publicada em 19/07/2018, por meio da qual condenou Juliana Berchmans de Mendonça pela prática do crime previsto no art. 296, §1º, III do CP, à pena de 06 anos e 05 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 353 dias multa no valor unitário equivalente a 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

A defesa interpôs apelação (fl. 363). Nas razões recursais, pede a absolvição por ausência de dolo. No tocante à dosimetria, pede a fixação da pena-base no patamar mínimo legal e a redução da pena pecuniária, por ausência de fundamentação idônea. Alega que a adoção de critérios matemáticos no cálculo da dosimetria não é admitida pela jurisprudência do STJ. Sustenta que os bons antecedentes devem prevalecer em relação as demais circunstâncias judiciais, resultando na diminuição da pena aplicada. Pede, ainda, o afastamento da agravante prevista no art. 61, II, "g" do CP e a incidência da atenuante referente à confissão espontânea (fls. 398/429).

Em contrarrazões, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, a fim de que seja revista a pena-base aplicada, uma vez que o magistrado incorreu em erro material ao utilizar como parâmetro a pena do delito de furto qualificado. Manifestou-se, ainda, pela manutenção da agravante prevista no art. 61, II, "g" do CP (fls. 432/436).

A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso, para que seja afastada a valoração negativa das circunstâncias judiciais referentes à personalidade, consequências do crime e comportamento da vítima; afastamento da agravante prevista no art. 61, II, "g" do CP, pois o fato de a denunciada ter se valido de sua profissão de nutricionista para praticar o crime serviu de fundamentação para o reconhecimento da conduta social desfavorável, na primeira fase da dosimetria, o que constitui bis in idem; incidência da atenuante referente à confissão espontânea; redução da quantidade de dias multa, proporcionalmente à pena privativa de liberdade aplicada (fls. 439/445v).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007690-88.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.007690-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : JULIANA BERCHMANS DE MENDONCA
ADVOGADO : SP146195 LUIZ GUILHERME MOREIRA PORTO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00076908820134036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto pela defesa de Juliana Berchmans de Mendonça.
Dos fatos
De acordo com a denúncia, em 01/02/2010, Juliana Berchmans de Mendonça fez uso indevido de logotipo da ANVISA, em inspeção realizada no estabelecimento denominado "Paneteria ZN", como se representante da ANVISA fosse, incorrendo, dessa forma, nas sanções do art. 296, §1º, III do CPP.
Da materialidade
Dispõe o art. 296 , §1º, III do CP:

Art. 296 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I - selo público destinado a autenticar atos oficiais da União, de Estado ou de Município;
II - selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Incorre nas mesmas penas:
I - quem faz uso do selo ou sinal falsificado;
II - quem utiliza indevidamente o selo ou sinal verdadeiro em prejuízo de outrem ou em proveito próprio ou alheio.
III - quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros símbolos utilizados ou identificadores de órgãos ou entidades da Administração Pública (g.n).

A materialidade está demonstrada através do memorando nº 945/2010 da ANVISA (fl. 06); auto de inspeção contendo o logotipo da ANVISA, assinado por Juliana Berchmans (fl. 28) e prova testemunhal produzida na fase investigativa e em juízo.
No auto de inspeção de fl. 28 consta o logotipo da ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, bem como do Ministério da Saúde e foi indevidamente utilizado durante falsa inspeção no estabelecimento comercial denominado "Paneteria ZN".
No referido auto de inspeção foram descritas supostas irregularidades verificadas no estabelecimento comercial, a saber: informação nutricional - Rotulagem; balcão frio área de vendas temperatura inadequada; organização geral. Esse documento foi preenchido e assinado por Juliana Berchmans, nutricionista.
Através do memorando nº 945/2010-GICRA/GGALI/ANVISA, a Gerência de Inspeção e Controle de Risco em Alimentos da ANVISA atestou que não foi realizada a contratação da profissional signatária do auto de inspeção, ou qualquer outro profissional, para a realização de fiscalizações em estabelecimento produtores de alimentos (fl. 06).
De acordo com o Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo, a fiscalização em estabelecimentos da área de alimentos que produzem, comercializam ou prestam serviços protegidos pelas normas sanitárias compete às Vigilâncias Sanitárias Municipais (fl. 07).
Esses elementos demonstram que o logotipo da ANVISA e do Ministério da Saúde foram indevidamente utilizados.
Da autoria e do dolo
A autoria é inconteste.
A prova testemunhal produzida nos presentes autos somada à confissão da denunciada demonstram que Juliana Berchmans foi a responsável por preencher o auto de inspeção de fl. 28 contendo o logotipo da ANVISA, em seu comparecimento à Paneteria ZN no dia 01/02/2010.
Resta perquirir se a apelante agiu com dolo, ou seja, se sabia estar fazendo uso indevido do documento contendo logotipo identificadores de órgãos ou entidades da administração pública.
A testemunha Michelle Silva Araújo prestou as seguintes declarações na fase policial (fl. 25):

"é nutricionista há 6 anos e há 2 anos trabalha na empresa Saúde Viver. Trata-se de uma empresa no ramo de consultoria nutricional, sendo uma das proprietárias Juliana Menegazzi. Na qualidade de funcionária da empresa Saúde Viver trabalha cerca de 6 horas, de segunda a sexta-feira na Paneteria ZN. No dia 01/02/2010 estava trabalhando normalmente no local indicado, ocasião em que compareceu uma pessoa que se identificou como Juliana Berchmans. Juliana era loura, branca, aparentava 25 anos, com cerca de 1.70m, vestia jaleco branco e portava um crachá da ANVISA. Juliana disse que era da empresa 'Projeto Controle', contratada pela ANVISA, e que estava no local para inspecionar rótulos e apresentar um novo projeto de rotulagem. Juliana verificou os produtos e disse que alguns estavam fora dos padrões, razão pela qual na próxima 'fiscalização' iria aplicar a multa. No mesmo momento, Juliana ofereceu o serviço de confecção dos rótulos pela quantia de R$4.000,00. O proprietário da Paneteria ZN conversou com Juliana e lhe disse que iria analisar o projeto. Juliana entregou um auto de inspeção, que ora apresenta para juntada, dizendo que retornaria em breve para discutir a contratação do projeto apresentado. Depois que Juliana deixou o local, entrou em contato com sua patroa Juliana Menegazi, explicando-lhe o ocorrido. Juliana Menegazi contatou a ANVISA e obteve a resposta de que se tratava de uma fraude, tendo em vista que não houve qualquer contratação de empresas nesse sentido e que quando a ANVISA faz parcerias, o faz com empresas de grande porte. Juliana Menegazi entrou em contato com o Conselho Regional de Nutrição e verificou que Juliana Berchmans tem sua habilitação inativa. Todos desconfiaram de Juliana Berchmans, tendo em vista que quando existe qualquer fiscalização da ANVISA os funcionários sempre comparecem no local acompanhados de testemunhas. Dias depois, Juliana Berchmans retornou ao local dizendo que o prazo havia sido modificado, aumentado, e que não precisariam se preocupar. Acredita que Juliana percebeu que todos desconfiaram de sua conduta. Nenhum valor foi entregue a Juliana e após os fatos ela nunca mais manteve contato".

Na fase investigativa, a testemunha Juliana Borro Menegazzi declarou (fl. 29):

"é nutricionista há 5 anos e proprietária da empresa Saúde Viver, que atua no ramo de consultoria na área de nutrição. Confirma que em fevereiro de 2010 sua funcionária Michelli lhe telefonou contando-lhe sobre uma suposta fiscalização na Paneteria ZN por parte da nutricionista Juliana e ela lhe confirmou que era contratada da ANVISA e pretendia oferecer um serviço de confecção de rotulagem nutricional dos produtos. Entrou em contato com a ANVISA e obteve a resposta de que essa contratação não era verdadeira, não existindo essa espécie de parceria. Também entrou em contato com o Conselho Regional de Nutrição logrando descobrir que Juliana Berchmans tinha situação cadastral 'inativa'".

Na fase policial, Ari Monteiro Dias Neto declarou o seguinte (fl. 33):

"É proprietário da empresa Paneteria ZN há 16 anos. A respeito dos fatos confirma que estava em sua padaria quando compareceu uma mulher que se identificou como Juliana dizendo ser contratada pela ANVISA. As atividades de Juliana foram acompanhadas pela nutricionista Michelle da Saúde Viver, que trabalha no local há bastante tempo. Apenas no final do encontro foi que Juliana disse que os serviços de confecção de rótulos custariam cerca de 4 mil reais; disse a Juliana que iria pensar sobre o assunto e retornaria. Após os fatos, as nutricionistas da empresa Saúde Viver descobriram que se tratava de uma fraude. Não chegou a entregar valores para Juliana".

Em juízo, Michelle da Silva Araujo declarou que, na data dos fatos, trabalhava na padaria (Paneteria ZN) como nutricionista consultora. Juliana Berchmans esteve na padaria e apresentou-se como fiscal da ANVISA, falou sobre o "Projeto Controle" e deixou um cartão. Juliana disse que a ANVISA estava com esse projeto, visando à verificação de tabelas nutricionais dos produtos. Juliana estabeleceu um prazo para adequação dos rótulos, antes de aplicação de multa. Juliana falou sobre uma empresa de consultoria que trabalhava em conjunto com a ANVISA, para solucionar os problemas nos rótulos que estariam inadequados e esse serviço de consultoria custaria R$4.000,00. Nessa data, Juliana também conversou com o proprietário da padaria, o sr. Ari. A testemunha estranhou essa visita, uma vez que a ANVISA não costuma indicar empresas privadas de consultoria. Conversou com sua chefe, Juliana Menegazzi, que verificou que o registro de nutricionista de Juliana Berchmans estava inativo e por essa razão a ré não poderia atuar como nutricionista. Não se recorda se Juliana Berchmans usava crachá da ANVISA. No cartão entregue por Juliana Berchmans constava "projeto controle", o telefone e o e-mail de Juliana. Quando Juliana Berchmans chegou na padaria, disse que estava atuando pela empresa "Projeto Controle" a serviço da ANVISA. A testemunha afirmou que Juliana Berchmans havia afirmado que a ANVISA faria a autuação das irregularidades, pois seria um serviço em conjunto com a empresa "Projeto Controle" (mídia à fl. 236).
Em juízo, a testemunha Juliana Borro Menegazzi declarou que não teve contato pessoal com Juliana Berchmans, apenas por telefone. A testemunha é proprietária da empresa Saúde Viver Consultoria e Assessoria em Nutrição. Michelle da Silva Araújo é sua funcionária e atuava na Paneteria ZN, que era uma das clientes da Saúde Viver. Michelle lhe disse que uma pessoa havia visitado a Paneteria ZN, apresentou-se como sendo da vigilância sanitária, falou sobre um projeto da vigilância sanitária sobre rotulagem de produtos da padaria e ofereceu o serviço de consultoria. Michelle lhe entregou o cartão da pessoa que fez a fiscalização. Verificou que o registro no Conselho Regional de Nutrição estava inativo. Telefonou para Juliana Berchmans, que lhe confirmou que o projeto era da vigilância sanitária visando à verificação da rotulagem nutricional e que Juliana e outros 300 fiscais iriam fiscalizar os estabelecimentos comerciais e ao mesmo tempo oferecer o serviço de rotulagem para adequação. A testemunha entrou em contato com a vigilância sanitária, enviou uma cópia do auto de inspeção e ficou sabendo que o projeto não existia. O proprietário da Paneteria ZN disse que outra padaria da região havia sido fiscalizada nos mesmos termos. No cartão de visitas deixado por Juliana Berchmans não constava o logotipo da ANVISA. Quando conversou com Juliana Berchmans, ela afirmou "faço parte do projeto controle da vigilância sanitária". Na época da visita, Juliana mencionou que o serviço de consultoria custava em torno de R$3.000,00 ou R$4.000,00 (mídia à fl. 236).
As testemunhas Erica Tung, Cilene Gonçalves de Lima e Karym Priscilla Fonseca declararam que são amigas da ré e prestaram declarações acerca do caráter e conduta profissional da ré (mídias às fls. 236 e 248).
A testemunha Diana Carmen Almeida Nunes de Oliveira declarou que assinou o memorando emitido pela ANVISA. A vigilância sanitária de São Paulo informou a realização de fiscalização pela empresa Projeto Controle na Padaria ZN e a testemunha reportou à Segurança Institucional da ANVISA. Nunca existiu essa parceria com a empresa Projeto Controle. A ANVISA não costuma fazer esse tipo de fiscalização, pois essa atividade, no território de São Paulo, é realizada pelo quadro estadual de vigilância sanitária, cabendo à ANVISA apenas a coordenação. Quando ocorria a utilização indevida de logotipo da ANVISA, tinha a obrigação de reportar esse fato à Segurança Institucional (mídia à fl. 336).
Na primeira oportunidade em que foi ouvida na fase investigativa, Juliana Berchmans de Mendonça declarou que nunca havia realizado fiscalização em estabelecimentos comerciais como se funcionária da ANVISA fosse. Disse que é formada em nutrição, mas nunca atuou como nutricionista. Negou a confecção do auto de inspeção de fl. 28. Disse que em 2009 teve seus documentos pessoais furtados, entre os quais a carteira profissional de nutricionista, que estava vencida. Afirmou que não conhece a Padaria ZN, tampouco seus funcionários. Disse, ainda, desconhecer o "Projeto Controle" (fl. 56).
Ainda no curso do inquérito policial, Juliana Berchmans de Mendonça foi novamente ouvida e admitiu que no dia 01/02/2010 compareceu à Paneteria ZN, tendo sido a responsável pela elaboração do auto de inspeção. Afirmou, contudo, que fora vítima de um golpe praticado por uma pessoa chamada Cláudia, que lhe ofereceu uma oportunidade de trabalho. Eis as declarações prestadas pela apelante às fls. 88/90:

"[...] confirma que esteve sim presente em fevereiro de 2010 na sede da empresa Panificadora ZN a fim de proceder a uma 'consultoria'. Exibido o documento de fl. 28, confirma que todos os escritos nele existentes partiram de seu punho. Não produziu o documento contendo o logotipo da ANVISA. A pessoa que lhe entregou o documento contendo o logotipo da ANVISA se chama Claudia, não sabendo apontar maiores detalhes. Na época dos fatos deixou seu currículo em diversas empresas, tendo sido contatada por uma mulher identificada apenas como Claudia. Marcou com Claudia uma entrevista no Shopping Morumbi. Nesse local, Claudia lhe apresentou um projeto que consistia em visitas a empresas a fim de oferecer serviços de adequação da rotulagem de produtos

A ré foi interrogada em juízo (mídia à fl. 276). Declarou que no final de 2009 estava desempregada. Enviou currículos. Recebeu um telefonema de uma pessoa que havia recebido seu currículo, que agendou uma entrevista em um café no Shopping Morumbi. Essa pessoa apresentou-se como Cláudia e ela estava com seu currículo em mãos. Claudia lhe ofereceu uma vaga e disse que precisava de uma consultora na Zona Norte. Na época, a ré morava na Zona Norte. A vaga se destinava a oferecer serviços de consultoria e rotulagem de alimentos em pequenos restaurantes e padarias. Naquele momento, Claudia disse apenas que se tratava de uma consultoria nova. Juliana afirmou que nunca se passou por consultora da ANVISA. Claudia lhe convidou para fazer parte de uma empresa que se chamava Projeto Controle. Caso as consultorias referentes às visitas fossem "fechadas", a ré receberia uma comissão. Enviou cópias de seus documentos para Claudia, que providenciou a confecção dos cartões de visita. Claudia agendou mais um encontro, que ocorreu perto do Shopping Morumbi, em uma sala comercial. Recebeu os cartões e os formulários de Cláudia. Disse que o serviço de consultoria consistia em visitar estabelecimentos com a autorização do dono e, caso irregularidades fossem constatadas, devia oferecer a consultoria para rotulagem. Acredita que caiu em um golpe. Não usou crachá da ANVISA na Paneteria ZN. Apresentou-se como consultora do projeto controle e perguntou se poderia olhar os rótulos dos pães. Também conversou com a estagiária, que havia acabado de se formar em nutrição. A ré explicou as irregularidades apontadas, escreveu todas essas constatações em um "bloco" e entregou o papel para a estagiária junto com seu cartão de visita. Essa estagiária viu o logotipo da ANVISA no papel e lhe perguntou se fazia parte da vigilância sanitária. Respondeu que não. Essa estagiária lhe perguntou qual seria o valor do serviço de consultoria. A ré respondeu que custaria entre R$4.000,00 e R$5.000,00. Depois disso, a ré deixou o estabelecimento comercial e entrou em seu veículo, momento em que desconfiou que havia algo de errado, em razão da inserção do logotipo da ANVISA (no bloco em que fez os apontamentos), pois Claudia não havia lhe dito nada sobre eventual parceria com a vigilância sanitária. Telefonou para Claudia, que não lhe atendeu. Em seguida, recebeu uma ligação de um número restrito. Perguntou para Cláudia se esse serviço de consultoria tinha alguma ligação com a vigilância sanitária. Cláudia disse que não. Também perguntou se o formulário com o logo da ANVISA seria padrão, mas Claudia não soube responder. Telefonou para uma colega que havia feito estágio na vigilância sanitária. Essa colega, que se chamava Juliana, afirmou que não existe ligação entre a vigilância sanitária e consultoria. Claudia lhe telefonou novamente a partir de um número restrito e a ré lhe disse que não queria mais fazer parte dessa consultoria. Claudia se negou a devolver seus documentos e a ameaçou, dizendo que sabia onde a ré morava. Não procurou saber mais detalhes. Jogou fora seus papéis. Não foi à polícia, pois ficou com medo. Sabia que tinha alguma coisa errada. Comentou o ocorrido apenas com Karym Priscilla (testemunha ouvida nesses autos). Confirma que preencheu o documento de fl. 28. Depois da visita à Paneteria ZN, recebeu uma ligação da estagiária ou da chefe dessa estagiária, que queria confirmar se a ré fazia parte da vigilância sanitária. Quando recebeu uma intimação da Polícia Federal não sabia do que se tratava. Na Polícia Federal, apresentaram-lhe uma denúncia acerca dos fatos ora apurados. Nessa ocasião, negou os fatos e afirmou que havia perdido seus documentos. Posteriormente, foi orientada por advogados a dizer a verdade. Não causou prejuízo ao estabelecimento. Retornou espontaneamente à Polícia Federal para relatar os fatos. Não conseguiu identificar Claudia (mídia à fl. 276).
As provas coligidas aos autos demonstram, com a certeza necessária, que a apelante fez uso indevido do logotipo da ANVISA, ao preencher o documento de fl. 28, em que foram apontadas supostas irregularidades no estabelecimento denominado Paneteria ZN, e entregá-lo aos responsáveis, fazendo-os crer que se tratava de uma inspeção da vigilância sanitária, ainda que executada por uma empresa de consultoria privada, em parceria.
As testemunhas foram firmes e uníssonas ao afirmarem que a ré esteve na Paneteria ZN e disse estar atuando pela empresa "Projeto Controle" a serviço da ANVISA, e que realizaria uma inspeção naquele estabelecimento comercial a fim de verificar a adequação dos rótulos dos alimentos. A prova documental demonstra que a apelante preencheu um "auto de inspeção" (fl. 28), em que foram descritas supostas irregularidades. Em seguida, a denunciada ofereceu o serviço de consultoria para adequação daqueles apontamentos, que custaria R$4.000,00. Além disso, segundo as declarações prestadas pela testemunha Michelle (tanto na fase inquisitorial como em juízo), a ré afirmou que, caso essas irregularidades não fossem sanadas em determinado prazo, seria aplicada multa ao estabelecimento.
A prova testemunhal deixa claro que a denunciada somente ofereceu os serviços de consultoria depois de inspecionar a padaria, como se a serviço da ANVISA estivesse, sendo que o serviço oferecido pela ré solucionaria as irregularidades encontradas e evitaria a aplicação de multa decorrente da inspeção.
Está claro que Juliana não se limitou a oferecer serviços de consultoria para adequação de rotulagem de produtos, como sustenta a ré. Mesmo porque, nessa hipótese, não haveria motivo para a utilização indevida do logotipo da ANVISA e do Ministério da Saúde. Além disso, a apelante lavrou um "auto de inspeção" em estabelecimento comercial produtor de alimentos, atividade relacionada a órgãos públicos de controle sanitário, o que corrobora as declarações prestadas pelas testemunhas no sentido de que Juliana Berchmans afirmou estar a serviço da ANVISA. Evidente, portanto, que a intenção da acusada era ludibriar os responsáveis pelo estabelecimento comercial, fazendo-os acreditar que aquela inspeção teria sido determinada pelo órgão de vigilância sanitária, tudo isso com a finalidade de oferecer o serviço de consultoria para adequação dos rótulos nos produtos alimentícios.
As provas são robustas o suficiente para embasar a condenação, estando demonstrado o dolo da ré, consistente na vontade de fazer uso indevido de logotipo identificador da ANVISA, como se estivesse agindo em nome dessa agência reguladora em um projeto fictício de fiscalização executado pela empresa (também fictícia) "Projeto Controle".
A versão sustentada pela defesa não foi demonstrada. Nada foi trazido aos autos a fim de corroborar a alegação de que Juliana teria sido contratada e enganada por uma pessoa identificada apenas como "Claudia", que, segundo alega a defesa, seria a responsável pelo golpe e única destinatária de eventual vantagem ilícita decorrente dessa atividade.
Aliás, a acusada é formada em Nutrição e pós-graduada na área de controle de qualidade, ou seja, possuía plenas condições de desconfiar que não possuía competência/autorização legal para lavratura de auto de inspeção contendo o logotipo da ANVISA. Sem dúvida, a acusada também tinha como certificar-se acerca da legalidade da atividade para a qual havia sido contratada.
A própria ré alega ter sido contratada por "Cláudia" durante um encontro em um Shopping Center, todavia passou a desempenhar atividade de inspeção em estabelecimento comercial em um projeto supostamente ligado a ANVISA, embora não tivesse qualquer vínculo com essa autarquia.
Acrescente-se que a obtenção ou não de vantagem indevida é irrelevante para a configuração do crime em questão.
Estando devidamente demonstrados a materialidade, a autoria e do dolo, mantenho a condenação de Juliana Berchmans de Mendonça pela prática do crime previsto no art. 296, §1º, III do CP.
Da dosimetria
1ª fase
A pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 5 anos e 6 meses de reclusão. Ao analisar as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP, o Juízo a quo valorou negativamente a culpabilidade, conduta social, personalidade, motivos, circunstâncias do crime, consequências do crime e comportamento da vítima. Eis os fundamentos:

"Culpabilidade: verifico que a culpabilidade da ré é merecedora de reprovação em grau elevado, pois, interpretando-se os fatos tal como ocorridos e provado nos autos, percebe-se sua clara premeditação e dolo intenso em utilizar o logotipo identificador de órgão ou entidade da Administração Pública (ANVISA), com porte de formulário caracterizado no auto de inspeção e cartão de visitas da empresa supostamente conveniada com a ANVISA, demonstrando que a ré, antes mesmo de adentrar no estabelecimento comercial da Paneteria ZN, estava predisposta a agir como se fosse pelo interesse estatal. Assim, verifica-se alta intensidade do dolo na conduta da ré, pois, ao usar logotipo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária em auto de inspeção, com discurso sobre aplicação de multa caso não houvesse adequação, por meio da contratação de empresa de consultoria supostamente conveniada com a ANVISA, causando temor aos proprietários dos estabelecimentos pelo poder de império estatal, aviltou sobremaneira, perante particulares do meio comercial a probidade da administração pública, tanto que esses particulares tiveram que realizar consultas a órgãos públicos para verificar a oficialidade da referida inspeção. Demonstrada, portanto, a gravidade concreta do delito, maior censurabilidade da sua conduta, justificando-se, assim, a exasperação da reprimenda inicial em grau elevado.
[...] Conduta social: verifico que a conduta social da ré, principalmente em relação ao Conselho Regional de Nutrição, entremostrou-se absolutamente distante dos mais comezinhos padrões éticos que deve revestir o caráter de qualquer cidadão em sua vida social. Por outro lado, a ré praticou o delito apresentando-se como nutricionista, tanto pela entrega do cartão de visitas quanto pelo carimbo e assinatura do Auto de inspeção, embora estivesse com sua inscrição cancelada, desde 2008, no Conselho Regional de Nutricionistas (fl. 44). Tendo a ré praticado o delito exercendo irregularmente a profissão de nutricionista, considera-se reprovável seu comportamento perante o Conselho Regional de Nutricionistas e perante a sociedade em geral, portanto, reprovação em grau elevado.
[...] Personalidade: No caso em apreciação, vislumbra-se, com pesar, a desonestidade acentuada demonstrada pela ré quando atendida pela testemunha Michelle Silva Araújo. Com efeito, desrespeitando sua boa fé e visando forçar a contratação pelo estabelecimento do seu serviço de consultoria pelo valor de R$4.000,00, inseriu em seu discurso intimidação pelo risco de multa a ser aplicada pela ANVISA, caso não fosse providenciada a adequação das supostas irregularidades em determinado prazo. Outrossim, tal desonestidade, se protraiu por outros contatos que teve a ré com pessoas relacionadas àquele estabelecimento comercial, tendo dito que não precisariam se preocupar com o prazo para adequação das irregularidades, pois tal prazo seria aumentado. Destarte, a personalidade da acusada, nas circunstâncias do crime, revelou-se de baixa sensibilidade ético-social e com tamanha desonestidade que tornou mais grave o uso indevido do logotipo da ANVISA, portanto, reprovação em grau elevado.
[...] Motivos: Verifico que os motivos do crime também se afastaram do grau normal de reprovabilidade, merecendo a acusada censura elevada, notadamente porque, a par de premeditar o delito com altos requintes de sofisticação, demonstrou ganância incomum em busca de dinheiro fácil.
[...] Circunstâncias do crime: No caso em tela, o comportamento da ré durante e após a conduta criminosa qualificou-se por insensibilidade, indiferença e ausência de arrependimento. Como visto, no momento do crime, a ré se fez passar por agente competente para lavrar auto de inspeção em nome da ANVISA. Posteriormente, recebendo contato e questionamentos de Juliana Borro Menegazzi, proprietária da empresa Saúde Viver, a serviço da Paneteria ZN, a ré, em mais de uma oportunidade de se arrepender e retificar sua conduta, manteve firme o mesmo discurso, dizendo que ela e mais trezentos fiscais fariam parte do "Projeto Controle da Vigilância Sanitária", cujo objetivo seria fiscalizar e oferecer o serviço de rotulagem. Tais circunstâncias delituosas merecem, indubitavelmente, censura em grau elevado.
[...] Consequência do crime: Verifico que as consequências extrapenais do crime igualmente merecem censura em grau elevado em decorrência do abalo da credibilidade acerca da probidade da função pública exercida pela ANVISA, através do uso indevido pela ré de logotipo dotado de fé pública.
[...] Comportamento da vítima: Consta dos autos, conforme interrogatório da ré e depoimento de testemunhas, que Michelle Silva Araujo, trabalhadora da empresa Saúde Viver, prestando serviços na Paneteria ZN, teria questionado a ré acerca do logotipo da ANVISA no auto de inspeção, ocasião em que a ré manteve-se firme na empreitada criminosa. Verifica-se que o comportamento da vítima foi no sentido de muito dificultar, desmotivar, impedir ou criar obstáculo à prática do delito, ao que ainda sim foi perpetrado pela ré, que simplesmente respondeu que trabalhava pela empresa Projeto Controle a serviço da ANVISA".

A culpabilidade é normal à espécie delitiva. A conduta praticada não se reveste de maior reprovabilidade. A premeditação, no caso concreto, consistente na elaboração de cartão de visitas e formulário denominado "Auto de Inspeção" não revela maior intensidade do dolo da acusada.
Os autos carecem de elementos que permitam a análise da personalidade da acusada.
Prosseguindo, ao valorar negativamente as circunstâncias do crime, o Juízo de origem entendeu que a apelante agiu com "insensibilidade, indiferença e ausência de arrependimento", pois, além de se passar por agente competente para lavrar auto de inspeção em nome da ANVISA, manteve sua versão ao ser indagada pela testemunha Juliana Menegazzi, por telefone. Esses fundamentos, contudo, não são aptos a ensejar a exasperação da pena-base. O modus operandi empregado pela ré no cometimento do delito de uso indevido de logotipo da ANVISA não se reveste de maior ousadia, gravidade ou sofisticação. A acusada compareceu sozinha à Paneteria ZN e apresentou-se como nutricionista aos funcionários do estabelecimento comercial, utilizando de maneira indevida um papel intitulado "auto de inspeção" contendo o logotipo da autarquia federal, o que, de pronto, causou estranheza àqueles funcionários.
As consequências do crime também não são graves, devendo ser afastada a valoração negativa da referida circunstância judicial. Não houve prejuízo concreto em razão da conduta praticada pela apelante e o dano imaterial causado à ANVISA, em razão do abalo de sua credibilidade, é inerente ao tipo penal, de modo que sua valoração acarretaria indevido bis in idem.
O comportamento da vítima não influenciou a prática do crime.
Por outro lado, mantenho a valoração negativa da conduta social, uma vez que a acusada valeu-se de sua formação em nutrição para cometer o delito, violando dever funcional, embora estivesse com o registro profissional inativo no conselho regional respectivo.
Os motivos também são desfavoráveis, pois a prática do delito visou à obtenção de lucro fácil, já que a emissão de "auto de inspeção" em formulário contendo o logotipo da ANVISA serviu de instrumento intimidatório para que a empresa contratasse os serviços de consultoria oferecido pela própria ré, pelo valor de R$4.000,00, sob pena de posterior aplicação de multa. Ainda que o eventual pagamento não se destinasse diretamente à Juliana, a própria ré afirmou que caso houvesse a contratação da consultoria oferecida, receberia uma comissão sobre o valor, razão pela qual reputo que os motivos devem ser negativamente valorados.
Considerando a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (conduta social e motivos), mostra-se razoável e proporcional a fixação da pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão.
Vale ressaltar que, na linha do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "A individualização da pena na primeira fase da  dosimetria  não está condicionada a um critério puramente  aritmético, mas à discricionariedade vinculada do julgador" (HC 342.822/SP, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 24/05/2016, DJe 31/05/2016).
Ao contrário do que sustenta a defesa, a existência de circunstâncias judiciais favoráveis não possui o condão de reduzir a pena-base ou impedir o seu aumento, neutralizando a exasperação decorrente da valoração negativa de outras circunstâncias judiciais.
Assim, fixo a pena-base em 2 anos e 6 meses de reclusão.
2ª fase
Incidiu a agravante prevista no art. 61, II, "g" do CP, pois "a acusada praticou o crime com violação de dever inerente à sua profissão como bacharel em nutrição, mormente porque é dever de todos os profissionais bem exercer seu cargo com ética, honradez e lisura".
Acolho o pedido da defesa para afastar a incidência da referida agravante, uma vez que os fundamentos que a embasam também serviram para exasperar a pena-base no tocante à conduta social.
Também deve ser acolhido o pedido de reconhecimento da circunstância atenuante referente à confissão espontânea, prevista no art. 65, III, "d" do CP. A ré confessou o preenchimento do documento de fl. 28 e sua utilização perante a Paneteria ZN. Nesse particular, ressalte-se que a confissão da ré foi de fundamental importância para a condenação, uma vez que a prova pericial não foi conclusiva e, em juízo, a testemunha não reconheceu a apelante com absoluta certeza. Por essas razões, e mormente porque a confissão foi utilizada expressamente na sentença para embasar a autoria delitiva, deve incidir a atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, na fração de 1/6 (um sexto), na linha do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AGRHC 2019.01.667581. Relator Jorge Mussi. Quinta Turma. DJE DATA:30/09/2019).
Pena intermediária fixada em 2 anos e 1 mês de reclusão.
3ª fase
Sem causas de aumento e diminuição.
Desse modo, fixo definitivamente a pena em 2 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, "c" do CP.
Reduzo a quantidade de dias multa para o equivalente a 10 dias-multa, no valor mínimo legal. Isso porque, a quantidade de dias multa deve observar o mesmo critério trifásico de cálculo da pena corporal e, por conseguinte, deve ser proporcional à mesma.
Da substituição da pena privativa de liberdade
Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor da União Federal.
Dispositivo
Pelo exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pela defesa para reduzir a pena-base e a quantidade de dias multa, fixando definitivamente a pena em 2 anos e 1 mês de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo em favor da União Federal.
É o voto.




JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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