Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/11/2019
REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL Nº 0000074-68.2019.4.03.6111/SP
2019.61.11.000074-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
PARTE AUTORA : LETICIA MAZINI FERRARI DO AMARAL OISHI incapaz
ADVOGADO : SP405559 PEDRO LUIS FRACAROLI PEREIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : NAYARA DE FATIMA MAZINI FERRARI
PARTE AUTORA : MATEUS MARIN PEREIRA GOMES CASTELAZI incapaz
ADVOGADO : SP405559 PEDRO LUIS FRACAROLI PEREIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : CLAUDIA MARIN PEREIRA CASTELAZI
PARTE RÉ : Justica Publica
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE MARILIA Sec Jud SP
No. ORIG. : 00000746820194036111 2 Vr MARILIA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REEXAME NECESSÁRIO CRIMINAL. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA UTILIZAÇÃO DE CANNABIS MEDICINAL. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto aos pacientes, diagnosticados com epilepsia, para que, representados por suas genitoras, possam importar e plantar cannabis para fins medicinais.
2. Verifica-se que os pacientes são portadores de epilepsia, doença grave que causa inúmeras convulsões por dia. Os menores iniciaram o uso do canabidiol, autorizados pela ANVISA, apresentando melhora nas crises convulsivas.
3. Comprovação do estado de saúde dos pacientes.
4. Inexistência de indicativos de que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas.
5. Sentença mantida em seus exatos termos.
6. Remessa necessária desprovida.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de novembro de 2019.
LOUISE FILGUEIRAS
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 13/11/2019 16:10:48



REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL Nº 0000074-68.2019.4.03.6111/SP
2019.61.11.000074-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
PARTE AUTORA : LETICIA MAZINI FERRARI DO AMARAL OISHI incapaz
ADVOGADO : SP405559 PEDRO LUIS FRACAROLI PEREIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : NAYARA DE FATIMA MAZINI FERRARI
PARTE AUTORA : MATEUS MARIN PEREIRA GOMES CASTELAZI incapaz
ADVOGADO : SP405559 PEDRO LUIS FRACAROLI PEREIRA e outro(a)
REPRESENTANTE : CLAUDIA MARIN PEREIRA CASTELAZI
PARTE RÉ : Justica Publica
REMETENTE : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE MARILIA Sec Jud SP
No. ORIG. : 00000746820194036111 2 Vr MARILIA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de remessa necessária em habeas corpus preventivo, impetrado por Pedro Luis Fracaroli Pereira e Estevan Luis Bertacini Marino, em favor de LETÍCIA MAZINI FERRARI DO AMARAL OISHI e MATEUS MARIN PEREIRA FOMES CASTELAZI, representados pelas respectivas mães, Nayara de Fátima Mazini Ferrari e Cláudia Marin Pereira Castelazi, tendo como autoridades coatoras o Delegado da Polícia Federal de Marília e Delegado da Polícia Civil.

Os impetrantes, em petição de fls. 02/15, requerem, em síntese, a concessão de salvo-conduto aos pacientes, que os permita importar e produzir canabidiol para tratamento de grave problema de saúde.

Alegam que os pacientes foram diagnosticados com epilepsia, doença grave e de difícil tratamento. E, em decorrência disso, sofrem com as inúmeras convulsões por dia.

Sustenta que o tratamento com a cannabis medicinal é a forma mais eficaz e eficiente para reduzir as crises convulsivas.

Aduz que não recebem há meses, por questões burocráticas, o tratamento com medicamentos importados a base de cannabis, de forma que a qualidade de vida dos pacientes regrediu ao estágio anterior ao uso da substância.

Diante do exposto, os impetrantes pleiteiam a concessão de liminar, com a consequente expedição de salvo-conduto, para que os pacientes possam importar e plantar sementes e produzirem o óleo de canabidiol para fins medicinais. No mérito, requereram a concessão da ordem, com a confirmação da liminar, ficando os pacientes autorizados a importação de cerca de 120 (cento e vinte) sementes por ano.

Foram juntados os documentos de fls. 16/72.

A liminar foi deferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Marília/SP (fls. 74/97).

Foram prestadas informações (fls. 104 e 107).

O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls. 106).

Às fls. 111/150, foi proferida decisão, em que o juízo de primeiro grau concedeu a ordem de habeas corpus, para determinar que as autoridades coatoras se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear a liberdade dos pacientes, em razão da importação de 120 (cento e vinte) sementes da cannabis por ano, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais.

Os autos foram remetidos a este Tribunal, diante da concessão do writ.

O Parquet, representado pelo Exmo. Procuradora Regional da República Alvaro Luiz de Mattos, ao ter vista dos autos, manifestou-se pela concessão da ordem (fls. 165/167).

É o Relatório.


VOTO

O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto aos pacientes, diagnosticados com epilepsia, para que, representados por suas genitoras, possam importar e plantar cannabis para fins medicinais.

O pedido formulado foi acolhido pelo Juízo de primeiro grau, com a adoção dos seguintes fundamentos (fls. 111/150):


"(...) dos autos se extrai que NAYARA DE FÁTIMA MAZINI FERRARI e CLÁUDIA MARN PEREIRA CASTELAZI, mães dos menores LETÍCIA e MATEUS, respectivamente, pretendem cultivar em suas residências cannabis sativa, com uso específico no tratamento dos filhos, portadores de 'grave quadro de epilepsia', conforme consta inclusive dos Relatórios Médicos de fls. 25/29 e 45.
Segundo a petição inicial, na ânsia de tentar melhorar o quadro de vida das crianças, as mães passaram a pesquisarem forma de tratamento, no que se depararam com casos idênticos em que os enfermos eram tratados, especificamente, com cannabis, inclusive contam com Autorização de Importação da ANVISA para 'importação de produto à base de canabidiol em associação com outros canabinoides' (fls. 24 e 42"
As mães, ora pacientes, pretendem o 'desenvolvimento caseiro da medicação'.
A dignidade da pessoa humana, o direito à vida, dignidade e saúde, são direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal de 1988, os quais devem se sobressair para garantir ao menor o direito a uma vida digna e saudável, e o Estado não garantindo, no caso específico, esses direitos, nada mais justo que o Poder Judiciário interfira para garantir e assegurar ao menor, um meio de vida digno, saudável e acima de tudo com dignidade (...)
ISSO POSTO, confirmo a liminar e julgo PROCEDENTE os pedidos deduzidos na presente ação, concedendo às pacientes NAYARA DE FÁTIMA MAZINI FERRARI e CLÁUDIA MARIN PEREIRA CASTELAZI, resolvendo o mérito da demanda, na forma do artigo 487, inciso I, do CPC/2015, para conceder às pacientes salvo-conduto, nos seguintes termos: "autorizar os pacientes a importarem sementes e a produzirem canabidiol ao tratamento dos males que o acometem, com ênfase ao limite destacado no item 4º (importação de 120 (vento e vinte) sementes por ano), expedido mandamus às autoridades coatoras para que se abstenham de investigar, repreender, ou atentar contra a liberdade de locomoção dos peticionários e de seus responsáveis". Deverão as pacientes informar às autoridades impetradas, imediatamente e, posteriormente, a cada 6 (seis) meses, a qualificação dos vendedores das sementes e especificar detalhadamente o local do cultivo e produção do óleo. Por derradeiro, considerando a excepcionalidade da medida ora adotada, explicitar que somente as pacientes NAYARA DE FÁTIMA MAZINI FERRARI e CLÁUDIA MARIN PEREIRA CASTELAZI estão resguardadas de qualquer risco concreto e iminente à liberdade de locomoção, sendo que os demais membros da família, tais como marido, pais, irmãos, filhos maiores de 18 anos etc., assim como empregados domésticos e amigos que frequentem os locais de plantio da Cannabis Sativa e produção do óleo da planta poderão ser alvo de prisão e investigação policial".

No caso dos autos, verifica-se que os pacientes são portadores de epilepsia, doença grave que causa inúmeras convulsões por dia. Os menores iniciaram o uso do canabidiol, autorizados pela ANVISA, apresentando melhora nas crises convulsivas.

Nesse contexto, em que comprovado o acometimento de doença, mostra-se acertada a decisão de concessão de salvo-conduto aos pacientes LETÍCIA MAZINI FERRARI DO AMARAL OISHI e MATEUS MARIN PEREIRA FOMES CASTELAZI, representados pelas respectivas mães, Nayara de Fátima Mazini Ferrari e Cláudia Marin Pereira Castelazi, a fim de que as autoridades coatoras se abstenham de adotar quaisquer medidas tendentes a cercear sua liberdade, em razão do plantio e cultivo de plantas Cannabis sativa e extração do seu princípio ativo, para uso próprio, com fins exclusivamente medicinais.

Em acréscimo, não há qualquer elemento que indique que o emprego da Cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. Ao contrário, os pacientes almejam uma melhora em sua qualidade de vida, por meio da diminuição de suas crises convulsivas.

Em caso semelhante essa E. Quinta Turma decidiu no seguinte sentido:

PENAL. PROCESSO PENAL. REEXAME NECESSÁRIO. HABEAS CORPUS. ÓLEO DE CÂNHAMO. PRODUÇÃO CASEIRA E ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO TERAPÊUTICO/MEDICINAL INDIVIDUAL. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE. REMESSA OFICIAL DESPROVIDA.
1. Instrução do feito com relatório médico em que há demonstração da gravidade de seu estado de saúde, com o apontamento de melhora significativa, em razão do uso de extrato de cânhamo; cujo uso medicinal veio a ser reconhecido pelo Órgão Governamental competente (ANVISA), por meio da edição da RDC n. 156/2017, que, em seu artigo 2º, alterou as DCB, relacionadas no Anexo II, da lista completa disponibilizada pela Resolução-RDC nº. 64 de 28 de dezembro de 2012 (DOU de 03/01/2013), no Anexo I da Resolução-RDC nº 29, de 20 de maio de 2013 (DOU de 21/05/2013), no Anexo I da Resolução-RDC nº 11, de 06 de março de 2015 (DOU de 09/03/2015), no Anexo I da Resolução-RDC nº 71, de 30 de março de 2016 (DOU de 31/03/2016) e incluiu a Cannabis sativa L. como planta medicinal (item 18 n. DCB 11543).
2. A despeito de restar proibida a produção do óleo essencial no País pela ANVISA, restou autorizada sua importação, o que, no particular mostrou-se impeditivo, já que possuem preços elevados incompatíveis com os valores mensais recebidos pelo paciente a título de aposentado por invalidez.
3. Encontra-se bem fundamentada a sentença que, ao restringir a autorização para a produção e óleo de cânhamo caseiro estritamente para uso terapêutico e pessoal do paciente, não desbordou de julgados que consideram a semente de maconha substância inócua e não classificada como entorpecente.
4. Em razão da edição da RDC n. 156/2017, pela ANVISA, restou autorizada a produção de medicamentos contendo a substância ativa Cannabis sativa Linneu (maconha), assim como a importação de medicamentos que detenham seu princípio ativo, não se verifica qualquer ilegalidade a ser praticada pelo paciente, desde que se mantenha adstrito aos parâmetros indicados pela sentença, ora submetida a reexame necessário.
5. A gravidade do quadro de doença do paciente, assim como a circunstância de sua conduta não apresentar qualquer lesividade social, em razão do uso pessoal e restrito do medicamento por ele produzido e submetido a análises laboratoriais específicas para balizar seus parâmetros, a fim de que atenda seu específico quadro médico, permite a incidência do estado de necessidade exculpante, para eximi-lo de responder penalmente pela prática dos delitos previstos pela Lei n. 11.343/06, já que proibi-lo do uso do medicamento em referência, implicaria enormes prejuízos a sua saúde.
6. Sentença mantida integralmente. Remessa oficial desprovida.
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ReeNec. - REMESSA NECESSÁRIA CRIMINAL - 837 - 0001081-16.2018.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/11/2018)

Diante disso, não vislumbro qualquer elemento apto a justificar a alteração do quanto decidido pelo Juízo do primeiro grau, sendo a decisão de fls. 111/150 mantida em sua integralidade.

Ante o exposto, nego provimento ao reexame necessário.


LOUISE FILGUEIRAS
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201
Nº de Série do Certificado: 11A217031741F5F3
Data e Hora: 13/11/2019 16:10:45