Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012292-54.2015.4.03.6181/SP
2015.61.81.012292-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : M T C G
ADVOGADO : SP359751 JULIANA GRIGORIO DE SOUZA RIBEIRO
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : M T C G
ADVOGADO : SP359751 JULIANA GRIGORIO DE SOUZA RIBEIRO
APELADO(A) : E C
ADVOGADO : SP144497 CESAR COSMO RIBEIRO
No. ORIG. : 00122925420154036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÕES. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. PARTICULAR. ADMISSIBILIDADE. ART. 30 DO CÓDIGO PENAL. VIOLAÇÃO DE DEVER FUNCIONAL. INADMISSIBILIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE EXASPERADA. CONTINUIDADE DELITIVA. CAUSA DE AUMENTO. ART. 333, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. CONCURSO MATERIAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. APELAÇÃO DA DEFESA JULGADA PREJUDICADA. PERDA DO CARGO DE AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DECRETADA.
1. Não incide a forma qualificada prevista no § 2º do art. 325 do Código Penal, uma vez que o dano à Administração Pública Federal indicado na denúncia, qual seja, restituições indevidas ou redução do valor do imposto de renda a pagar dos contribuintes, não restou devidamente comprovado no presente feito. É certo que o dano à Administração Pública previsto no mencionado § 2º não precisa ser necessariamente econômico, podendo ter outra natureza. No entanto, o prejuízo descrito na denúncia é o econômico que, no caso, não foi demonstrado, não podendo ser presumido.
2. Declarada, de ofício, extinta a punibilidade dos acusados pela prática do crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal, c. c. art. 71, do Código Penal, quanto aos fatos praticados até 02.05.14, em razão da prescrição da pretensão punitiva em abstrato, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 119, todos do Código Penal.
3. Materialidade e autoria delitivas demonstradas quanto ao crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal.
4. Admite-se a condenação de particular pelo delito do art. 325 do Código Penal, nos termos do art. 30 do Código Penal, pois as circunstâncias e as condições de caráter pessoal comunicam-se quando elementares do crime. O réu Marcelo concorreu para a prática do delito, especialmente fornecendo ao acusado Edson, inclusive por meio eletrônico, listas com nomes de contribuintes para consulta no sistema informatizado da Receita Federal, com o fim de obter informações sigilosas de contribuintes retidos em malha fiscal. Ademais, está demonstrada a plena ciência do acusado Marcelo em relação à condição de funcionário público federal do réu Edson.
5. Deve-se atentar para não incorrer em bis in idem ao aplicar a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal, o que se verifica se a circunstância constitui elemento do crime (REsp n. 100.394, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 19.05.98). No entanto, "se a agravante não se insere, necessariamente, no tipo, incabível reconhecer-se o vedado bis in idem" (REsp n. 480.257, Rel. Min. Felix Fisher, j. 18.09.03). A incidência da agravante decorrente da violação de dever inerente ao cargo ao crime de violação de sigilo funcional caracteriza bis in idem, visto o dever de sigilo constituir elementar do delito e, portanto, deve ser afastada.
6. Os crimes foram praticados de 03.05.14 a 11.07.17 (período não prescrito) em continuidade delitiva, tendo em vista as mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
7. Materialidade e autoria delitivas comprovadas quanto ao crime previsto no art. 313-A do Código Penal.
8. Admite-se a condenação de particular pelo delito do art. 313-A do Código Penal, pois incide o art. 30 do Código Penal e por força do princípio da especialidade. O réu Marcelo concorreu para a prática do delito, especialmente fornecendo ao acusado Edson, por meio eletrônico, cópias digitalizadas de documentos que, em tese, comprovariam as deduções realizadas pelos contribuintes.
9. A violação de dever inerente a cargo público constitui elemento do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, não sendo cabível a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, g, do Código Penal (TRF da 3ª Região, ACR n. 00000796920144036110, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 24.05.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 00016293620134036110, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 28.03.16; TRF da 4ª Região, ACR n. 00004563920084047010, Rel. Des. Fed. Márcio Antônio Rocha, j. 04.11.05).
10. A inserção de dados falsos ocorreu relativamente a 15 contribuintes, no período de 14.11.13 a 30.03.17, abrangendo os exercícios de 2013 a 2017, conforme Relatórios Reservados n. 02/2015, n. 08/2016 e sn. de 08.06.2017. Os crimes foram praticados em continuidade delitiva, tendo em vista as mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
11. Materialidade e autoria delitivas demonstradas quanto aos crimes de corrupção ativa (art. 333, parágrafo único, do Código Penal) e passiva (art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90).
12. O recebimento pelo acusado Marcelo de parte do benefício auferido pelos contribuintes, inclusive por meio de empresas de fachada, a ingerência do réu Edson na consecução desse benefício, a intensa troca de mensagens eletrônicas entre os acusados, a excessiva quantidade de consultas imotivadas de Edson ao sistema informatizado da Receita Federal do Brasil, inclusive culminando na liberação de centenas de contribuintes da malha fiscal, automática ou manualmente (sem a apresentação de documentos originais que comprovassem as despesas dedutíveis do imposto de renda no segundo caso), a ausência de comprovação integral do acréscimo patrimonial do réu Marcelo nos anos de 2008 a 2015 e a excessiva movimentação financeira nas contas bancárias de Edson nos anos de 2011 a 2015 sem comprovação integral, indicam que o acusado Marcelo ofereceu ao réu Edson vantagem indevida para a exclusão de contribuintes da malha fiscal, e Edson aceitou e recebeu tal vantagem. Não há dúvida da atividade extremamente coordenada dos réus e do conluio entre eles. As condutas de Marcelo e Edson estão em relação de recíproca implicação, circunstância que, conforme doutrina, autoriza a tipificação, de um lado, da corrupção ativa e, de outro lado, da corrupção passiva.
13. Dosimetria. Réu Edson Cotillo. Pena-base exasperada em relação a todos os delitos. Presente a continuidade delitiva quanto aos delitos previstos no art. 325, "caput", do Código Penal e no art. 313-A do Código Penal.
14. Concurso material. As penas devem ser somadas, resultando em 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção pela prática do crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal, c. c. art. 71 do Código Penal, e 9 (nove) anos de reclusão e 37 (trinta e sete) dias-multa pela prática dos crimes previstos no art. 313-A do Código Penal, c. c. art. 71 do Código Penal, e art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90, nos termos do art. 69 do Código Penal.
15. Fixado o regime inicial aberto (CP, art. 33, "caput" e § 2º, c) para o cumprimento da pena imposta pela prática do crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal, c. c. art. 71 do Código Penal, e o regime inicial fechado (CP, art. 33, "caput" e § 2º, a) pela prática dos crimes previstos no art. 313-A do Código Penal, c. c. art. 71 do Código Penal, e art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90.
16. Não cabe substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.
17. Dosimetria. Réu Marcelo Tadeu Carneiro Gonçalves. Pena-base exasperada em relação a todos os delitos. Presente a continuidade delitiva quanto aos delitos previstos no art. 325, "caput", do Código Penal e no art. 313-A do Código Penal.
18. Presente a causa de aumento decorrente da efetiva prática de ato de ofício pelo então servidor Edson infringindo dever funcional, prevista no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, a pena deve ser aumentada na fração de 1/3 (um terço).
19. Concurso material. As penas devem ser somadas, resultando em 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção pela prática do crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal, c. c. art. 30 e art. 71, ambos do Código Penal, e 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa pela prática dos crimes previstos no art. 313-A do Código Penal, c. c. art. 30 e art. 71, ambos do Código Penal, e art. 333, parágrafo único, do Código Penal, nos termos do art. 69 do Código Penal.
20. Fixado o regime inicial aberto (CP, art. 33, "caput" e § 2º, c) para o cumprimento da pena imposta pela prática do crime previsto no art. 325, "caput", do Código Penal, c. c. art. 30 e art. 71, ambos do Código Penal, e o regime inicial fechado (CP, art. 33, "caput" e § 2º, a) pela prática dos crimes previstos no art. 313-A do Código Penal, c. c. art. 30 e art. 71, ambos do Código Penal, e art. 333, parágrafo único, do Código Penal.
21. Não cabe substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.
22. Tendo em vista o parcial provimento do recurso da acusação para condenar o acusado Marcelo Tadeu Carneiro Gonçalves pela prática do delito previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, deve ser julgada prejudicada a apelação da defesa.
23. As condutas delitivas perpetradas pelo acusado Edson Cotillo, pelas quais foi condenado a pena superior a 1 (um) ano de reclusão, são incompatíveis com o exercício das atribuições do seu cargo, um dos mais elevados na estrutura fiscalizatória do Estado, e justificam a aplicação do disposto no art. 92, I, a, do Código Penal. A cassação de aposentadoria constituiria, assim, consectário lógico da condenação à perda de cargo transitada em julgado. De todo modo, compete à Administração, à vista da sentença condenatória, com a decretação à perda de cargo, com trânsito em julgado, verificar o cabimento de eventual cassação da aposentadoria do acusado, em procedimento próprio conforme estabelecido em Lei. Decretada a perda do cargo de Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, a partir do trânsito em julgado da condenação.
24. Apelação da defesa julgada prejudicada. Recurso da acusação parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, ex officio, julgar extinta a punibilidade dos acusados Edson Cotillo e Marcelo Tadeu Carneiro Gonçalves pela prática do crime previsto no art. 325, caput, do Código Penal, c. c. o art. 71, do Código Penal, quanto aos fatos praticados até 02.05.14, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, com fundamento nos arts. 107, IV, 109, V, e 119, todos do Código Penal, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar Edson Cotillo pela prática do delito previsto no art. 325, caput, do Código Penal, c. c. o art. 71 do Código Penal, a cumprir a pena de 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, c. c. o art. 71 do Código Penal, a cumprir a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 22 (vinte e dois) dias-multa, e pela prática do delito previsto no art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90, a cumprir a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, totalizando a pena de 9 (nove) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 37 (trinta e sete) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, com correção quando da execução, todos c. c. o art. 69 do Código Penal, e condenar Marcelo Tadeu Carneiro Gonçalves pela prática do delito previsto no art. 325, caput, do Código Penal, c. c. o art. 30 e art. 71, ambos do Código Penal, a cumprir a pena de 1 (um) ano, 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, c. c. os arts. 30 e 71, ambos do Código Penal, a cumprir a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 22 (vinte e dois) dias-multa, e pela prática do delito previsto no art. 333, parágrafo único, do Código Penal, a cumprir a pena de 4 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, totalizando 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 42 (quarenta e dois) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos, com correção quando da execução, todos c. c. o art. 69 do Código Penal e julgar prejudicado o recurso de Marcelo Tadeu Carneiro Gonçalves. Decretar a perda do cargo do réu Edson Cotillo, a partir do trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 92, I, a, do Código Penal e determinar a expedição de ofício à Corregedoria deste Tribunal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 27 de junho de 2022.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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