Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/08/2010
AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0014428-16.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.014428-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO : MARIA DE FATIMA MONTENEGRO DOTTA
ADVOGADO : EDUARDO MONTENEGRO DOTTA e outro
PARTE RE' : Estado de Sao Paulo e outro
: Prefeitura Municipal de Sao Paulo SP
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00083105720104036100 3 Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AGRAVO INOMINADO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE PASSIVA. UNIÃO FEDERAL.SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL E SOCIAL À VIDA E À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SOBREPRINCÍPIO DA ORDEM CONSTITUCIONAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E NECESSIDADE DE MEDICAMENTOS. PATOLOGIA GRAVE. RISCO À SAÚDE E À VIDA. ARTIGOS 196 E SEGUINTES DA LEI MAIOR. LEI Nº 8.080/90. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. POSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
1. É solidária a obrigação dos entes federados, integrantes do Sistema Único de Saúde, pelo fornecimento de tratamentos e medicamentos necessários à garantia da saúde e vida, por isso inviável - nos limites do recurso - o reconhecimento da ilegitimidade passiva da União Federal.
2. Consolidada a jurisprudência, firme no sentido da prevalência da garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde deve prover os meios para o fornecimento de medicamento e tratamento que sejam necessários, segundo prescrição médica, a pacientes sem condições financeiras de custeio pessoal ou familiar, sem o que se afasta o Estado da sua concepção de tutela social, reconhecida e declarada pela Constituição de 1988.
3. Possível a antecipação da tutela, haja vista o princípio concernente à jurisdição preventiva, previsto na Constituição Federal e amplamente admitido pela jurisprudência.
4. Afastadas demais alegações visto que em circunstâncias tão especiais, de perigo de vida ou à saúde, deve o Poder Público primar pelo direito subjetivo essencial, relacionado à dignidade da pessoa humana, previsto e tutelado constitucionalmente.
5. Agravo inominado desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo inominado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de agosto de 2010.
CARLOS MUTA
Desembargador Federal


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AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0014428-16.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.014428-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO : MARIA DE FATIMA MONTENEGRO DOTTA
ADVOGADO : EDUARDO MONTENEGRO DOTTA e outro
PARTE RE' : Estado de Sao Paulo e outro
: Prefeitura Municipal de Sao Paulo SP
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00083105720104036100 3 Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de agravo inominado, em face de negativa de seguimento a agravo de instrumento (artigo 557, CPC), contra antecipação de tutela, em ação ordinária, "para determinar aos Réus a providência necessária ao fornecimento do medicamento: 'Emend do Laboratório Merck Sharp & Dohme - 125mg e 80mg - Aprepitanto, MSD', conforme prescrito".


No recurso, foi requerida a reforma da decisão agravada, ao fundamento de que: (1) é inaplicável, na espécie, o disposto no artigo 557 do CPC, pois (a) há decisão do STJ que reconhece como responsáveis solidários ao fornecimento de medicamentos somente o Estado e o Município; e (b) há decisão do STF contrária à decisão agravada no que se refere à obrigação do Estado em fornecer todo e qualquer medicamento solicitado pelo cidadão; afastando-se, por completo, a invocada jurisprudência dominante que poderia sustentar a decisão monocrática; (2) a União é ilegítima para figurar no pólo passivo da ação e, consequentemente, a Justiça Federal é incompetente para julgar o feito, nos termos da Lei nº 8.080/90; (3) todos os medicamentos para tratamento do câncer, atualmente, devem ser fornecidos, exclusivamente, pelos Centros de Alta Complexidade em Oncologia - CACON (que podem pertencer à rede pública ou privada, conveniada ao SUS), e com isso os medicamentos oncológicos foram excluídos da "Tabela de Medicamentos Excepcionais do SUS", passando a integrar o "Sistema de Autorização para Procedimentos de Alta Complexidade (APAC) ONCO"; (4) há ofensa aos princípios da separação dos poderes e da legalidade, ao se determinar o fornecimento de medicamento para o tratamento de câncer em desconformidade com os procedimentos legalmente definidos; e (5) há violação ao artigo 1º da Lei nº 8.437/92, aplicável ao caso por força do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, vez que a tutela antecipada em questão esgota o objeto da ação.


Apresento o feito em Mesa.


É o relatório.


CARLOS MUTA
Desembargador Federal


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AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0014428-16.2010.4.03.0000/SP
2010.03.00.014428-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
AGRAVANTE : Uniao Federal
ADVOGADO : GUSTAVO HENRIQUE PINHEIRO DE AMORIM e outro
AGRAVADA : DECISÃO DE FOLHAS
INTERESSADO : MARIA DE FATIMA MONTENEGRO DOTTA
ADVOGADO : EDUARDO MONTENEGRO DOTTA e outro
PARTE RE' : Estado de Sao Paulo e outro
: Prefeitura Municipal de Sao Paulo SP
ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 3 VARA SAO PAULO Sec Jud SP
No. ORIG. : 00083105720104036100 3 Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Senhores Desembargadores, consta da decisão agravada (f. 85/8):



"A hipótese comporta julgamento na forma do artigo 557 do Código de Processo Civil.
Preliminarmente, assente a interpretação de que cabível a concessão de antecipação de tutela em desfavor da União, uma vez que, presentes os seus requisitos legais, não havendo incompatibilidade de tal medida com o duplo grau de jurisdição, pois tal princípio deve ser considerado à luz de outro, concernente à jurisdição preventiva, prevista na Constituição Federal e amplamente admitida pela jurisprudência
Acerca da ilegitimidade passiva da UNIÃO, impõe-se a rejeição, pois consagrada a jurisprudência quanto à obrigação solidária de todos os entes federados, integrantes do Sistema Único de Saúde - SUS, na promoção e garantia do direito fundamental à saúde e à vida, inclusive com o fornecimento de tratamento médico e medicamento s.
Nesse sentido, dentre outros, os seguintes precedentes:
AGA n° 961677, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE de 11.06.08: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO S - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS - LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. 1. Esta Corte em reiterados precedentes tem reconhecido a responsabilidade solidária dos entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que concerne à garantia do direito à saúde e à obrigação de fornecer medicamento s a pacientes portadores de doenças consideradas graves. 2. Agravo regimental não provido."
RESP n° 507205, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU de 17.11.03, p. 213: "RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC. INEXISTÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO S PARA PESSOA CARENTE. LEGITIMIDADE DA UNIÃO, DO ESTADO E DO MUNICÍPIO PARA FIGURAREM NO PÓLO PASSIVO DA DEMANDA. 1. Inexiste ofensa ao art. 535, II, do CPC, quando as questões levadas ao conhecimento do Órgão Julgador foram por ele apreciadas. 2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva da União para figurar em feito cuja pretensão é o fornecimento de medicamento s imprescindíveis à manutenção de pessoa carente, portadora de atrofia cerebral gravíssima (ausência de atividade cerebral, coordenação motora e fala). 3. A Carta Magna de 1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves. 4. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a solidariedade dos três entes federativos no pólo passivo da demanda 5. Recurso especial desprovido."
RESP n° 656979, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJU de 07.03.05, p. 230: "ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO OU CONGÊNERE. PESSOA DESPROVIDA DE RECURSOS FINANCEIROS. FORNECIMENTO GRATUITO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. 1. Em sede de recurso especial, somente se cogita de questão federal, e não de matérias atinentes a direito estadual ou local, ainda mais quando desprovidas de conteúdo normativo. 2. Recurso no qual se discute a legitimidade passiva do Município para figurar em demanda judicial cuja pretensão é o fornecimento de prótese imprescindível à locomoção de pessoa carente, portadora de deficiência motora resultante de meningite bacteriana. 3. A Lei Federal n.º 8.080/90, com fundamento na Constituição da República, classifica a saúde como um direito de todos e dever do Estado. 4. É obrigação do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação ou congênere necessário à cura, controle ou abrandamento de suas enfermidades, sobretudo, as mais graves. 5. Sendo o SUS composto pela União, Estados-membros e Municípios, é de reconhecer-se, em função da solidariedade, a legitimidade passiva de quaisquer deles no pólo passivo da demanda. 6. Recurso especial improvido."
RESP n° 656296, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJU de 29.11.04, p. 264: "ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO S. TRATAMENTO MÉDICO. SUS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ART. 17 DA LEI ORGÂNICA DE SAÚDE. SÚMULAS Nºs 282 E 356 DO STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃOS PARADIGMAS E JULGADO RECORRIDO DO MESMO TRIBUNAL. SÚMULA Nº 13/STJ. LEGITIMIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO, DO ESTADO E DA UNIÃO. ARTS. 196 E 198, § 1º, DA CF/88. FIXAÇÃO DA COMPETÊNCIA. MOMENTO DA PROPOSITURA DA AÇÃO. ART. 87 DO CPC. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REQUISITOS. ART. 273 DO CPC. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. I - A matéria inserta no art. 17 da Lei Orgânica de Saúde carece do necessário prequestionamento, não tendo sido apreciada pelo Tribunal a quo, nem explícita nem implicitamente. Não tendo o recorrente oposto embargos declaratórios buscando declaração acerca da referida matéria, incidem na hipótese, as Súmulas n.ºs 282 e 356, do STF. II - É inviável a configuração da divergência jurisprudencial quando os acórdãos paradigmas colacionados são do mesmo Tribunal em que foi proferido o acórdão recorrido. Súmula nº 13/STJ. III - É da competência solidária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a responsabilidade pela prestação do serviço de saúde à população, sendo o Sistema Único de Saúde composto pelos referidos entes, conforme pode se depreender do disposto nos arts. 196 e 198, § 1º, da Constituição Federal. IV - A jurisprudência desta Corte encontra-se pacificada no sentido de que a competência é fixada no momento da propositura da ação, sendo que, ainda que o réu mude de domicílio, não há o deslocamento da competência, ex vi do teor do art. 87 do CPC. V - Na hipótese presente, a análise dos requisitos legais previstos no art. 273 do CPC conduz ao reexame dos fundamentos do conjunto fático-probatório contidos no decisum atacado, incidindo, na espécie, a Súmula n° 07 deste Tribunal. VI - Recurso especial parcialmente provido, para determinar a inclusão do Estado do Rio Grande do Sul no pólo passivo da demanda."
No mais devolvido, encontra-se consolidada a jurisprudência, firme no sentido da prevalência da garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde deve prover os meios para fornecimento de medicamento e tratamento que sejam necessários, segundo prescrição médica, a pacientes sem condições financeiras de custeio pessoal ou familiar, sem o que se afasta o Estado da sua concepção de tutela social, reconhecida e declarada pela Constituição de 1988.
A propósito, os seguintes precedentes:
ROMS Nº 11129, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, DJU de 18.02.02, p. 279: "CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO (INTERFERON BETA). PORTADORES DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. DEVER DO ESTADO. DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E À SAÚDE (CF, ARTS. 6º E 189). PRECEDENTES DO STJ E STF. 1 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos o direito fundamental à saúde constitucionalmente previsto. 2 - Eventual ausência do cumprimento de formalidade burocrática não pode obstaculizar o fornecimento de medicação indispensável à cura e/ou a minorar o sofrimento de portadores de moléstia grave que, além disso, não dispõem dos meios necessários ao custeio do tratamento. 3 - Entendimento consagrado nesta corte na esteira de orientação do egrégio STF. 4 - Recurso ordinário conhecido e provido."
AGRSTA n° 83, Rel. Min. EDSON VIDGAL, DJU de 06.12.04, p. 172: "PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO GRATUITA. DEVER DO ESTADO. AGRAVO REGIMENTAL. 1. Consoante expressa determinação constitucional, é dever do Estado garantir, mediante a implantação de políticas sociais e econômicas, o acesso universal e igualitário à saúde, bem como os serviços e medidas necessários à sua promoção, proteção e recuperação (CF/88, art. 196). 2. O não preenchimento de mera formalidade - no caso, inclusão de medicamento em lista prévia - não pode, por si só, obstaculizar o fornecimento gratuito de medicação a portador de moléstia gravíssima, se comprovada a respectiva necessidade e receitada, aquela, por médico para tanto capacitado. Precedentes desta Corte. 3. Concedida tutela antecipada no sentido de, considerando a gravidade da doença enfocada, impor, ao Estado, apenas o cumprimento de obrigação que a própria Constituição Federal lhe reserva, não se evidencia plausível a alegação de que o cumprimento da decisão poderia inviabilizar a execução dos serviços públicos. 4. Agravo Regimental não provido."
RESP n° 658323, Rel. Min. LUIZ FUX, DJU de 21.03.05, p. 272: "RECURSO ESPECIAL. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO . PACIENTE COM HEPATITE C. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. UNIÃO. LEGITIMIDADE. 1. Ação objetivando a condenação da entidade pública ao fornecimento gratuito dos medicamento s necessários ao tratamento de Hepatite C. 2. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. 3. Configurada a necessidade do recorrente de ver atendida a sua pretensão posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado. 4. A União é parte legítima para figurar no pólo passivo nas demandas cuja pretensão é o fornecimento de medicamento s imprescindíveis à saúde de pessoa carente. 5. Recurso especial desprovido."
Assim igualmente decidiu a Turma, em acórdão de que fui relator (AC n° 2002.61.00.011417-8, julgado em 15.03.06):
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO S. DIREITO INDIVIDUAL E SOCIAL À VIDA E À SAÚDE. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. SOBREPRINCÍPIO DA ORDEM CONSTITUCIONAL. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E NECESSIDADE DE MEDICAMENTO S PARA TRATAMENTO DE PATOLOGIA GRAVE. SÍNDROME DA IMUNO-DEFICIÊNCIA ADQUIRIDA - AIDS. RISCO À SAÚDE E À VIDA. VIREAD. PROJETO RENAGEM. COMPROVAÇÃO DA INEFICIÊNCIA DE MEDICAMENTO S FORNECIDOS PELO SUS. IMPRESCINDIBILIDADE DA NOVA DROGA. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA E COMPROVAÇÃO MÉDICA DA EFICIÊNCIA DO NOVO TRATAMENTO. IMPERATIVO CONSTITUCIONAL E LEGAL. 1. Tem relevância e fundamento constitucional a pretensão deduzida, pois afirmou e consagrou o constituinte como fundamental o direito à saúde, atribuindo ao Poder Público a obrigação de promover políticas públicas específicas, e conferindo ao economicamente hipossuficiente a especial prerrogativa de reivindicar do Estado a garantia de acesso, universal e gratuito, a todos os tratamentos disponíveis, preventivos ou curativos, inclusive com o fornecimento de medicamento s necessários à preservação do bem constitucional. 2. A Constituição de 1988, ao instituir o sistema único de saúde, erigiu à condição de princípio o atendimento integral (artigo 198, II), concretizando o compromisso pleno e eficaz do Estado com a promoção da saúde, em todos os seus aspectos, mediante a garantia de acesso a hospitais, tecnologias, tratamentos, equipamentos, terapias, e medicamento s, e o que mais necessário à tutela do direito fundamental. 3. A compreensão do direito, assim construído em consagração ao princípio da dignidade da pessoa humana, permite rejeitar os fundamentos de ordem econômica que, com freqüência, são deduzidos pelo Poder Público. Neste sentido, cabe salientar que o que se tem como preponderante, acima do interesse econômico, orçamentário e administrativo do ente público onerado, foi, por opção inequívoca e legítima do constituinte, o direito individual e social à saúde, especialmente em relação aos economicamente hipossuficientes que para controle e tratamento de doença grave necessitam, como condição de sobrevivência com dignidade, de medicamento s especiais, de custo além de suas posses, e não fornecidos, voluntária e gratuitamente, pelo Poder Público. 4. Os princípios invocados pelo Poder Público, inseridos no plano da legalidade, discricionariedade e economicidade de ações e custos, mesmo como emanações do princípio da separação dos Poderes, não podem prevalecer sobre valores como vida, dignidade da pessoa humana, proteção e solidariedade social, bases e fundamentos de nossa civilização. Nem mesmo o requisito formal da licitação, cuja legislação conhece hipóteses de dispensa e inexigibilidade, pode impor-se em circunstâncias tão especiais, de perigo de vida ou à saúde, o que, por evidente, não autoriza que, com tal pretexto, sejam praticadas arbitrariedades, desvios de poder e de finalidade. 5. Caso em que comprovado que o vírus, causador da doença de que sofre o autor, revelou-se resistente a todos os medicamento s disponibilizados pela rede pública de saúde, tendo o demandante, diante do agravamento sucessivo e constante de seu quadro, participado do Projeto Renagem (Rede Nacional de Genotipagem), resultando na conclusão de que o VIREAD (Tenofovir Disoproxil Fumarate) é o medicamento mais eficiente no combate da moléstia. Cabe destacar que, depois de antecipada a tutela, constatou-se, por meio de declaração médica, que, de fato, o VIREAD vem atuando com eficiência no tratamento da doença do autor, com aumento da resistência imunológica do seu organismo e significativa redução da carga viral, tudo a indicar a necessidade de continuidade no tratamento. 6. A relevância do medicamento no tratamento do autor encontra-se comprovada e, considerando que o artigo 1º da Lei nº 9.313/96 dispõe que toda a medicação necessária ao tratamento será fornecida gratuitamente pelo SUS, não se revela legítima a omissão do Poder Público que, por dispor da atribuição legal de padronizar os medicamento s (§ 1º), não fica eximido, porém, de fornecer outros, em casos específicos e devidamente comprovados como necessários ao tratamento individual de cada paciente. E, na espécie, embora essencial, não existe fornecimento público e gratuito de tal medicamento pelo SUS, e nem possui o autor, economicamente hipossuficiente, meios de aquisição própria para o tratamento indispensável à garantia de sua saúde e vida, fatos e circunstâncias que geram para o Estado o dever de suprir a necessidade essencial, nos termos da jurisprudência afirmada nas diversas instâncias do Poder Judiciário, inclusive e sobretudo por esta Turma, à luz dos fundamentos imperativos da Constituição. 7. Precedentes."
Ante o exposto, com esteio no artigo 557 do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso."


Como se observa, o recurso da UNIÃO inicialmente discutiu sua ilegitimidade, por força de suas atribuições no SUS, porém tal proposição encontra-se firmemente vencida pela jurisprudência, que estabelece a responsabilidade solidária dos entes políticos pelo Sistema Único de Saúde, autorizando, pois, a discussão do direito fundamental diante de qualquer deles, daí porque não pode ser extinto o processo, sem resolução do mérito, frente à UNIÃO, principal gestora do sistema.


Não se trata, pois, de distinguir, internamente, as atribuições de cada um dos entes políticos dentro do SUS, para efeito de limitar o alcance da legitimidade passiva para ações de tal espécie, cabendo a todos e a qualquer um deles a responsabilidade pelo efetivo fornecimento de medicamento a hipossuficiente através da rede pública de saúde, daí porque a manifesta improcedência do pedido de reforma.


Por outro lado, a decisão agravada tem lastro em firme jurisprudência, que faz prevalecer a garantia de tutela à saúde do cidadão hipossuficiente sobre eventual custo financeiro imposto ao Poder Público, pois o Sistema Único de Saúde deve prover os meios para o fornecimento de medicamento e tratamento que sejam necessários, segundo prescrição médica, a pacientes sem condições financeiras de custeio pessoal ou familiar, sem o que se afasta o Estado da sua concepção de tutela social, reconhecida e declarada pela Constituição de 1988.


Cumpre ainda considerar, à luz da orientação consolidada, que é possível a antecipação de tutela no caso concreto, vez que presentes os seus requisitos legais, tendo em vista o princípio concernente à jurisdição preventiva, previsto na Constituição Federal e amplamente admitido pela jurisprudência.


Por fim, as demais alegações, devem ser, igualmente, afastadas, visto que em circunstâncias tão especiais, de perigo de vida ou à saúde, deve o Poder Público primar pelo direito subjetivo essencial, relacionado à dignidade da pessoa humana, previsto e tutelado constitucionalmente


Portanto, correta a decisão agravada que, dada a consolidação jurisprudencial, aplicou a orientação predominante, inclusive no âmbito desta 3ª Turma, nos termos do artigo 557 do Código de Processo Civil.


Ante o exposto, nego provimento ao agravo inominado.


CARLOS MUTA
Desembargador Federal


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Signatário (a): LUIS CARLOS HIROKI MUTA:039
Nº de Série do Certificado: 4435B3B1
Data e Hora: 12/08/2010 20:55:27