D.E. Publicado em 22/01/2021 |
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EMENTA
2. Materialidade e autoria comprovadas.
3. Demonstrada a finalidade comercial das munições apreendidas.
4. A acusação pleiteia que a incidência das frações de aumento da pena-base se dê, considerando, como base de cálculo, o intervalo existente entre as penas máximas e mínimas cominadas aos delitos.
5. Atribuir que a incidência da fração de aumento deva se dar tão somente sobre a diferença entra as penas máximas e mínimas, limitaria a atuação do magistrado à adoção de um critério puramente matemático, sem a observância das especificidades de cada situação, o que violaria o próprio princípio da individualização da pena. Neste sentido, o julgador possui discricionariedade para, diante do caso concreto, estabelecer o quantum da exasperação.
6. Redução da pena-base para um dos acusados. As circunstâncias do crime, considerada a nocividade e quantidade do tóxico apreendido, bem como os maus antecedentes, justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, contudo, em patamar inferior ao fixado pelo MM. Juiz a quo.
7. A condenação pela prática do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, com decisão transitada em julgado, trata-se de mau antecedente, devendo ser valorada negativamente.
8. Reconhecida a reincidência, tendo em vista o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
9. Compensada a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência para um dos acusados.
10. Afastada a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003. Ocorrência da novatio legis in mellius, visto que a norma posterior, mantendo a incriminação do fato, tornou menos gravosa a situação dos réus.
11. Reformado o regime de cumprimento de pena para o semiaberto, consoante o disposto no artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal.
12. Em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo. A medida revela-se conveniente, pois um dos acusados, valendo-se da habilitação, transportou considerável quantidade do produto, de forma que a restrição ao uso desse instrumento para o transporte mostra-se adequada.
13. Mantido o tempo de duração da interdição ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada.
14. Concessão dos benefícios da justiça gratuita para um dos acusados.
15. Recurso da Acusação e da defesa parcialmente providos.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso de ALCIDES FRANÇA GUSMÃO para reduzir as penas-bases fixadas para ambos os delitos e conceder-lhe os benefícios da Justiça Gratuita, bem como, acolher o pedido da Procuradoria Regional da República para, de ofício, afastar a incidência do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, reformando-se as penas do acusado para 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mantida a inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade; dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para anular parte da sentença para excluir o dispositivo "mantenho a absolvição sumária acerca do crime de descaminho no que toca aos dois réus (Alcides França Gusmão e Geraldo Carlos da Silva Pereira)" e reconhecer, para fins de maus antecedentes, a condenação do acusado Geraldo quanto à prática do delito previsto no artigo 29 da Lei nº 11.343/2006 e negar provimento ao recurso de GERALDO CARLOS DA SILVA PEREIRA, proceder, de ofício, à compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência, e acolher o pedido da Procuradoria Regional da República para afastar a incidência do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, reformando-se as penas do acusado Geraldo para 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
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VOTO-VISTA
Desembargador Federal Paulo Fontes: Inicialmente, ressalto a estima e a admiração que nutro pelo Eminente Relator deste feito, Des. Fed. André Nekatschalow.
Pedi vista dos autos para melhor análise dos fatos.
Trata-se de apelações criminais interpostas por ALCIDES FRANÇA GUSMÃO, GERALDO CARLOS DA SILVA PEREIRA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face da sentença de fls. 737/745 v. e fls. 793, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Lins/SP.
O acusado ALCIDES FRANÇA GUSMÃO foi absolvido pela prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, e condenado pela prática dos crimes previstos no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 e artigo 18 c.c. o artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, na forma do artigo 70, caput, segunda parte, à pena de 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 43 (quarenta e três) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como à inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo da pena privativa de liberdade
O acusado GERALDO CARLOS DA SILVA PEREIRA foi absolvido pela prática do crime previsto no artigo 288 do Código Penal, e condenado pela prática dos crimes previstos no artigo 56 da Lei nº 9.605/98 e artigo 18 c.c. o artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, na forma do artigo 70, caput, segunda parte, à pena de 09 (nove) anos e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Em sede de razões recursais, a defesa de Alcides (fls. 757/769) requereu a absolvição do acusado quanto à prática de ambos os delitos, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pleiteou, quanto ao delito previsto no artigo 56 da Lei nº 9.605/98: a) redução da fração de aumento da pena-base para 1/8 (um oitavo); b) incidência da agravante da reincidência na proporção de 1/8 (um oitavo). E, quanto ao delito previsto no artigo 288 do Código Penal: a) redução da fração de aumento da pena-base para 1/8 (um oitavo) para cada circunstância desabonadora; b) incidência da agravante da reincidência na proporção de 1/8 (um oitavo). Requereu ainda a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita.
Também apelou a defesa de Geraldo (fls. 779/783), requerendo a absolvição do acusado, por ambos os crimes.
Ainda, apelou a acusação (fls. 803/826), pleiteando: a) a anulação da parte da sentença que, novamente, absolveu os acusados quanto ao delito de descaminho, visto que a matéria é objeto da Apelação Criminal nº 001602-16.2019.4.03.9999; b) que a incidência das frações de aumento da pena-base se dê, considerando como base de cálculo, o intervalo existente entre as penas máximas e mínimas cominadas aos delitos; c) seja considerada, quanto ao acusado Geraldo, para fins de maus antecedentes, a condenação pelo porte de droga para consumo pessoal; d) para o acusado Alcides, incida a agravante prevista no artigo 62, I, do Código Penal; e) a inabilitação de Alcides para dirigir veículo automotor perdure até a reabilitação.
A Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Adriana Scordamaglia Fernandes, manifestou-se pelo parcial provimento dos recursos da acusação e de Alcides França Gusmão, desprovimento do recurso de Geraldo Carlos da Silva Pereira e para que, de ofício, seja excluída a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003 para ambos os acusados (fls. 936/948 v.).
O voto do E. Relator foi no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para anular parte da sentença tão somente para excluir do dispositivo o trecho "mantenho a absolvição sumária acerca do crime de descaminho no que toca aos dois réus (Alcides França Gusmão e Geraldo Carlos da Silva Pereira)" e reconhecer a condenação definitiva de Geraldo Carlos da Silva Pereira pela prática do crime de porte de droga para consumo pessoal previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/06, na Ação Penal n. 0052682-26.2011.8.13.0351, como mau antecedente; DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de Alcides França Gusmão para conceder-lhe o benefício da gratuidade da Justiça e acolher os pedidos da defesa e da Procuradoria Regional da República para, DE OFÍCIO, excluir o aumento decorrente do art. 19 da Lei n. 10.826/2003, resultando a pena total do réu em 8 (oito) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 35 (trinta e cinco) dias-multa, pela prática dos crimes do art. 56 da Lei nº 9.605/1998 e do art. 18 da Lei nº 10.826/2003; NEGAR PROVIMENTO à apelação de Geraldo Carlos da Silva Pereira, acolher o pedido da Procuradoria Regional da República para, DE OFÍCIO, excluir o aumento decorrente do art. 19 da Lei n. 10.826/03 e, DE OFÍCIO, proceder à compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência, resultando a pena total do réu em 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão, regime inicial fechado, e 28 (vinte e oito) dias-multa pela prática dos crimes do art. 56 da Lei nº 9.605/98 e do art. 18 da Lei nº 10.826/03.
Após detida análise dos autos, verifico que, quanto à comprovação da materialidade e autoria do delito, bem como quanto à nulidade suscitada na sentença, acompanho integralmente o Relator.
Destaco, quanto às munições localizadas, que a transcrição das mensagens trocadas entre Alcides e terceiro indivíduo, identificado como "Lazaro", demonstram a finalidade comercial das munições (fls. 458/458v.), caracterizando, portanto, o delito do artigo 18 da Lei 10.826/2003.
Contudo, ouso divergir do E. Relator no tocante à dosimetria da pena.
Alcides França Gusmão
A pena do acusado restou fixada, na r. sentença, em 12 (doze) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 43 (quarenta e três) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, bem como à inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo da pena privativa de liberdade.
Do delito do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998
Pelo crime previsto no artigo 56 da Lei nº 9.605/98, o acusado Alcides foi condenado à pena de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 18 (dezoito) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
A defesa pleiteou a redução da fração de aumento da pena-base para 1/8 (um oitavo).
Neste ponto, discordo do E. Relator e entendo que o apelo defensivo comporte parcial provimento.
O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, com a seguinte fundamentação:
De fato, as circunstâncias do crime, considerada a nocividade e quantidade do tóxico apreendido, bem como os maus antecedentes do acusado, justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, contudo, em patamar inferior ao fixado pelo MM. Juiz a quo.
No presente caso, reputo adequada e suficiente a fixação da fração de aumento em 1/6 (um sexto) para cada circunstância judicial valorada negativamente (circunstâncias do crime e maus antecedentes), portanto, com a exasperação da pena-base à fração de 1/3 (um terço), fixando-se a pena-base em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
A acusação pleiteia que a incidência das frações de aumento da pena-base se dê, considerando, como base de cálculo, o intervalo existente entre as penas máximas e mínimas cominadas aos delitos.
Há que se observar que o Código Penal não atribui peso a nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 59, sendo possível concluir que, cada uma delas, se valoradas negativamente, representa fundamento para a exasperação da pena-base.
Com efeito, o julgador possui discricionariedade para, diante do caso concreto, estabelecer o quantum da exasperação.
Atribuir que a incidência da fração de aumento deva se dar tão somente sobre a diferença entra as penas máximas e mínimas, limitaria a atuação do magistrado à adoção de um critério puramente matemático, sem a observância das especificidades de cada situação, o que violaria o próprio princípio da individualização da pena.
Na segunda-fase da dosimetria da pena, incidiu de forma correta a agravante da reincidência prevista no artigo 61, I, do Código Penal, visto que restou comprovado que o acusado é reincidente, com trânsito em julgado da sentença penal condenatória proferida nos autos nº 5009872-48.2014.4.04.7005 TJ/PR, conforme se verifica às fls. 556 v., devendo ser mantida a fração de aumento no patamar de 1/6 (um sexto), em consonância com o que esta corte tem aplicado em casos semelhantes.
Como bem apontado pelo E. Relator, não restou plenamente comprovado nos autos que Alcides assumiu posição de liderança na empreitada criminosa.
Assim, resta a reprimenda intermediária fixada em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
Na terceira fase, sem causas de aumento ou diminuição de pena, resta a pena definitivamente fixada em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa para o delito do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998.
Do delito do artigo 18 da Lei nº 10.826/2003
Pelo crime previsto no artigo 18 da Lei nº 10.826/2003, o acusado Alcides foi condenado à pena de 10 (dez) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
A defesa pleiteia a redução da fração de aumento da pena-base para 1/8 (um oitavo) para cada circunstância desabonadora.
Entendo que o apelo defensivo comporte parcial provimento.
O MM. Juiz a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 06 (seis) anos de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, com a seguinte fundamentação:
Como bem apontado pelo Magistrado de 1º grau, os maus antecedentes do acusado e a quantidade de munição apreendida devem ser valorados negativamente, para fins de exasperação da pena-base.
Contudo, divirjo do MM. Juiz a quo e do E. Relator quanto ao patamar da fração de aumento, entendendo suficiente a exasperação em 1/6 para cada circunstância judicial valorada.
Deste modo, pesando contra o acusado duas circunstâncias judiciais desfavoráveis (maus antecedentes e quantidade de munição apreendida), reputo adequada a exasperação da pena-base à fração total de 1/3 (um terço), fixando-se a pena base em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
Na segunda-fase da dosimetria da pena, conforme já explicitado, incidiu de forma correta a agravante da reincidência prevista no artigo 61, I, do Código Penal, visto que restou comprovado que o acusado é reincidente, com trânsito em julgado de sentença penal condenatória, devendo ser mantida a fração de aumento no patamar de 1/6 (um sexto), em consonância com o que esta corte tem aplicado em casos semelhantes.
Não restou comprovado nos autos que Alcides tenha assumido posição de liderança na empreitada criminosa.
Deste modo, resta a reprimenda intermediária fixada em 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
Na terceira fase, sem causas de diminuição e pena.
Ainda, como bem apontado pelo E. Relator, deve ser afastada a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003.
A publicação do Decreto nº 9.847 de 25 de junho de 2019 trouxe nova regulamentação ao Estatuto do Desarmamento, tornando de uso permitido armamento com potência que, anteriormente ao Decreto nº 9.785/2019 (revogado), era tido como de uso restrito, ocorrendo, portanto, no caso dos presentes autos, a novatio legis in mellius, tendo em vista que a norma posterior, mantendo a incriminação do fato, tornou menos gravosa a situação do réu.
Assim, resta a pena definitivamente fixada em 06 (seis) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 15 (quinze) dias-multa para o delito do art. 18 da Lei nº 10.826/2003.
Caracterizado o concurso formal impróprio, a soma das penas implica no total de 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e pagamento de 30 (trinta) dias-multa.
Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Altero o regime de cumprimento inicial de pena para o semiaberto, consoante o disposto no artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal.
Não cumpridos os requisitos objetivos do artigo 44 do Código Penal, incabível a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Da pena de inabilitação para dirigir veículo automotor.
No caso, restou demonstrado que o acusado se utilizou do veículo GM/Vectra GLS 1995/1996, cor branca, placas LYV 3440, para o transporte do agrotóxico.
Assim, em razão da prática de crime doloso mediante a utilização de veículo automotor pelo acusado, é cabível a aplicação do efeito da condenação previsto no artigo 92, III, do Código Penal, consistente na inabilitação para dirigir veículo.
A medida revela-se conveniente, pois o recorrido, valendo-se da habilitação, transportou considerável quantidade do produto, de forma que a restrição ao uso desse instrumento para o transporte mostra-se adequada.
Tal imposição possui a finalidade de dificultar a reincidência na prática delituosa, enquanto durarem os efeitos da condenação, tendo natureza preventiva e punitiva. Ainda que não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento.
No que diz respeito ao tempo de duração da interdição, diversamente do requerido pela acusação, deve ser limitado ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada, haja vista que o Código Penal não prevê expressamente o tempo de duração de tal efeito da condenação.
A esse respeito colaciono os seguintes julgados:
Geraldo Carlos da Silva Pereira
A pena do acusado restou fixada em 09 (nove) anos e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Do delito do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998
Pelo crime previsto no artigo 56 da Lei nº 9.605/98, o acusado Geraldo foi condenado à pena de 01 (um) ano, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
O Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, com a seguinte fundamentação:
Como bem apontado pelo E. Relator, o réu possui maus antecedentes, uma vez que ostenta uma condenação pela prática do crime de porte de substância entorpecente para consumo próprio, prevista no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, com decisão transitada em julgado em setembro de 2012 (fls. 494).
Deste modo, as circunstâncias do crime, considerada a nocividade e quantidade do tóxico apreendido, bem como os maus antecedentes do acusado, justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, contudo, em patamar inferior ao fixado pelo E. Relator.
No presente caso, reputo adequada e suficiente a fixação da fração de aumento em 1/6 (um sexto) para cada circunstância judicial valorada negativamente, quais sejam, circunstâncias do crime (quantidade e toxidade da substância) e maus antecedentes, portanto, com a exasperação da pena-base à fração total de 1/3 (um terço), mantendo-a no mesmo patamar fixado na r.sentença, em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
A acusação pleiteia que a incidência das frações de aumento da pena-base se dê, considerando, como base de cálculo, o intervalo existente entre as penas máximas e mínimas cominadas aos delitos.
Há que se observar que o Código Penal não atribui peso a nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 59, sendo possível concluir que, cada uma delas, se valoradas negativamente, representa fundamento para a exasperação da pena-base.
Com efeito, o julgador possui discricionariedade para, diante do caso concreto, estabelecer o quantum da exasperação.
Atribuir que a incidência da fração de aumento deva se dar tão somente sobre a diferença entra as penas máximas e mínimas, limitaria a atuação do magistrado à adoção de um critério puramente matemático, sem a observância das especificidades de cada situação, o que violaria o próprio princípio da individualização da pena.
Na segunda-fase da dosimetria da pena, reconhecida a atenuante da confissão espontânea, assim como a agravante da reincidência, tendo em vista o trânsito em julgado da sentença penal condenatória proferida nos autos nº 0039824-55.2014.8.13.0351 TJ/MG, conforme se verifica às fls. 375/382, acompanho o entendimento do E. Relator, no sentido de admitir a compensação entre a agravante e a atenuante mencionadas.
Na terceira fase, sem causas de aumento ou diminuição de pena, torno a pena-base em definitiva, fixando a reprimenda em 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa para o delito do artigo 56 da Lei nº 9.605/1998.
Do delito do artigo 18 da Lei º. 10.826/2003
Pelo crime previsto no artigo 18 da Lei n. 10.826/2003, o acusado Geraldo foi condenado à pena de 07 (sete) anos e 07 (sete) meses de reclusão, e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
O MM. Juiz a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, com a seguinte fundamentação:
Como explicitado anteriormente, o réu possui maus antecedentes, uma vez que ostenta uma condenação pela prática do crime previsto no artigo 28 da Lei nº 11.343/2006, também foi apreendida grande quantidade de munição, circunstâncias estas que devem ser valoradas negativamente para fins de exasperação da pena-base.
Assim, acompanho o entendimento do E. Relator pela exasperação em 1/6 para cada circunstância judicial valorada.
Deste modo, pesando contra o acusado duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, portanto exasperada da pena-base à fração total de 1/3 (um terço), resta a pena base fixada em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
Na segunda-fase da dosimetria da pena, reconhecida a atenuante da confissão e a agravante da reincidência, conforme já explicitado, procedo à compensação das mesmas.
Na terceira fase, sem causas de diminuição de pena.
Ainda, como bem apontado pelo E. Relator, deve ser afastada a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei nº 10.826/2003.
A publicação do Decreto nº 9.847 de 25 de junho de 2019 trouxe nova regulamentação ao Estatuto do Desarmamento, tornando de uso permitido armamento com potência que, anteriormente ao Decreto nº 9.785/2019 (revogado), era tido como de uso restrito, ocorrendo, portanto, no caso dos presentes autos, a novatio legis in mellius, tendo em vista que a norma posterior, mantendo a incriminação do fato, tornou menos gravosa a situação do réu.
Assim, torno a pena-base em definitiva, fixando-se a reprimenda em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, e pagamento de 13 (treze) dias-multa para o delito do art. 18 da Lei nº 10.826/2003.
Caracterizado o concurso formal impróprio, a soma das penas implica no total de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa.
Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Altero o regime de cumprimento inicial de pena para o semiaberto, consoante o disposto no artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal.
Não cumpridos os requisitos objetivos do artigo 44 do Código Penal, incabível a substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Do pedido de Assistência Jurídica Gratuita. Acompanho integralmente o E. Relator pela concessão dos benefícios da justiça gratuita a Alcides França Gusmão, observado o disposto nos § 2º e § 3º do artigo 98 do novo Código de Processo Civil.
Ante o exposto, divirjo em parte do voto do E. Relator para dar parcial provimento ao recurso de ALCIDES FRANÇA GUSMÃO para reduzir as penas-bases fixadas para ambos os delitos e conceder-lhe os benefícios da Justiça Gratuita, bem como, acolher o pedido da Procuradoria Regional da República para, de ofício, afastar a incidência do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, reformando-se as penas do acusado para 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 30 (trinta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mantida a inabilitação para dirigir veículo automotor pelo tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade; dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para anular parte da sentença para excluir o dispositivo "mantenho a absolvição sumária acerca do crime de descaminho no que toca aos dois réus (Alcides França Gusmão e Geraldo Carlos da Silva Pereira)" e reconhecer, para fins de maus antecedentes, a condenação do acusado Geraldo quanto à prática do delito previsto no artigo 29 da Lei nº 11.343/2006; negar provimento ao recurso de GERALDO CARLOS DA SILVA PEREIRA, proceder, de ofício, à compensação da atenuante da confissão com a agravante da reincidência, e acolher o pedido da Procuradoria Regional da República para afastar a incidência do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, reformando-se as penas do acusado Geraldo para 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas contra a sentença de fls. 737/745v. e 793, que julgou parcialmente procedente a ação penal, nos seguintes termos:
Apela Alcides França Gusmão, em síntese, com os seguintes argumentos:
Apela Geraldo Carlos da Silva Pereira, em síntese, com os seguintes argumentos:
Apela o Ministério Público Federal, em síntese, com os seguintes argumentos:
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 834/845).
Alcides França Gusmão apresentou contrarrazões (fls. 852/857).
O Ministério Público Federal juntou precedentes jurisprudenciais aos autos (fls. 858/931v.).
Geraldo Carlos da Silva Pereira apresentou contrarrazões (fls. 932/935).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Adriana Scordamaglia, manifestou-se pelo parcial provimento da apelação ministerial, parcial provimento da apelação de Alcides França Gusmão, desprovimento da apelação de Geraldo Carlos da Silva Pereira e "exclusão, de ofício, da causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei n.º 10.826/03, na terceira fase da dosimetria de ambos os réus, tendo em vista a ocorrência de novatio legis in mellius, adequando-se tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa" (fl. 948v.) (fls. 936/948v.).
Alcides França Gusmão apresentou petição, requerendo seja afastado o aumento de pena decorrente do art. 19 da Lei n. 10.826/03, com fundamento no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal, em razão de novatio legis in mellius, pois, a partir do Decreto n. 9.847/19, de 25.06.19, da Presidência da República e da Portaria n. 1.222, de 12.08.19, do Comandante do Exército, as munições apreendidas passaram a ser consideradas de uso permitido (fls. 950/982).
Tendo em vista a manifestação da Procuradoria Regional da República e da defesa de Alcides França Gusmão acerca da nova classificação das armas de fogo e munições, o julgamento foi convertido em diligência para elaboração de laudo pericial complementar (fl. 984).
Foi juntado aos autos o laudo pericial complementar (fl. 993/993v.)
Encaminhem-se os autos à revisão.
É o relatório.
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VOTO
Imputação. Alcides França Gusmão, Geraldo Carlos da Silva Pereira (Geraldin Janaúba) e Maria Orizete Rodrigues Malheiros (Ori) foram denunciados pela prática do crime de associação criminosa (CP, art. 288). Alcides França Gusmão e Geraldo Carlos da Silva Pereira (Geraldin Janaúba) também foram denunciados por descaminho (CP, art. 334, caput), importação de agrotóxico (Lei n. 9.605/98, art. 56, caput) e tráfico internacional de munição de uso restrito (Lei n. 10.826/06, art. 18 c. c. art. 19), tendo Alcides exercido liderança sobre Geraldo na prática desses delitos.
Segundo consta, em data incerta e até 14.07.18, os denunciados se associaram de forma estável para o fim específico de cometer crimes de descaminho e tráfico internacional de armas, munições e agrotóxicos. Alcides dirigia as atividades de Geraldo, residente em Cascavel, onde mantém entreposto de mercadorias que são importadas da Ciudad del Este, Paraguai. Ori, por sua vez, transportava as mercadorias na fronteira do Paraguai para o Brasil e levava até Cascavel.
Narra a denúncia que, no dia 14.07.18, no km 267 da rodovia SP-333, zona rural de Guarantã (SP), uma equipe de Policiais Militares deu ordem de parada ao veículo GM Vectra, placas LYV 3440, que estava nitidamente rebaixado. O veículo era conduzido por Alcides, que estava acompanhado de Geraldo. Havia 180 kg (cento e oitenta quilogramas) de brinquedos no veículo, sem nota fiscal, somando R$ 16.596,00 (dezesseis mil e quinhentos e noventa e seis reais), cuja estimativa de sonegação de impostos alcançou R$ 8.049,06 (oito mil, quarenta e nove reais e seis centavos); 130 kg (cento e trinta quilogramas) do agrotóxico Derlis, inseticida da classe Benzoato 10 Agro Plus, contendo a substância Benzoato de Emamectina, extremamente tóxica à saúde humana e sem registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cuja importação é proibida.
Além disso, sob as roupas de Geraldo, havia 9 (nove) caixas de munições, contendo 150 cartuchos de munição calibre 9mm Lugger, de uso restrito, 100 cartuchos de munição calibre .38 SPL e 200 cartuchos de munição calibre .380 auto, de uso permitido.
Descreve a denúncia que, no dia 09.07.18, Alcides havia recebido a encomenda de 170 kg (cento e setenta quilogramas) de brinquedos de Claiton Garapava, a serem entregues em Ribeirão Preto (SP). Considerando a grande quantidade de mercadorias que seriam importadas, no dia 10.07.18, Alcides adquiriu o veículo GM Vectra, placas LYV 3440, por R$ 6.000,00 (seis mil reais). Os agrotóxicos e as munições foram adquiridos por Alcides, no Paraguai, para outros clientes. No dia 13.07.18, em cumprimento a ordem de Alcides, Geraldo embarcou em ônibus na rodoviária de Cascavel e foi até a Ciudad del Este para encontrar Alcides, tendo com ele retornado ao Brasil no veículo Vectra. (fls. 508/512)
Do processo. O processo foi desmembrado em relação a Maria Orizete Rodrigues Malheiros (Ori), tendo sido proposta a suspensão condicional do processo à acusada (cfr. fls. 505/505v. e 513v.).
Absolvição sumária. Dispositivo da sentença. Nulidade. Alcides e Geraldo foram absolvidos sumariamente quanto ao delito de descaminho (fls. 586/587). O Ministério Público Federal recorreu dessa decisão (fls. 606/610), tratando-se de matéria objeto da Apelação Criminal n. 0001602-16.2019.4.03.9999, que foi provida pela 5ª Turma do TRF da 3ª Região, à unanimidade, na sessão de julgamento do dia 12.08.19, para determinar o prosseguimento da ação penal, com trânsito em julgado para as partes em 12.09.19 e remessa à Vara de origem em 30.09.19, conforme informações do sistema informatizado de consulta processual desta Corte.
Desse modo, a instrução processual penal para apuração do delito de descaminho em relação aos corréus tem prosseguimento em autos apartados - Processo n. 0000112-84.2019.4.03.6142, enquanto a presente apelação tem por objeto apenas os delitos de importação de agrotóxicos e tráfico internacional de munições.
Na sentença, o Juízo de 1º grau explicitou fundamentação no sentido de manter a absolvição sumária quanto ao crime de descaminho, conforme previamente decidido e impugnado pelo Ministério Público Federal por meio de recurso.
Apela o Parquet, requerendo a nulidade desse capítulo da sentença, justamente porque não caberia ao Juízo novamente decidir sobre a absolvição sumária.
Assiste razão ao órgão ministerial.
A despeito da clareza na fundamentação sentença, que novamente explicitou a argumentação relativa à absolvição sumária quanto ao descaminho e consignou que já a havia feito (cfr. fl. 740), seu dispositivo refere, expressamente, a manutenção da "absolvição sumária acerca do crime de descaminho no que toca aos dois réus (Alcides França Gusmão e Geraldo Carlos da Silva Pereira) (fl. 745).
Tendo em vista que o dispositivo é elemento essencial da sentença e a reiteração da decisão acerca da absolvição sumária pode ensejar ambiguidade sobre a solução jurídica dada ao caso, uma vez que, em verdade, a absolvição sumária foi afastada pelo TRF da 3ª Região, que determinou o prosseguimento da ação penal contra os corréus Alcides e Geraldo pela prática do crime de descaminho, resta demonstrado prejuízo à acusação, ensejando a declaração de nulidade tão somente para excluir do dispositivo da sentença o quanto segue:
Materialidade. Está satisfatoriamente comprovada a materialidade delitiva, conforme decorre dos seguintes elementos de convicção:
Autoria. Em apelação, pugnam Geraldo e Alcides pela absolvição.
Sem razão.
Em Juízo, a testemunha de acusação Geovano dal Medico, Policial Militar, disse que os réus transportavam brinquedos, agrotóxicos e munições diversas, inclusive, de calibres restritos, todos oriundos do Paraguai. Afirmou ter abordado o veículo Vectra, que estava rebaixado e era conduzido por Alcides, com o passageiro Geraldo. Disse que logo viram que o veículo estava repleto de brinquedos e agrotóxicos, enquanto as munições estavam sob as roupas de Geraldo. Indagado sobre quais direitos constitucionais os réus foram esclarecidos quando da abordagem, disse que foram informados sobre a prisão em flagrante, direito de ficar calado, assistência da família e do advogado, condução imediata à Polícia Federal. Confirmou que a versão do boletim de ocorrência foi fornecida depois da informação ao direito ao silêncio (mídia à fl. 667).
Em Juízo, a testemunha de acusação Claudio Celso Prado Junior, Policial Militar, confirmou se recordar da prisão dos réus, que transportavam brinquedos e munições no veículo abordado. Afirmou que Alcides era condutor e Geraldo passageiro. Declarou que havia agrotóxicos embaixo de vários brinquedos e munições embaixo das vestes de Geraldo. Indagado sobre quais direitos constitucionais os réus foram esclarecidos quando da abordagem, confirmou terem sido avisados sobre o direito ao silêncio, sendo que a versão do registro de ocorrência foi dada por Alcides e Geraldo antes de terem sido informados do direito ao silêncio. Afirmou ter Geraldo dito que as munições pertenciam a Alcides (mídia à fl. 667).
Interrogado em Juízo, Geraldo Carlos da Silva Pereira disse que recebeu o veneno para trazer, bem como que o carro era seu, o qual comprou por R$ 6.000,00 (seis mil reais). Disse que um moço lhe deu R$ 3.000,00 (três mil reais) para trazer o veneno e deu-lhe também as caixas de munições, acreditando que seriam todas de calibre .38. Disse que viu que o carro tinha brinquedos, mas eram poucos. Declarou que sabia que transportava brinquedos, munições e agrotóxicos. Afirmou que eram de Alcides apenas os brinquedos, bem como que Alcides não sabia das armas. Esclareceu que as munições estavam em nove caixas pequenas. Confirmou ter dito aos policiais que as munições também eram de Alcides, mas, na verdade, não eram. Disse que teve a ideia de realizar a importação no hotel em Foz do Iguaçu. Declarou ter proposto para Alcides vir no seu carro, dirigindo, uma vez que sua carteira de motorista estava suspensa. Indagado sobre as mensagens do seu celular e do de Alcides, reiterou sua versão para os fatos até o momento em que afirmou que contaria a verdade. Narrou ter conhecido Alcides numa rebelião na Penitenciária de Cascavel e, desde então, haverem combinado comprar brinquedos, nada de armas ou agrotóxicos. Disse que o Cleiton, de Uberaba, fez uma proposta de veneno. Disse que precisava de dinheiro porque estava preso, então, comprou o veneno do Cleiton, tendo Alcides negociado o preço com Derlis. Disse que os brinquedos eram de Alcides, mas o carro era de ambos, fora comprado meio a meio. Declarou que a ideia era trabalhar só com brinquedos. Disse que Cleiton é seu amigo e essa foi a primeira compra de agrotóxico, tendo Alcides dito para não levar. Afirmou que Alcides comprou as nove caixas de munição, as quais acabou por guardar em suas roupas e sapatos. Afirmou que o veneno era para o Cleiton e as munições eram para o Alcides. Expressou arrependimento (mídia à fl. 668).
Interrogado em Juízo, Alcides França Gusmão confirmou ter ido ao Paraguai e haver adquirido os brinquedos apreendidos. Disse que não se associou a Maria Orizete, tendo se utilizado algumas vezes do serviço dela para atravessar produtos pela ponte em Foz do Iguaçu. Negou envolvimento com armas ou agrotóxicos. Declarou que já havia viajado com Geraldo em outras oportunidades, mas não terem realizado compras juntos. Afirmou que ambos se conheceram na prisão em Cascavel, mas não orientava Geraldo em nada. Disse que Geraldo o chamou para dirigir porque a habilitação dele estava vencida. Negou que os agrotóxicos fossem seus ou que soubesse das munições. Negou ter exercido qualquer liderança. Expressou arrependimento (mídia à fl. 668).
Os réus Geraldo e Alcides foram presos em flagrante no dia 14.07.18 quando transportavam, brinquedos, agrotóxicos e munições, todos oriundos do Paraguai, no veículo Vectra, placas LYV 3440. Os agrotóxicos estavam guardados embaixo dos brinquedos enquanto Geraldo levava as munições em suas vestes. O veículo era dirigido por Alcides e Geraldo era passageiro (cfr. fls. 2/17).
Interrogado, Geraldo confessou a prática dos crimes. A autoria resta indubitável ante sua confissão, a prisão em flagrante e os relatos das testemunhas.
Não se sustentam as alegações da defesa no sentido de não restar caracterizado o tráfico internacional de armas quando são internalizadas apenas munições no território nacional. O tipo penal do art. 18 da Lei n. 10.826/03 tipifica igualmente a importação tanto de arma de fogo quanto de acessório ou munição.
Interrogado, Alcides negou ter envolvimento com a importação de agrotóxicos ou munições. Contudo, a versão que apresentou para os fatos não tem amparo nos demais elementos de prova.
O corréu Geraldo declarou que atuara juntamente com Alcides para a importação dos agrotóxicos e das munições. As mensagens de whatsapp do aparelho celular de Alcides confirmam a aquisição dos produtos juntamente com Geraldo, uma vez que recebera encomenda de munições para espingarda, em conversa com o interlocutor identificado como "Lazaro", e tratou da negociação do "veneno" com "Derlis", conforme diálogos dos dias 9 e 10.07.18, que antecederam os fatos (cfr. fls. 458v. e 468v.).
A prisão em flagrante aliada à prova oral e documental dos autos torna certa a autoria delitiva.
Portanto, mantenho a condenação de Geraldo e Alcides pela prática dos crimes de importação de agrotóxico (Lei n. 9.605/98, art. 56, caput) e tráfico internacional de munição (Lei n. 10.826/06, art. 18).
Dosimetria. Alcides França Gusmão. Para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, o Juízo a quo ponderou de modo negativo a grande quantidade de agrotóxico (130 kg) (1/6) e sua nocividade (1/6), por se tratar de substância de extrema toxidade, além dos maus antecedentes do réu, em razão de condenações definitivas anteriores por receptação e violação de direitos autorais na Ação Penal n. 0027357-30.2011.8.13.0325 (1/6) e por contrabando na Ação Penal n. 5005351-16.2012.4.04.7010 (1/6), de modo que fixou a pena-base na fração de 2/3 (dois terços) acima do mínimo legal, somando 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.
Sem atenuantes, aplicou a agravante da reincidência, em razão da condenação definitiva na Ação Penal n. 5009872-48.2014.4.04.7005, com trânsito em julgado em 28.01.15 e cumprimento de pena em 26.06.16, para majorar a pena em 1/6 (um sexto), resultando em 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, a qual tornou definitiva, à míngua de causas de aumento ou de diminuição da pena.
Para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, o Juízo a quo ponderou de modo negativo os antecedentes do réu, em razão de condenações definitivas anteriores por receptação e violação de direitos autorais na Ação Penal n. 0027357-30.2011.8.13.0325 (1/6) e por contrabando na Ação Penal n. 5005351-16.2012.4.04.7010 (1/6), bem como a quantidade de munições (450 cartuchos) (1/6), majorando a pena-base na fração de 1/2 (metade), o que resultou em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.
Sem atenuantes, aplicou a agravante da reincidência, em razão da condenação definitiva na Ação Penal n. 5009872-48.2014.4.04.7005, com trânsito em julgado em 28.01.15 e cumprimento de pena em 26.06.16, para majorar a pena em 1/6 (um sexto), resultando em 7 (sete) anos de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.
Sem causas de diminuição, aplicou a causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.823/06, pois uma parte da munição era de uso restrito, aumentando a pena da 1/2 (metade), que resultou em 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 25 (vinte e cinco) dias-multa para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, tornada definitiva.
As penas foram somadas em razão do concurso formal impróprio, resultando na pena total de 12 (doze) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 43 (quarenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato (14.07.18).
Regime inicial fechado.
Denegada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Apela o réu Alcides para que a fração de aumento decorrente das circunstâncias judiciais e da reincidência seja reduzida a 1/8 (um oitavo).
Apela o Ministério Público Federal para que a fração de aumento da pena incida sobre o intervalo entre a pena mínima e a pena máxima e não sobre a pena mínima dos delitos, o que resultaria na fixação de pena mais gravosa para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98. Pugna pela incidência da agravante da liderança prevista no art. 62, I, do Código Penal em relação a Alcides.
Pugna a Procuradoria Regional da República pela exclusão, de ofício, da causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.826/03 da 3ª fase da dosimetria da pena para ambos os réus. A defesa de Alcides França Gusmão apresentou petição no mesmo sentido, uma vez que as munições apreendidas passaram a ser classificadas como de uso permitido.
Não prosperam as apelações do réu Alcides França Gusmão ou do Ministério Público Federal.
Contudo, de ofício, na 3ª fase da dosimetria do crime de tráfico internacional de munições, há que se excluir a causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.826/03. Conforme laudo pericial complementar - Laudo n. 006/2020 - UTEC/DPF/MII/SP - , as munições calibre 9mm Luger são classificadas como de uso permitido, nos termos do Decreto n. 10.030/19 e Portaria n. 1.222/19 do Exército Brasileiro (fl. 993v.).
Passo à análise da argumentação recursal e revisão das penas.
Na 1ª fase da dosimetria da pena, o Juízo de 1º grau, em atenção ao disposto no art. 59 do Código Penal, examinou as circunstâncias judiciais e, fundamentadamente, explicitou aquelas que considerou negativas e fixou a pena-base dos delitos acima do mínimo legal.
No tocante ao delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, a grande quantidade de agrotóxicos, sua toxidade extrema e os maus antecedentes de Alcides ensejaram o aumento na fração de 2/3 (dois terços), que incidiu sobre a pena mínima prevista em abstrato para o delito (1 ano).
No tocante ao delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, a grande quantidade de cartuchos apreendidos e os maus antecedentes de Alcides ensejaram o aumento na fração de 1/2 (metade), que incidiu sobre a pena mínima prevista em abstrato para o delito (4 anos).
O percentual de 2/3 (dois terços) para a importação de agrotóxicos e o percentual de 1/2 (metade) para o tráfico internacional de munições restou satisfatoriamente justificado à vista das circunstâncias judiciais negativas, não se mostrando adequada a redução para a fração de 1/8 (um oitavo), conforme pleiteia a defesa.
Por sua vez, a acusação pretende que a fração de 2/3 (dois terços) incida sobre o intervalo entre a pena mínima (1 ano) e a pena máxima (4 anos) previstas no preceito secundário do art. 56 da Lei n. 9.605/98, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. No caso do art. 18 da Lei n. 10.826/03, a acusação não tem interesse recursal, uma vez que a pena mínima (4 anos) equivale ao intervalo entre a pena mínima (4 anos) e a pena máxima (8 anos) previstas no preceito secundário da norma.
Embora não se despreze a orientação jurisprudencial que admite a fixação da pena-base a partir do intervalo entre a pena mínima e a pena máxima, não se trata de entendimento vinculante.
Ressalte-se que o Código Penal não estabelece critérios rígidos para o cálculo da dosimetria da pena, que se sujeita a certa discricionariedade judicial. É necessário, portanto, que a dosimetria da pena seja fundamentada em elementos concretos, atenda à razoabilidade e à proporcionalidade e seja estabelecida dentro dos parâmetros legais previamente fixados pelo legislador.
Na espécie, o cálculo da pena tem fundamentação idônea, mostra-se razoável e observa os parâmetros legais, não se verificando razões que determinem a realização de nova dosimetria com base no intervalo das penas mínima e máxima.
Nada há a reparar na pena-base dos delitos de importação de agrotóxicos e tráfico internacional de armas de fogo em relação ao corréu Alcides.
Para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, mantenho a pena-base na fração de 2/3 (dois terços) acima do mínimo legal, somando 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa.
Sem atenuantes. Mantenho a agravante da reincidência para majorar a pena em 1/6 (um sexto), fração que se mostra razoável e consonante com a orientação jurisprudencial do TRF da 3ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, somando a pena 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa.
Não incide a circunstância agravante do art. 62, I, do Código Penal em relação ao corréu Alcides. Não está satisfatoriamente demonstrado que Alcides tenha exercido liderança sobre os demais agentes. Dos interrogatórios, tem-se que Alcides e Geraldo atuavam juntos para adquirir brinquedos no Paraguai ou, segundo a versão de Alcides, apenas viajavam juntos. Ambos negam que Alcides exercesse liderança. Geraldo explicita que o veículo que Alcides conduzia no dia da prisão em flagrante fora adquirido por ambos, meio a meio. O contexto probatório evidencia a atuação conjunta de ambos, mas não tem elementos suficientes a demonstrar que Alcides dirigisse as atividades dos demais.
Sem causas de aumento ou diminuição, torno definitiva a pena de 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98.
Para o delito do 18 da Lei n. 10.826/03, mantenho a pena-base na fração de 1/2 (metade) acima do mínimo legal, resultando em 6 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa
Sem atenuantes, resta mantida a agravante da reincidência para majorar a pena em 1/6 (um sexto), fração que se mostra razoável e consonante com a orientação jurisprudencial do TRF da 3ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, somando a pena 7 (sete) anos de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa.
Não incide a agravante do art. 62, I, do Código Penal. Não está demonstrada a liderança de Alcides, conforme fundamentação supramencionada.
Sem causas de diminuição, de ofício, excluo o aumento decorrente do art. 19 da Lei n. 10.826/03, uma vez que as munições de calibre 9mm, conforme a atual regulamentação legal, classificam-se como de uso permitido.
Portanto, torno definitiva a pena de 7 (sete) anos de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03.
Somadas as penas em concurso formal impróprio, resulta o total de 8 (oito) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 35 (trinta e cinco) dias-multa.
Mantido o valor unitário mínimo legal para o dia-multa.
Regime inicial fechado.
Denegada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, por não restarem preenchidos os requisitos legais.
Dosimetria. Geraldo Carlos da Silva Pereira. Para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, o Juízo a quo ponderou de modo negativo a grande quantidade de agrotóxico (130 kg) (1/6) e sua nocividade (1/6), por se tratar de substância de extrema toxidade, de modo que fixou a pena-base na fração de 1/3 (um terço) acima do mínimo legal, somando 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Considerou que, apesar de o réu ter duas condenações criminais transitadas em julgado, uma por embriaguez ao volante e posse de medicamento sem registro sanitário e outra por porte de drogas para consumo pessoal, somente a primeira enseja majoração da pena em razão da reincidência, mas a segunda não pode ser considerada para fins de maus antecedentes:
Reconheceu a atenuante da confissão e a agravante da reincidência, em razão da condenação definitiva na Ação Penal n. 0039824-55.2014.8.13.0351, com trânsito em julgado em 03.10.17, para majorar a pena em 1/12 (um doze avos), resultando em 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, a qual tornou definitiva, à míngua de causas de aumento ou de diminuição da pena.
Para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, o Juízo a quo ponderou de modo negativo a quantidade de munições (450 cartuchos), majorando a pena-base na fração de 1/6 (um sexto), o que resultou em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Desprezou a condenação por porte de drogas para consumo pessoal para fins de antecedentes penais.
Reconheceu a atenuante da confissão e a agravante da reincidência, em razão da condenação definitiva na Ação Penal n. 0039824-55.2014.8.13.0351, com trânsito em julgado em 03.10.17, para majorar a pena em 1/12 (um doze avos), somando a pena 5 (cinco) anos e 20 (vinte) dias de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Sem causas de diminuição, aplicou a causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.823/06, pois uma parte da munição era de uso restrito, aumentando a pena da metade, que resultou em 7 (sete) anos e 7 (sete) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, tornada definitiva.
As penas foram somadas em razão do concurso formal impróprio, resultando em 9 (nove) anos e 10 (dez) dias de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato (14.07.18).
Regime inicial fechado.
Denegada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
A defesa de Geraldo não recorreu da dosimetria da pena.
Apela o Ministério Público Federal para que a fração de aumento da pena incida sobre o intervalo entre a pena mínima e a pena máxima e não sobre a pena mínima dos delitos, o que resultaria na fixação de pena mais gravosa para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98. Sustenta que a condenação definitiva de Geraldo pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal (Lei n. 11.343/06, art. 28), na Ação Penal n. 0052682-26.2011.8.26.0351 deve ser considerada como mau antecedente na 1ª fase da dosimetria da pena.
Pugna a Procuradoria Regional da República pela exclusão, de ofício, da causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.826/03 da 3ª fase da dosimetria da pena para ambos os réus. A defesa de Alcides França Gusmão apresentou petição no mesmo sentido, uma vez que as munições apreendidas passaram a ser classificadas como de uso permitido.
Prospera, em parte, a apelação do Ministério Público Federal para que seja reconhecido o mau antecedente de Geraldo.
De ofício, na 2ª fase da dosimetria das penas de Geraldo, há que se compensar a atenuante da confissão com a agravante da reincidência e, na 3ª fase da dosimetria do crime de tráfico internacional de munições, há que se excluir a causa de aumento do art. 19 da Lei n. 10.826/03. Conforme laudo pericial complementar - Laudo n. 006/2020 - UTEC/DPF/MII/SP -, as munições calibre 9mm Luger são classificadas como de uso permitido, nos termos do Decreto n. 10.030/19 e Portaria n. 1.222/19 do Exército Brasileiro (fl. 993v.).
Passo à análise da argumentação recursal e revisão das penas.
Na 1ª fase da dosimetria da pena, o Juízo de 1º grau, em atenção ao disposto no art. 59 do Código Penal, examinou as circunstâncias judiciais e, fundamentadamente, explicitou aquelas que considerou negativas e fixou a pena-base dos delitos acima do mínimo legal.
No tocante ao delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, a grande quantidade de agrotóxicos e sua toxidade extrema ensejaram o aumento da pena de Geraldo na fração de 1/3 (um terço), que incidiu sobre a pena mínima prevista em abstrato para o delito (1 ano).
No tocante ao delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, a grande quantidade de cartuchos apreendidos ensejou o aumento na fração de 1/6 (um sexto), que incidiu sobre a pena mínima prevista em abstrato para o delito (4 anos).
A acusação pretende que as frações de aumento incidam sobre o intervalo entre a pena mínima (1 ano) e a pena máxima (4 anos) previstas no preceito secundário do art. 56 da Lei n. 9.605/98, conforme orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. No caso do art. 18 da Lei n. 10.826/03, a acusação não tem interesse recursal, uma vez que a pena mínima (4 anos) equivale ao intervalo entre a pena mínima (4 anos) e a pena máxima (8 anos) previstas no preceito secundário da norma.
Embora não se despreze a orientação jurisprudencial que admite a fixação da pena-base a partir do intervalo entre a pena mínima e a pena máxima, não se trata de entendimento vinculante.
Ressalte-se que o Código Penal não estabelece critérios rígidos para o cálculo da dosimetria da pena, que se sujeita a certa discricionariedade judicial. É necessário, portanto, que a dosimetria da pena seja fundamentada em elementos concretos, atenda à razoabilidade e à proporcionalidade e seja estabelecida dentro dos parâmetros legais previamente fixados pelo legislador.
Na espécie, o cálculo da pena tem fundamentação idônea, mostra-se razoável e observa os parâmetros legais, não se verificando razões que determinem a realização de nova dosimetria com base no intervalo das penas mínima e máxima.
Por outro lado, assiste razão à acusação ao sustentar que a condenação definitiva do réu à pena de advertência pela prática do crime de porte de droga para consumo pessoal previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06, na Ação Penal n. 0052682-26.2011.8.13.0351, com trânsito em julgado em 10.09.12 (fls. 494/498), caracteriza mau antecedente a ensejar majoração da pena-base dos delitos.
Consoante orientação do Supremo Tribunal Federal, com o advento da Lei n. 11.343/06, não se verificou abolitio criminis em relação à conduta de posse de droga para consumo pessoal (art. 28 da Lei n. 11.343/06), mas mera despenalização, visto ter sido excluída a pena privativa de liberdade do preceito secundário do tipo penal (STF, Questão de Ordem no RE n. 430.105. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13.02.07).
Na mesma linha de entendimento, o Superior Tribunal de Justiça confirma a adequação da valoração negativa dos antecedentes ou a caracterização da reincidência em razão de condenação definitiva pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/06 (STJ, Revisão Criminal n. 3926, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28.11.18).
Tendo em vista que o réu Geraldo Carlos da Silva Pereira foi condenado, de modo definitivo, pela prática do crime do art. 28 da Lei n. 11.343/06, com trânsito em julgado em 10.09.12 (fls. 494/498), vindo a praticar os delitos objeto desta ação penal em 14.07.18, resta caracterizado mau antecedente penal.
Com efeito, a sentença condenatória com trânsito em julgado pode servir como mau antecedente na hipótese de restar destituída de eficácia para ensejar a reincidência em virtude de ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal (STF, Habeas Corpus n. 98803, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.08.09 e STJ, Habeas Corpus n. 133858, Rel. Min. Félix Fischer, j. 19.08.09).
Para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, fixo a pena-base na fração de 1/2 (metade) acima do mínimo legal, em razão da grande quantidade de agrotóxico (130kg), de sua excessiva toxidade e dos maus antecedentes do réu Geraldo, que tem condenação definitiva pela prática do crime do art. 28 da Lei n. 11.343/06, somando 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.
Reconhecida a atenuante da confissão, tendo em vista que o réu admitiu a importação dos agrotóxicos, bem como a agravante da reincidência, em razão de condenação definitiva na Ação Penal n. 0039824-55.2014.8.13.0351, com trânsito em julgado em 03.10.17, pela prática (fls. 375/379), há que se compensar, de ofício, ambas as circunstâncias.
"É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência." (STJ, REsp n. 1.341.370, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.04.13, para os fins do art. 543-C do CPC). Assim, revejo o entendimento anterior quanto à preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão.
Logo, na 2ª fase da dosimetria da pena, mantenho a pena em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa para o delito do art. 56 da Lei n. 9.605/98, que torno definitiva, à míngua de causas de aumento ou de diminuição da pena.
Para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03, fixo a pena-base na fração de 1/3 (um terço) acima do mínimo legal, em razão da grande quantidade de munições (450 cartuchos) e dos maus antecedentes do réu Geraldo, que tem condenação definitiva pela prática do crime do art. 28 da Lei n. 11.343/06, somando 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Reconhecidas a atenuante da confissão e a agravante da reincidência, consoante fundamentação supramencionada, mantenho a pena em 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Sem causas de diminuição, de ofício, excluo o aumento decorrente do art. 19 da Lei n. 10.826/03, uma vez que as munições de calibre 9mm, conforme a atual regulamentação legal, classificam-se como de uso permitido.
Portanto, torno definitiva a pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa para o delito do art. 18 da Lei n. 10.826/03 em relação ao corréu Geraldo.
Somadas as penas em concurso formal impróprio, resulta o total de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 28 (vinte e oito) dias-multa.
Regime inicial fechado, visto tratar-se de réu reincidente.
Mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal.
Inabilitação para dirigir veículo. É admissível a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso, nos termos do art. 92, III, do Código Penal.
Na sentença, o Juízo a quo ressalvou sua duração pelo tempo da pena aplicada e não até a reabilitação, nos seguintes termos:
A acusação recorre para que esse efeito da condenação perdure até eventual reabilitação penal, na forma do art. 94 do Código Penal.
É inconteste a utilização do veículo Vectra, placas LYV 3440, pelos acusados, tendo sido conduzido por Alcides, para a prática dos delitos de importação de agrotóxicos e tráfico internacional de munições de arma de fogo, de modo que é pertinente a aplicação do efeito da condenação de inabilitação para dirigir veículo automotor.
Contudo, convém limitar esse efeito ao tempo da condenação, como determinado na sentença. O art. 92, III, do CP não prevê nenhum prazo para a duração desse efeito extrapenal, de modo que fica a critério do livre convencimento motivado do julgador a fixação de sua duração, como se deu na hipótese vertente.
Justiça Gratuita. Postula Alcides França Gusmão a concessão do benefício da justiça gratuita.
Concedo-lhes o benefício pretendido.
Ainda que beneficiário da assistência judiciária gratuita, no entanto, o réu deve ser condenado ao pagamento das custas processuais (CPP, art. 804), ficando, no entanto, sobrestado o pagamento, enquanto perdurar o estado de pobreza, pelo prazo de 5 (cinco) anos, ocorrendo, após, a prescrição da obrigação (Lei n. 1.060/50, art. 12). A isenção deverá ser apreciada na fase de execução da sentença, mais adequada para aferir a real situação financeira do condenado (STJ, REsp n. 842.393, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 20.03.07; REsp n. 263.381, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06.02.03; TRF da 3ª Região, ACR n. 26.953, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 09.02.09).
Ante o exposto, julgo os recursos de apelação nos seguintes termos:
É o voto.
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