D.E. Publicado em 07/02/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 665/670) em face da r. sentença (fls. 657/662), oriunda do MM. Juízo da 1ª Vara Federal Mista com Juizado Especial Federal Adjunto de Jales/SP e da lavra do Eminente Juiz Federal Substituto Pedro Henrique Magalhães Lima, que absolveu os acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA de imputação afeta à prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 com fulcro no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal.
Narra a inicial acusatória (fls. 03/04), recebida em 26 de novembro de 2012 (fl. 86):
Almeja o Parquet federal a condenação dos acusados ODILIA e CLEBER nas penas do art. 89 e seu parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, por seis vezes, respectivamente - a propósito, colhe-se de suas razões recursais:
Subiram os autos a esta E. Corte, com contrarrazões (fls. 675/697 e 701/706).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial (fls. 716/722).
É o relatório.
Dispensada a revisão nos termos regimentais.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de feito no qual recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL da r. sentença que absolveu os acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA de imputação afeta à prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 (em seis oportunidades) com fulcro no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal. Vindica, sinteticamente, pela exaração de édito penal condenatório.
DOS CRIMES DE LICITAÇÃO IMPUTADOS AOS ACUSADOS ODILIA GIANTOMASSI GOMES E CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA - ART. 89 (E SEU PARÁGRAFO ÚNICO) DA LEI Nº 8.666/1993 (EM SEIS OPORTUNIDADES) - INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SHOWS DE ARTISTAS E/OU DE BANDAS EM EVENTOS PROMOVIDOS PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHA SOLTEIRA/SP
Da imputação típica - art. 89 (e seu parágrafo único) da Lei nº 8.666/1993
Do contexto fático subjacente
A presente relação processual penal foi instaurada tendo como panorama de fundo a celebração de 02 (dois) Convênios pela Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP junto ao Ministério do Turismo (Governo Federal) com o escopo de viabilizar verbas para a realização de festividades que ocorreriam no município declinado nos idos de 2007, quais sejam, a "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC e a 27ª Festa do Peão de Boiadeiro" (Convênio nº 405/2007 materializado às fls. 21/29 e 137/145) e as "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano" (Convênio nº 732/2007 colacionado às fls. 60/69 e 335/344).
(a) Convênio nº 405/2007, de 20 de setembro de 2007, celebrado entre a União Federal, por intermédio do Ministério do Turismo, e a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP (representada pela então Prefeita ODILIA GIANTOMASSI GOMES).
Infere-se dos documentos colacionados às fls. 21/29 e 137/145 a celebração de avença total na casa de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), dos quais R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) originaram-se de recursos à conta do orçamento do Ministério do Turismo ao passo que o restante - R$ 100.000,00 (cem mil reais) - ficou a cargo da municipalidade, com o fito de promover o turismo local por meio da realização da "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC" e da "27ª Festa do Peão de Boiadeiro". Importante salientar a existência de expressa cláusula contratual impondo à Convenente (Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) a obrigação de respeitar os ditames da Lei nº 8.666/1993 (Cláusula Terceira, II, alínea p). Ademais, o dinheiro então obtido (por meio, inclusive, da integralização da parte pertencente à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) serviu para custear 04 (quatro) shows musicais (que ocorreram nos dias 11, 12, 13 e 14 de outubro de 2007), shows estes contratados por meio de 04 (quatro) procedimentos de inexigibilidade de licitação pautados pela rubrica inserta no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993:
(a.1) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 02/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Banda Nechivile" (apresentação em 11 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 41.300,00 (quarenta e um mil e trezentos reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 30/33, 173/176 e 185/188) - às fls. 34, 181 e 189 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 151 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 11 de setembro de 2007 e com reconhecimento de firma em 13 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:
(a.2) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 03/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Rick e Renner" (apresentação em 12 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 70.800,00 (setenta mil e oitocentos reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 38/40, 217/220 e 230/232) - às fls. 41, 225 e 233 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 195 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 29 de agosto de 2007 e com reconhecimento de firma em 03 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:
(a.3) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 04/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da artista "Wanessa Camargo" (apresentação em 13 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 50.740,00 (cinquenta mil, setecentos e quarenta reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 45/48, 265/268 e 277/280) - às fls. 49, 273 e 281 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 240 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 03 de setembro de 2007 e com reconhecimento de firma em 05 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:
(a.4) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 05/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Guilherme & Santiago" (apresentação em 14 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 50/53, 310/313 e 323/326) - às fls. 54, 318 e 327 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 288 documento (sem qualquer título - datado de 11 de setembro de 2007 - sem reconhecimento de firma) redigido com o seguinte teor:
(b) Convênio nº 732/2007, de 18 de dezembro de 2007, celebrado entre a União Federal, por intermédio do Ministério do Turismo, e a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP (representada pela então Prefeita ODILIA GIANTOMASSI GOMES).
Infere-se dos documentos colacionados às fls. 60/69 e 335/344 a celebração de avença total na casa de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais), dos quais R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) originaram-se de recursos à conta do orçamento do Ministério do Turismo ao passo que o restante - R$ 15.000,00 (quinze mil reais) - ficou a cargo da municipalidade, com o fito de promover o turismo local por meio da realização das "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano". Importante salientar a existência de expressa cláusula contratual impondo à Convenente (Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) a obrigação de respeitar os ditames da Lei nº 8.666/1993 (Cláusula Terceira, II, alínea f). Ademais, o dinheiro então obtido (por meio, inclusive, da integralização da parte pertencente à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) serviu para custear 02 (dois) shows musicais (que ocorreram ambos em 31 de dezembro de 2007), shows estes contratados por meio de 02 (dois) procedimentos de inexigibilidade de licitação pautados pela rubrica inserta no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993:
(b.1) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 07/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Chico Rey & Paraná" (apresentação em 31 de dezembro de 2007 na Praia Catarina), pelo valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 26 de dezembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 55/58, 373/376 e 386/389) - às fls. 382 e 392 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 350 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 06 de dezembro de 2007 e com reconhecimento de firma também em 06 de dezembro de 2007) redigido com o seguinte teor:
(b.2) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 08/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da cantora "Leandra Leon" (apresentação em 31 de dezembro de 2007 na Praia Catarina), pelo valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 26 de dezembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 70/73, 421/424 e 433/436) - às fls. 78, 430 e 437 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".
Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 398 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 06 de dezembro de 2007 e com reconhecimento de firma também em 06 de dezembro de 2007) redigido com o seguinte teor:
Digressões sobre o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal
Este magistrado já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que o dolo exigido para a perpetração da conduta estampada no art. 89 em tela era o genérico, motivo pelo qual bastaria a comprovação nos autos da vontade do agente de dispensar ou de inexigir licitação ao arrepio das hipóteses previstas em lei (primeira parte do artigo mencionado) ou a comprovação nos autos da vontade do agente de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (segunda parte do preceito primário em comento). Tal entendimento vinha balizado no posicionamento então adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, conforme é possível ser aferido dos excertos que seguem:
Todavia, cumpre destacar que o assunto em questão foi revisitado por nossos C. Tribunais Superiores, que passaram a exigir, a fim de que houvesse a adequação típica subjetiva do agente no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, a presença do chamado dolo específico (ao lado do dolo genérico anteriormente descrito) consistente na comprovação da vontade do sujeito ativo de causar dano ao erário e de promover efetivo prejuízo à administração pública, sob pena de, à míngua da demonstração de tais desideratos (frise-se: vontade de causar dano ao erário e de haver efetivo prejuízo ao ente público), a conduta ser considerada atípica pela ausência do elemento subjetivo específico. Nesse sentido, cumpre trazer à colação ementas da lavra do C. Supremo Tribunal Federal, exaradas tanto pelo Tribunal Pleno como por ambas as Turmas componentes daquele E. Tribunal:
Dentro da releitura promovida pela jurisprudência acerca do elemento subjetivo necessário à caracterização do crime insculpido no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, importante destacar que o E. Superior Tribunal de Justiça também alterou seu posicionamento para exigir a necessidade da comprovação do dolo específico (repita-se: vontade de causar dano ao erário e efetivo prejuízo à coisa pública) para que o agente pudesse ser condenado pela norma mencionada. Ressalte-se, por oportuno, que indicado Tribunal Superior teve a oportunidade de sufragar tal entendimento por meio de sua Corte Especial e das 5ª e 6ª Turmas, conforme é possível ser constatado das ementas que seguem:
Este C. Tribunal Regional Federal também tem se posicionado no sentido de que o tipo penal descrito no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 somente se perfaz caso comprovada a vontade do agente de causar dano ao erário e o desejo de impor prejuízo à administração, conforme julgados colacionados adiante (proferidos pelo Órgão Especial, pela 4ª Seção e pela 11ª Turma):
Portanto, por todo o exposto, o caso dos autos deve ser analisado sob o prisma do novel entendimento emanado de nossos Tribunais, nos termos anteriormente tratados, a exigir, para a configuração do delito previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, a comprovação do dolo específico do agente consistente na vontade de impor prejuízo ao erário com a efetiva ocorrência de dano aos cofres públicos, visando, com isso, distinguir, de acordo com os fatos descritos no caso concreto, a conduta levada a efeito pelo administrador que se mostra inábil (não penalmente relevante) daquela perpetrada pelo administrador ímprobo (esta, sim, ensejadora da aplicação do Direito Penal como ultima ratio). Ademais, tal expediente (exigência de dolo específico) garante a distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais (conforme consignou o C. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do INQ nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 7/5/10).
Análise da situação fática subjacente
Adentrando ao caso dos autos, analisando o conjunto fático-probatório amealhado ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, nota-se a ausência de comprovação do necessário dolo específico para que as condutas perpetradas por ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA pudessem ser tipificadas no crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.
Com efeito, a questão jurídica que se põe guarda relação com a interpretação que deve ser dada ao comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993 (É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (...) - destaque nosso), especificamente no que concerne à locução "através de empresário exclusivo", no sentido de que tal expressão somente permitiria a contratação de profissional do setor artístico por meio de seu agente pessoal e exclusivo ou também poderia se dar por intermédio de agente que detivesse a exclusividade do show do artista para uma data predeterminada do calendário.
Para além de inferências passíveis de serem tecidas tendo como base a antiga Lei de Licitações (Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986) que, em seu art. 23, III, aduzia que a dispensa de licitação para a contratação de profissional do setor artístico somente poderia ocorrer diretamente com o artista ou por meio de empresário, ao passo que a Lei nº 8.666/1993 (revogadora do Decreto-Lei indicado) condicionou tal dispensa à contratação direta do profissional ou por meio de empresário exclusivo, fato é que a temática encontrava-se em aberto junto ao C. Tribunal de Contas da União até a prolação do v. acórdão nº 96/2008, o que ocorreu em sessão que se realizou em 30 de janeiro de 2008, de molde a não ser possível incriminar condutas (tais quais as constantes dos autos) se a Corte de Contas ainda não tinha firmado um entendimento ao tempo das licitações questionadas, deixando, assim, ao bel prazer (ainda que diante de uma legalidade regrada pelos ditames da Lei nº 8.666/1993) o atuar administrativo.
Nesse diapasão, importante ser ressaltado que o E. Tribunal de Contas da União, em indicado precedente, estabeleceu obrigação ao Ministério do Turismo para que deixasse explícito em suas regras de prestação de contas afetas a convênios a impossibilidade de que a contratação de artistas com licitação inexigível ocorresse por meio de intermediário que detivesse apenas a exclusividade de representação para os dias em que os shows seriam executados, devendo, na realidade, que tal contratação fosse levada a efeito juntamente com pessoa que ostentasse a qualidade de empresário exclusivo por meio de contrato registrado em cartório. A propósito, muito esclarecedor a transcrição do julgado ora em comento no ponto que pertinente para esta Ação Penal:
Ademais, calha ser trazido à colação outro julgado do C. Tribunal de Contas da União (v. acórdão nº 8244/2013, exarado em 19 de novembro de 2013) por meio do qual se infere entendimento segundo o qual aquela Corte de Contas delimitou temporalmente a aplicabilidade do precedente firmado no início de 2008 a fim de que ele não retroagisse para certames pretéritos a tal data - nesse sentido, segue excerto extraído deste v. acórdão de 2013 que bem delimita a questão da irretroatividade do posicionamento então firmado nos idos de janeiro de 2008:
À luz do que se acaba de expor, verifica-se que:
(a) O disciplinamento das formalidades para fins de dispensa de licitação supedaneadas no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, somente foi firmado em janeiro de 2008 (por meio da prolação do v. acórdão nº 96/2008 da lavra do C. Tribunal de Contas da União) e, partindo-se da constatação de que os fatos ora em julgamento remontam a datas pretéritas a tal marco temporal, impossível extrair repercussão penal a imputar a criminalização das condutas perpetradas pelos acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA haja vista sequer existir um entendimento pacificado acerca da matéria, cabendo ressaltar que no mais das vezes os administradores públicos buscam orientar-se com base no que Cortes de Contas já decidiram, aspecto que possui o condão de infirmar uma atuação dolosa por parte dos acusados;
(b) A ausência de demonstração de que as licitações inexigidas teriam causado prejuízo ao erário (fundado, por exemplo, no superfaturamento das contratações ou no desvio de recursos públicos para finalidades outras que não o interesse público primário), de molde a também corroborar o não implemento do elemento subjetivo específico exigido pela jurisprudência no que tange ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.
Consigne-se, por oportuno, que o C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região já teve a oportunidade de aquiescer com o entendimento ora exposto, conforme é possível ser inferido do julgado que segue:
Portanto, de rigor o improvimento do apelo acusatório.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos anteriormente expendidos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 03/02/2020 10:45:34 |