Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/02/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001168-56.2012.4.03.6124/SP
2012.61.24.001168-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ODILIA GIANTOMASSI GOMES
ADVOGADO : SP116258 EDEMILSON DA SILVA GOMES e outro(a)
: SP006550 ANTONIO TITO COSTA
: SP131677 ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA
: SP374125 JOÃO MARCOS VILELA LEITE
APELADO(A) : CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA
ADVOGADO : SP163843 RODRIGO MARTINS SISTO e outro(a)
: SP223619 PAULO CÉSAR LOPES NAKAOSKI
: SP223564 SHIRLEI PASTREZ NAKAOSKI
No. ORIG. : 00011685620124036124 1 Vr JALES/SP

EMENTA

PENAL. CRIMES DE LICITAÇÃO. ART. 89 (E SEU PARÁGRAFO ÚNICO) DA LEI Nº 8.666/1993 (EM SEIS OPORTUNIDADES). INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SHOWS DE ARTISTAS E/OU DE BANDAS EM EVENTOS PROMOVIDOS PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHA SOLTEIRA/SP. NECESSIDADE, PARA A CONFIGURAÇÃO TÍPICA, DA COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA VONTADE DO SUJEITO ATIVO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DE PROMOVER EFETIVO PREJUÍZO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROVA DOS AUTOS QUE NÃO DENOTA TAL ESPECIAL FIM DE AGIR. DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DE COMO SE INTERPRETAR A EXPRESSÃO "ATRAVÉS DE EMPRESÁRIO EXCLUSIVO" CONSTANTE DO ART. 25, III, DA LEI Nº 8.666/1993. QUESTÃO DIRIMIDA PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO APENAS EM JANEIRO DE 2008. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO ATUAR DOLOSO (INCLUSIVE ESPECÍFICO) DOS ACUSADOS. MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO.
- A presente relação processual penal foi instaurada tendo como panorama de fundo a celebração de 02 (dois) Convênios pela Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP junto ao Ministério do Turismo (Governo Federal) com o escopo de viabilizar verbas para a realização de festividades que ocorreriam no município declinado nos idos de 2007, quais sejam, a "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC e a 27ª Festa do Peão de Boiadeiro" (Convênio nº 405/2007) e as "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano" (Convênio nº 732/2007).
- A atual jurisprudência formada acerca do elemento subjetivo exigido para a caracterização do art. 89 da Lei nº 8.666/1993 firmou-se no sentido de exigir a presença do chamado dolo específico consistente na comprovação da vontade do sujeito ativo de causar dano ao erário e de promover efetivo prejuízo à administração pública, sob pena de, à míngua da demonstração de tais desideratos, a conduta ser considerada atípica pela ausência do elemento subjetivo específico. Entendimento do C. Supremo Tribunal Federal, do C. Superior Tribunal de Justiça e do C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- Com ressalva de entendimento eventualmente diverso, tal posicionamento visa distinguir a conduta levada a efeito pelo administrador que se mostra inábil (não penalmente relevante) daquela perpetrada pelo administrador ímprobo (esta, sim, ensejadora da aplicação do Direito Penal como ultima ratio).
- Adentrando ao caso dos autos, analisando o conjunto fático-probatório amealhado ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, nota-se a ausência de comprovação do necessário dolo específico para que as condutas perpetradas pelos acusados pudessem ser tipificadas no crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.
- A questão jurídica que se põe guarda relação com a interpretação que deve ser dada ao comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993 (É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (...)), especificamente no que concerne à locução "através de empresário exclusivo", no sentido de que tal expressão somente permitiria a contratação de profissional do setor artístico por meio de seu agente pessoal e exclusivo ou também poderia se dar por intermédio de agente que detivesse a exclusividade do show do artista para uma data predeterminada do calendário.
- Para além de inferências passíveis de serem tecidas tendo como base a antiga Lei de Licitações (Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986) que, em seu art. 23, III, aduzia que a dispensa de licitação para a contratação de profissional do setor artístico somente poderia ocorrer diretamente com o artista ou por meio de empresário, ao passo que a Lei nº 8.666/1993 (revogadora do Decreto-Lei indicado) condicionou tal dispensa à contratação direta do profissional ou por meio de empresário exclusivo, fato é que a temática encontrava-se em aberto junto ao C. Tribunal de Contas da União até a prolação do v. acórdão nº 96/2008, o que ocorreu em sessão que se realizou em 30 de janeiro de 2008, de molde a não ser possível incriminar condutas (tais quais as constantes dos autos) se a Corte de Contas ainda não tinha firmado um entendimento ao tempo das licitações questionadas.
- O E. Tribunal de Contas da União, em indicado precedente, estabeleceu obrigação ao Ministério do Turismo para que deixasse explícito em suas regras de prestação de contas afetas a convênios a impossibilidade de que a contratação de artistas com licitação inexigível ocorresse por meio de intermediário que detivesse apenas a exclusividade de representação para os dias em que os shows seriam executados, devendo, na realidade, que tal contratação fosse levada a efeito juntamente com pessoa que ostentasse a qualidade de empresário exclusivo por meio de contrato registrado em cartório. Ademais, outro julgado do C. Tribunal de Contas da União (v. acórdão nº 8244/2013, exarado em 19 de novembro de 2013) assentou entendimento segundo o qual se delimitou temporalmente a aplicabilidade do precedente firmado no início de 2008 a fim de que ele não retroagisse para certames pretéritos a tal data.
- Portanto: (a) o disciplinamento das formalidades para fins de dispensa de licitação supedaneadas no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, somente foi firmado em janeiro de 2008 (por meio da prolação do v. acórdão nº 96/2008 da lavra do C. Tribunal de Contas da União) e, partindo-se da constatação de que os fatos ora em julgamento remontam a datas pretéritas a tal marco temporal, impossível extrair repercussão penal a imputar a criminalização das condutas perpetradas pelos acusados haja vista sequer existir um entendimento pacificado acerca da matéria; e (b) a ausência de demonstração de que as licitações inexigidas teriam causado prejuízo ao erário (fundado, por exemplo, no superfaturamento das contratações ou no desvio de recursos públicos para finalidades outras que não o interesse público primário) também corrobora o não implemento do elemento subjetivo específico exigido pela jurisprudência no que tange ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.
- Precedente deste C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- Negado provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de janeiro de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001168-56.2012.4.03.6124/SP
2012.61.24.001168-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ODILIA GIANTOMASSI GOMES
ADVOGADO : SP116258 EDEMILSON DA SILVA GOMES e outro(a)
: SP006550 ANTONIO TITO COSTA
: SP131677 ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA
: SP374125 JOÃO MARCOS VILELA LEITE
APELADO(A) : CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA
ADVOGADO : SP163843 RODRIGO MARTINS SISTO e outro(a)
: SP223619 PAULO CÉSAR LOPES NAKAOSKI
: SP223564 SHIRLEI PASTREZ NAKAOSKI
No. ORIG. : 00011685620124036124 1 Vr JALES/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de recurso de Apelação interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 665/670) em face da r. sentença (fls. 657/662), oriunda do MM. Juízo da 1ª Vara Federal Mista com Juizado Especial Federal Adjunto de Jales/SP e da lavra do Eminente Juiz Federal Substituto Pedro Henrique Magalhães Lima, que absolveu os acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA de imputação afeta à prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 com fulcro no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal.


Narra a inicial acusatória (fls. 03/04), recebida em 26 de novembro de 2012 (fl. 86):


(...) 1 - DOS FATOS
1.1 - Fato 1 (Convênio 405/2007)
Consta dos inclusos autos que, no mês de setembro de 2007, de forma consciente, livre e voluntária, ODÍLIA GIANTOMASSI GOMES, na qualidade de prefeita do município de Ilha Solteira/SP, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei, bem como deixou de observar as formalidades pertinentes à inexigibilidade, por 4 (quatro) vezes, em concurso com CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, no âmbito do Convênio nº 405/2007, firmado com o Ministério do Turismo. Apurou-se que a ex-prefeita, visando a contratação de shows de artistas ou bandas musicais para o evento intitulado '25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC e a 27ª Festa do Peão de Boiadeiro' (...), realizado em virtude da verba pública decorrente do convênio supramencionado, firmou os Contratos nº 136, 137, 138 e 139/2007, todos junto à empresa 'Clássica Comércio Eletrônicos e Produções Ltda. ME', representada por CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, para a realização, respectivamente, de shows com 'Nechivile', 'Rick e Renner', 'Wanessa Camargo' e 'Guilherme & Santiago' (...). Ocorre que as contratações mencionadas, realizadas mediante os Processos de Inexigibilidade de Licitação nº 02, 03, 04 e 05/2007, fundamentadas no inciso III, do artigo 25 da Lei de Licitações, foram feitas de forma irregular, tendo em vista a ausência de documentação comprobatória de exclusividade (carta de exclusividade) de comercialização dos artistas por parte da empresa contratada, conforme exige o dispositivo em questão.
1.2 - Fato 2 (Convênio 732/2007)
Consta dos mesmo (sic) autos que, no mês de dezembro de 2007, de forma consciente, livre e voluntária, ODILIA GIANTOMASSI GOMES, na qualidade de prefeita do município de Ilha Solteira/SP, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei, bem como deixou de observar as formalidades pertinentes à inexigibilidade, por 2 (duas) vezes, em concurso com CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, no âmbito do Convênio nº 732/2007, firmado com o Ministério do Turismo. Apurou-se que a ex-prefeita, visando a contratação de shows de artistas ou bandas musicais para o evento intitulado 'Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano' (...), realizado em virtude da verba pública decorrente do convênio supramencionado, firmou os Contratos nº 159 e 160/2007, ambos junto à empresa 'Clássica Comércio Eletrônicos e Produções Ltda. ME', representada por CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, para a realização, respectivamente, de shows com a dupla 'Chico Rey & Paraná' e com a artista 'Leandra Leon' (...). Ocorre que as contratações mencionadas, realizadas mediante os Processos de Inexigibilidade de Licitação nº 07 e 08/2007, fundamentadas no inciso III, do artigo 25 da Lei de Licitações, foram feitas de forma irregular, tendo em vista a ausência de documentação comprobatória de exclusividade (carta de exclusividade) de comercialização dos artistas por parte da empresa contratada, conforme exige o dispositivo em questão.
2 - DA TIPIFICAÇÃO LEGAL
Perpetrando os fatos anteriormente descritos, a denunciada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, de forma consciente, livre e voluntária, por 6 vezes, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei, bem como deixou de observar as formalidades pertinentes à inexigibilidade, condutas tipificadas no artigo 89 da Lei 8.666/93. Participou da conduta da ex-Prefeita o corréu CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (por 6 vezes), representante da empresa com a qual foram firmados os contratos por inexigibilidade de licitação de forma irregular.
3 - DO PEDIDO
Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia e pede a condenação de ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, como incursos no crime do artigo 89 da Lei 8.666/93 (6 vezes) c/c o artigo 29 do Código Penal (...) - destaques no original.

Almeja o Parquet federal a condenação dos acusados ODILIA e CLEBER nas penas do art. 89 e seu parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, por seis vezes, respectivamente - a propósito, colhe-se de suas razões recursais:


(...) da análise da documentação referente aos processos de inexigibilidade, verificou-se que em nenhum deles foi juntada a documentação comprobatória de exclusividade (carta de exclusividade) de comercialização dos artistas por parte da empresa contratada, o que contraria o dispositivo acima [art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993] e, com efeito, tornaria necessária a realização de prévio procedimento licitatório. 14. Em outras palavras, todas as contratações supracitadas ocorreram em desacordo com o estabelecido na Lei 8.666/93, uma vez que não restou comprovada a relação de exclusividade entre o empresário (Cleber) e as bandas contratadas, circunstância imprescindível para a autorização de contratação direta, mediante instrumento (sic) inexigibilidade de licitação nos termos do art. 25, inciso III, da referida lei. 15. Os apelados fabricaram toda a documentação para conferir a aparência de legalidade ao ato criminoso. O apelado CLEBER conseguiu, junto ao empresariado dos respectivos artistas, uma declaração de exclusividade para a apresentação nas festividades objeto da denúncia, na pretensão de firmar contratos administrativos por meio de inexigibilidade de licitação junto à municipalidade, com evidente intuito de burlar o ordenamento jurídico positivado. 16. Assim, restou comprovado que houve um prévio ajuste entre os réus a fim de que o Município, valendo-se de verbas públicas federais, suportasse pagamentos extras indevidos na realização dos shows (no caso, a 'comissão' do apelado CLEBER), por meio da fabricação dos documentos necessários a conferir regularidade formal à contratação ilícita. 17. Note-se que a conduta criminosa não reside na inexigibilidade de licitação para contratação dos artistas, o que, pelo tipo de serviço, é perfeitamente compatível com as hipóteses de inexigibilidade, mas na contratação de um intermediário. 18. Ressalte-se, neste ponto, a diferença entre o empresário exclusivo e o mero intermediário. Enquanto o primeiro representa determinado artista, com exclusividade; o segundo agencia eventos em datas específicas (com finalidade lucrativa). 19. Deste modo, a conduta dos apelados acarretou prejuízos consideráveis à Administração Pública, que, além da remuneração das bandas e de seus empresários, arcou com o preço dessa 'intermediação', hipótese não contemplada pelo artigo 25, inciso III, da Lei nº 8.666/93 (...) 26. Desta forma, a apelada ODILIA, enquanto Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, e o apelado CLEBER, enquanto representante da empresa que está contratando com o Poder Público, sabedores de que o processo licitatório existe justamente para abalizar a melhor contratação possível à municipalidade, ao não fazê-lo (sic), contratando através de inexigibilidade de licitação irregularmente, o fazem sabedores que agem ao arrepio da lei, o fazem deliberadamente, de maneira dolosa. 27. Ainda que se argumente o contrário, as condutas dos apelados foram de tal maneira prejudiciais aos interesses da municipalidade, que não há como afastar, ao menos, o reconhecimento da figura do dolo eventual, haja vista que no proceder dos apelados, dirigidos ao fim de contratar irregularmente, assumiu-se o evidente risco de se efetivar uma contratação penosa à administração pública, inserindo-se a figura de um intermediário na contratação, gerando sobrepreço, bem como fazendo-o através de documentação que não a indicada em lei ('carta de exclusividade' em nome do intermediário) (...) 31. Assim sendo, a concretização do tipo independe da existência de dolo específico ou efetiva lesão ao erário, sendo suficiente a simples dispensa irregular de licitação ou a não observação das formalidades legais (...) - destaques no original.

Subiram os autos a esta E. Corte, com contrarrazões (fls. 675/697 e 701/706).


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do apelo ministerial (fls. 716/722).


É o relatório.


Dispensada a revisão nos termos regimentais.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Nº de Série do Certificado: 11A217042046CDD3
Data e Hora: 03/02/2020 10:45:28



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001168-56.2012.4.03.6124/SP
2012.61.24.001168-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ODILIA GIANTOMASSI GOMES
ADVOGADO : SP116258 EDEMILSON DA SILVA GOMES e outro(a)
: SP006550 ANTONIO TITO COSTA
: SP131677 ANTONIO CELSO GALDINO FRAGA
: SP374125 JOÃO MARCOS VILELA LEITE
APELADO(A) : CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA
ADVOGADO : SP163843 RODRIGO MARTINS SISTO e outro(a)
: SP223619 PAULO CÉSAR LOPES NAKAOSKI
: SP223564 SHIRLEI PASTREZ NAKAOSKI
No. ORIG. : 00011685620124036124 1 Vr JALES/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de feito no qual recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL da r. sentença que absolveu os acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA de imputação afeta à prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 (em seis oportunidades) com fulcro no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal. Vindica, sinteticamente, pela exaração de édito penal condenatório.


DOS CRIMES DE LICITAÇÃO IMPUTADOS AOS ACUSADOS ODILIA GIANTOMASSI GOMES E CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA - ART. 89 (E SEU PARÁGRAFO ÚNICO) DA LEI Nº 8.666/1993 (EM SEIS OPORTUNIDADES) - INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA A CONTRATAÇÃO DE SHOWS DE ARTISTAS E/OU DE BANDAS EM EVENTOS PROMOVIDOS PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE ILHA SOLTEIRA/SP


Da imputação típica - art. 89 (e seu parágrafo único) da Lei nº 8.666/1993


Art. 89.  Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único.  Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Do contexto fático subjacente


A presente relação processual penal foi instaurada tendo como panorama de fundo a celebração de 02 (dois) Convênios pela Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP junto ao Ministério do Turismo (Governo Federal) com o escopo de viabilizar verbas para a realização de festividades que ocorreriam no município declinado nos idos de 2007, quais sejam, a "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC e a 27ª Festa do Peão de Boiadeiro" (Convênio nº 405/2007 materializado às fls. 21/29 e 137/145) e as "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano" (Convênio nº 732/2007 colacionado às fls. 60/69 e 335/344).


(a) Convênio nº 405/2007, de 20 de setembro de 2007, celebrado entre a União Federal, por intermédio do Ministério do Turismo, e a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP (representada pela então Prefeita ODILIA GIANTOMASSI GOMES).


Infere-se dos documentos colacionados às fls. 21/29 e 137/145 a celebração de avença total na casa de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), dos quais R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais) originaram-se de recursos à conta do orçamento do Ministério do Turismo ao passo que o restante - R$ 100.000,00 (cem mil reais) - ficou a cargo da municipalidade, com o fito de promover o turismo local por meio da realização da "25ª Feira Agropecuária, Industrial e Comercial - FAPIC" e da "27ª Festa do Peão de Boiadeiro". Importante salientar a existência de expressa cláusula contratual impondo à Convenente (Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) a obrigação de respeitar os ditames da Lei nº 8.666/1993 (Cláusula Terceira, II, alínea p). Ademais, o dinheiro então obtido (por meio, inclusive, da integralização da parte pertencente à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) serviu para custear 04 (quatro) shows musicais (que ocorreram nos dias 11, 12, 13 e 14 de outubro de 2007), shows estes contratados por meio de 04 (quatro) procedimentos de inexigibilidade de licitação pautados pela rubrica inserta no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993:


(a.1) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 02/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Banda Nechivile" (apresentação em 11 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 41.300,00 (quarenta e um mil e trezentos reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 30/33, 173/176 e 185/188) - às fls. 34, 181 e 189 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 151 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 11 de setembro de 2007 e com reconhecimento de firma em 13 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:


(...) Eu, GLAUBERTON RICARDO TOLEDO BARBOSA, inscrito no CPF507119091-04, dono e representante legal da BANDA NECHIVILE, com endereço na Rua T 27, n.º 227, Apt.º 903, Setor Bueno, Goiânia-Go, declaro e afirmo que a Clássica Comércio de Eletrônicos e Produtos LTDA, inscrito no CNPJ - 01031550/0001-30 de inscrição estadual isento, com sede a Rua C número 161 Qd. 350 Lote 04 sala 08 Jardim América, Goiânia-Go, é a empresa credenciada e exclusiva de nosso comum artista a banda NECHIVILE apta a representar no show de Ilha Solteira-SP, na data de 11 de outubro de 2007 (...) - destaques no original.

(a.2) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 03/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Rick e Renner" (apresentação em 12 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 70.800,00 (setenta mil e oitocentos reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 38/40, 217/220 e 230/232) - às fls. 41, 225 e 233 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 195 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 29 de agosto de 2007 e com reconhecimento de firma em 03 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:


(...) A empresa Quatro por Quatro Promoções Artísticas Ltda, inscrita no CNPJ nº 05.876.111/0001-80, através de seu representante o Sr. Manoel Nenzinho Pinto, declara para devidos fins que a empresa Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda - ME, inscrita no CNPJ nº 01.031.550/0001-30, representada pelo Sr. Cleber Roberto Soares Vieira, RG. 19.242.791 SSP/GO, tem exclusividade para negociar o show com a dupla Rick & Renner, para o dia 12/10/2007, na cidade de Ilha Solteira - SP (...).

(a.3) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 04/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da artista "Wanessa Camargo" (apresentação em 13 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 50.740,00 (cinquenta mil, setecentos e quarenta reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 45/48, 265/268 e 277/280) - às fls. 49, 273 e 281 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 240 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 03 de setembro de 2007 e com reconhecimento de firma em 05 de setembro de 2007) redigido com o seguinte teor:


(...) A UPSTARS PRODUÇÕES LTDA, situada a Alameda Mamoré, n.º 535 - Conjunto 1.401, Alphaville, Barueri / SP, CEP: 06454-050, inscrita no CNPJ/MF nº 08.816.481/0001-10, representante legal da artista WANESSA CAMARGO, neste ato representado pelo Sr. Marcus Buaiz, brasileiro, casado, empresário, portador da cédula de identidade RG nº 1.470.354 SSP/ES e CPF nº 081.486.117-26, declara para devidos fins que, a empresa CLASSICA COMÉRCIO DE ELETRÔNICOS E PRODUÇÕES LTDA ME inscrita no CNPJ/MF nº, IE: isenta, situada a Rua c 161, nº 1031 - Quadra 350 - Lote 04 - Sala 08 - Goiânia / GO - CEP. 19470-000, neste ato representado pelo Sr. CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, portador da cédula de identidade RG nº 19.242.791, esta (sic) devidamente autorizada a comercializar e cuidar dos assuntos relativos ao show da artista WANESSA CAMARGO a ser realizado no dia 13 de outubro de 2007, no Parque de Exposições da cidade de Ilha Solteira, no Estado de São Paulo, na Exposição Agropecuária (...) - destaques no original.

(a.4) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 05/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Guilherme & Santiago" (apresentação em 14 de outubro de 2007 no Recinto de Exposições da FAPIC de Ilha Solteira/SP), pelo valor de R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 27 de setembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 50/53, 310/313 e 323/326) - às fls. 54, 318 e 327 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 288 documento (sem qualquer título - datado de 11 de setembro de 2007 - sem reconhecimento de firma) redigido com o seguinte teor:


(...) Eu, HAMILTON REGIS POLICASTRO, brasileiro, casado, portador da RG:- 1.69086264 - SSP/SP, e inscrita no CPF sob o nº 145268160-00 proprietário da Guilherme e Santiago Promoções Artísticas Ltda, com sede na cidade de Botucatu/S. Paulo, empresa responsável pelos artistas GUILHERME E SANTIAGO , 'DECLARA' para os devidos fins, em especial os constantes no inciso III, do artigo 25 da lei federal nº 8.666/93 atualizada pelas leis federais nº 8.883/93 e 9.648/98, que a empresa 'CLASSICA COMÉRCIO DE ELETRÔNICOS E PRODUÇÕES LTDA ME' inscrita no CNPJ sob o nº 01.031.550/0001-30 com sede na cidade de GOIÂNIA estado de GO, representada pela (sic) Sr. CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA, inscrito no RG 19242-791 é detentora exclusiva da data 14 de OUTUBRO de 2007 para a realização de um show com os artistas GUILHERME E SANTIAGO e banda na cidade de ILHA SOLTEIRA no estado DE SP (sic), ficando assim autorizado assinar contrato (...) - destaques no original.

(b) Convênio nº 732/2007, de 18 de dezembro de 2007, celebrado entre a União Federal, por intermédio do Ministério do Turismo, e a Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP (representada pela então Prefeita ODILIA GIANTOMASSI GOMES).


Infere-se dos documentos colacionados às fls. 60/69 e 335/344 a celebração de avença total na casa de R$ 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil reais), dos quais R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) originaram-se de recursos à conta do orçamento do Ministério do Turismo ao passo que o restante - R$ 15.000,00 (quinze mil reais) - ficou a cargo da municipalidade, com o fito de promover o turismo local por meio da realização das "Festividades de Comemoração da Passagem de Final de Ano". Importante salientar a existência de expressa cláusula contratual impondo à Convenente (Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) a obrigação de respeitar os ditames da Lei nº 8.666/1993 (Cláusula Terceira, II, alínea f). Ademais, o dinheiro então obtido (por meio, inclusive, da integralização da parte pertencente à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira/SP) serviu para custear 02 (dois) shows musicais (que ocorreram ambos em 31 de dezembro de 2007), shows estes contratados por meio de 02 (dois) procedimentos de inexigibilidade de licitação pautados pela rubrica inserta no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993:


(b.1) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 07/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da "Dupla Chico Rey & Paraná" (apresentação em 31 de dezembro de 2007 na Praia Catarina), pelo valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 26 de dezembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 55/58, 373/376 e 386/389) - às fls. 382 e 392 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 350 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 06 de dezembro de 2007 e com reconhecimento de firma também em 06 de dezembro de 2007) redigido com o seguinte teor:


(...) Eu Francisco Aparecido de Jesus Gomes [Chico Rey], portador do RG: 395075 SSP/DF, CPF: 144.276.801-00, residente a Rua 10 - chácara 161 - Lote C - colônia agrícola Vicente Pires - CEP: 72110-800 na cidade de Taguatinga/DF e a empresa CLÁSSICA COM. DE ELETRÔNICOS E PRODUÇÕES LTDA, com sede na R: C 161, QD 350 LT 04 - SALA 08 - JD AMÉRICA - GOIÂNIA - GO - CEP: 74.255-120, inscrita no CNPJ: 01.031.550/0001-30, têm exclusividade para realizar Show com a dupla CHICO REY E PARANÁ junto à Prefeitura Municipal de Ilha Solteira - SP, nas FESTIVIDADES DE COMEMORAÇÃO DA PASSAGEM DE FINAL DE ANO (...) - destaques no original.

(b.2) Procedimento de Inexigibilidade de Licitação nº 08/2007. Referido expediente culminou na contratação, sem a realização de certame licitatório em decorrência do comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, da cantora "Leandra Leon" (apresentação em 31 de dezembro de 2007 na Praia Catarina), pelo valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tendo o respectivo contrato administrativo sido assinado, em 26 de dezembro de 2007, pela então Prefeita Municipal de Ilha Solteira/SP, a acusada ODILIA GIANTOMASSI GOMES, e a empresa "Clássica Comércio de Eletrônicos e Produções Ltda. ME", representada pelo acusado CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA (fls. 70/73, 421/424 e 433/436) - às fls. 78, 430 e 437 consta a respectiva Nota fiscal emitida pela empresa "Clássica".


Importante mencionar, ademais, que consta à fl. 398 documento intitulado "Carta de Exclusividade" (datado de 06 de dezembro de 2007 e com reconhecimento de firma também em 06 de dezembro de 2007) redigido com o seguinte teor:


(...) Vimos, por meio desta, informar que a empresa CLÁSSICA COM. DE ELETRÔNICOS E PRODUÇÕES LTDA, com sede na R: C 161, QD 350 LT 04 - SALA 08 - JD AMÉRICA - GOIÂNIA - GO - CEP: 74.255-120, inscrita no CNPJ: 01.031.550/0001-30, têm exclusividade para realizar Show com a Artista LEANDRA LEON no dia 31/12/2007 na cidade de ÍLHA (sic) SOLTEIRA - SP (...) - destaques no original - ressalte-se que o documento em tela está assinado pelo empresário da cantora LEANDRA LEON, Heitor Eugênio Mutão Moreira.

Digressões sobre o elemento subjetivo exigido pelo tipo penal


Este magistrado já teve a oportunidade de se manifestar no sentido de que o dolo exigido para a perpetração da conduta estampada no art. 89 em tela era o genérico, motivo pelo qual bastaria a comprovação nos autos da vontade do agente de dispensar ou de inexigir licitação ao arrepio das hipóteses previstas em lei (primeira parte do artigo mencionado) ou a comprovação nos autos da vontade do agente de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (segunda parte do preceito primário em comento). Tal entendimento vinha balizado no posicionamento então adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria, conforme é possível ser aferido dos excertos que seguem:


A simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não possibilita qualquer conclusão no sentido de que para a configuração do tipo penal ali previsto exige-se qualquer elemento de caráter subjetivo diverso do dolo. Ou seja, dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um ânimo, uma tendência, uma finalidade dotada de especificidade própria, e isso, é importante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, ao contrário do que se passa, apenas a título exemplificativo, com a do art. 90 da Lei nº 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como 'com o fim de', 'com o intuito de', 'a fim de', etc. Aqui, o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a finalidade, a razão que moveu o agente ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária (Precedente). III - Ainda, o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afirmação de que a licitação é inexigível, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância. Isto é, não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário, por exemplo) (Precedente) (HC nº 94.720/PE, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, v.u., DJ de 18.08.2008).
O tipo previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93 é delito de mera conduta, não exige dolo específico, mas apenas o genérico, representado, portanto, pela vontade de contratar sem licitação, quando a lei expressamente prevê a realização do certame. Independe, assim, de qualquer resultado naturalístico, como por exemplo, prejuízo ao erário (HC nº 113.067/PE, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, v.u., DJ de 10.11.2008).

Todavia, cumpre destacar que o assunto em questão foi revisitado por nossos C. Tribunais Superiores, que passaram a exigir, a fim de que houvesse a adequação típica subjetiva do agente no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, a presença do chamado dolo específico (ao lado do dolo genérico anteriormente descrito) consistente na comprovação da vontade do sujeito ativo de causar dano ao erário e de promover efetivo prejuízo à administração pública, sob pena de, à míngua da demonstração de tais desideratos (frise-se: vontade de causar dano ao erário e de haver efetivo prejuízo ao ente público), a conduta ser considerada atípica pela ausência do elemento subjetivo específico. Nesse sentido, cumpre trazer à colação ementas da lavra do C. Supremo Tribunal Federal, exaradas tanto pelo Tribunal Pleno como por ambas as Turmas componentes daquele E. Tribunal:


Ação Penal. Ex-prefeito municipal. Atual deputado federal. Dispensa irregular de licitação (art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93). Dolo. Ausência. Atipicidade. Ação penal improcedente. 1. A questão submetida ao presente julgamento diz respeito à existência de substrato probatório mínimo que autorize a deflagração da ação penal contra os denunciados, levando-se em consideração o preenchimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não incidindo qualquer uma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. 2. As imputações feitas na denúncia aos ora denunciados foram de, na condição de prefeito municipal e de secretária de economia e finanças do município, haverem acolhido indevidamente a inexigibilidade de procedimento licitatório para a contratação de serviços em favor da Prefeitura Municipal de Santos/SP. 3. Não se verifica a existência de indícios de vontade livre e conscientemente dirigida por parte dos denunciados de superarem a necessidade de realização da licitação. Pressupõe o tipo, além do necessário dolo simples (vontade consciente e livre de contratar independentemente da realização de prévio procedimento licitatório), a intenção de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. 4. A incidência da norma que se extrai do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93 depende da presença de um claro elemento subjetivo do agente político: a vontade livre e consciente (dolo) de lesar o Erário, pois é assim que se garante a necessária distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais. A ausência de indícios da presença do dolo específico do delito, com o reconhecimento de atipicidade da conduta dos agentes denunciados, já foi reconhecida pela Suprema Corte (Inq. nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 7/5/10). 5. Denúncia rejeitada. Ação penal julgada improcedente (INQ 2.616, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 29/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-167 DIVULG 28-08-2014 PUBLIC 29-08-2014) - destaque nosso.
PENAL. PROCESSUAL PENAL. PREFEITO. DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO. LICITAÇÃO. INEXIGIBILIDADE. CRIME DO ARTIGO 89 DA LEI 8.666/93. DOLO. AUSÊNCIA DE PROVA ACIMA DE DÚVIDA RAZOÁVEL. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. 1. Havendo detentores e não detentores de prerrogativa de foro acusados no mesmo processo, o atual entendimento desta Suprema Corte aponta no sentido do desmembramento como regra, ressalvadas hipóteses excepcionais a exigirem julgamento conjunto. 1.1. Desmembramento efetivado no caso concreto, inexistente imbricação extraordinária entre as condutas dos coacusados. 2. O delito do artigo 89 da Lei 8.666/93 exige, além do dolo genérico - representado pela vontade consciente de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais -, a configuração do especial fim de agir, consistente no dolo específico de causar dano ao erário. Desnecessário o efetivo prejuízo patrimonial à administração pública. 3. Inexistente indicativo de conluio, ilegalidade manifesta ou desvio de finalidade claramente perceptível, os atos de gestão praticados pelo Prefeito de acordo com as orientações técnicas dos órgãos especializados do Município, sobretudo em temáticas que envolvem juízo de legalidade - tais como ocorrem nas plurissignificativas regras de dispensa e inexigibilidade de licitação -, se qualificam com o predicado de boa-fé presumida. 3.1. No caso, (i) a ratificação da inexigibilidade de licitação foi realizada de acordo com a orientação dos órgãos técnicos do Município e a prova dos autos não rendeu razões que razoavelmente impusessem ao acusado, como gestor (Prefeito), adoção de conduta contrária às manifestações técnicas; (ii) foi verificada oscilação de entendimento no âmbito do Tribunal de Contas local quanto à lisura da inexigibilidade da licitação, assim como o arquivamento, pelo Ministério Público Cível, de inquérito cível pertinente aos mesmos fatos; (iii) as provas pessoais produzidas - testemunhas e interrogatório do acusado, - alinharam-se pela insuficiência de prova da participação dolosa do Prefeito no crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93. 4. A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a formulação mais precisa é o standard anglo-saxônico no sentido de que a responsabilidade criminal deve ser provada acima de qualquer dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt) e que foi consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. 5. Ação penal julgada improcedente (AP 580, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 13/12/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-139 DIVULG 23-06-2017 PUBLIC 26-06-2017) - destaque nosso.
INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO DOS AUTOS EM RELAÇÃO A ACUSADO SEM FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE PROCESSAMENTO CONJUNTO COM OS DEMAIS ENVOLVIDOS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. DECISÕES JUDICIAIS QUE AUTORIZARAM A MEDIDA E SEU COMPARTILHAMENTO JUNTADAS AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DOS DIÁLOGOS E DISPONIBILIZAÇÃO DOS ÁUDIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DEGRAVAÇÃO DAS CONVERSAS ALUDIDAS NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. COMPARTILHAMENTO COM AÇÃO PENAL RELATIVA A CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO MAJORADA (ART. 89, CAPUT, C/C ART. 84, § 2º, AMBOS DA LEI 8.666/1993). ATUAÇÃO EM CONFORMIDADE COM NORMAS LEGAIS E INFRALEGAIS VIGENTES. ERRO DE TIPO. PRECEDENTE. DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO OU ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ATIPICIDADE. IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO (ART. 6º, 2ª PARTE, DA LEI 8.038/1990). 1. Conforme firme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, afigura-se suficiente, para adimplir a determinação do art. 6º, § 1º, da Lei 9.296/1995 e assegurar o direito de defesa dos acusados, o acesso à degravação dos diálogos aludidos pela denúncia, sendo dispensável a disponibilização de todo o material oriundo da interceptação telefônica (HC 91.207-MC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 21.9.2007; INQ 2.424, Rel. Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, DJe de 26.3.2010; RHC 117.265, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 26.5.2014; INQ 4.023, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, DJe de 1º.9.2016). 2. Esta Corte já assentou a legitimidade do compartilhamento de elementos probatórios colhidos por meio de interceptação telefônica autorizada judicialmente com processos criminais nos quais imputada a prática de crime punível com detenção (RE 810.906-AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 14.9.2015; AI 626.214-AgR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, DJe de 8.10.2010; HC 83.515, Rel. Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, DJ de 4.3.2005), e até mesmo com processos de natureza administrativa (RMS 28.774, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 25.8.2016). 3. Não é inepta a denúncia que descreve, de forma lógica e coerente, os fatos em tese delituosos e as condutas dos agentes, com as devidas circunstâncias, narrando de maneira clara e precisa a imputação, segundo o contexto em que inserida. 4. O Convênio 001/2008, na visão do ex-Diretor-Geral do Transporte Urbano do Distrito Federal - DFTRANS e dos operadores do sistema de transporte público coletivo, encontrava embasamento em ato normativo da Secretaria de Transportes que regulamentava lei distrital. Conforme já decidido pela Segunda Turma em caso análogo, o erro sobre o elemento constitutivo do tipo "fora das hipóteses legais" (art. 89 da Lei 8.666/1993) exclui o dolo, nos termos do art. 20 do Código Penal (AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, DJe de 11.9.2015). Desse modo, afigura-se atípica a conduta atribuída a esses denunciados. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que, para a caracterização da conduta tipificada no art. 89 da Lei 8.666/1993, é indispensável a demonstração, já na fase de recebimento da denúncia, do "elemento subjetivo consistente na intenção de causar dano ao erário ou obter vantagem indevida" (INQ 2.688, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 12.2.2015). No caso, pelo que se colhe dos autos é possível se afirmar, desde logo, que não se encontra presente essa circunstância volitiva, o que revela a atipicidade, determina inclusive a improcedência da acusação, nos termos do art. 6º, 2º parte, da Lei 8.038/1990. 6. Acusação julgada improcedente (INQ 3.965, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-259 DIVULG 05-12-2016 PUBLIC 06-12-2016) - destaque nosso.

Dentro da releitura promovida pela jurisprudência acerca do elemento subjetivo necessário à caracterização do crime insculpido no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, importante destacar que o E. Superior Tribunal de Justiça também alterou seu posicionamento para exigir a necessidade da comprovação do dolo específico (repita-se: vontade de causar dano ao erário e efetivo prejuízo à coisa pública) para que o agente pudesse ser condenado pela norma mencionada. Ressalte-se, por oportuno, que indicado Tribunal Superior teve a oportunidade de sufragar tal entendimento por meio de sua Corte Especial e das 5ª e 6ª Turmas, conforme é possível ser constatado das ementas que seguem:


AÇÃO PENAL. EX-PREFEITA. ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. FESTA DE CARNAVAL. FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVIÇOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA LEI N. 8.666/1993. ORDENAÇÃO E EFETUAÇÃO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI. PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVIÇO PELO PARTICULAR CONTRATADO. ARTIGO 1º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N. 201/1967 C/C OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N. 4.320/1964. AUSÊNCIA DE FATOS TÍPICOS. ELEMENTO SUBJETIVO. INSUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO. NECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DA CARACTERIZAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. - Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo prejuízo. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal. - Caso em que não estão caracterizados o dolo específico e o dano ao erário. Ação penal improcedente (APn 480/MG, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Min. CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/03/2012, DJe 15/06/2012) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FRAUDE EM LICITAÇÃO. 2. ART. 89 DA LEI N. 8.666/1993. DOLO ESPECÍFICO. DANO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO. INÉPCIA FORMAL DA DENÚNCIA. 3. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. 1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o tipo penal inscrito no art. 89 da Lei 8.666/1993 exige "o prejuízo ao erário e a finalidade específica de favorecimento indevido como necessários à adequação típica - Inq 2.616, relator min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.5.2014" (AP 683/MA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06/3/2017). Portanto, não constando da denúncia o dolo específico de causar dano ao erário e a demonstração do efetivo prejuízo, verifica-se que não ficou devidamente demonstrada a tipicidade do delito imputado, revelando-se, dessa forma, inepta a inicial acusatória. 3. Recurso em habeas corpus provido, para trancar a Ação Penal n. 0803811-65.2013.8.20.0124, haja vista a inépcia formal da inicial acusatória, sem prejuízo de oferecimento de nova denúncia, com extensão da ordem aos codenunciados Antônio Batista Barros, Agnelo Alves Filho, José Luiz Nunes Alves e Aluísio Cavalcante Cordeiro, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal (RHC 49.627/RN, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 30/06/2017) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DISPENSA OU INEXIGILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. IMPRESCINDIBILIDADE DE DOLO ESPECÍFICO E DE DANO AO ERÁRIO. PRECEDENTES DO STJ. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, para a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais - art. 89 da Lei n. 8.666/93 -, exige-se a presença do dolo específico de causar dano ao erário e do efetivo prejuízo à Administração Pública. 2. Recurso Especial provido para, reconhecendo a atipicidade da conduta em relação ao crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93, absolver os recorrentes, com fundamento no art. 386, III, do CPP (REsp 1367663/DF, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 11/09/2017) - destaque nosso.

Este C. Tribunal Regional Federal também tem se posicionado no sentido de que o tipo penal descrito no art. 89 da Lei nº 8.666/1993 somente se perfaz caso comprovada a vontade do agente de causar dano ao erário e o desejo de impor prejuízo à administração, conforme julgados colacionados adiante (proferidos pelo Órgão Especial, pela 4ª Seção e pela 11ª Turma):


PENAL. PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS DE EMPRESAS NÃO VENCEDORAS DE CERTAME LICITATÓRIO, OU POR VALOR SUPERIOR AO ESTABELECIDO NA LICITAÇÃO, SEM FORMALIZAÇÃO DE PROCESSO DE DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS NAS MESMAS CONDIÇÕES DE PREÇOS E PRAZOS, CONSTANTES DE CONTRATO EXPIRADO, SEM A DEVIDA FORMALIZAÇÃO DE TERMO ADITIVO OU DE NOVO PROCESSO DE LICITAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 89 E 92 DA LEI N. 8.666/93. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE DOLO ESPECÍFICO E DE DANO AO ERÁRIO PARA CONFIGURAÇÃO DOS DELITOS. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (...) - Em consideração a mudança de compreensão acerca do tema nos Tribunais Superiores, passou-se a entender que, "para a tipificação do crime previsto no artigo 89, da Lei n. 8.666/1993, é necessária a comprovação do dolo específico de causar dano ao erário e a caracterização do efetivo prejuízo à Administração Pública, não sendo suficiente apenas a vontade de desobedecer às normas legais do procedimento licitatório" (STJ, 5ª Turma, AGREsp 1.199.871, rel. Ministra Regina Helena Costa, DJE de 14.5.2014) (...) (TRF 3ª Região, ORGÃO ESPECIAL, PIC - PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL(PIC-MP) - 462 - 0002731-90.2009.4.03.6124, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL THEREZINHA CAZERTA, julgado em 27/07/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/08/2016) - destaque nosso.
REVISÃO CRIMINAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 621 E 626, DO CPP. DA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA IMPUTADA AO AUTOR - ARTIGO 1°, I, DO DECRETO-LEI 201/1967. DA NÃO CONFIGURAÇÃO DO ALEGADO BIS IN IDEM CONFLITO APARENTE DE NORMAS. DECRETO-LEI 201/67 E LEI 8.666/93. DO DELITO DO ARTIGO 89, DA LEI 8.666/93 - COMPROVAÇÃO DO DANO AO ERÁRIO E DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA INTENÇÃO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO. DOS DOCUMENTOS NOVOS TRAZIDOS PELO AUTOR NA REVISÃO CRIMINAL. DEPOIMENTO PRESTADO POR TESTEMUNHA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO. DA DOSIMETRIA DA PENA. (...) VII. Para a configuração do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, é preciso o "dolo específico", entendido como a intenção de causar dano ao erário, e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos. Apesar de o acórdão embargado não ter feito menção à expressão "dolo específico", ele deixa claro que houve a intenção de causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos, o qual corresponde ao desvio das verbas públicas em "favorecimento à empresa ISOCRET". Por conseguinte, não há que se falar em nulidade tampouco em contrariedade à evidência dos autos, no particular, eis que a decisão impugnada pelo requerente encontra-se devidamente fundamentada e amparada na prova processual, tendo evidenciado que houve a intenção de ("dolo específico") causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos decorrente do favorecimento à empresa ISOCRET. (...) (TRF 3ª Região, QUARTA SEÇÃO, RVC - REVISÃO CRIMINAL - 1233 - 0006787-64.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, julgado em 20/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/11/2016) - destaque nosso.
DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. LICITAÇÃO. DISPENSA FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. LEI 8.666/93. ARTIGO 89. DOLO ESPECÍFICO. INOCORRÊNCIA. LESÃO AOS COFRES PÚBLICOS. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (...) 2. Solidificou-se no âmbito dos tribunais superiores o entendimento de que o crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93 exige, para preenchimento do tipo subjetivo, a configuração concreta de dolo específico, qual seja, o de lesar os cofres públicos. Além disso, é necessária a ocorrência objetiva de tal lesão/dano. Precedentes dos E. STF e STJ. Portanto, a jurisprudência de ambas as Cortes Superiores citadas é firme no sentido da exigência, para preenchimento concreto da conduta típica do art. 89 da Lei 8.666/93, de dois requisitos (além do amoldamento do caso concreto ao texto legal do art. 89 da Lei de Licitações): a) Sob o prisma objetivo, a efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos; b) Sob o prisma subjetivo, a existência de dolo específico, consistente na vontade deliberada de lesar os cofres públicos por meio da conduta. (...) (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 67592 - 0013357-74.2008.4.03.6102, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 06/09/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2016) - destaque nosso.

Portanto, por todo o exposto, o caso dos autos deve ser analisado sob o prisma do novel entendimento emanado de nossos Tribunais, nos termos anteriormente tratados, a exigir, para a configuração do delito previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993, a comprovação do dolo específico do agente consistente na vontade de impor prejuízo ao erário com a efetiva ocorrência de dano aos cofres públicos, visando, com isso, distinguir, de acordo com os fatos descritos no caso concreto, a conduta levada a efeito pelo administrador que se mostra inábil (não penalmente relevante) daquela perpetrada pelo administrador ímprobo (esta, sim, ensejadora da aplicação do Direito Penal como ultima ratio). Ademais, tal expediente (exigência de dolo específico) garante a distinção entre atos próprios do cotidiano político-administrativo e atos que revelam o cometimento de ilícitos penais (conforme consignou o C. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do INQ nº 2.646/RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 7/5/10).


Análise da situação fática subjacente


Adentrando ao caso dos autos, analisando o conjunto fático-probatório amealhado ao longo dos diversos cadernos processuais que compõem esse feito, nota-se a ausência de comprovação do necessário dolo específico para que as condutas perpetradas por ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA pudessem ser tipificadas no crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.


Com efeito, a questão jurídica que se põe guarda relação com a interpretação que deve ser dada ao comando contido no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993 (É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: (...) III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública (...) - destaque nosso), especificamente no que concerne à locução "através de empresário exclusivo", no sentido de que tal expressão somente permitiria a contratação de profissional do setor artístico por meio de seu agente pessoal e exclusivo ou também poderia se dar por intermédio de agente que detivesse a exclusividade do show do artista para uma data predeterminada do calendário.


Para além de inferências passíveis de serem tecidas tendo como base a antiga Lei de Licitações (Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986) que, em seu art. 23, III, aduzia que a dispensa de licitação para a contratação de profissional do setor artístico somente poderia ocorrer diretamente com o artista ou por meio de empresário, ao passo que a Lei nº 8.666/1993 (revogadora do Decreto-Lei indicado) condicionou tal dispensa à contratação direta do profissional ou por meio de empresário exclusivo, fato é que a temática encontrava-se em aberto junto ao C. Tribunal de Contas da União até a prolação do v. acórdão nº 96/2008, o que ocorreu em sessão que se realizou em 30 de janeiro de 2008, de molde a não ser possível incriminar condutas (tais quais as constantes dos autos) se a Corte de Contas ainda não tinha firmado um entendimento ao tempo das licitações questionadas, deixando, assim, ao bel prazer (ainda que diante de uma legalidade regrada pelos ditames da Lei nº 8.666/1993) o atuar administrativo.


Nesse diapasão, importante ser ressaltado que o E. Tribunal de Contas da União, em indicado precedente, estabeleceu obrigação ao Ministério do Turismo para que deixasse explícito em suas regras de prestação de contas afetas a convênios a impossibilidade de que a contratação de artistas com licitação inexigível ocorresse por meio de intermediário que detivesse apenas a exclusividade de representação para os dias em que os shows seriam executados, devendo, na realidade, que tal contratação fosse levada a efeito juntamente com pessoa que ostentasse a qualidade de empresário exclusivo por meio de contrato registrado em cartório. A propósito, muito esclarecedor a transcrição do julgado ora em comento no ponto que pertinente para esta Ação Penal:


(...) VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam de representação formulada por servidor deste Tribunal, com fulcro nos arts. 86, II, da Lei nº 8.443/1992 e 132, VI, da Resolução TCU nº 191/2006, em face de indícios de irregularidades na gestão de recursos públicos federais repassados pelo Ministério do Turismo para a Associação Matogrossense de Municípios - AMM, por meio de convênios e contratos de repasse. ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em: (...) 9.5. determinar ao Ministério do Turismo que, em seus manuais de prestação de contas de convênios e nos termos dessas avenças, informe que: 9.5.1. quando da contratação de artistas consagrados, enquadrados na hipótese de inexigibilidade prevista no inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/1992 (sic), por meio de intermediários ou representantes: 9.5.1.1. deve ser apresentada cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório. Deve ser ressaltado que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento; 9.5.1.2. o contrato deve ser publicado no Diário Oficial da União, no prazo de cinco dias, previsto no art. 26 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, sob pena de glosa dos valores envolvidos (...) - destaque nosso.

Ademais, calha ser trazido à colação outro julgado do C. Tribunal de Contas da União (v. acórdão nº 8244/2013, exarado em 19 de novembro de 2013) por meio do qual se infere entendimento segundo o qual aquela Corte de Contas delimitou temporalmente a aplicabilidade do precedente firmado no início de 2008 a fim de que ele não retroagisse para certames pretéritos a tal data - nesse sentido, segue excerto extraído deste v. acórdão de 2013 que bem delimita a questão da irretroatividade do posicionamento então firmado nos idos de janeiro de 2008:


(...) Ao contrário do acordo posterior, o instrumento do Convênio 158/2007 não contemplou expressa obrigatoriedade de o convenente e, por consequência, a empresa prestadora de serviço apresentarem, sob pena de glosa dos valores pactuados nos ajustes, contratos de exclusividade de artistas para fins de cumprimento das exigências previstas nos artigos 25, inciso III, e 26, da Lei 8.666/1993. Ademais, tal condição somente passou a ser requerida pelo Ministério do Turismo após este órgão ser notificado da determinação contida no subitem 9.5 do Acórdão 96/2008-Plenário. Assim, não poderiam os responsáveis dar cumprimento à obrigação em relação à qual não se achavam formalmente vinculados (...) - destaque nosso.

À luz do que se acaba de expor, verifica-se que:


(a) O disciplinamento das formalidades para fins de dispensa de licitação supedaneadas no art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993, somente foi firmado em janeiro de 2008 (por meio da prolação do v. acórdão nº 96/2008 da lavra do C. Tribunal de Contas da União) e, partindo-se da constatação de que os fatos ora em julgamento remontam a datas pretéritas a tal marco temporal, impossível extrair repercussão penal a imputar a criminalização das condutas perpetradas pelos acusados ODILIA GIANTOMASSI GOMES e CLEBER ROBERTO SOARES VIEIRA haja vista sequer existir um entendimento pacificado acerca da matéria, cabendo ressaltar que no mais das vezes os administradores públicos buscam orientar-se com base no que Cortes de Contas já decidiram, aspecto que possui o condão de infirmar uma atuação dolosa por parte dos acusados;


(b) A ausência de demonstração de que as licitações inexigidas teriam causado prejuízo ao erário (fundado, por exemplo, no superfaturamento das contratações ou no desvio de recursos públicos para finalidades outras que não o interesse público primário), de molde a também corroborar o não implemento do elemento subjetivo específico exigido pela jurisprudência no que tange ao crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993.


Consigne-se, por oportuno, que o C. Tribunal Regional Federal da 3ª Região já teve a oportunidade de aquiescer com o entendimento ora exposto, conforme é possível ser inferido do julgado que segue:


PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. PREFEITO MUNICIPAL. LEI DE LICITAÇÕES. ART. 89. INEXIGIR LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAIS DO SETOR ARTÍSTICO. FESTIVIDADES EVANGÉLICAS E ANIVERSÁRIO DA CIDADE. CONTRATO CELEBRADO COM EMPRESÁRIO NÃO EXCLUSIVO DOS ARTISTAS. DÚVIDA RAZOÁVEL DE CONCEITUAÇÃO. MATÉRIA REGULAMENTADA PELO TCU EM DATA POSTERIOR. AUSÊNCIA DE DOLO. PRESTAÇÃO DE CONTAS APROVADAS PELO MINISTÉRIO DO TURISMO. RECURSOS REGULARMENTE APLICADOS. DEVOLUÇÃO DE VERBA EXCEDENTE. PRECEDENTES DO STJ E STF. DENÚNCIA IMPROCEDENTE. 1 - Segundo consta da denúncia datada de 05.09.2012, Luiz Antonio Pereira de Carvalho, enquanto prefeito de Guzolândia - SP (Gestão 2005-2008), por 2 (duas) vezes, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei, ao firmar contrato para realização de shows com a pessoa jurídica 'PIPER SOM LTDA.' representada pelo corréu Esmeraldo Paliari, empresa essa que não detinha exclusividade de fato perante os artistas contratados, mas sim exclusividade de comercialização de seus serviços unicamente para as datas referentes às suas respectivas apresentações nos eventos. 2 - Os contratos envolviam a participação de artistas e bandas nos eventos 'Festividades Evangélicas' nos dias 07 a 10 de novembro de 2007 e 'Contratação de Shows e Empresas Especializadas em Shows Pirotécnicos - Aniversário do Município' nos dias 15, 22, 27, 28 e 29 de março de 2008. 3 - A partir disso, sustenta o órgão de acusação que os contratos firmados entre a Prefeitura de Guzolândia - SP e PIPER SOM LTDA. não foram realizados conforme a Lei de Licitações, ou seja, diretamente com os artistas ou por meio de seus empresários exclusivos, incorrendo os réus no cometimento do delito previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, c.c. art. 29 do Código Penal. 4 - Materialidade comprovada pelos seguintes documentos: Contrato Administrativo para Prestação de Serviços de Show Evangélico (fls. 27/29) e Contrato Administrativo para Prestação de Serviços de Shows Artísticos (fls. 51/53), ambos com a empresa Piper Som Ltda.-ME, por meio dos quais se efetivou a contratação sem a realização de procedimento licitatório. 5 - A autoria encontra-se demonstrada, uma vez que o então Prefeito Municipal de Guzolândia, Luiz Antonio Pereira de Carvalho, na condição de agente administrativo competente para a prática do ato, subscreveu os Termos de convênio firmados com o Ministério do Turismo para liberação de verbas públicas destinadas à viabilização de eventos locais relativos a Festividades Evangélicas e Aniversário do Município e contratou, sem o devido procedimento licitatório e para ambas as festividades, a empresa Piper Som Ltda., mesmo não sendo referida pessoa jurídica empresária exclusiva dos artistas então designados. 6 - A seu turno, Esmeraldo Paliari, na qualidade de proprietário da empresa Piper Som Ltda., auferiu vantagem pecuniária decorrente de referida contratação tida por irregular, conforme previsto no parágrafo único do art. 89 da Lei nº 8.666/93, invocando-se a norma de extensão disciplinada no art. 29 do Código Penal, em evidente nexo de causalidade entre sua conduta e a realização do fato típico. 7 - O tipo penal do art. 89 da Lei de Licitações possui o dolo como elemento subjetivo, não se admitindo a forma culposa. Precedentes do STJ (HC nº 153.097) e do STF (Inq nº 2648). Deve o agente, tanto ao dispensar como ao inexigir licitação em desacordo com as hipóteses legais, agir com animus de burlar a legislação, com o fim específico de causar dano ao erário. 8 - Existência de razoável dúvida acerca da natureza das declarações de exclusividade apresentadas nos autos, considerando que a legislação não define ou conceitua, expressamente, o termo 'empresário exclusivo'. Nessa medida, a figura do empresário que realiza a intermediação entre o artista e o contratante poderia ser enquadrada como 'empresário exclusivo', a contento do previsto na Lei de Licitações, e não somente aquele - como quer fazer parecer o órgão acusador - que empresaria diretamente o artista, com o qual mantém vínculo empregatício e a ele deve subordinação. 9 - Por ocasião do julgamento da Representação nº 003.233/2007-3 (30 de janeiro de 2008) que originou o Acórdão nº 96/2008 - Plenário, o Tribunal de Contas da União, normatizando a questão, estabeleceu a necessidade de apresentação de cópia do contrato de exclusividade dos artistas com o empresário contratado, registrado em cartório, ressaltando-se que o contrato de exclusividade difere da autorização que confere exclusividade apenas para os dias correspondentes à apresentação dos artistas e que é restrita à localidade do evento. 10 - No entanto, a mesma Corte de Contas decidiu, quando do julgamento da Tomada de Contas Especial nº 009.600/2012-4, realizado em 19 de novembro de 2013 (Acórdão nº 8.244/2013), que os convênios celebrados anteriormente às determinações contidas no Acórdão nº 96/2008 não ostentam a pecha de irregularidade, considerando a evolução jurisprudencial daquele Tribunal acerca do tema, até então considerado controverso. 11 - No caso dos autos, ambos os convênios foram celebrados com o Ministério do Turismo em data anterior ao julgamento, pelo TCU: o convênio referente ao projeto 'Festividades Evangélicas' fora celebrado em 1º de novembro de 2007, ao passo que o relativo ao 'Aniversário do Município' tivera as assinaturas apostas em 21 de dezembro do mesmo ano. 12 - A incerteza quanto aos requisitos da inexigibilidade no âmbito administrativo, com o TCU decidindo a questão apenas no ano de 2008, posteriormente à celebração dos contratos indicados na denúncia, acarreta no processo penal a figura do 'in dubio pro reo', pois não se tem certeza também quanto ao dolo, elemento que integra o tipo penal, e bem assim sobre eventual incidência da excludente de culpabilidade consistente no erro de proibição. 13 - As contas prestadas pela municipalidade posteriormente à realização dos eventos foram aprovadas pelo Ministério do Turismo; as verbas recebidas pelo Município de Guzolândia, decorrentes dos convênios pactuados com o Governo Federal, foram aplicadas corretamente para a consecução dos objetos neles ajustados, inexistindo prejuízo ao erário; houve, inclusive, restituição de numerário excedente, o que descaracteriza o dolo exigido para a subsunção da conduta ao tipo penal invocado na denúncia, qual seja, a intenção de lesar os cofres públicos. 14 - Ação penal que se julga improcedente. Réus absolvidos com fundamento no art. 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (TRF3, QUARTA SEÇÃO, APN - AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO - 542 - 0001167-71.2012.4.03.6124, Rel. Des. Fed. PAULO FONTES, julgado em 15/12/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/01/2017) - destaque nosso.

Portanto, de rigor o improvimento do apelo acusatório.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos anteriormente expendidos.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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