Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/03/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007093-61.2001.4.03.6110/SP
2001.61.10.007093-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FABIO JOSE ZANEI
ADVOGADO : SP039347 RICARDO LOPES DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00070936120014036110 3 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIARIA. ARTIGO 168-A, §1º, INCISO I, COMBINADO COM O ARTIGO 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA COMPROVADA. DOSIMETRIA. DE OFÍCIO, REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA PENA DE MULTA. APELAÇÃO DO RÉU NÃO PROVIDA.
- O inciso I do § 1º do artigo 168-A do Código Penal trata-se de figura assemelhada à disposta no caput, sendo certo que nas mesmas penas incorre aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público".
- Caracteriza-se o crime com o não recolhimento aos cofres públicos das contribuições previdenciárias, no prazo e forma legais, após a retenção do desconto dos funcionários. É, pois, norma penal em branco, a ser integrada pela legislação previdenciária.
-Trata-se de crime omissivo próprio, não se admitindo a tentativa.
- O objeto material é o valor recolhido e não repassado aos cofres públicos, excluídos os juros de mora e a multa. Precedente do STJ.
- O crime é formal, não havendo a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para que se possa dar início à persecução penal, não sendo o caso de aplicação da Súmula Vinculante n.º 24 do STF, de modo que o delito perfectibiliza-se com o vencimento do prazo para o recolhimento (omissão do repasse).
- Em que pese não ter sido contestada, a materialidade delitiva veio robustamente demonstrada pelo Procedimento Administrativo Fiscal, em especial pelo Relatório Fiscal, a Notificação de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2 e seu Relatório, Discriminativos do Débito, Termos de Início e de Encerramento da Ação Fiscal, bem como Registros de Empregados, Recibos, Rescisões Contratuais, Folhas de Pagamentos e Guias da Previdência Social, os quais revelam que houve o efetivo desconto dos salários dos empregados da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA., não tendo havido seu respectivo repasse ao INSS no prazo legal, durante o período narrado na exordial (setembro/1995 a julho/1996). Em face do ocorrido a fiscalização lavrou a NFLD n.º 32.085.864-2 no valor originário de R$ 22.117,53 (vinte e dois mil, cento e dezessete reais e cinquenta e três centavos).
- Referida documentação foi inicialmente objeto da ação penal n.º 1999.61.10.000097-3, cujo trâmite se deu perante a 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP, na qual Antonio Costa Lourenço e Hélio Silvestre Poccia foram denunciados pelos mesmos fatos tratados nos presentes autos, todavia, durante a instrução probatória daquele feito atribuiu-se a autoria dos fatos a Fábio José Zanei, o que deu origem à instauração do Inquérito Policial n.º 18-0248/2001 e, por consequência, o ajuizamento da presente ação penal.
- Tais elementos probatórios revelam eficazmente a prática delitiva descrita na denúncia, restando, assim, consolidada nos autos a materialidade delitiva.
- Ao contrário do alegado pela Defesa, a autoria restou comprovada nos autos, tanto pela prova documental quanto testemunhal. Conforme se verifica no contrato social datado de 17.01.1983, o acusado ingressou na sociedade da empresa autuada na condição de sócio e administrador e dela se retirou formalmente em 01.08.1995. Não obstante, constata-se por meio da Procuração a ele outorgada em 17.06.1992 por Antonio da Costa Lourenço e sua esposa Dolores da Fonseca, que o réu permaneceu na administração da pessoa jurídica até 15.04.1996, ocasião em que os poderes transferidos foram revogados.
- A prova testemunhal também é capaz de confirmar que o acusado permaneceu na efetiva administração da VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. em período posterior à sua retirada formal do contrato social. Em que pese uma parte da prova testemunhal ter sido produzida somente na fase inquisitiva, verifica-se que é confluente e coerente com a prova testemunhal produzida em juízo, razão pela qual deve ser utilizada em corroboração, em esclarecimento e em acréscimo a esta.
- Para o delito estampado no artigo 168-A do Código Penal não se exige o dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, contribuição descontada dos salários dos trabalhadores segurados, dispensando-se a intenção de apropriar-se das importâncias descontadas. Não há a exigência de que se comprove especial fim de agir - animus rem sibi habendi. Basta o dolo genérico.
- Dolo suficientemente demonstrado, porquanto o réu como responsável pela administração da empresa deixou de recolher as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, aos cofres públicos, no prazo devido.
- Em que pese não ter havido recurso voluntário acerca da dosimetria impende analisar a pena imposta e consignar que o prejuízo causado aos cofres do INSS (NFLD n.º 32.085.864-2: R$ 22.117,53), embora não possa ser desprezado, não é capaz de justificar a elevação da pena-base acima do mínimo legal. Dessa forma, não havendo outras circunstâncias judiciais negativas, forçoso reduzir, DE OFÍCIO, a reprimenda para o mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão. Nada há a ser sopesado na segunda fase tendo em vista a ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes. O juízo a quo aplicou o aumento decorrente do crime continuado na terceira fase, contudo, registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ocorrer após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica definida a pena em 02 (dois) anos de reclusão.
- Considerando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal). Em acórdão relatado pelo Des. Fed. Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento" (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos). No caso em concreto verifica-se a continuidade delitiva não superou o prazo de um ano (set/1995 a julho/1996), devendo ser mantida a majoração em 1/6 (um sexto), nos termos estabelecidos pelo Juízo a quo, o que resulta na reprimenda de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal). Diante disso, impõe-se a redução da pena de multa, DE OFÍCIO, para 11 (onze) dias-multa.
- Mantido o valor do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos ante a ausência de recurso da acusação.
- Correta a fixação do regime inicial de cumprimento de pena ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.
- Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, nos termos do artigo 46 do CP, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, e prestação pecuniária (art. 45, CP), no valor equivalente a dois salários mínimos ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, podendo, se preferir o condenado, nos termos do art. 45, §2º, do CP, substituir esse valor por seis cestas básicas a cada mês da condenação, entregues a instituição devidamente cadastrada no juízo da Execução. À míngua de recurso nesse sentido e tendo em vista que foram observados os critérios legais e atinentes ao caso em concreto, nada há a modificar.
- Apelação não provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU e, DE OFÍCIO, reduzir a pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime ABERTO, e a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 13 de fevereiro de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007093-61.2001.4.03.6110/SP
2001.61.10.007093-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FABIO JOSE ZANEI
ADVOGADO : SP039347 RICARDO LOPES DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00070936120014036110 3 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação Criminal interposta por FÁBIO JOSÉ ZANEI, nascido em 13.09.1952, em face da r. sentença acostada às fls. 739/746, proferida pela Exma. Juíza Federal Sylvia Marlene de Castro Figueiredo (3ª Vara Federal de Sorocaba/SP), que julgou PROCEDENTE o pedido formulado em ação penal para CONDENAR o Apelante por violação ao artigo 168-A, §1º, inciso I, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 05 (cinco) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime ABERTO, e 14 (catorze) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na época dos fatos, ficando a pena corporal substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, nos termos do artigo 46 do CP, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, e prestação pecuniária (art. 45, CP), no valor equivalente a dois salários mínimos ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, podendo, se preferir o condenado, nos termos do art. 45, §2º, do CP, substituir esse valor por seis cestas básicas a cada mês da condenação, entregues a instituição previamente cadastrada no juízo da Execução.


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de FÁBIO JOSÉ ZANEI, como incurso nas penas do artigo 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal (fls. 02/04 e 326/328).


Narra a exordial que o réu, na qualidade de sócio e, posteriormente, administrador da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. (CNPJ n.º 52.231.461/0001-79), com sede em Itapeva/SP, com vontade livre e consciente, teria deixado de recolher aos cofres públicos do INSS, no prazo legal e de forma continuada, as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive o 13º salário, fatos que culminaram na Notificação Fiscal de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2, cujo débito tributário apurado foi de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, seiscentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).


A denúncia foi recebida em 11 de setembro de 2003 (fl. 240).


Considerando que o réu, regularmente citado por edital, deixou de comparecer em Juízo e não constituiu defensor nos autos, foi decretada a suspensão do processo e do prazo prescricional em 31.08.2009, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal (fl. 496). Tendo em vista sua posterior citação, intimação e constituição de advogado (fls. 532 e 564), o processo e o curso da prescrição retomaram seu regular curso em 26.09.2012 (fl. 575 e v.).


A publicação da sentença ocorreu em 10 de setembro de 2014 (fl. 747).


Irresignado, o réu interpôs Apelação e requereu sua absolvição sob o argumento de que deixou de ser sócio da empresa autuada em agosto de 1995, conforme comprovariam as alterações do contrato social e as testemunhas de Defesa, e não seria, portanto, o responsável por sua administração financeira à época dos fatos (fls. 759/763).


Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (fls. 766/768), subiram os autos a esta E. Corte.


Nesta instância, o Ministério Público Federal ofereceu parecer no qual opina pelo integral desprovimento do recurso da defesa (fls. 778/782).


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.




FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007093-61.2001.4.03.6110/SP
2001.61.10.007093-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : FABIO JOSE ZANEI
ADVOGADO : SP039347 RICARDO LOPES DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00070936120014036110 3 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 11.09.2003 - fl. 240), contra FÁBIO JOSÉ ZANEI, como incurso nas penas do artigo 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, porquanto, na qualidade de sócio e, posteriormente, administrador da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. (CNPJ n.º 52.231.461/0001-79), com sede em Itapeva/SP, com vontade livre e consciente, teria deixado de recolher aos cofres públicos do INSS, no prazo legal e de forma continuada, as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive o 13º salário, fatos que culminaram na Notificação Fiscal de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2, cujo débito tributário apurado foi de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, setecentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).


Considerando que o réu, regularmente citado por edital, deixou de comparecer em Juízo e não constituiu defensor nos autos, foi decretada a suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal, no período de 31.08.2009 até 26.09.2012 (fls. 496 e 575 e v., respectivamente), tendo em vista que o acusado foi citado, intimado (fl. 532), bem como constituiu Defensor (fl. 564).


Após regular instrução, sobreveio sentença condenatória contra a qual se insurge o acusado por meio de recurso de Apelação, cujas razões passa-se a analisar.



Do tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal


No que tange à tipificação penal, cumpre considerar que os fatos descritos na denúncia ocorreram no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive 13º salário, sendo certo que em 15.10.2000 entrou em vigor a Lei n.º 9.983, de 14 de julho de 2000, que revogou expressamente a alínea "d" do artigo 95 da Lei n.º 8.212, de 12.07.1991, e inseriu ao Código Penal o artigo 168-A.


Previa o artigo 95, alínea "d", da Lei nº 8.212/1991:


Art. 95 Constitui crime:
(...)
d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;
(...)

A pena para a mencionada infração era a prevista no artigo 5º da Lei n.º 7.492, de 16.06.1986, ou seja, reclusão de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa.


Já o artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 9.983/2000, tem a seguinte redação:


Art. 168-A Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público.
(...)

De acordo com o entendimento consagrado pelo C. Supremo Tribunal Federal e pelo C. Superior Tribunal de Justiça, não importa em abolitio criminis a revogação do artigo 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/1991, pela Lei n.º 9.983/2000, haja vista que restou mantida a figura típica anterior em seu aspecto substancial e a antijuridicidade da conduta, conforme julgados a seguir:


HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. ANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não se permite, na seara do writ, a reapreciação do conjunto probatório, especialmente para afastar a comprovação fática delineada pela Instância local em relação à prática delitiva.
2. Ademais, inviável se mostra utilizar-se da via heróica em substituição ao procedimento da revisão criminal.
3. A configuração advinda com a introdução no Código Penal do art. 168-A não alterou a incriminação da denominada apropriação indébita previdenciária, constante da previsão do artigo 95, alínea 'd' e § 1º, da Lei n. 8.212/91, razão por que inviável admitir-se a existência de nulidade da condenação por fatos pretéritos à nova ordem legal.
4. Ordem denegada.
(STJ, HC n.º 115.148/MG, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 17.03.2011, DJe 04.04.2011) (grifei).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NÃO-RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. DIFICULDADE FINANCEIRA. MATÉRIA PROBATÓRIA.
1. O artigo 3º da Lei n. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei n. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico. Daí a improcedência da alegação de abolitio criminis ao argumento de que a lei mencionada teria alterado o elemento subjetivo, passando a exigir o animus rem sibi habendi.
2. A pretensão visando ao reconhecimento de inexigibilidade de conduta diversa, traduzida na impossibilidade de proceder-se ao recolhimento das contribuições previdenciárias, devido a dificuldades financeiras, não pode ser examinada em habeas corpus, por demandar reexame das provas coligidas na ação penal. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.
(STF, RHC n.º 86072, Relator  Ministro Eros Grau, Primeira Turma, julgado em 16/08/2005, DJ 28.10.2005) (grifei).


Ademais, o artigo 168-A do Código Penal contém norma mais favorável ao réu, uma vez que a pena cominada (dois a cinco anos de reclusão) é inferior a anteriormente prevista para o artigo 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/1991, que era a estabelecida no artigo 5º da Lei n.º 7.492/1986 (dois a seis anos de reclusão). Portanto, aplicável o disposto no artigo 168-A do Código Penal mesmo aos fatos ocorridos sob a égide da lei anterior, nos termos do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal.


O inciso I do § 1º do artigo 168-A do Código Penal trata-se de figura assemelhada à disposta no caput, sendo certo que nas mesmas penas incorre aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público".


Caracteriza-se o crime com o não recolhimento aos cofres públicos, pelo empresário, das contribuições previdenciárias, no prazo e forma legais, após a retenção do desconto dos funcionários. É, pois, norma penal em branco, a ser integrada pela legislação previdenciária.


O empresário tem a obrigação por lei de reter o valor que deveria ser recolhido pelo funcionário, perfectibilizando o delito quando ele não recolhe ao órgão competente. O valor foi descontado, porém, não recolhido à Previdência.


Trata-se de crime omissivo próprio, não se admitindo a tentativa.


O objeto material é o valor recolhido e não repassado aos cofres públicos, excluídos os juros de mora e a multa (STJ HC n.º 195.372/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 18.6.2012).


Demais disso, o crime é formal, não havendo a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para que se possa dar início à persecução penal, de modo que o delito perfectibiliza-se com o vencimento do prazo para o recolhimento (omissão do repasse).


A jurisprudência do STF, por meio da Súmula Vinculante n.º 24, ressaltou que a ausência de constituição definitiva do crédito tributário impede a persecução penal dos crimes materiais contra a Ordem Tributária (incisos I a IV do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990).


Pontue-se que o entendimento sumular não se refere expressamente sobre o crime delineado no artigo 168-A do Código Penal, além disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar questão relativa à prescrição penal, levou em consideração a data da omissão no repasse das contribuições previdenciárias, mas não a da constituição definitiva do crédito tributário (Inq. n.º 2049/DF, Relator Ministro Carlos Britto, Pleno, j. 19.02.2009).


Todavia, mais recentemente, não se desconhece a existência de entendimento do Pretório Excelso no sentido de que as contribuições devidas à Previdência Social ostentam nítido caráter tributário, razão pela qual devem se submeter ao mesmo regime dos crimes perpetrados contra a Ordem Tributária, no que tange à necessidade do lançamento definitivo do crédito (RHC n.º 132706 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.06.2016).


A despeito disso, há que se coadunar com o entendimento de que por se tratar de crime formal, não há a necessidade da constituição definitiva do crédito, não sendo o caso de aplicação da Súmula Vinculante n.º 24.


Prescindível, portanto, o esgotamento do processo administrativo fiscal e da constituição definitiva do crédito na esfera administrativa para a propositura da ação penal, não se aplicando ao delito de apropriação indébita previdenciária o aludido entendimento sumular.


Esse é o entendimento desta Décima Primeira Turma e da Quarta Seção desta E. Corte:


APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 168-A, §1º, I, CP. CRIME FORMAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RECONHECIDA DE OFÍCIO. ART. 337-A, I, CP. PRELIMINAR REJEITADA. CRIME MATERIAL. SÚMULA VINCULANTE N. 24. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. EXCLUDENTE INAPLICÁVEL AO CRIME DO ART. 337-A DO CP. APELO IMPROVIDO.
O delito do art. 168-A do Código Penal possui natureza formal e se consuma com a mera omissão no repasse das contribuições previdenciárias no prazo legalmente assinalado, não se lhe aplicando, portanto, a condição inserta na Súmula Vinculante nº 24.
(...)
(ACR n.º 0003381-92.2012.4.03.6105/SP, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, Décima Primeira Turma, 24.10.2017) (grifei).
PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (CÓDIGO PENAL, ART. 168-A). PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO AFASTADA. DIVERGÊNCIA ADSTRITA AO INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL. CRIME DE NATUREZA FORMAL. MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. EMBARGOS CONHECIDOS E PROVIDOS.
1. Malgrado o voto vencido não tenha sido juntado aos autos por inércia do embargante, que não opôs embargos de declaração para este fim, no caso, esta falta não constitui óbice instransponível ao conhecimento dos embargos, eis que o dissenso objeto do presente recurso diz respeito a uma questão de direito, que, ademais, é bastante conhecida das turmas integrantes da Quarta Seção deste Tribunal: o início do prazo prescricional nos crimes previstos no art. 168-A do Código Penal.
2. O tipo descrito no art. 168-A do Código Penal constitui crime omissivo próprio e formal, que se consuma com a ausência do repasse, à Previdência Social, das contribuições descontadas dos segurados empregados, prescindindo, para a sua configuração, da constituição definitiva do crédito ou da retenção física das importâncias previdenciárias pelo agente. Precedente do STJ.
3. A mera ausência de repasse do valor das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados é suficiente para a consumação do delito previsto no art. 168-A do Código Penal e, por isso, constitui o marco inicial de contagem da prescrição da pretensão punitiva estatal (CP, art. 111, I).
4. Tendo em vista que o crime do art. 168-A do Código Penal é formal, entre a consumação da última conduta (janeiro de 2004, mês de recolhimento da contribuição previdenciária relativa a dezembro de 2003) e o recebimento da denúncia (10.06.2010), transcorreu período de tempo superior a 4 (quatro) anos, ocorrendo a prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena aplicada.
5. Embargos conhecidos e providos.
(TRF3, EIfNu n.º 0001660-33.2007.4.03.6121, Quarta Seção, maioria, Relator Desembargador Federal Paulo Fontes, Relator p/ acórdão Desembargador Federal Nino Toldo, j 18.06.2015, DJe 03.09.2015) (grifei).



Materialidade Delitiva


Em que pese não ter sido contestada, a materialidade delitiva veio robustamente demonstrada pelo Procedimento Administrativo Fiscal, em especial pelo Relatório Fiscal acostado às fls. 12/13, a Notificação de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2 e seu Relatório (fls. 14 e 23/25), Discriminativos do Débito (fls. 15/17), Termos de Início e de Encerramento da Ação Fiscal (fls. 26/27), bem como Registros de Empregados, Recibos, Rescisões Contratuais, Folhas de Pagamentos e Guias da Previdência Social (fls. 28/109), os quais revelam que houve o efetivo desconto dos salários dos empregados da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA., não tendo havido seu respectivo repasse ao INSS no prazo legal, durante o período narrado na exordial (setembro/1995 a julho/1996).


Da análise da NFLD n.º 32.085.864-2 verifica-se que o valor originariamente apropriado a título de contribuições previdenciárias foi de R$ 22.117,53 (vinte e dois mil, cento e dezessete reais e cinquenta e três centavos), o qual, acrescido de juros de mora e multa redundou no crédito tributário de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, setecentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).


Note-se que referida documentação foi inicialmente objeto da ação penal n.º 1999.61.10.000097-3, cujo trâmite se deu perante a 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP, na qual Antonio Costa Lourenço e Hélio Silvestre Poccia foram denunciados pelos mesmos fatos tratados nos presentes autos. Contudo, durante a instrução probatória daquele feito atribuiu-se a autoria dos fatos a FÁBIO JOSÉ ZANEI, o que deu origem à instauração do Inquérito Policial n.º 18-0248/2001 e, por consequência, ao ajuizamento da presente ação penal.


Tais elementos probatórios revelam eficazmente a prática delitiva descrita na denúncia, restando, assim, consolidada nos autos a materialidade delitiva.



Autoria e elemento subjetivo


A Defesa pleiteia a absolvição do réu sob o argumento de que ele teria deixado de ser sócio da empresa autuada em agosto de 1995 e não seria o responsável por sua administração financeira à época dos fatos.


Contudo, referidas alegações não encontram respaldo pois, ao que se depreende do conjunto probatório, em especial pela prova testemunhal, restou fartamente comprovado que o acusado, à época da ocorrência dos fatos, exercia a efetiva administração da empresa autuada e, portanto, detinha a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições.


Nos termos do contrato social datado de 17.01.1983 (fls. 110/112), o acusado ingressou na sociedade da empresa autuada na condição de sócio e administrador e dela se retirou formalmente em 01.08.1995 (fls. 116/121).


Não obstante, constata-se por meio da Procuração a ele outorgada em 17.06.1992 por Antonio da Costa Lourenço e sua esposa Dolores da Fonseca (fls. 141/142), que o réu permaneceu na administração da pessoa jurídica até 15.04.1996, ocasião em que os poderes transferidos foram revogados, conforme se verifica nos documentos acostados às fls. 177/178v.


Além disso, há nos autos sólida prova testemunhal, capaz de confirmar que o réu permaneceu na efetiva administração da VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. em período posterior à sua retirada formal do contrato social, conforme minuciosamente apreciado e fundamentado pela sentenciante no trecho a seguir transcrito (fls. 741v./743v.):


(...)
Contudo, verifica-se, da prova testemunhal colhida nos autos, que o acusado continuou administrando a empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. em período posterior a 15/04/1996.
De fato, o depoimento do outro sócio da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA., Antonio da Costa Lourenço (fls. 166/167), o qual, juntamente com o sócio Helio Silvestre Poccia, já foi denunciado nos autos nº 1999.61.10.000097-3 pelos mesmos fatos narrados nos presentes autos, demonstra que o acusado FABIO JOSÉ ZANEI continuou sendo o administrador da empresa mesmo após vender as suas participações na sociedade. Confira-se:
'(...) QUE, não é verdadeira a afirmação de FABIO de que esse teria deixado de administrar a empresa a partir de agosto de 1995, época esta em que FABIO documentalmente transferiu as cotas que detinha para seu sogro HELIO SILVESTRE POCCIA, que também não é verdadeira a afirmação de FABIO quando diz que a partir daquela época a administração da empresa ficou sob a responsabilidade de HELIO e de dois genros do declarante de nomes CARLOS ALBERTO DE LIMA E ALFREDO; QUE, na verdade até a presente data a empresa vem sendo administrada por FABIO JOSÉ ZANEI (...)'.
No mesmo sentido, depreende-se do depoimento prestado em juízo pela testemunha Wilson Roberto de Almeida, arrolada pela acusação, às fls. 599 (mídia digital), que o acusado FÁBIO JOSÉ ZANEI exerceu a administração da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. pelo menos até o ano de 1998, ao afirmar que:
'Trabalhei na empresa no período de 1985 a 1998. Quando comecei a trabalhar na empresa, trabalhei com o Fábio, com o sogro dele e com o sócio dele, o qual residia em São Paulo, chamado Antonio Lourenço da Costa; eu trabalhava com Fábio José Zanei e com o sogro dele Hélio Silvestre Poccia; que a administração do Sr. Fábio e do Sr. Hélio deu-se até quando eu me desvinculei da Viação Vale Verde e comecei a trabalhar na Itapeva Transporte que passou a ser do genro do Sr. Antonio que é o Carlos Alberto de Lima, só me desvinculei na razão social, pois saí da Viação Vale Verde que era do Fábio e comecei a trabalhar com Carlos Alberto de Lima na Itapeva Transportes, que funcionava no mesmo local; que Fábio era sócio do Sr. Antonio e quem assumiu a empresa a partir dessa data que eu saí foi o genro do Sr. Antonio, Carlos Alberto de Lima, isso em 1998, quando me desvinculei da Viação Vale Verde e fui para a Itapeva Transportes, ficando lá até 2003 (...); que Fábio foi embora para a cidade de Itapetininga para cuidar da frota que circulava na cidade de Itapetininga, que essa empresa de Itapetininga era administrada pelo Fábio, que era uma empresa só, só que em lugares diferentes, que eram razões sociais diferentes, mas uma coisa só, que Fábio continuou a administrar a empresa Viação Vale Verde Ltda. em Itapetininga, que quando foi desvinculada a Viação Vale Verde e montada a Itapeva Transportes, Fábio ficou com a Viação Vale Verde em Itapetininga. (...), que quem mandava na empresa era o Fábio'.
As testemunhas de defesa Andrea Cristina de Souza Ferraz Silva (fls. 647/648) e Walter Assis Ribeiro da Silva (mídia digital - fls. 674) nada acrescentaram aos fatos, apenas informando que o acusado Fábio ficou adoentado, vendendo a empresa para o Sr. Hélio, não declinando a data em que isso teria ocorrido.
Em seu interrogatório judicial (fls. 696 - mídia digital), o acusado alegou que:
'Fiz dois cateterismos e me afastei da empresa e passei a empresa numa fase difícil da minha vida, passei muito mal, estive internado duas vezes, que cheguei a fazer dois cateterismos e resolvi sair da empresa, que vendi a empresa parra o meu sogro e fiquei fora mais ou menos dois, três ou quatro anos, totalmente afastado da empresa e depois infelizmente inverteu-se a posição, o Sr. Antonio, que era meu antigo sócio, tornou-se sócio do meu sogro Sr. Hélio, que o Sr. Antonio nunca trabalhou direto na empresa, o Sr. Hélio sim, que o Sr. Antonio não ficava em Itapeva, quem morava em Itapeva era meu sogro, ele tocava a empresa e como eu estava lá desde 1983 na empresa, todos os contatos era eu que fazia e aí meu sogro se afastou, eu fiquei melhor, o médico me liberou pra trabalhar, que o Sr. Hélio me deu uma procuração e eu passei a fazer os contatos em Itapetininga com a Citrovita, Eucatex, Durafloor, com essas empresas vizinhas de Itapeva, que eu fazia os contatos comerciais com todas essas empresas, que fui sócio da empresa de 1983 a junho ou julho de 1994, não me lembro, que na época dos fatos quem administrava a empresa era o Sr. Hélio, que nunca devi nada desde 1983, que seguramente não fui eu no período de setembro de 1995 a julho de 1996, que o contrato social pode confirmar, que não tenho certeza se nessa época eu estava administrando a empresa, que sobre o depoimento do Sr. Antonio na Polícia é verdade, o Sr. Antonio nunca esteve na empresa, o que aconteceu é que o Sr. Antonio nunca me passou as cotas, o Sr. Antonio era sócio do Sr. Hélio durante o período em que afastei e o Sr. Antonio mandou pra empresa, para representar as contas dele, dois genros dele, o Alfredo, que acabou falecendo, e o Carlos Alberto de Lima, que continuou administrando a empresa naquele período, que voltei pra empresa, o Sr. Hélio me deu a procuração e passei a trabalhar nesse setor (contatos), que o Sr. Antonio disse no depoimento que era eu quem administrava a empresa no período porque a empresa foi se afundando cada vez mais e acabou falindo, que foi feita uma acareação com o Sr. Antonio, comigo e com o Carlos Alberto de Lima, o Sr. Hélio já havia falecido nessa data da acareação, que a empresa fechou e mudou de nome, que em 2004 a circular ainda era tocada pelo Carlos Alberto de Lima, a garagem era a mesma, alguns funcionários devem ter ficado na empresa; que não sabe porque algumas testemunhas disseram que era eu quem controlava a empresa (...), que tive controle financeiro da empresa desde 1983 até a data em que saí da empresa, depois disso não, que saí da empresa em 01/08/1995, vendendo a minha parte para o Sr. Hélio e a partir daí eu tinha a procuração, que com essa procuração não tive mais nenhuma participação na administração da empresa, que fiquei doente em 1995 e em 1998, aproximadamente em junho ou julho de 1995 (...)'.
Pois bem, da análise do depoimento prestado pelo acusado na esfera judicial, observa-se que ele almeja desvencilhar-se da acusação que lhe é imputada. Entretanto, o conjunto probatório dos autos não ampara a tese levantada pela defesa, notadamente em razão dos esclarecedores depoimentos das testemunhas acima transcritos, que denotam que o réu exerceu a administração da empresa no período mencionado na denúncia.
Assim, atuando como sócio e, posteriormente, administrador da empresa, conclui-se que a conduta do acusado subsume-se perfeitamente ao tipo penal estampado no artigo 168-A, 1º, inciso I, do Código Penal.
(...)


Nos termos acima transcritos Antonio da Costa Lourenço, ouvido somente na fase inquisitiva, afirmou que, a despeito de o réu ter se retirado formalmente do contrato social, nunca se afastou efetivamente da gestão da pessoa jurídica autuada.


Ainda na seara policial, Sônia Aparecida Maciel apontou o réu FÁBIO JOSÉ ZANEI e seu sogro Hélio Poccia como os responsáveis pela administração da empresa autuada. Informou que sua demissão da Viação Vale Verde e contratação para a nova empresa Vale Verde Itapeva ocorreu em janeiro de 1999, ocasião em que Carlos Lima e Alfredo passaram a administrá-la (fl. 204). No mesmo sentido foi o depoimento de Luiz Gonzaga de Moraes perante a autoridade policial (fl. 208).


Portanto, de acordo com os esclarecimentos desses depoentes à autoridade policial, o réu FÁBIO JOSÉ ZANEI detinha responsabilidade pela administração da empresa no período dos fatos (setembro de 1995 a julho de 1996).


Por ocasião do oferecimento da denúncia o Parquet Federal arrolou referidas pessoas (Antonio da Costa Lourenço, Luiz Gonzaga de Moraes e Sônia Aparecida Maciel) como testemunhas. Todavia, durante a instrução probatória ocorreu a desistência de suas oitivas, conforme se verifica às fls. 602 e 654, o que impossibilitou a repetição dessa prova em juízo.


De outra senda, o testigo da acusação Wilson Roberto de Almeida foi ouvido em juízo e afirmou que a responsabilidade da pessoa jurídica autuada competia ao réu FÁBIO JOSÉ ZANEI à época dos fatos.


A fim de contraditar a acusação, a Defesa arrolou duas testemunhas durante a instrução probatória, sendo que Walter Assis Ribeiro da Silva esclareceu que trabalhou na empresa autuada de 1983 a 1997 e à época o acusado FÁBIO JOSÉ ZANEI era seu efetivo proprietário. Pelo soube, ele vendeu a empresa para o sogro Hélio, sendo este quem fazia os pagamentos. O trabalho do réu era fora da empresa, pois sempre viajava para resolver os problemas com os ônibus (mídia à fl. 674).


Andréa Cristina de Souza Ferraz Silva, também arrolada pela Defesa, informou ao Juízo a quo que conheceu o acusado como sendo o dono da empresa autuada. Soube que ele ficou doente, vendeu a empresa para seu sogro Hélio, adoeceu novamente e depois voltou a atuar como procurador. Informou que ele fazia contato comercial e cuidava do transporte. Acerca da parte financeira esclareceu que falava direto com Hélio (fls. 647/658).


A despeito de tais depoimentos mencionarem que houve a venda formal da empresa para outra pessoa, não há relato seguro acerca do momento em que isso teria acontecido, extraindo-se, contudo, que mesmo após a alteração do quadro societário, o réu continuou atuando na pessoa jurídica.


Nesse contexto, verifica-se que a prova testemunhal produzida nos autos corrobora a imputação delitiva atribuída ao réu.


Embora não se tenha repetido em juízo as oitivas de Antonio da Costa Lourenço, Luiz Gonzaga de Moraes e Sônia Aparecida Maciel, não se pode desprezar seus esclarecimentos pelo simples fato de terem sido prestados somente na fase inquisitiva.


Não se desconhece, quanto à formação do convencimento do magistrado, que o art. 155 do Código de Processo Penal desautoriza que os elementos colhidos no inquérito policial sejam os únicos a influir no juízo de valoração probatória.


Contudo, referido preceito, não impede, a contrariu sensu, a sua utilização quando estiverem corroborados, complementados ou reforçados pela prova judicial, sendo este o caso dos autos.


Noutras palavras, a regularidade da valoração probatória prescinde de que toda prova colhida inquisitorialmente seja necessariamente refeita em juízo. Se assim não fosse, restaria imprestável o mencionado permissivo legal, dirigido exatamente a viabilizar que determinado elemento de informação influa na apreciação judicial dos fatos imputados, uma vez que seriam os próprios elementos de prova constituídos sob o manto do contraditório que estribariam, exclusivamente, o convencimento do magistrado.


Na forma do entendimento ora exposto, sendo o elemento inquisitorial harmônico com a prova judicial, ele terá valor próprio e participará validamente do acervo probatório, o que fica defeso caso o mesmo mostre-se colidente, isolado ou incompatível com elementos colhidos na ação penal.


Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NAS INFORMAÇÕES DO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA. LAUDO PERICIAL QUE CORROBORA OS TESTEMUNHOS PRESTADOS. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não pode o magistrado fundamentar a sentença condenatória exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvada as provas cautelares não repetíveis, sendo admitido a sua utilização desde que em harmonia com a prova colhida na fase judicial. 2. Na espécie, a sentença condenatória está fundamentada em depoimentos prestados na esfera policial e na perícia realizada no local do acidente, não havendo que se falar, portanto, em ofensa ao artigo 155 do Código de Processo Penal, haja vista a ressalva prevista na parte final do referido dispositivo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 762483 2015.02.05298-0, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:30/08/2017).
HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO. PROVAS INQUISITORIAIS. EXCLUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 155 DO CPP. PROVAS JUDICIAIS SUBMETIDAS AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PENA-BASE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Não se admite, no ordenamento jurídico pátrio, a prolação de um decreto condenatório fundamentado exclusivamente em elementos informativos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal (com seus consectários do contraditório e da ampla defesa). O juiz pode deles se utilizar para reforçar seu convencimento, desde que corroborados por provas produzidas durante a instrução processual ou desde que essas provas sejam repetidas em juízo. 2. O Juiz sentenciante confrontou elementos obtidos na fase extrajudicial com as demais provas colhidas judicialmente, submetidas, portanto, ao crivo do contraditório, de modo que não há como se proclamar a nulidade da sentença condenatória ou a absolvição do paciente. 3. Havendo as instâncias ordinárias considerado que as provas amealhadas eram suficientes a demonstrar que o paciente cometeu o delito a ele imputado, eventual pretensão absolutória enseja a necessidade de dilação probatória incompatível com a via escolhida. 4. As supostas irregularidades perpetradas na pena-base não foram objeto de exame pelo Tribunal a quo, circunstância que impede o conhecimento delas por esta Corte, sob pena de vedada supressão de instância. 5. Habeas corpus não conhecido.
(HC - HABEAS CORPUS - 258786 2012.02.34900-5, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/08/2016).

Assentadas tais premissas, verifica-se no caso concreto que a prova oral produzida somente na fase inquisitiva é reforçada pela prova testemunhal produzida em juízo, razão pela qual devem ser utilizados aqueles depoimentos em corroboração, em esclarecimento e em acréscimo a esta.


Dessa forma, os argumentos defensivos no sentido de que a prova documental (que revela a retirada formal do réu do quadro societário da pessoa jurídica em momento anterior aos fatos), seria capaz de afastar a autoria, não encontram consonância com a realidade trazida aos autos, havendo elementos seguros para se afirmar que o increpado era um dos efetivos gestores da empresa na época dos fatos.


Pelos mesmos elementos é possível extrair-se a presença do dolo.


Acerca do tema, mister destaque que, para o delito estampado no artigo 168-A do Código Penal não se exige o dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, contribuição descontada dos salários dos trabalhadores segurados, dispensando-se a intenção de apropriar-se das importâncias descontadas. Assim sendo, não há a exigência de que se comprove especial fim de agir - animus rem sibi habendi.


Impende colacionar os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser prescindível a demonstração do dolo específico:


RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA EM GRAU DE APELAÇÃO.
ESPECIAL FIM DE AGIR. PRESCINDIBILIDADE. PERDÃO JUDICIAL E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. SÚMULA N. 282 DO STF. FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DA PRETENSÃO ACUSATÓRIA. REGRA DO ONUS PROBANDI. ART. 156 DO CPP. PROVA SUFICIENTE DE QUE O IMPUTADO COMETEU O FATO A ELE ATRIBUÍDO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO.
1. Se já houve pronunciamento sobre o mérito da persecução penal, denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória, fica prejudicado o exame da violação do art. 41 do CPP, principalmente quando evidenciado que o recorrente exerceu, com plenitude, o contraditório e a ampla defesa.
2. Para a configuração do crime previsto no art. 168-A do CP basta a vontade livre e consciente de não repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, pois o tipo penal não exige especial fim de agir.
(...)
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta extensão, não provido."
(STJ, REsp n.º 1359446/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado aos 19.04.2016, DJe 28.04.2016) (grifei).
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO GENÉRICO. DESNECESSIDADE DE CARACTERIZAR O DOLO ESPECÍFICO. SÚMULA N. 83/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL.INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 282/STF E 356/STF.
1. 'Em crimes de sonegação fiscal e de apropriação indébita de contribuição previdenciária, este Superior Tribunal de Justiça pacificou a orientação no sentido de que sua comprovação prescinde de dolo específico sendo suficiente, para a sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos' (AgRg no AREsp 493.584/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 2/6/2016, DJe 8/6/2016).
2. Incidência da Súmula n. 83/STJ, que também é aplicável aos recursos interpostos somente com base na alínea "a" do permissivo constitucional.
3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, é defeso, em âmbito de agravo regimental, ampliar a quaestio veiculada nas razões do apelo nobre.
4. A alegação de que a pena pecuniária substitutiva foi fixada de forma exacerbada e desproporcional não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, sendo que nem sequer foram opostos embargos de declaração para esse fim. Incidência, portanto, das Súmulas 356 e 282/STF.
5. Agravo regimental desprovido.
(STJ, AgRg no AREsp n.º 1077468/SP, Relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 27.06.2017, DJe 01/08/2017) (grifei).
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. PREQUESTIONAMENTO. MENÇÃO EXPRESSA AOS DISPOSITIVOS DE LEI VIOLADOS. PRESCINDIBILIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. Ainda que o Tribunal de origem não tenha feito menção expressa aos dispositivos de lei tidos por violados na insurgência especial, é certo que o objeto das razões recursais foi devidamente deliberado no acórdão recorrido, circunstância que indica a devolutividade da matéria ao STJ, tendo em vista a admissão do chamado prequestionamento implícito, como ocorreu na hipótese.
2. O posicionamento consolidado no âmbito da Terceira Seção deste Tribunal Superior, é no sentido de que o tipo penal do artigo 168-A do Código Penal constitui crime omissivo próprio, que se consuma com a mera omissão de recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, não sendo exigido, portanto, dolo específico.
3. Agravo Regimental desprovido.
(STJ, AgRg no REsp 1262261/PB, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 14/12/2015) (grifei).


A orientação do Plenário do Supremo Tribunal Federal também é no sentido de que o elemento subjetivo no crime do artigo 168-A do Código Penal é o dolo genérico:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA (ART. 168, § 1º, I, DO CP). ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. NÃO-COMPROVAÇÃO. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE. ORDEM DENEGADA.
1. O crime de apropriação indébita previdenciária exige apenas 'a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir, conhecido como animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si). Assim como ocorre quanto ao delito de apropriação indébita previdenciária, o elemento subjetivo animador da conduta típica do crime de sonegação de contribuição previdenciária é o dolo genérico, consistente na intenção de concretizar a evasão tributária' (AP 516, Plenário, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 20.09.11).
2. A inexigibilidade de conduta diversa consistente na precária condição financeira da empresa, quando extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa do que o não recolhimento das contribuições previdenciárias, pode ser admitida como causa supralegal de exclusão da culpabilidade do agente. Precedente: AP 516, Plenário, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 20.09.11.
(...)
(STF, HC n.º 113418, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 24.09.2013) (grifei).


Portanto, sendo o réu responsável pela administração da empresa cabia-lhe o dever de recolher as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, aos cofres públicos, no prazo devido, restando configurado o elemento subjetivo.


Nesta toada, restaram devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo, estando caracterizado, portanto, o delito previsto no artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal.



Da dosimetria da pena


O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.


Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.


Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.


Atento a tais critérios o juízo a quo efetuou a dosimetria da pena nos seguintes termos (fls. 744/745v.):


(...)
Resta, agora, efetuar a dosimetria da pena:
a) Circunstâncias Judiciais - artigo 59 do Código Penal - considerando que o acusado FÁBIO JOSÉ ZANEI era responsável pela administração da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA., no período de setembro de 1995 a julho de 1996; considerando que o dolo restou evidenciado, tendo em vista que o acusado descontou as contribuições previdenciárias de seus empregados e apropriou-se destas contribuições, deixando de repassar aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social; considerando que o réu é primário e não ostenta maus antecedentes; considerando ainda que são graves as consequências do crime perpetrado em face do numerário suprimido dos cofres públicos, na medida em que, ao deixar de repassar ao INSS as contribuições descontadas de seus empregados, valor este que, atualizado para agosto de 1996, perfazia o total de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, setecentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos), cometeu um crime grave angariando beneficio financeiro às custas do erário, sendo que a principal consequência verificada foi a fraude ao patrimônio da Previdência Social e aos segurados; assim, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão e a pagamento de multa, equivalente a 12 (doze) dias-multa, posto que somente assim restarão atendidos os fins repressivos e de prevenção geral e específica da sanção penal.
b) Circunstâncias agravantes - artigo 61 do Código Penal - ausentes circunstâncias que determinem o agravamento da pena aplicada.
c) Circunstâncias atenuantes - artigo 65, inciso I, do Código Penal - ausentes circunstâncias que determinem a atenuação da pena aplicada.
d) Causas de aumento da pena - está presente causa de aumento de pena decorrente do disposto no artigo 71 do Código Penal, posto que a pluralidade de condutas praticadas pelo réu resultou no cometimento de diversos crimes da mesma espécie, a caracterizar continuidade delitiva, face às condições de tempo, lugar e maneira similar de execução. Assim, diante do acréscimo de 1/6 (um sexto), fixo a pena do acusado em 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e ao pagamento de multa equivalente a 14 (quatorze) dias multa.
e) Causas de diminuição da pena - ausentes causas que ensejem a diminuição da pena aplicada.
Fixada a pena, bem como estando ausentes outras circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de diminuição de pena, fica, definitivamente, condenado FÁBIO JOSÉ ZANEI às penas de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e ao pagamento de multa equivalente a 14 (quatorze) dias multa, sendo a cada dia-multa aplicado o valor unitário de um trigésimo do salário mínimo legal vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, pelo crime descrito no artigo 168-A, 1º, inciso I, do Código Penal.
O acusado preenche as condições impostas pelo artigo 44, do Código Penal, para efeito de substituição da pena privativa de liberdade, tendo em vista que a condenação imposta não é superior a quatro anos e o delito não foi cometido com violência, ou grave ameaça, à pessoa, nem tampouco resulta presente a reincidência em crime doloso, além do que a culpabilidade, a conduta social e a personalidade do condenado indicam ser oportuna a concessão.
Assim, substituo a pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 5 (cinco) meses e 5(cinco) dias de reclusão por duas penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44, 2º, do Código Penal, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a outra de prestação pecuniária.
Dessa forma, no que tange à primeira substitutiva, nos termos do artigo 46, do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas deverá ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais.
Com relação à segunda substitutiva, nos termos do artigo 45, 1º, do Código Penal, fixo a prestação pecuniária no valor equivalente a 2 (dois) salários mínimos ao mês, a ser entregue à instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do artigo 45, 2º, do referido diploma legal, ser substituído o valor acima mencionado por 6 (seis) cestas básicas devidas a cada mês da condenação, que deverão ser entregues à instituição previamente cadastrada a ser indicada, também, pelo Juízo das Execuções Penais.
Fixo o regime ABERTO para cumprimento de pena, no caso de não serem cumpridas as penas restritivas de direito, nos termos do artigo 33, 2º, alínea "c", do Código Penal. Faculto ao réu eventual recurso em liberdade.
(...)


Conforme se depreende da leitura da sentença acima transcrita, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal em razão das consequências negativas geradas pelo valor sonegado.


Embora não tenha havido recurso voluntário acerca da dosimetria, impende analisar a pena imposta e consignar que o prejuízo originário causado aos cofres do INSS (NFLD n.º 32.085.864-2: R$ 22.117,53), embora não possa ser desprezado, não é capaz de justificar a elevação da pena-base acima do mínimo legal.


Dessa forma, não havendo outras circunstâncias judiciais negativas, forçoso reduzir, DE OFÍCIO, a reprimenda para o mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão.


Nada há a ser sopesado na segunda fase tendo em vista a ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes.


O juízo a quo aplicou o aumento decorrente do crime continuado na terceira fase, contudo, registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ocorrer após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.


Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica definida a pena em 02 (dois) anos de reclusão.


Considerando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).


Em acórdão relatado pelo Des. Fed. Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).


No caso em concreto verifica-se a continuidade delitiva não superou o prazo de um ano (set/1995 a julho/1996), devendo ser mantida a majoração em 1/6 (um sexto), nos termos estabelecidos pelo Juízo a quo, o que resulta na reprimenda de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.


Nos termos do critério da proporcionalidade, impõe-se a redução da pena de multa, DE OFÍCIO, para 11 (onze) dias-multa.


Deve ser mantido o valor do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos.


O regime inicial de cumprimento de pena deve ser mantido o ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.



Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade


Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, nos termos do artigo 46 do CP, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, e prestação pecuniária (art. 45, CP), no valor equivalente a dois salários mínimos ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, podendo, se preferir o condenado, nos termos do art. 45, §2º, do CP, substituir esse valor por seis cestas básicas a cada mês da condenação, entregues a instituição devidamente cadastrada no juízo da Execução.


À míngua de recurso nesse sentido e tendo em vista que foram observados os critérios legais e atinentes ao caso em concreto, nada há a modificar.



DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU e, DE OFÍCIO, reduzir a pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime ABERTO, e a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, tudo nos termos da fundamentação.


É o voto.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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