D.E. Publicado em 02/03/2020 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU e, DE OFÍCIO, reduzir a pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime ABERTO, e a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 14/02/2020 16:30:32 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelação Criminal interposta por FÁBIO JOSÉ ZANEI, nascido em 13.09.1952, em face da r. sentença acostada às fls. 739/746, proferida pela Exma. Juíza Federal Sylvia Marlene de Castro Figueiredo (3ª Vara Federal de Sorocaba/SP), que julgou PROCEDENTE o pedido formulado em ação penal para CONDENAR o Apelante por violação ao artigo 168-A, §1º, inciso I, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 05 (cinco) meses e 05 (cinco) dias de reclusão, em regime ABERTO, e 14 (catorze) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na época dos fatos, ficando a pena corporal substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, nos termos do artigo 46 do CP, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, e prestação pecuniária (art. 45, CP), no valor equivalente a dois salários mínimos ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, podendo, se preferir o condenado, nos termos do art. 45, §2º, do CP, substituir esse valor por seis cestas básicas a cada mês da condenação, entregues a instituição previamente cadastrada no juízo da Execução.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de FÁBIO JOSÉ ZANEI, como incurso nas penas do artigo 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal (fls. 02/04 e 326/328).
Narra a exordial que o réu, na qualidade de sócio e, posteriormente, administrador da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. (CNPJ n.º 52.231.461/0001-79), com sede em Itapeva/SP, com vontade livre e consciente, teria deixado de recolher aos cofres públicos do INSS, no prazo legal e de forma continuada, as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive o 13º salário, fatos que culminaram na Notificação Fiscal de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2, cujo débito tributário apurado foi de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, seiscentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).
A denúncia foi recebida em 11 de setembro de 2003 (fl. 240).
Considerando que o réu, regularmente citado por edital, deixou de comparecer em Juízo e não constituiu defensor nos autos, foi decretada a suspensão do processo e do prazo prescricional em 31.08.2009, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal (fl. 496). Tendo em vista sua posterior citação, intimação e constituição de advogado (fls. 532 e 564), o processo e o curso da prescrição retomaram seu regular curso em 26.09.2012 (fl. 575 e v.).
A publicação da sentença ocorreu em 10 de setembro de 2014 (fl. 747).
Irresignado, o réu interpôs Apelação e requereu sua absolvição sob o argumento de que deixou de ser sócio da empresa autuada em agosto de 1995, conforme comprovariam as alterações do contrato social e as testemunhas de Defesa, e não seria, portanto, o responsável por sua administração financeira à época dos fatos (fls. 759/763).
Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões (fls. 766/768), subiram os autos a esta E. Corte.
Nesta instância, o Ministério Público Federal ofereceu parecer no qual opina pelo integral desprovimento do recurso da defesa (fls. 778/782).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 10/12/2019 16:24:19 |
|
|
|
|
|
VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 11.09.2003 - fl. 240), contra FÁBIO JOSÉ ZANEI, como incurso nas penas do artigo 168-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, porquanto, na qualidade de sócio e, posteriormente, administrador da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. (CNPJ n.º 52.231.461/0001-79), com sede em Itapeva/SP, com vontade livre e consciente, teria deixado de recolher aos cofres públicos do INSS, no prazo legal e de forma continuada, as contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive o 13º salário, fatos que culminaram na Notificação Fiscal de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2, cujo débito tributário apurado foi de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, setecentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).
Considerando que o réu, regularmente citado por edital, deixou de comparecer em Juízo e não constituiu defensor nos autos, foi decretada a suspensão do processo e do prazo prescricional, nos termos do artigo 366 do Código de Processo Penal, no período de 31.08.2009 até 26.09.2012 (fls. 496 e 575 e v., respectivamente), tendo em vista que o acusado foi citado, intimado (fl. 532), bem como constituiu Defensor (fl. 564).
Após regular instrução, sobreveio sentença condenatória contra a qual se insurge o acusado por meio de recurso de Apelação, cujas razões passa-se a analisar.
Do tipo penal previsto no artigo 168-A do Código Penal
No que tange à tipificação penal, cumpre considerar que os fatos descritos na denúncia ocorreram no período de setembro de 1995 a julho de 1996, inclusive 13º salário, sendo certo que em 15.10.2000 entrou em vigor a Lei n.º 9.983, de 14 de julho de 2000, que revogou expressamente a alínea "d" do artigo 95 da Lei n.º 8.212, de 12.07.1991, e inseriu ao Código Penal o artigo 168-A.
Previa o artigo 95, alínea "d", da Lei nº 8.212/1991:
A pena para a mencionada infração era a prevista no artigo 5º da Lei n.º 7.492, de 16.06.1986, ou seja, reclusão de 02 (dois) a 06 (seis) anos, e multa.
Já o artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 9.983/2000, tem a seguinte redação:
De acordo com o entendimento consagrado pelo C. Supremo Tribunal Federal e pelo C. Superior Tribunal de Justiça, não importa em abolitio criminis a revogação do artigo 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/1991, pela Lei n.º 9.983/2000, haja vista que restou mantida a figura típica anterior em seu aspecto substancial e a antijuridicidade da conduta, conforme julgados a seguir:
Ademais, o artigo 168-A do Código Penal contém norma mais favorável ao réu, uma vez que a pena cominada (dois a cinco anos de reclusão) é inferior a anteriormente prevista para o artigo 95, alínea "d", da Lei n.º 8.212/1991, que era a estabelecida no artigo 5º da Lei n.º 7.492/1986 (dois a seis anos de reclusão). Portanto, aplicável o disposto no artigo 168-A do Código Penal mesmo aos fatos ocorridos sob a égide da lei anterior, nos termos do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal.
O inciso I do § 1º do artigo 168-A do Código Penal trata-se de figura assemelhada à disposta no caput, sendo certo que nas mesmas penas incorre aquele que "deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à Previdência Social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público".
Caracteriza-se o crime com o não recolhimento aos cofres públicos, pelo empresário, das contribuições previdenciárias, no prazo e forma legais, após a retenção do desconto dos funcionários. É, pois, norma penal em branco, a ser integrada pela legislação previdenciária.
O empresário tem a obrigação por lei de reter o valor que deveria ser recolhido pelo funcionário, perfectibilizando o delito quando ele não recolhe ao órgão competente. O valor foi descontado, porém, não recolhido à Previdência.
Trata-se de crime omissivo próprio, não se admitindo a tentativa.
O objeto material é o valor recolhido e não repassado aos cofres públicos, excluídos os juros de mora e a multa (STJ HC n.º 195.372/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 18.6.2012).
Demais disso, o crime é formal, não havendo a necessidade da constituição definitiva do crédito tributário para que se possa dar início à persecução penal, de modo que o delito perfectibiliza-se com o vencimento do prazo para o recolhimento (omissão do repasse).
A jurisprudência do STF, por meio da Súmula Vinculante n.º 24, ressaltou que a ausência de constituição definitiva do crédito tributário impede a persecução penal dos crimes materiais contra a Ordem Tributária (incisos I a IV do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990).
Pontue-se que o entendimento sumular não se refere expressamente sobre o crime delineado no artigo 168-A do Código Penal, além disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar questão relativa à prescrição penal, levou em consideração a data da omissão no repasse das contribuições previdenciárias, mas não a da constituição definitiva do crédito tributário (Inq. n.º 2049/DF, Relator Ministro Carlos Britto, Pleno, j. 19.02.2009).
Todavia, mais recentemente, não se desconhece a existência de entendimento do Pretório Excelso no sentido de que as contribuições devidas à Previdência Social ostentam nítido caráter tributário, razão pela qual devem se submeter ao mesmo regime dos crimes perpetrados contra a Ordem Tributária, no que tange à necessidade do lançamento definitivo do crédito (RHC n.º 132706 AgR, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.06.2016).
A despeito disso, há que se coadunar com o entendimento de que por se tratar de crime formal, não há a necessidade da constituição definitiva do crédito, não sendo o caso de aplicação da Súmula Vinculante n.º 24.
Prescindível, portanto, o esgotamento do processo administrativo fiscal e da constituição definitiva do crédito na esfera administrativa para a propositura da ação penal, não se aplicando ao delito de apropriação indébita previdenciária o aludido entendimento sumular.
Esse é o entendimento desta Décima Primeira Turma e da Quarta Seção desta E. Corte:
Materialidade Delitiva
Em que pese não ter sido contestada, a materialidade delitiva veio robustamente demonstrada pelo Procedimento Administrativo Fiscal, em especial pelo Relatório Fiscal acostado às fls. 12/13, a Notificação de Lançamento de Débito n.º 32.085.864-2 e seu Relatório (fls. 14 e 23/25), Discriminativos do Débito (fls. 15/17), Termos de Início e de Encerramento da Ação Fiscal (fls. 26/27), bem como Registros de Empregados, Recibos, Rescisões Contratuais, Folhas de Pagamentos e Guias da Previdência Social (fls. 28/109), os quais revelam que houve o efetivo desconto dos salários dos empregados da empresa VIAÇÃO VALE VERDE LTDA., não tendo havido seu respectivo repasse ao INSS no prazo legal, durante o período narrado na exordial (setembro/1995 a julho/1996).
Da análise da NFLD n.º 32.085.864-2 verifica-se que o valor originariamente apropriado a título de contribuições previdenciárias foi de R$ 22.117,53 (vinte e dois mil, cento e dezessete reais e cinquenta e três centavos), o qual, acrescido de juros de mora e multa redundou no crédito tributário de R$ 37.763,54 (trinta e sete mil, setecentos e sessenta e três reais e cinquenta e quatro centavos).
Note-se que referida documentação foi inicialmente objeto da ação penal n.º 1999.61.10.000097-3, cujo trâmite se deu perante a 1ª Vara Federal de Sorocaba/SP, na qual Antonio Costa Lourenço e Hélio Silvestre Poccia foram denunciados pelos mesmos fatos tratados nos presentes autos. Contudo, durante a instrução probatória daquele feito atribuiu-se a autoria dos fatos a FÁBIO JOSÉ ZANEI, o que deu origem à instauração do Inquérito Policial n.º 18-0248/2001 e, por consequência, ao ajuizamento da presente ação penal.
Tais elementos probatórios revelam eficazmente a prática delitiva descrita na denúncia, restando, assim, consolidada nos autos a materialidade delitiva.
Autoria e elemento subjetivo
A Defesa pleiteia a absolvição do réu sob o argumento de que ele teria deixado de ser sócio da empresa autuada em agosto de 1995 e não seria o responsável por sua administração financeira à época dos fatos.
Contudo, referidas alegações não encontram respaldo pois, ao que se depreende do conjunto probatório, em especial pela prova testemunhal, restou fartamente comprovado que o acusado, à época da ocorrência dos fatos, exercia a efetiva administração da empresa autuada e, portanto, detinha a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições.
Nos termos do contrato social datado de 17.01.1983 (fls. 110/112), o acusado ingressou na sociedade da empresa autuada na condição de sócio e administrador e dela se retirou formalmente em 01.08.1995 (fls. 116/121).
Não obstante, constata-se por meio da Procuração a ele outorgada em 17.06.1992 por Antonio da Costa Lourenço e sua esposa Dolores da Fonseca (fls. 141/142), que o réu permaneceu na administração da pessoa jurídica até 15.04.1996, ocasião em que os poderes transferidos foram revogados, conforme se verifica nos documentos acostados às fls. 177/178v.
Além disso, há nos autos sólida prova testemunhal, capaz de confirmar que o réu permaneceu na efetiva administração da VIAÇÃO VALE VERDE LTDA. em período posterior à sua retirada formal do contrato social, conforme minuciosamente apreciado e fundamentado pela sentenciante no trecho a seguir transcrito (fls. 741v./743v.):
Nos termos acima transcritos Antonio da Costa Lourenço, ouvido somente na fase inquisitiva, afirmou que, a despeito de o réu ter se retirado formalmente do contrato social, nunca se afastou efetivamente da gestão da pessoa jurídica autuada.
Ainda na seara policial, Sônia Aparecida Maciel apontou o réu FÁBIO JOSÉ ZANEI e seu sogro Hélio Poccia como os responsáveis pela administração da empresa autuada. Informou que sua demissão da Viação Vale Verde e contratação para a nova empresa Vale Verde Itapeva ocorreu em janeiro de 1999, ocasião em que Carlos Lima e Alfredo passaram a administrá-la (fl. 204). No mesmo sentido foi o depoimento de Luiz Gonzaga de Moraes perante a autoridade policial (fl. 208).
Portanto, de acordo com os esclarecimentos desses depoentes à autoridade policial, o réu FÁBIO JOSÉ ZANEI detinha responsabilidade pela administração da empresa no período dos fatos (setembro de 1995 a julho de 1996).
Por ocasião do oferecimento da denúncia o Parquet Federal arrolou referidas pessoas (Antonio da Costa Lourenço, Luiz Gonzaga de Moraes e Sônia Aparecida Maciel) como testemunhas. Todavia, durante a instrução probatória ocorreu a desistência de suas oitivas, conforme se verifica às fls. 602 e 654, o que impossibilitou a repetição dessa prova em juízo.
De outra senda, o testigo da acusação Wilson Roberto de Almeida foi ouvido em juízo e afirmou que a responsabilidade da pessoa jurídica autuada competia ao réu FÁBIO JOSÉ ZANEI à época dos fatos.
A fim de contraditar a acusação, a Defesa arrolou duas testemunhas durante a instrução probatória, sendo que Walter Assis Ribeiro da Silva esclareceu que trabalhou na empresa autuada de 1983 a 1997 e à época o acusado FÁBIO JOSÉ ZANEI era seu efetivo proprietário. Pelo soube, ele vendeu a empresa para o sogro Hélio, sendo este quem fazia os pagamentos. O trabalho do réu era fora da empresa, pois sempre viajava para resolver os problemas com os ônibus (mídia à fl. 674).
Andréa Cristina de Souza Ferraz Silva, também arrolada pela Defesa, informou ao Juízo a quo que conheceu o acusado como sendo o dono da empresa autuada. Soube que ele ficou doente, vendeu a empresa para seu sogro Hélio, adoeceu novamente e depois voltou a atuar como procurador. Informou que ele fazia contato comercial e cuidava do transporte. Acerca da parte financeira esclareceu que falava direto com Hélio (fls. 647/658).
A despeito de tais depoimentos mencionarem que houve a venda formal da empresa para outra pessoa, não há relato seguro acerca do momento em que isso teria acontecido, extraindo-se, contudo, que mesmo após a alteração do quadro societário, o réu continuou atuando na pessoa jurídica.
Nesse contexto, verifica-se que a prova testemunhal produzida nos autos corrobora a imputação delitiva atribuída ao réu.
Embora não se tenha repetido em juízo as oitivas de Antonio da Costa Lourenço, Luiz Gonzaga de Moraes e Sônia Aparecida Maciel, não se pode desprezar seus esclarecimentos pelo simples fato de terem sido prestados somente na fase inquisitiva.
Não se desconhece, quanto à formação do convencimento do magistrado, que o art. 155 do Código de Processo Penal desautoriza que os elementos colhidos no inquérito policial sejam os únicos a influir no juízo de valoração probatória.
Contudo, referido preceito, não impede, a contrariu sensu, a sua utilização quando estiverem corroborados, complementados ou reforçados pela prova judicial, sendo este o caso dos autos.
Noutras palavras, a regularidade da valoração probatória prescinde de que toda prova colhida inquisitorialmente seja necessariamente refeita em juízo. Se assim não fosse, restaria imprestável o mencionado permissivo legal, dirigido exatamente a viabilizar que determinado elemento de informação influa na apreciação judicial dos fatos imputados, uma vez que seriam os próprios elementos de prova constituídos sob o manto do contraditório que estribariam, exclusivamente, o convencimento do magistrado.
Na forma do entendimento ora exposto, sendo o elemento inquisitorial harmônico com a prova judicial, ele terá valor próprio e participará validamente do acervo probatório, o que fica defeso caso o mesmo mostre-se colidente, isolado ou incompatível com elementos colhidos na ação penal.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Assentadas tais premissas, verifica-se no caso concreto que a prova oral produzida somente na fase inquisitiva é reforçada pela prova testemunhal produzida em juízo, razão pela qual devem ser utilizados aqueles depoimentos em corroboração, em esclarecimento e em acréscimo a esta.
Dessa forma, os argumentos defensivos no sentido de que a prova documental (que revela a retirada formal do réu do quadro societário da pessoa jurídica em momento anterior aos fatos), seria capaz de afastar a autoria, não encontram consonância com a realidade trazida aos autos, havendo elementos seguros para se afirmar que o increpado era um dos efetivos gestores da empresa na época dos fatos.
Pelos mesmos elementos é possível extrair-se a presença do dolo.
Acerca do tema, mister destaque que, para o delito estampado no artigo 168-A do Código Penal não se exige o dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico, ou seja, a vontade livre e consciente de deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, contribuição descontada dos salários dos trabalhadores segurados, dispensando-se a intenção de apropriar-se das importâncias descontadas. Assim sendo, não há a exigência de que se comprove especial fim de agir - animus rem sibi habendi.
Impende colacionar os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de ser prescindível a demonstração do dolo específico:
A orientação do Plenário do Supremo Tribunal Federal também é no sentido de que o elemento subjetivo no crime do artigo 168-A do Código Penal é o dolo genérico:
Portanto, sendo o réu responsável pela administração da empresa cabia-lhe o dever de recolher as contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, aos cofres públicos, no prazo devido, restando configurado o elemento subjetivo.
Nesta toada, restaram devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo, estando caracterizado, portanto, o delito previsto no artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal.
Da dosimetria da pena
O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.
Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.
Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.
Atento a tais critérios o juízo a quo efetuou a dosimetria da pena nos seguintes termos (fls. 744/745v.):
Conforme se depreende da leitura da sentença acima transcrita, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal em razão das consequências negativas geradas pelo valor sonegado.
Embora não tenha havido recurso voluntário acerca da dosimetria, impende analisar a pena imposta e consignar que o prejuízo originário causado aos cofres do INSS (NFLD n.º 32.085.864-2: R$ 22.117,53), embora não possa ser desprezado, não é capaz de justificar a elevação da pena-base acima do mínimo legal.
Dessa forma, não havendo outras circunstâncias judiciais negativas, forçoso reduzir, DE OFÍCIO, a reprimenda para o mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão.
Nada há a ser sopesado na segunda fase tendo em vista a ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes.
O juízo a quo aplicou o aumento decorrente do crime continuado na terceira fase, contudo, registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ocorrer após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.
Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica definida a pena em 02 (dois) anos de reclusão.
Considerando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).
Em acórdão relatado pelo Des. Fed. Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
No caso em concreto verifica-se a continuidade delitiva não superou o prazo de um ano (set/1995 a julho/1996), devendo ser mantida a majoração em 1/6 (um sexto), nos termos estabelecidos pelo Juízo a quo, o que resulta na reprimenda de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Nos termos do critério da proporcionalidade, impõe-se a redução da pena de multa, DE OFÍCIO, para 11 (onze) dias-multa.
Deve ser mantido o valor do dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos.
O regime inicial de cumprimento de pena deve ser mantido o ABERTO, em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.
Da Substituição da Pena Privativa de Liberdade
Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, nos termos do artigo 46 do CP, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, e prestação pecuniária (art. 45, CP), no valor equivalente a dois salários mínimos ao mês, a ser entregue a instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante todo o período da condenação, podendo, se preferir o condenado, nos termos do art. 45, §2º, do CP, substituir esse valor por seis cestas básicas a cada mês da condenação, entregues a instituição devidamente cadastrada no juízo da Execução.
À míngua de recurso nesse sentido e tendo em vista que foram observados os critérios legais e atinentes ao caso em concreto, nada há a modificar.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU e, DE OFÍCIO, reduzir a pena privativa de liberdade para 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime ABERTO, e a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, tudo nos termos da fundamentação.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 14/02/2020 16:30:35 |