Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/07/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000373-08.2015.4.03.6104/SP
2015.61.04.000373-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO reu/ré preso(a)
: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELANTE : GILCIMAR DE ABREU
ADVOGADO : SP136349 RONILCE MARTINS MACIEL DE OLIVEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO
: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELADO(A) : GILCIMAR DE ABREU
EXCLUIDO(A) : LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE (desmembramento)
: RICARDO MENEZES LACERDA (desmembramento)
: WELLINGTON ARAUJO DE JESUS (desmembramento)
: CARLOS BODRA KARPAVICIUS (desmembramento)
: SUAELIO MARTINS LEDA (desmembramento)
No. ORIG. : 00003730820154036104 5 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. OPERAÇÃO OVERSEA. QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS. DUPLA IMPUTAÇÃO. BIS IN IDEM. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOSIMETRIA DA PENA.
1. A denúncia descreveu adequadamente os fatos, qualificou os acusados e classificou o crime, permitindo o exercício da defesa quanto à imputação feita, de modo que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não sendo inepta.
2. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, o que não se verifica no caso. Além disso, uma vez proferida sentença condenatória, resta superada a alegação de inépcia. Precedentes.
3. A autoridade policial tem legitimidade para obter diretamente dados cadastrais, remanescendo a reserva de jurisdição apenas para a realização da interceptação do conteúdo das conversas. Ademais, toda atuação da autoridade policial deve submeter-se ao controle judicial, que pode ser exercido de forma diferida.
4. A investigação preliminar realizada pela Polícia Federal no período aproximado de 15 de janeiro a 26 de março de 2013 está sintetizada no relatório que instruiu a representação policial para a obtenção de autorização judicial para a interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas de diversos indivíduos. Houve o compartilhamento de informações entre as unidades de inteligência da Polícia Federal, o que é reconhecidamente válido.
5. Não houve aventura procedimental ou a adoção de expediente indiscriminado ou abusivo na colheita das provas que resultaram na surpreendente dimensão da organização criminosa identificada nos autos. Não houve decisões genéricas ou com alcance destoante dos limites impostos pelas garantias e princípios constitucionais.
6. A ordem da autoridade judiciária brasileira para a empresa multinacional RIM - Research in Motion, sediada no Canadá e representada no Brasil, não se inclui propriamente no rol de providências abrangidas pelo Decreto nº 6.747/2009, cujo processamento se dá por meio das referidas autoridades centrais. Isso porque não se trata de providência a ser solicitada ao Estado canadense, por cooperação jurídica internacional, mas, sim, diretamente à empresa RIM, que possui endereço no Brasil.
7. A possibilidade do Tribunal, no julgamento das apelações, proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar diligência é, textualmente, uma faculdade legal (CPP, art. 616), que deve ser ponderada de forma casuística. No caso, revela-se tardia a suposta intenção do acusado em manifestar-se pessoalmente. O acusado permaneceu foragido ao longo de todo o processo, mas exerceu a sua defesa ativamente, por intermédio de defensor por ele livremente constituído.
8. O indeferimento de provas consideradas, pelo magistrado, irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, encontra expressa previsão legal (CPP, art. 400, § 1º), não consubstanciando cerceamento do direito de defesa.
9. A consulta a apontamentos ou trechos da denúncia não macula o depoimento da testemunha, conforme está expressamente disposto no art. 204 do Código de Processo Penal. Precedente.
10. A Operação Oversea cuida da investigação de 21 (vinte e uma) apreensões de cocaína, sendo que cada uma dessas apreensões foi classificada como um evento. Esses eventos, por sua vez, deram origem a ações penais diversas. No presente feito, os acusados foram denunciados por tráfico e associação para o tráfico internacional de drogas, em razão do evento nº 13. Esse evento nº 13 também fundamenta outras denúncias oferecidas em desfavor dos mesmos acusados, mas tendo por objeto a imputação da prática do delito de organização criminosa (Lei nº 12.850/2013, art. 2º).
11. Os delitos tipificados nos artigos 2º da Lei nº 12.850/2013 e 35 da Lei nº 11.343/2006 não se confundem conceitualmente.
12. Os acusados foram processados duas vezes pelos mesmos fatos. Ante a duplicidade de ações penais pelos mesmos fatos, caracterizada está a violação ao princípio do ne bis in idem, o que impõe o trancamento da segunda ação penal. Precedente da Turma.
13. Materialidade, autoria e dolo do delito de tráfico transnacional de drogas comprovados.
14. As declarações prestadas pela testemunha alinham-se a todo o conjunto probatório produzido, não havendo qualquer elemento que comprometa a sua validade e força probante.
15. Pena-base reduzidas. Afastada a circunstância judicial relativa à motivação do delito.
16. Incide a causa de aumento referente à transnacionalidade (Lei nº 11.343/2006, art. 40, I), pois está bem demonstrado nos autos que se tratava de tráfico transnacional de drogas. Redução, no entanto, da fração aplicável. Precedentes.
17. É inaplicável a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Os diálogos monitorados, a prova testemunhal e o modus operandi adotado pelos acusados na perpetração do delito denotam dedicação a atividades ilícitas, bem como integração a organização criminosa.
18. Recursos da acusação e de uma das defesas desprovidos. Apelação de uma das defesas parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, Posto isso, REJEITAR AS QUESTÕES PRELIMINARES e, DE OFÍCIO, CONCEDER ORDEM de habeas corpus para trancar a ação penal quanto ao crime de associação para o tráfico transnacional de drogas, com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem; NEGAR PROVIMENTO à apelação da acusação; DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa de ANDRÉ e JEFFERSON, apenas para reduzir a pena-base fixada na sentença para cada um deles e fixar em 1/6 (um sexto) a causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito; NEGAR PROVIMENTO à apelação de GILCIMAR e, DE OFÍCIO, reduzir a pena-base fixada na sentença e fixar em 1/6 (um sexto) a causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito. Em razão disso, as penas de JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU ficam definitivamente fixadas em 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, para cada um, e a pena de ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO fica definitivamente fixada em 10 (dez) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 25 de junho de 2020.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000373-08.2015.4.03.6104/SP
2015.61.04.000373-9/SP
APELANTE : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP118848 ROBERTO DELMANTO JUNIOR
: SP019014 ROBERTO DELMANTO
APELANTE : JEFFERSON MOREIRA DA SILVA reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP221336 ANDERSON DOS SANTOS DOMINGUES
: SP234572 KARINA NUNES DE VINCENTI
APELANTE : GILCIMAR DE ABREU
ADVOGADO : SP136349 RONILCE MARTINS MACIEL DE OLIVEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO
ADVOGADO : SP118848 ROBERTO DELMANTO JUNIOR
: SP019014 ROBERTO DELMANTO
APELADO(A) : JEFFERSON MOREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP221336 ANDERSON DOS SANTOS DOMINGUES
: SP234572 KARINA NUNES DE VINCENTI
APELADO(A) : GILCIMAR DE ABREU
ADVOGADO : SP136349 RONILCE MARTINS MACIEL DE OLIVEIRA
EXCLUIDO(A) : LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE (desmembramento)
: RICARDO MENEZES LACERDA (desmembramento)
: WELLINGTON ARAUJO DE JESUS (desmembramento)
: CARLOS BODRA KARPAVICIUS (desmembramento)
: SUAELIO MARTINS LEDA (desmembramento)
No. ORIG. : 00003730820154036104 5 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO COMPLEMENTAR

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O feito havia sido relatado e submetido ao e. Revisor, que confirmou o relatório e pediu sua inclusão em pauta para julgamento.


Incluído na pauta da sessão de 12 de março de 2020, foi adiado por uma sessão, a pedido dos novos defensores do apelante ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, que, no dia anterior (11.03.2020), haviam sido constituídos mediante substabelecimento sem reserva de poderes. No entanto, em razão das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrentes dos riscos de infecção humana pelo novo coronavírus (Covid-19), principalmente a suspensão do expediente externo do Tribunal, o feito não pôde ser apresentado para julgamento nas sessões de 26 de março e de 23 de abril de 2020, que se realizaram na forma eletrônica, tendo em vista o pedido de sustentação oral formulado por esses defensores e a ausência, naqueles momentos, de previsão normativa e disponibilização, pelo Tribunal, de sistema de videoconferência a ser utilizado para tal fim.


Resolvidas essas questões, o feito incluído para julgamento na sessão extraordinária de 7 de maio de 2020, realizada em ambiente virtual com a possibilidade de sustentação oral por videoconferência. Todavia, os defensores do apelante ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO enviaram petição e documentos, no dia 30 de abril de 2020, por correio eletrônico, por meio da qual requereram a retirada do feito da pauta de julgamento dessa sessão, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa, ao argumento de que, no dia 17 de março de 2020, não puderam ingressar no prédio do Tribunal para acessar os autos, que são físicos, em razão das medidas adotadas para enfretamento da pandemia de Covid-19. Afirmaram, então, que permaneciam sem acesso aos autos.


Além disso, no dia 4 de maio de 2020, foi enviada por correio eletrônico petição que noticiava a renúncia dos defensores constituídos do apelante JEFFERSON MOREIRA DA SILVA. Em razão disso, o feito foi retirado da pauta da sessão extraordinária de 7 de maio de 2020, tendo sido determinada a intimação pessoal de JEFFERSON para que constituísse novo defensor ou, caso não o fazendo, fosse designada a Defensoria Pública da União para defendê-lo.


No dia 7 de maio de 2020, entretanto, foi apresentada, também por correio eletrônico, procuração dos novos defensores de JEFFERSON, bem como pedido de acesso aos autos.


Após isso, foi comunicada a prolação de decisão monocrática pelo Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC nº 185.443/SP, determinando a soltura de JEFFERSON. Em cumprimento a essa decisão, determinei a expedição de alvará de soltura clausulado em favor deste apelante. Também autorizei vista dos autos aos defensores de ANDRÉ e JEFFERSON, dada a excepcionalidade da situação e considerando tratar-se de processo em que há réus presos.


O alvará foi expedido no dia 27 de maio de 2020 e encaminhado à Subseção Judiciária de Avaré/SP, para cumprimento.


Por fim, os defensores dos apelantes ANDRÉ e JEFFERSON tiveram pleno acesso aos autos, inclusive retirando-os em carga.


É o relatório complementar.


À revisão.


NINO TOLDO
Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000373-08.2015.4.03.6104/SP
2015.61.04.000373-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO reu/ré preso(a)
: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELANTE : GILCIMAR DE ABREU
ADVOGADO : SP136349 RONILCE MARTINS MACIEL DE OLIVEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : Justica Publica
APELADO(A) : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO
: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELADO(A) : GILCIMAR DE ABREU
EXCLUIDO(A) : LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE (desmembramento)
: RICARDO MENEZES LACERDA (desmembramento)
: WELLINGTON ARAUJO DE JESUS (desmembramento)
: CARLOS BODRA KARPAVICIUS (desmembramento)
: SUAELIO MARTINS LEDA (desmembramento)
No. ORIG. : 00003730820154036104 5 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelos corréus ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU em face da sentença proferida pela 5ª Vara Federal de Santos/SP, no âmbito da denominada Operação Oversea, que os condenou pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas ocorrido em 17.12.2013 (evento nº 13) e, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, os absolveu da imputação da prática do delito de associação para o narcotráfico internacional.


Narra a denúncia (fls. 76/83), em síntese:

OPERAÇÃO OVERSEA - EVENTO 13
(...)
Consta dos autos que ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS, GILCIMAR DE ABREU, CARLOS BODRA KARPAVICIUS, SUAÉLIO MARTINS LEDA e outras duas pessoas ainda não identificadas, em 17 de dezembro de 2013, em horário desconhecido, de forma livre, consciente e voluntária, transportaram, trouxeram consigo e guardaram drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Além disso, consta também que ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS, GILCIMAR DE ABREU, CARLOS BODRA KARPAVICIUS, SUAÉLIO MARTINS LEDA associaram-se entre si e com outros indivíduos não identificados, livre e conscientemente, de forma permanente e estável, para adquirir, exportar, remeter, transportar, bem como custear e financiar a exportação de cocaína - substância de uso proscrito no Brasil - para países do continente europeu, utilizando-se de diversos expedientes para atingirem êxito na prática do ilícito.
Conforme apurado, na data de 17/12/2013, no recinto alfandegado da Santos Brasil, foi apreendida carga contendo 140 kg de cocaína que estavam num contêiner de carnes da empresa Friboi, que seria embarcado no navio MSC Athos, com destino ao porto de Las Palmas, na Espanha.
A apreensão em questão se deu através do monitoramento dos alvos no âmbito da Operação Oversea, sendo apurado no âmbito da investigação que cada um dos denunciados possuía participação e função bastante claras. Maiores informações constam do Relatório de Inteligência Policial nº 18.
Conforme apurado na precitada investigação, ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO exerce função de destaque na organização criminosa que se volta à exportação de cocaína por meio do porto de Santos. Todas as grandes decisões passam por seu aval.
O denunciado LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE ocupa função, basicamente, de ser o responsável por conseguir cargas e destinos, bem como por aliciar os funcionários dos terminais de estufagem e embarque.
Por seu turno, o denunciado RICARDO MENEZES LACERDA é o responsável por também cargas e destinos, além de aliciar os funcionários dos terminais de estufagem e embarque. Foi escalado por ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO para explicar ao dono da droga que não houve falha de um indivíduo ainda não identificado da Santos Brasil na referida apreensão.
Também o denunciado JEFFERSON MOREIRA DA SILVA foi o responsável por negociar com o grupo do também denunciado SUAÉLIO MARTINS LEDA oferecendo cargas e destinos que lhe eram informados por Leandro e Ricardo "Kaká". É o braço direito de André do Rap.
Além disso, o corréu WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS também participou das negociações e também da operação para levar a droga ao contêiner em questão.
O denunciado GILCIMAR DE ABREU era o funcionário da empresa FriBoi JBS que informa os contêineres da referida empresa para a quadrilha exportar droga.
Por seu turno, o denunciado CARLOS BODRA KARPAVICIUS auxilia, diretamente, o corréu SUAÉLIO MARTINS LEDA em suas atividades delituosas e participa ativamente das negociações da quadrilha de tráfico de drogas. Também é o responsável por ocultar o dinheiro e os bens adquiridos com a exportação de drogas.
O denunciado SUAÉLIO MARTINS LEDA, por sua vez, exerce papel de destaque na comercialização de entorpecentes, liderando grupo que busca intermediar entre ações de aquisição do entorpecente na Colômbia e sua remessa via Porto de Santos.
Conforme apurado, todas as informações são levadas a conhecimento dos traficantes colombianos para apreciação e aprovação.
Outras duas pessoas, até o momento não identificadas, participaram do esquema. Entretanto, conforme mencionado, por não ter sido apurada a identidade daqueles, não constam da presente denúncia.
Um dos investigados cuja autoria ainda não resta clara era o responsável por tentar burlar a fiscalização e fazer vista grossa no escâner que opera dentro do Terminal da Santos Brasil. Neste episódio este envolvido tentou atrasar ao máximo a fiscalização do contêiner que continha a droga para tentar chegar no limite de tempo para o embarque, sendo assim a fiscalização poderia não ser feita e o contêiner com a droga seguiria para Europa. Consta que teria recebido R$ 80 mil adiantado para tal serviço.
(...)
Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia e pede a condenação de ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE, RICARDO MENEZES LACERDA, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, WELLINGTON ARAÚJO DE JESUS, GILCIMAR DE ABREU, CARLOS BODRA KARPAVICIUS e SUAÉLIO MARTINS LEDA como incursos nas sanções penais constantes dos artigos 33, caput, e 35, caput, ambos cumulados com o art. 40, incisos I e VII, da Lei 11.343/2006; todos combinados com o artigo 29 e na forma do artigo 69, do Código Penal (...).

Houve o desmembramento dos autos principais nº 0005832-25.2014.403.6104 em relação a ANDRÉ, JEFFERSON e GILCIMAR, não localizados naquela ocasião, o que deu origem a este feito (fls. 387/394v).

A denúncia foi recebida em 29.07.2015, conforme decisão de fls. 469/474v.

A sentença, publicada em 11.10.2016 (fls. 743), julgou parcialmente procedente a denúncia, nos seguintes termos (fls. 689/742):


a) absolveu os corréus da imputação de prática do delito de associação para o narcotráfico internacional, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (art. 35, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006);

b) condenou ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO à pena de 14 (quatorze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas ocorrido em 17.12.2013 (art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006);

c) condenou JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas ocorrido em 17.12.2013 (art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006).

As partes apelaram.

Em suas razões recursais, assim se manifestaram:


O MPF sustenta que: a) "o Juízo equivocou-se desde o princípio, ao exigir para o reconhecimento da associação para o tráfico vínculo estável e permanente". Destacou, ainda, que seria impossível a execução do delito de tráfico relativo ao evento nº 13 sem o auxílio de uma estrutura criminosa organizada. Pleiteia a reforma da sentença e a condenação dos corréus pelo crime do art. 35 c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/06; b) a pena aplicada merece rigoroso aumento, diante da "natureza e gigantesca quantidade" da droga apreendida e do modus operandi utilizado na execução do crime. Requer, ainda, que os mesmos vetores sejam considerados na fixação da pena do crime de associação para o narcotráfico internacional (fls. 745/754v).


A defesa de GILCIMAR, preliminarmente, alega: a) a inépcia da denúncia; b) cerceamento de defesa, decorrente do indeferimento, genérico e precário, das diligências requeridas em sede de resposta à acusação. No mérito, aduz, em síntese, que sequer as interceptações telefônicas relacionam, concretamente, o acusado ao crime, impondo-se sua absolvição. Sustenta que o depoimento prestado pela autoridade policial ficou "enfraquecido", pois apoiou-se totalmente na denúncia apresentada pelo MPF (fls. 798/812).


A defesa de ANDRÉ e JEFFERSON também aponta a existência de nulidades, com fundamento: a) na inépcia da denúncia; b) no fato de o Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes ter testemunhado apenas o que constava na denúncia "e não o que efetivamente investigou"; c) nas sucessivas prorrogações das interceptações das comunicações telefônicas; d) na não observância do Tratado de Cooperação Penal entre Brasil e Canadá, no tocante às interceptações telemáticas efetuadas do sistema blackberry messenger; e) na decisão que concedeu "senhas abertas" para acesso a dados de usuários das operadoras de telefonia.


No mérito, argumenta que não há provas suficientes para a condenação, destacando que não se pode atribuir aos apelantes a autoria das mensagens interceptadas, pois os aparelhos de telefone celular supostamente a eles pertencentes não foram localizados dentre seus pertences.


Caso mantida a condenação, sustenta: a) o apontamento existente em face de ANDRÉ não configura maus antecedentes, pois já decorrido mais de cinco anos desde o cumprimento da pena; b) a finalidade lucrativa é ínsita ao tipo penal, não configurando, portanto, fundamento à exasperação da pena; c) "nos autos nº 0004039-51.2014.403.6104 foram aplicadas penas inferiores a aplicada nestes autos, sendo certo que as fundamentações são idênticas e os processos são vertentes da mesma operação"; d) ser inaplicável, no tocante a ANDRÉ, a circunstância agravante do art. 62, I, do Código Penal; e) deve ser reduzido o padrão de aumento decorrente da transnacionalidade do delito para 1/6 (um sexto); f) deve ser aplicada a causa de diminuição estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (fls. 851/896).


Contrarrazões a fls. 774/794, 814/817, 822/829 e 931/937v.


A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação da acusação e pelo desprovimento dos recursos defensivos (fls. 941/948).


Apesar do pleno acesso das partes ao conteúdo da interceptação telefônica nº 0002800-46.2013.403.6104, foi determinada a juntada aos autos de cópia das mídias contendo todos os áudios e mensagens pertinentes à interceptação telefônica/telemática (fls. 955/963), disso tendo sido as partes cientificadas.


Em 15.09.2019, houve o cumprimento dos mandados de prisão preventiva expedidos em desfavor de ANDRÉ e JEFFERSON (fls. 982/985).


É o relatório.


À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 12/02/2020 17:13:55



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000373-08.2015.4.03.6104/SP
2015.61.04.000373-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ANDRE DE OLIVEIRA MACEDO reu/ré preso(a)
: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELANTE : GILCIMAR DE ABREU
ADVOGADO : SP136349 RONILCE MARTINS MACIEL DE OLIVEIRA
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: JEFFERSON MOREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP127964 EUGENIO CARLO BALLIANO MALAVASI e outro(a)
APELADO(A) : GILCIMAR DE ABREU
EXCLUIDO(A) : LEANDRO TEIXEIRA DE ANDRADE (desmembramento)
: RICARDO MENEZES LACERDA (desmembramento)
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No. ORIG. : 00003730820154036104 5 Vr SANTOS/SP

VOTO


O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU em face da sentença proferida pela 5ª Vara Federal de Santos/SP, no âmbito da denominada Operação Oversea, que condenou esses réus pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas ocorrido em 17.12.2013 (evento nº 13).

Destaco, inicialmente, que a garantia da ampla defesa dos réus foi estritamente observada neste caso. O direito de o acusado constituir, a seu critério e a qualquer tempo, novo defensor, não repercute na validade dos atos processuais praticados até então.

O acusado ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO estava devidamente representado por defensor constituído, que, tempestivamente, subscreveu recurso de apelação contra a sentença condenatória, deduzindo os argumentos que entendeu pertinentes. Às vésperas do julgamento do recurso, previsto para a sessão do dia 12 de março de 2020, mudou de defensor, que, posteriormente, deduziu novos argumentos.

Poder-se-ia refutar o pedido de incorporação das teses e argumentos recentemente manejados pelos advogados que assumiram a defesa desse apelante em 11.03.2020 (fls. 1.120) porque, em princípio, a pretensão é extemporânea. Todavia, parte desses argumentos coincide com as razões já apresentadas a fls. 851/896, servindo de reforço argumentativo. Quanto às inovações, serão enfrentadas - as relativas às matérias de direito e as que porventura possam influenciar no resultado do julgamento - para que não se alegue cerceamento ao direito de defesa.

1. Questões preliminares

1.1. Da inépcia da denúncia.

Os acusados alegam a inépcia da denúncia por não ter sido individualizada a responsabilidade de cada um na conduta delituosa. Sem razão.

A denúncia descreveu adequadamente os fatos, qualificou os acusados e classificou o crime, permitindo o exercício da defesa quanto à imputação feita, de modo que preencheu os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, não sendo inepta.

Cumpre registrar que a primeira fase da persecutio criminis não exige que todos os elementos de um delito estejam definitivamente esclarecidos, uma vez que a verificação de justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade, e não de certeza (materialidade e indícios suficientes de autoria). A certeza, para fins de juízo condenatório, advém do conjunto probatório que se forma ao longo da instrução processual, sob contraditório judicial.

Portanto, havendo suficientes indícios da prática do delito imputado aos acusados e tendo a denúncia apontado liame entre suas condutas e o referido delito, possibilitando-lhes o pleno exercício do direito à defesa e o contraditório, não há que se falar em inépcia.

Destaco que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado (HC 34.021/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.05.2004, DJ 02.08.2004, p. 456), o que não se verifica no caso em exame. Além disso, uma vez proferida sentença condenatória, resta superada a alegação de inépcia (AgRg no AREsp 990.224/RO, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28.03.2017, DJe 05.04.2017; AgRg no AREsp 967.722/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 09.06.2020, DJe 17.06.2020).

Portanto, rejeito a preliminar de inépcia da denúncia.

1.2. Da nulidade das interceptações telefônicas e telemáticas: início, fundamentação e prorrogações.

Os apelantes alegam a nulidade da interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas por violação aos artigos 2º e 5º da Lei nº 9.296/96.

A denúncia baseou-se, fundamentalmente, no inquérito policial nº 5-788/2013 (autos nº 0004506-64.2013.403.6104) e na interceptação de comunicações telefônicas/telemáticas judicialmente autorizada (autos nº 0002800-46.2013.403.6104).

Segundo consta, a Delegacia de Polícia Federal (DPF) em Santos recebeu, por meio do memorando nº 4/2013, proveniente do Grupo de Investigações Sensíveis de Ribeirão Preto, informações acerca da existência de um grupo criminoso voltado ao narcotráfico internacional. O compartilhamento dessas informações determinou a realização, por parte da DPF em Santos, de diversas diligências a fim de aferir a veracidade daquelas notícias.

Anoto que os apelantes não foram prontamente mencionados, mas suas participações foram detectadas ao longo das investigações, sendo certo que a descoberta ocasional de novos fatos criminosos e de outros envolvidos é comum em operações policiais desse porte, de modo que é legítima a extensão do campo investigativo e a inclusão de novos alvos.

É importante destacar que a realização de diligências para obter a maior quantidade possível de dados acerca dos alvos da investigação, o que inclui seus números telefônicos e endereços de e-mail, é absolutamente legítima e ínsita ao próprio desempenho do trabalho da polícia judiciária. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. FORNECIMENTO DE DADOS CADASTRAIS DE CLIENTES DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MEDIANTE REQUISIÇÃO DIRETA DO PARQUET OU DA POLÍCIA FEDERAL. DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS CARACTERIZADOS.
SEGURANÇA PÚBLICA. ACESSO A DADOS CADASTRAIS. POSSIBILIDADE.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Tratam os presentes autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal buscando, em síntese, "assegurar o fornecimento de informações constantes dos cadastros de clientes em instituições financeiras (nome completo, endereço, telefone, e-mail, número de documentos, etc.), quando requisitadas por seus membros para instruir processo judicial, inquérito policial ou qualquer outro procedimento de investigação criminal ou civil, e por Delegados de Polícia Federal, para instruir inquérito policial devidamente formalizado" (fl. 1.106, e-STJ).
[...]
5. Outro ponto imprescindível ao deslinde da presente controvérsia é a distinção de dados e dados cadastrais. Enquanto os "dados" revelam aspectos da vida privada ou da intimidade do indivíduo e possuem proteção constitucional esculpida no art. 5º, X e XII, da Constituição Federal, os "dados cadastrais" se referem a informações de caráter objetivo que todos possuem, não permitindo a criação de qualquer juízo de valor sobre o indivíduo a partir de sua divulgação. São essencialmente um conjunto de informações objetivas fornecidas pelos consumidores/clientes/usuários sistematizadas em forma de registro de fácil acesso por meio de seu armazenamento em banco de dados de pessoas jurídicas de direito público ou privado, contendo informações como nome completo, CPF, RG, endereço, número de telefone etc.
6. O Supremo Tribunal Federal consolidou jurisprudência de que o conceito de "dados" previsto na Constituição é diferente do de "dados cadastrais". Somente aquele tem assegurada a inviolabilidade da comunicação de dados. A propósito: STF, RE 418.416/SC, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 19.12.2006; STF, HC 91.867/PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 19.9.2012, publicado em 20.9.2012.
7. Os dados cadastrais bancários (informações de seus correntistas tais como número da conta-corrente, nome completo, RG, CPF, número de telefone e endereço) estão incluídos na definição de dados cadastrais e não estão, portanto, protegidos por sigilo bancário, que abriga apenas os serviços da conta (aplicações, transferências, depósitos e etc) e não os dados cadastrais de seus usuários.
8. Ressalte-se que o STJ, ao apreciar controvérsia referente ao acesso a dados cadastrais telefônicos, adotou o mesmo entendimento aqui esposado, ao consignar que informações referentes ao proprietário de linha telefônica (nome completo, CPF, RG, número da linha e endereço) buscam somente a identificação de seus usuários e, portanto, não estão acobertadas pelo sigilo das comunicações telefônicas. Nesse sentido: RHC 82.868/MS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 1º.8.2017; HC 131.836/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 6.4.2011.
[...]
16. Recurso Especial provido, devolvendo ao Tribunal de origem para que prossiga com a Ação.
(REsp 1.561.191/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 19.04.2018, DJe 26.11.2018)

Portanto, a autoridade policial tem legitimidade para obter diretamente dados cadastrais, remanescendo a reserva de jurisdição apenas para a realização da interceptação do conteúdo das conversas.

Ademais, toda atuação da autoridade policial deve submeter-se ao controle judicial, que pode ser exercido de forma diferida. O avanço no tocante à apuração de um fato criminoso pressupõe certa autonomia por parte da autoridade policial, sem a qual o sucesso de qualquer investigação, notadamente deste porte, ficaria comprometido.

No caso, foi expressamente determinado pelo juízo o fornecimento de senha aos policiais federais (identificados nas decisões judiciais), por específico prazo de validade, para que eles procedessem à consulta a cadastro de usuários, com o fim de dar prosseguimento às investigações, em virtude das quais se deu a quebra de sigilo telefônico/telemático, devidamente fundamentada. A identificação dos policiais federais, por meio do nome completo e respectiva matrícula, e a especificação de prazo visam exatamente garantir o sigilo dos dados obtidos pelas investigações.

A investigação preliminar realizada pela Polícia Federal no período aproximado de 15 de janeiro a 26 de março de 2013 está sintetizada no relatório que instruiu a representação policial para a obtenção de autorização judicial para a interceptação das comunicações telefônicas/telemáticas de diversos indivíduos. No documento consta, de forma detalhada, a suposta participação de cada um deles, seus dados pessoais e alcunhas, e respectivos números de telefone/PIN - Personal Identification Number.

A análise dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104 indica que houve o compartilhamento de informações entre as unidades de inteligência da Polícia Federal, o que é reconhecidamente válido.

De qualquer forma, conforme pontuado, houve a checagem dos elementos noticiados, com a realização de buscas nos bancos de dados, levantamentos, diligências, registros fotográficos e acompanhamentos em empresas, hotéis, aeroporto, entre outros. A diligente atuação preliminar da Polícia Federal em Santos está minuciosamente reportada na informação de inteligência policial acostada a fls. 8/19 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104.

Disso resulta que os fundamentos que serviram de substrato ao deferimento da representação da autoridade policial pela quebra de sigilo telefônico e telemático eram suficientes à adoção da medida.

Nesse contexto, a afirmação de que, "no presente caso, as interceptações telefônicas foram deferidas com base, exclusivamente, em denúncia anônima", não encontra respaldo nos autos. O afastamento do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas apoiou-se em apurações prévias desempenhadas pelo Departamento de Polícia Federal, o que, inclusive, seria suficiente para conferir validade a eventual notícia dos fatos por intermédio de denúncia anônima. Assim, sob qualquer ótica que se analise a questão, não remanescem os argumentos pontuados pela defesa.

Diante disso, reitero a inexistência de mácula ou deficiência no deferimento da representação policial pelo início da interceptação das comunicações telefônicas (fls. 42/45 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104). O juízo a quo, além de ter indicado pontualmente os indícios de autoria, destacou que a própria dinâmica da atuação criminosa demonstrava a inevitabilidade do deferimento da medida.

A utilização de interceptação telefônica em casos semelhantes a este é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96.

Também se revela equivocada a tese de que o caso concreto estamparia a denominada pescaria probatória ou fishing expedition.

O objeto e os contornos relacionados à Operação Oversea estavam identificados nos autos desde a sua fase embrionária. As informações trazidas pelo setor de inteligência da DPF em Ribeirão Preto foram averiguadas e confirmadas.

Todas as apurações seguiram uma linha de raciocínio lógica e coerente e foram documentadas, de forma cronológica, pelos relatórios de inteligência policial e de vigilância. Esses documentos foram a base para os deferimentos realizados pelo juízo a quo durante o procedimento investigatório.

Não houve aventura procedimental ou a adoção de expediente indiscriminado ou abusivo na colheita das provas que resultaram na surpreendente dimensão da organização criminosa identificada nos autos. Não houve decisões genéricas ou com alcance destoante dos limites impostos pelas garantias e princípios constitucionais. Há em todas as determinações de quebras, buscas e apreensões e mandados de prisão a demonstração de relevante motivação para a autorização dessas medidas, bem como de sua necessidade e adequação.

As defesas insurgem-se, ainda, quanto à validade das renovações ocorridas. Conforme consignado, o caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível para a colheita da prova. As sucessivas prorrogações, a seu turno, foram concretamente fundamentadas e justificaram-se em razão da complexidade do caso e do número de investigados.

O longo período pelo qual se estendeu a manutenção da quebra alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude da atuação do grupo investigado, o que tornou imprescindível a sua prorrogação por quase um ano.

Diga-se que até mesmo os experientes profissionais envolvidos nas investigações foram surpreendidos com o alcance do grupo criminoso e de sua estratégica atuação (autos nº 0002800-46.2013.403.6104 - vol. 21, fls. 5.507/5.509):

O monitoramento das comunicações fez com que as investigações avençassem muito rapidamente, e logo no início, verificou-se que o esquema ia muito além do que constava das informações preliminares, comprovando que a organização criminosa vem exportando entorpecente através do porto de Santos há muitos anos. (...)
A magnitude da organização criminosa surpreendeu a todos os policiais destacados para trabalhar neste caso. Foram identificados vários crimes autônomos que envolveram dezenas de pessoas.

O caso retratado nos autos destoa por completo de investigações ordinárias e por isso a sua apuração demandou mais tempo.

Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, como se verifica, por exemplo, nas seguintes ementas:

HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO.
1. É possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da L. 9.296/96.
2. A interceptação telefônica foi decretada após longa e minuciosa apuração dos fatos por CPI estadual, na qual houve coleta de documentos, oitiva de testemunhas e audiências, além do procedimento investigatório normal da polícia. Ademais, a interceptação telefônica é perfeitamente viável sempre que somente por meio dela se puder investigar determinados fatos ou circunstâncias que envolverem os denunciados.
3. Para fundamentar o pedido de interceptação, a lei apenas exige relatório circunstanciado da polícia com a explicação das conversas e da necessidade da continuação das investigações. Não é exigida a transcrição total dessas conversas o que, em alguns casos, poderia prejudicar a celeridade da investigação e a obtenção das provas necessárias (art. 6º, § 2º, da L. 9.296/96).
4. Na linha do art. 6º, caput, da L. 9.296/96, a obrigação de cientificar o Ministério Público das diligências efetuadas é prioritariamente da polícia. O argumento da falta de ciência do MP é superado pelo fato de que a denúncia não sugere surpresa, novidade ou desconhecimento do procurador, mas sim envolvimento próximo com as investigações e conhecimento pleno das providências tomadas.
5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção.
Habeas corpus indeferido.
(STF, HC 83.515/RS, Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 16.09.2004, DJe de 04.03.2005; destaquei)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO ORDINÁRIO RECEBIDO COMO HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. INSTRUÇÃO CRIMINAL. INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS. DECRETAÇÃO. ILEGALIDADE. ALEGAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DA MEDIDA. DEMONSTRAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA. EXISTÊNCIA. APURAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES DE FORMAÇÃO DE QUADRILHA E DE CORRUPÇÃO PASSIVA. LEI 9.296/1996. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
[...]
II - Consoante assentado pelas instâncias antecedentes, não merece acolhida a alegação de ilicitude da interceptação telefônica realizada e, por conseguinte, das provas por meio dela obtidas.
III - A necessidade da medida foi devidamente demonstrada pelo decisum questionado, bem como a existência de indícios suficientes de autoria de crimes punidos com reclusão, tudo em conformidade com o disposto no art. 2º da Lei 9.296/1996.
IV - Improcedência da alegação de que a decisão que decretou a interceptação telefônica teria se baseado unicamente em denúncia anônima, pois decorreu de procedimento investigativo prévio.
V - Este Tribunal firmou o entendimento de que "as decisões que autorizam a prorrogação de interceptação telefônica sem acrescentar novos motivos evidenciam que essa prorrogação foi autorizada com base na mesma fundamentação exposta na primeira decisão que deferiu o monitoramento" (HC 92.020/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa).
VI - O Plenário desta Corte já decidiu que "é possível a prorrogação do prazo de autorização para a interceptação telefônica, mesmo que sucessivas, especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua. Não configuração de desrespeito ao art. 5º, caput, da Lei 9.296/1996"(HC 83.515/RS, Rel. Min. Nelson Jobim).
VII - O indeferimento da diligência pelo magistrado de primeiro grau não configura cerceamento de defesa, uma vez que o próprio Código de Processo Penal prevê, no § 1º do art. 400, a possibilidade de o juiz indeferir as provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, sem que isso implique em nulidade da respectiva ação penal.
VIII - Recurso ordinário recebido como habeas corpus originário e, na sequência, denegada a ordem.
(STF, RHC 120.551/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08.04.2014, DJe de 28.04.2014; destaquei)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NULIDADE DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA POR ESCUTA TELEFÔNICA DEFERIDA POR JUIZ DE PLANTÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEFERIMENTO DA MEDIDA E PRORROGAÇÕES DEVIDAMENTE FUNDAMENTADAS. LEGALIDADE. INDISPENSABILIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. ORDEM DENEGADA.
[...]
II. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação telefônica e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente fundamentadas, porquanto calcadas na manifesta necessidade para a continuidade das investigações em curso voltadas para a apuração da prática de fatos com características de criminalidade organizada, envolvendo tráfico de entorpecentes e formação de bando ou quadrilha.
III. Desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá ser renovada por indefinidos prazos de quinze dias. Precedentes.
IV. A averiguação da indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação probatória que se faria necessária.
V. Ordem denegada.
(STJ, HC 182.168/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, Rel. p/ acórdão Min. Gilson Dipp, j. 03.05.2012, DJe de 29.08.2012; destaquei)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NULIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA ANÔNIMA. PRECEDÊNCIA DE DILIGÊNCIAS PRELIMINARES. PRORROGAÇÕES. FUNDAMENTAÇÃO POR REMISSÃO. POSSIBILIDADE. EXAME DO CONTEÚDO DAS INTERCEPTAÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO A RESOLUCÕES DO CNJ. MATÉRIA NÃO ANALISADA NA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. WRIT NÃO CONHECIDO.
[...]
2. A denúncia anônima, por si só, não é idônea a autorizar a decretação da quebra de sigilo telefônico, ressalvada a hipótese em que a autoridade policial realiza investigações preliminares em busca de indícios que corroborem com as informações. Na hipótese, os trabalhos de campo não foram suficientes para obtenção de elementos probatórios firmes a embasar uma futura ação penal, apontando-se a interceptação telefônica como única medida para elucidação da verdade material.
3. Conforme a jurisprudência do STJ e do STF, a prorrogação das interceptações telefônicas não está limitada a apenas um novo período de 15 dias, podendo ser efetivada sucessivas vezes, diante das particularidades do caso, desde que fundamentada a decisão. 4. Na espécie, embora nem todas as autorizações judiciais tenham sido juntadas aos autos, do que consta, é possível constatar que o caso era, sim, complexo e estava a exigir investigação contínua, uma vez que se revelaram imprescindíveis para o êxito da operação.
5. O Magistrado de 1º grau, quando da primeira autorização de prorrogação da medida, relata a complexidade das investigações e a dificuldade de colher as provas em razão do modus operandi da organização criminosa, visto que os traficantes se comunicavam por via dos móveis, inclusive trocando constantemente os números e imei´s.
[...]
8. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC 444646 - 2018.00.80913-5, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJE 06/05/2019; destaquei)

Ademais, a regularidade das interceptações telefônicas/telemáticas dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104 foi objeto do Habeas Corpus nº 0028984-47.2015.4.03.0000/SP, de minha relatoria, no qual foi denegada a ordem, à unanimidade, por esta Décima Primeira Turma, em 24.05.2016:

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA/TELEMÁTICA. LEI Nº 9.296/96. OPERAÇÃO OVERSEA. RENOVAÇÃO. ORDEM DENEGADA.
1. A utilização de interceptação telefônica em casos como o dos autos é recorrente e, de fato, necessária, pois o alto grau de cautela adotado por associações ligadas ao narcotráfico acaba determinando o acesso a métodos de investigação diferentes dos tradicionais, o que atende ao disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.296/96.
2. O caso concreto reflete, de forma clássica, aquelas situações em que a medida excepcional da interceptação das comunicações telefônicas mostra-se imprescindível. As sucessivas prorrogações, a seu turno, foram concretamente fundamentadas e justificaram-se em razão da complexidade do caso e do número de investigados. O longo período pelo qual se estendeu a manutenção da quebra alinha-se à gravidade dos fatos e à magnitude da atuação do grupo investigado, o que tornou imprescindível a sua prorrogação por quase um ano. Nesse sentido: STF, HC 83515/RS, Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 16.09.2004, DJ 04.03.2005, p. 11, RTJ 193/609; STF, RHC 120551/MT, Segunda Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 08.04.2014, DJe-079 divulg 25.04.2014 public 28.04.2014.
3. Não procede a alegação de que foram deferidas desarrazoadas e sucessivas prorrogações na interceptação telemática, bem como de ilegalidade da renovação da quebra do sigilo e interceptação pelo prazo de trinta dias e da determinação às companhias telefônicas para que fornecessem senha para consulta a cadastro de usuários.
4. As decisões - todas precedidas da concordância do Ministério Público Federal - foram devidamente fundamentadas, reportando-se sempre às informações obtidas pela autoridade policial em monitoramentos anteriores, conforme informações da autoridade impetrada encartadas aos autos.
5. A inegável complexidade do caso e o grande número de envolvidos não permitiriam que o procedimento tivesse ocorrido de outra maneira. No transcurso da medida, uma ampla rede criminosa se delineou, conduzindo à necessidade de um minucioso monitoramento e aprofundamento das investigações, não havendo na Lei nº 9.296/1996, ademais, qualquer restrição ao número de prorrogações, exigindo-se, apenas, fundamentação idônea. A respeito: HC 119770, Relator: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 08/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 22-05-2014 PUBLIC 23-05-2014.
6. Não há razão plausível que justifique a decretação das nulidades pleiteadas, e, por conta disso, constrangimento indevido ao paciente a ser sanado pela via estreita do presente habeas corpus. O inconformismo do impetrante com a prova produzida e que lastreia as ações penais nºs 0004167-34.2014.4.03.6181 e 0004039-51.2014.4.03.6104 é matéria de mérito e, como tal, há que ser dirimida pelas vias ordinárias, inclusive pelos mecanismos recursais previstos na legislação.
7. Ordem denegada.

Em síntese, a decisão que deferiu a interceptação das comunicações telefônicas (fls. 42/45 dos autos nº 0002800-46.2013.403.6104), protegidas constitucionalmente por sigilo, e as demais decisões que se seguiram à primeira foram devidamente fundamentadas, nos termos da Lei nº 9.296/96, atendendo ao disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal, de modo que não se há de falar em nulidade por ausência de motivação.

Portanto, rejeito a preliminar de nulidade processual.

1.3. Da nulidade da interceptação telefônica e telemática no que pertine a informações obtidas da empresa canadense RIM - Research in Motion.

Rejeito a argumentação. O Tratado de Cooperação Internacional em Matéria Penal entre o Brasil e o Canadá (Decreto nº 6.747/2009), país onde está sediada a RIM, dispõe, em seu art. 11, que:

As autoridades centrais deverão emitir e receber todas as solicitações e suas respostas no âmbito do presente Tratado. A autoridade central pela República Federativa do Brasil será a Procuradoria Geral da República e a autoridade central pelo Canadá será o Ministro da Justiça ou uma autoridade por este designada.

A ordem da autoridade judiciária brasileira para a RIM não se inclui propriamente no rol de providências abrangidas pelo Decreto nº 6.747/2009, cujo processamento se dá por meio das referidas autoridades centrais. Isso porque não se trata de providência a ser solicitada ao Estado canadense, por cooperação jurídica internacional, mas diretamente à empresa RIM, que possui endereço no Brasil.

Verifica-se da ordem de cumprimento da autorização de quebra de sigilo das comunicações telemáticas dos aparelhos Blackberry - identificados por números PIN - que a representação da empresa RIM NETWORK OPERATIONS está localizada na Avenida das Nações Unidas nº 14.171, 15º andar, São Paulo (SP) - fls. 47/48 dos autos nº 0002800-46.2013.4.03.6104 -, estando, desse modo, adstrita ao cumprimento do ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, os números PIN interceptados estavam ativos e sendo utilizados em território nacional, por intermédio das operadoras de telefonia aqui estabelecidas.

O tamanho e a estrutura da filial da empresa no país são irrelevantes no tocante à validade da prova, o que torna inócuo o argumento da defesa de ANDRÉ de que a RIM possui uma "salinha comercial em um escritório de Cowork no Brasil".

Ressalto que a RIM não ofereceu qualquer óbice ao cumprimento da medida judicial constritiva, de modo que não era o caso de solicitar o auxílio do Estado canadense no cumprimento da ordem judicial de interceptação das comunicações entre os acusados, a qual foi processada de forma escorreita pelo juízo a quo.

Ademais, a norma processual no direito brasileiro é marcada por sua instrumentalidade, de modo que, se em nome da celeridade houve a opção pela expedição de ofício direto à empresa canadense, submetendo-se desta forma, ao previsto na Lei nº 9.296/96, não há ilegalidade. A propósito, cito precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CAVALO DE FOGO. TRÁFICO DE DROGAS, ASSOCIAÇÃO, TRANSNACIONALIDADE. 1. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. NEGATIVA DE AUTORIA. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. EXAME APROFUNDADO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. NECESSIDADE. MATÉRIA INCABÍVEL NA VIA ELEITA. 3. ATOS PROCESSUAIS. DILIGÊNCIAS NO EXTERIOR. CARTA ROGATÓRIA. FACULTADO MEIOS MAIS CÉLERES. CONVENÇÕES E TRATADOS. 4. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E TELEMÁTICA. PIN-TO-PIN E BBM. DADOS FORNECIDOS POR EMPRESA PRIVADA DO CANADÁ. SUBMISSÃO À CARTA ROGATÓRIA OU AO MLAT. DESNECESSIDADE. 5. COOPERAÇÃO DIRETA INTERNACIONAL. POSSIBILIDADE. EFETIVO CUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. 6. SERVIÇOS TELEFÔNICOS E TELEMÁTICOS ATIVOS NO PAÍS. COMUNICAÇÕES PERPETRADAS NO TERRITÓRIO NACIONAL. OPERADORAS DE TELEFONIA LOCAIS. ATUAÇÃO DA EMPRESA CANADENSE NO BRASIL. OCORRÊNCIA. LOCAL DE ARMAZENAMENTO. IRRELEVÂNCIA. 7. MEDIDA CONSTRITIVA. DECISÃO JUDICIAL. TERCEIROS NÃO ELENCADOS. INVIABILIDADE. SERENDIPIDADE. POSSIBILIDADE. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. 8. RECURSO DESPROVIDO.
[...]
3. Embora prevista a carta rogatória como instrumento jurídico de colaboração entre países para o cumprimento de citações, inquirições e outras diligências processuais no exterior, necessárias à instrução do feito, o ordenamento facultou meios outros, mais céleres, como convenções e tratados, para lograr a efetivação do decisum da autoridade judicial brasileira (artigo 780 do Código de Processo Penal).
4. A implementação da medida constritiva judicial de interceptação dos dados vinculados aos serviços PIN-TO-PIN e BBM (BlackBerryMessage) não se submete, necessariamente, aos institutos da carta rogatória e do MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty).
5. No franco exercício da cooperação direta internacional e em prol de uma maior celeridade ao trâmite processual, inexiste pecha no fornecimento do material constrito por empresa canadense (RIM - Research In Motion), mediante ofício expedido pelo juízo e encaminhado diretamente ao ente empresarial, para o devido cumprimento da decisão constritiva.
6. Os serviços telefônicos e telemáticos encontravam-se ativos no Brasil, no qual foram perpetradas as comunicações, por intermédio das operadoras de telefonia estabelecidas no território nacional, evidenciando-se a efetiva atuação da empresa canadense em solo brasileiro, independentemente do local de armazenamento do conteúdo das mensagens realizadas por usuários brasileiros.
7. É certo que a decisão judicial de quebra de sigilo telefônico e telemático não comporta todos os nomes das possíveis pessoas que possam contactar o indivíduo constrito em seu aparelho de telefonia, sendo que, acaso obtido algum indício de novos fatos delitivos ou mesmo da participação de terceiros na prática de ilícitos, em encontro fortuito (serendipidade), não há falar em nulidade da interceptação, pois ainda que não guardem relação com os fatos criminosos e/ou constritos primevos, o material logrado deve ser considerado, possibilitando inclusive a abertura de uma nova investigação.
8. Recurso a que se nega provimento.
(RHC 57.763/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01.10.2015, DJe de 15.10.2015; destaquei)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO DELIVERY. CORRUPÇÃO ATIVA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA. MEDIDA PROSPECTIVA. NÃO EVIDENCIADA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS E TELEFÔNICO. AUSÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO INDIVIDUALIZADA DA MEDIDA. INDICAÇÃO DO MODUS OPERANDI DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRECEDENTES. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. INCIDÊNCIA DA LEI N. 9.296/1996. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. TRATADO DE ASSISTÊNCIA MÚTUA EM MATÉRIA PENAL ENTRE BRASIL E CANADÁ. INTERCEPTAÇÃO REALIZADA NO BRASIL. DESNECESSIDADE DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. PRECEDENTES.
[...].
III - O aplicativo BlackBerry Messenger é um modal destinado ao tráfego de informações que integra o rol de sistemas de informática e telemática, gênero contemplado pela Lei n. 9.296/1996 como passível de sujeição à medida invasiva regulamentada pelo normativo, a teor do parágrafo único do seu artigo 1º ('O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática'). Dessa forma, não prospera a aventada violação aos art. 7º, inciso III, da Lei n. 12.965/2014, e arts. 157, § 1º, e 240, § 1º, alínea f, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes.
IV - Na hipótese dos autos, os serviços telefônicos e telemáticos por meio dos quais foram realizadas as comunicações interceptadas encontravam-se ativos no Brasil, por intermédio de operadoras de telefonia estabelecidas no território nacional, independentemente do local de armazenamento do conteúdo das mensagens.
V - Assim, em se tratando de matéria submetida à jurisdição brasileira, não é necessária a cooperação jurídica internacional firmada no Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal pela República Federativa do Brasil e o Governo do Canadá firmaram (Decreto n. 6.747/2009). Precedentes. [...] Agravo regimental desprovido."
(AgRg no REsp 1.667.283/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, j. 04/12/2018; destaquei)
Recentemente, o tema foi novamente enfrentado pelo STJ no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 96.325/MT, em 05.05.2020. Uma das teses defensivas era, justamente, a suposta "ilicitude decorrente da ausência de cooperação internacional entre Brasil e Canadá, para obtenção de dados de mensagens enviadas via BBM - BlackBerry Messenger."

Mais uma vez, ficou assentada a validade do procedimento adotado na implantação da quebra e do conjunto probatório produzido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ART. 33, CAPUT, C.C. O ART. 40, INCISO I, DA LEI N.º 11.343/2006 (POR SETE VEZES); ART. 1.º, CAPUT, C.C. O § 4.º, DA LEI N.º 9.613/1998 (POR CINCO VEZES); ART. 2.º, C.C. O § 4.º, INCISO I, DA LEI N. 12.850/2013. NULIDADES. SUPOSTA ILEGALIDADE NA PARTICIPAÇÃO DE AGENTE DE ORGANISMO ESTRANGEIRO EM INVESTIGAÇÃO NACIONAL, COM UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS ILEGAIS, E ALEGAÇÃO DE PREMISSA EQUIVOCADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. VERIFICAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE.
OBTENÇÃO DE DADOS DE MENSAGENS ENVIADAS VIA BBM - BLACKBERRY MESSENGER. MATÉRIA SUBMETIDA À JURISDIÇÃO BRASILEIRA. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. DESNECESSIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. Quanto à alegação de nulidade, sob o argumento de que teria havido ilegal participação de agente de organismo internacional em investigação nacional, utilizando-se de métodos ilegais, bem como no que diz respeito ao argumento de que o Tribunal a quo adotou premissa equivocada, ao afirmar que as ordens judiciais referentes a interceptações telemáticas foram direcionadas à representante legal da BlackBerry no Brasil, impõe-se o não conhecimento do recurso, ante a indeclinável necessidade de exame aprofundado do conjunto probatório dos autos, tarefa essa que não se coaduna com a via estreita do recurso ordinário em habeas corpus.
2. Ademais, tais questões poderão ser examinadas exaustivamente por ocasião do julgamento da apelação interposta pelo Recorrente - previsto para o dia 10/12/2019 -, via processual de cognição ampla e adequada para a impugnação da sentença, que possibilita a profunda análise de todo o arcabouço probatório acostado aos autos.
3. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que é lícita a interceptação telemática de mensagens enviadas por meio de aparelhos Blackberry, e que, estando ativos no Brasil os serviços telefônicos e telemáticos por meio dos quais foram realizadas as comunicações interceptadas (independentemente do local de armazenamento do conteúdo das mensagens), com a submissão da matéria à jurisdição brasileira, como é o caso dos autos, não é necessária a cooperação jurídica internacional. Precedentes.
4. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(RHC 96.325/MT, Rel. Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, j. 05.05.2020, DJe 22.05.2020; destaquei)
A discussão jurídica veiculada na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 51/DF, que tem por objeto o reconhecimento da constitucionalidade do Decreto Executivo Federal nº 3.810/2001, assim como do art. 237, II, do Código de Processo civil e dos artigos 780 e 783 do Código de Processo Penal, não repercute no julgamento do caso concreto. Isso porque, nessa ADC, ainda em andamento no STF, não houve o pronunciamento pela suspensão, com efeitos erga omnes, do julgamento ou da eficácia das decisões nos processos em que deduzidas controvérsias judiciais da mesma estirpe.

Como visto, o encaminhamento da ordem judicial diretamente para a empresa representante da BBM no Brasil, que, por intermédio de seu diretor, viabilizou, sem qualquer resistência, o seu cumprimento, foi validado, em caso análogo, e em mais de uma oportunidade, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Portanto, rejeito também essa preliminar.

1.4. Da nulidade decorrente da ausência do interrogatório do réu ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO.

Não há que se falar em nulidade ou em justificativa plausível ao deferimento do pedido de conversão do julgamento em diligência para a realização do interrogatório desse acusado.

Com efeito, ANDRÉ permaneceu foragido ao longo de todo o trâmite da ação penal que resultou na sua condenação, em 27 de outubro de 2016. Durante a instrução, foi regularmente intimado por edital (fls. 546) para comparecer à audiência de instrução e julgamento designada para o dia 19 de abril de 2016, mas optou, conscientemente, por permanecer ausente (fls. 559).

Esse réu compõe o polo passivo, no âmbito da Operação Oversea, de três ações penais, nas quais foram expedidos mandados de prisão preventiva em meados de 2014 e que permaneceram sem cumprimento até 15 de setembro de 2019, quando ANDRÉ foi localizado e preso pela polícia (fls. 981).

Sua defesa, embora não tenha, em momento algum, requerido a realização de seu interrogatório, afirma que, "ao ter sido preso o apelante deveria ter sido interrogado por força do disposto no art. 185 do Código de Processo Penal", pleiteando a conversão do julgamento em diligência para esse fim. Sem razão.

Nesse ponto, relevantes considerações se fazem necessárias.

Em primeiro lugar, reitero que o acusado ANDRÉ teve assegurada a oportunidade de ser ouvido, no momento próprio, perante o juízo natural do feito, mas escolheu, deliberadamente, exercer apenas a sua defesa técnica. Além disso, não "compareceu" perante a autoridade judiciária, como diz o art. 185 do Código de Processo Penal, pois não houve espontaneidade. Ele foi capturado pela polícia em razão do mandado de prisão que havia contra ele e, em nenhum momento, demonstrou intenção de ser interrogado.

Por definição, o processo traduz-se em uma sequência ordenada de atos, abrangidos por um sistema de preclusões. Por isso, mesmo no âmbito penal, eventual retrocesso na marcha processual deve ser feito em situações absolutamente excepcionais e de modo criterioso.

A possibilidade do Tribunal, no julgamento das apelações, proceder a novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar diligência é, textualmente, uma faculdade (CPP, art. 616), que deve ser ponderada de forma casuística, ou seja, analisada em razão da situação concreta.

No presente caso, revela-se tardia a suposta intenção do acusado em manifestar-se pessoalmente. Isso porque, repito, ele permaneceu foragido ao longo de todo o processo, mas exerceu ativamente a sua defesa por meio de defensor por ele livremente constituído. Sobre isso, aliás, há diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. NULIDADES. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. INTIMAÇÃO PESSOAL. REVELIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O interrogatório é o ato processual por meio do qual o réu tem a faculdade de expor a sua versão dos fatos narrados na exordial acusatória, nos termos do art. 185 e seguintes do Código de Processo Penal. Todavia, não há que se falar em violação do contraditório e da ampla defesa, pela não realização do referido ato processual, se o próprio investigado - ciente da acusação - empreendeu fuga do distrito da culpa, estava foragido por ocasião do interrogatório e só apontou a ocorrência de nulidade nas alegações finais, logo após a sua captura, quando já encerrada a instrução criminal e apresentadas as razões finais do Ministério Público estadual.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 428.036/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 18.09.2018, DJe 25.09.2018)
HABEAS CORPUS. AUTUAÇÃO. ESTUPRO PRATICADO CONTRA MENOR DE 14 ANOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. CONDENAÇÃO COM TRÂNSITO EM JULGADO. ALEGAÇÕES DE NULIDADE. PRECLUSÃO. INEVIDÊNCIA DE MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. PARECER ACOLHIDO.
[...]
3. Inevidência de manifesto constrangimento ilegal seja em razão das alegadas nulidades referentes à falta de citação do paciente e à ausência do interrogatório dele não terem sido suscitadas no primeiro momento possível, seja em virtude da constituição e intervenção da defensa do acusado, com atuação no processo depois de ordenada, mas antes de realizada a citação, seja porque a parte não pode arguir nulidade a que haja dado causa ou para que tenha concorrido, como na espécie.
4. No caso, o paciente, ainda que não citado pessoalmente (por falha do Juízo da localidade em que estava preso) nem por edital, sabia das imputações que estavam sendo apresentadas pela acusação, tanto que prestou declarações na Delegacia de Polícia, constituiu advogada para patrocinar sua defesa também em Juízo, e tal defensora não só ofertou a resposta escrita, como entrou com diversos pedidos de liberdade provisória e impetrou habeas corpus.
5. O motivo do paciente não ter sido interrogado em Juízo não decorreu exclusivamente do fato de ele não ter sido citado pessoalmente ou de ele estar preso em outra unidade da federação. Mesmo ciente da acusação que lhe foi feita, ele sempre se furtou em comparecer em Juízo, inclusive após ter sido solto, equivocadamente, pelo Juízo de Cuiabá/MT, seguindo-se o processo à sua revelia. A não comunicação, pela então defesa do paciente, sobre a designação da data do interrogatório revela estratégia de evitar uma nova prisão preventiva na audiência, pois pendia de cumprimento mandado de prisão.
6. O réu permaneceu foragido por quase 2 anos, mas sempre esteve representado nos autos. Após a renúncia da advogada e a não localização do paciente para indicar outro, foi nomeado defensor dativo. Noticiada a prisão do réu em fase de alegações finais, o defensor nomeado, embora tenha se manifestado nos autos, nada requereu quanto à renovação da instrução probatória para interrogatório do acusado, o que não prejudicou o exercício da defesa técnica, posto que apresentadas regularmente as alegações finais e posterior recurso de apelação do acusado, sem a alegação de qualquer prejuízo. Nem na primeira revisão criminal ajuizada pelo advogado, ora impetrante, o assunto veio à tona e, embora preclusa a matéria, na segunda revisão criminal foi devidamente repelida.
(...)
9. Ordem denegada.
(HC 476.341/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 20.08.2019, DJe 09.09.2019)

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PEDIDO DE CONVERSÃO DO FEITO EM DILIGÊNCIA. ARTIGO 616 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FACULDADE DO JULGADOR. NEGATIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. DATA DOS FATOS. AUSÊNCIA DE CONTRADIÇÕES. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
2. A regra insculpida no art. 616 do Código de Processo Penal traduz uma faculdade do órgão julgador de segunda instância, nos recursos de apelação, em determinar, com base no conjunto fático-probatório do autos, a realização de novo interrogatório do acusado, reinquirir testemunhas ou determinar outras diligências.
3. O Tribunal a quo negou o pedido de conversão do julgamento em diligência para nova oitiva da vítima, de maneira devidamente fundamentada, sob o entendimento de que as provas colhidas durante a instrução processual foram suficientes para formação do convencimento da magistrada sentenciante, inclusive com a ouvida da vítima por 4 (quatro) vezes.
4. Ausente qualquer constrangimento a ser sanado na via do habeas corpus, a ordem não foi conhecida, na medida em que o Tribunal a quo negou a realização da diligência fundamentadamente, considerando o contexto fático-probatório dos autos que demonstrou ser desnecessária nova reprodução de provas já constantes nos autos e realizadas sob a égide do contraditório.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 527.627/PB, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 19.11.2019, DJe 26.11.2019)

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ART. 213, § 1.º, DO CÓDIGO PENAL. ART. 65 DO DECRETO-LEI N.º 3.688/41. PEDIDO DE CONVERSÃO DO JULGAMENTO DA APELAÇÃO EM DILIGÊNCIA. INDEFERIMENTO. FACULDADE DO ÓRGÃO JULGADOR. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. PENDÊNCIA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O art. 616 do Código de Processo Penal estabelece uma faculdade do órgão julgador - diante da análise do conjunto probatório - determinar novas diligências.
2. No caso, a Corte de origem entendeu pela insuficiência do documento apresentado pelo advogado para justificar a conversão do julgamento em diligência.
3. A estreita via do habeas corpus não é o instrumento adequado para a análise da pertinência, ou não, da diligência requerida no curso da ação penal, porquanto demanda aprofundado exame do conjunto probatório produzido.
[...]
6. Ordem parcialmente concedida tão somente para assegurar a liberdade do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, até o exaurimento das instâncias ordinárias.
(HC 488.481/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 12.03.2019, DJe 28.03.2019)

A garantia constitucional da ampla defesa foi rigorosamente preservada, não sendo legítimo que o apelante venha, na iminência do julgamento do seu recurso, valer-se da sua própria torpeza para retardar o andamento do feito.

Ademais, o art. 565 do Código de Processo Penal estabelece que "nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido", como na hipótese dos autos. Nesse sentido, ponderou a Procuradoria Regional da República:

No entanto tem-se pelas informações dos próprios requerentes, que o corréu ANDREI tinha advogado constituído e produziu sua defesa técnica sem qualquer limitação em primeiro grau. Vale dizer, ou estava foragido ou optou por não comparecer aos atos processuais (notadamente ao seu interrogatório), não podendo, a essa altura, retroceder a marcha processual e muito menos arguir nulidade.

Cabe ao julgador o controle sobre a pertinência, relevância e necessidade da prova. No caso, feito esse juízo, constato que não há motivo relevante para se reabrir a instrução. Aliás, verifico que a única alteração ocorrida nos autos desde a prisão desse réu, há cerca de nove meses, consiste no recente pedido formulado pela sua defesa para que se faça o seu interrogatório.

Nessa perspectiva, não há nenhum elemento que aponte para a necessidade da oitiva de ANDRÉ, tampouco os seus novos defensores o fizeram em sua extensa manifestação.

Portanto, rejeito a pretensão de conversão do julgamento em diligência para a oitiva do réu.

1.5. Da alegada nulidade pela ausência de cadeia de custódia e da imprestabilidade dos relatórios com transcrição das mensagens BBM.

A defesa do corréu ANDRÉ sustenta que os relatórios policiais com a transcrição das mensagens supostamente trocadas entre os investigados não possuem validade jurídica, pois não correspondem, exatamente, ao que teria sido dito pelos envolvidos, conforme esclarecimentos feitos por policiais federais no âmbito da CPI da Petrobrás, em caso análogo. Também argumenta que as declarações prestadas pelo policial federal Alonso Vinicius Caldas Souto, nos autos nº 5036528-23.2015.4.04.7000, relativo à Operação Lava Jato, comprovam a "clara violação aos termos do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre Brasil e Canadá" quanto ao procedimento adotado na efetivação das quebras.

Não assiste razão à defesa e, como já demonstrado acima, são lícitas as interceptações telemática e telefônica realizadas, bem como as provas delas decorrentes.

Não houve afronta ao Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre Brasil e Canadá, pois as informações foram prestadas sem a necessidade da invocação do pedido de cooperação jurídica internacional, conforme já explicitado.

Quanto ao teor das mensagens, pontuo que nenhum dos argumentos da defesa supera o fato de que foi justamente a análise do conteúdo dessas conversas que propiciou as vinte e uma apreensões realizadas e a identificação de dezenas de criminosos.

Não há nenhuma afirmação conclusiva, nem mesmo por parte do perito Gustavo de Araújo Nunes, acerca da ocorrência de vício na transcrição das mensagens. Esse perito menciona a possibilidade da existência de manipulações, sem o registro de qualquer elemento que, concretamente, pudesse deslegitimar o conteúdo dessas provas.

Outra questão aventada diz respeito à denominada cadeia de custódia, introduzida no art. 158-A do Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964, de 24.12.2019.

As investigações, neste caso, ocorreram durante os anos de 2013 e 2014, razão pela qual a referida mudança legislativa não pode ser invocada. De qualquer modo, está preservado nos autos todo o material colhido que serviu de fundamento para a sentença condenatória. As defesas de todos os acusados tiveram amplo acesso a ele, de forma irrestrita.

Diante disso, afasta-se a tese de nulidade, bem como a pertinência do pedido de conversão do julgamento em diligência "para trazer aos autos prova emprestada consistente no depoimento do Policial Federal Alonso Vinicius Caldas Souto (nos autos do processo 5036528-23.2015.4.04.7000 da 13ª Vara Federal de Curitiba)", que nada agregaria ao que já foi ampla e profundamente analisado.

1.6. Da alegada nulidade por cerceamento do direito de defesa.

A defesa de GILCIMAR suscita a nulidade do feito, em razão do indeferimento da expedição de ofício à empresa JBS Friboi, requerida em sede de defesa prévia (fls. 465/467). Sem razão.

Conforme fundamentado pelo juízo de origem, o pedido formulado não demonstrava relevância na elucidação dos fatos e da autoria, mesmo porque "a função do acusado, conforme narrado na denúncia, consistia especificamente em fornecer informações à quadrilha acerca de contêineres que poderiam servir para o armazenamento da droga destinada à exportação" (fls. 469/475).

O indeferimento de provas consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias encontra expressa previsão legal (CPP, art. 400, § 1º), não tendo qualquer respaldo a tese defensiva.

Por isso, também rejeito essa preliminar.

1.7. Da nulidade da prova oral: depoimento da testemunha em afronta ao art. 204 do Código de Processo Penal.

As defesas suscitam a nulidade do depoimento prestado pelo Delegado de Polícia Federal Rodrigo Paschoal Fernandes porque não teria sido observado o disposto no art. 204 do Código de Processo Penal. Sem razão.

Ocorre que a consulta a apontamentos ou trechos da denúncia não macula o depoimento da testemunha, conforme está expressamente disposto no artigo invocado, in verbis:

Art. 204. O depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à testemunha trazê-lo por escrito.
Parágrafo único. Não será vedada à testemunha, entretanto, breve consulta a apontamentos.
A denúncia é peça à qual a testemunha, no caso, poderia ter tido prévio acesso, por ser a autoridade policial. Impende considerar que se trata de operação deflagrada pela Polícia Federal, com diversos alvos, o que deu origem a inúmeros processos. Assim, é razoável que a autoridade policial possa balizar-se, no momento de sua inquirição judicial, por breve consulta a apontamentos relativos à denúncia.

É importante considerar, ainda, que essa testemunha não trouxe o seu depoimento preparado anteriormente, por escrito, mas o prestou oralmente, de modo espontâneo e consentâneo com a verdade dos fatos por ela narrados.

Nesse sentido, vejam-se alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. DESCABIMENTO. PENAL. RECURSO PRÓPRIO INADMITIDO. CONDENAÇÃO AMPARADA EM PROVAS INQUISITORIAIS E JUDICIAIS. TESTEMUNHAS. BREVE CONSULTA A APONTAMENTOS. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. DISPONIBILIZAÇÃO DO CONTEÚDO. SUFICIÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. TRANSCRIÇÃO POR PERITOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PECULATO. VESTÍGIOS. INEXISTÊNCIA. PERÍCIA DESNECESSÁRIA. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO AUSENTE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA. SENTENÇA. TEMA PREJUDICADO. QUADRILHA ARMADA. QUALIFICADORA. INCIDÊNCIA. PECULATO. PÓS-FATO PREVISTO COMO DELITO AUTÔNOMO. FORNECIMENTO DE MUNIÇÕES. ART. 16, CAPUT, DA LEI N. 10.826/2003. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. NEGATIVAÇÃO. BIS IN IDEM. CONSTATAÇÃO. ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CP. NOVA REDAÇÃO. LEI N. 12.850/2013. NORMA MAIS BENÉFICA. RETROATIVIDADE.
[...]
2. A condenação amparou-se não apenas nas provas produzidas na fase extrajudicial, mas em todo o contexto probatório. O Tribunal de origem menciona diversos depoimentos colhidos em juízo, sob o pálio do contraditório, inexistindo nulidade a ser sanada.
3. O art. 204, parágrafo único, do Código de Processo Penal, autoriza a breve consulta a apontamentos até mesmo durante a oitiva, inexistindo ilegalidade no fato de que as testemunhas, policiais civis, que participaram da investigação e conheciam o inquérito policial, tenham consultado a peça da qual já tinham conhecimento, ou até a seu depoimento anterior, antes de serem ouvidos pelo Magistrado.
[...]
14. Impetração não conhecida, por unanimidade. Habeas corpus concedido, de ofício, por maioria.
(STJ, HC 145.474/RJ, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 06.04.2017, DJe 30.05.2017)
PROCESSUAL PENAL: HABEAS CORPUS. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ARTIGO 222 DO CPP ESTABELECE QUE AS PARTES DEVEM SER INTIMADAS DA EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHAS EM OUTRA COMARCA. INTIMAÇÃO DA DEFESA DA DATA DESIGNADA PELO JUÍZO IMPETRADO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CUMPRE AO ADVOGADO DILIGENCIAR E ACOMPANHAR A REALIZAÇÃO DE TODOS OS ATOS PROCESSUAIS. SÚMULA 273 DO STJ. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. TESTEMUNHA QUE CONSULTA APONTAMENTOS. ARTIGO 204 DO CPP. POSSIBILIDADE.
[...]
VII - O uso, pela testemunha, de cópias do processo e documentos correlatos para responder as perguntas formuladas, fazendo referência a todo momento às informações que foram prestadas por outra testemunha, ouvida em Porto Alegre/RS, sem a presença da defesa, não encontra óbice legal.
VIII - O artigo 204 do CPP permite que a testemunha consulte notas e outros apontamentos, vedando, apenas, que ela traga o depoimento por escrito, preparado, sem a espontaneidade necessária. consultar alguns dados, no entanto, é perfeitamente possível, ainda mais quando esses dados se referem a cópias do processo e documentos correlatos aos autos.
IX - Impõe-se, também, considerar que esse depoimento foi prestado por testemunha que exerce o cargo de Auditora da Receita Federal, responsável pela fiscalização no Cartório de Registro de Imóveis de propriedade do paciente, sendo justificável a necessidade da consulta a apontamentos correlatos ao feito, tendo em vista o interregno entre a fiscalização e o depoimento.
X - Ordem denegada.
(TRF3, HC nº 0016995-88.2008.4.03.0000, Segunda Turma, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 28.10.2008, DJe 13.11.2008)
Além disso, registre-se que essa testemunha não foi contraditada nem sequer foram apontados indícios de que ela visava incriminar os recorrentes. Acrescente-se que não foi demonstrado nenhum prejuízo à defesa, nos termos do disposto no art. 563 do Código de Processo Penal.

Portanto, não há nulidade no depoimento prestado em juízo pelo DPF Rodrigo Paschoal Fernandes, razão pela qual também rejeito essa preliminar.

1.8. Da alegada dupla imputação dos fatos - bis in idem.

No presente feito, os acusados foram denunciados por tráfico e associação para o tráfico transnacional de drogas, em razão do evento nº 13 da Operação Oversea. Esse também fundamenta outras denúncias oferecidas em desfavor dos mesmos acusados, mas tendo por objeto a imputação da prática do delito de organização criminosa (Lei nº 12.850/2013, art. 2º), a saber: ações penais 0005751-76.2014.4.03.6104 (GILCIMAR) e 0005748-24.2014.4.03.6104 (ANDRÉ e JEFFERSON).

É certo que os delitos tipificados nos artigos 2º da Lei nº 12.850/2013 e 35 da Lei nº 11.343/2006 não se confundem conceitualmente. Integrar organização criminosa implica associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional, diversamente da associação para o tráfico transnacional de drogas, que nos remonta à união estável e permanente de duas ou mais pessoas para esse fim específico. O escopo do primeiro é evidentemente mais abrangente que o do segundo, que se restringe à associação para a prática do crime de tráfico de drogas.

Extrai-se das denúncias dos processos supracitados, sem margem de dúvida, que o evento nº 13 foi utilizado para fundamentar, do ponto de vista fático, a denúncia em desfavor dos acusados pelo crime de organização criminosa. Concomitantemente, foi também utilizado para fundamentar a denúncia de que trata o presente feito, ou seja, pela associação para o tráfico transnacional de drogas. Está claro, portanto, que os acusados GILCIMAR, ANDRÉ e JEFFERSON foram processados duas vezes pelo mesmo fato.

Anoto que todas as denúncias datam de 16.07.2014, mas o recebimento da peça acusatória neste feito ocorreu em 29.07.2015 (fls. 469/474v), posteriormente, portanto, às demais ações penais (22.07.2014 - cf. fls. 53/55 dos autos 0005751-76.2014.4.03.6104 e 0005748-24.2014.4.03.6104).

Ante a duplicidade de ações penais pelo mesmo fato, caracterizada está a violação ao princípio do ne bis in idem, o que impõe o trancamento da segunda ação penal, relativamente aos acusados GILCIMAR, ANDRÉ e JEFFERSON, haja vista a inexistência de justa causa quanto ao delito de associação para o tráfico internacional de drogas. Nesse sentido, é o precedente desta Décima Primeira Turma, julgado à unanimidade (Habeas Corpus nº 0012511-49.2016.4.03.0000/SP, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 13.12.2016, DJe 19.12.2016).

Isso, contudo, não impede que nos autos nº 0005751-76.2014.4.03.6104 e 0005748-24.2014.4.03.6104 - que têm por objeto a imputação da prática do delito de organização criminosa -, se proceda ao exame dos fatos de modo a atribuir-lhes definição jurídica diversa, nos termos do disposto no art. 383 do Código de Processo Penal. Por oportuno, ressalto que, em cada hipótese, dar-se-á a capitulação jurídica que melhor se amoldar aos fatos narrados na denúncia.

Portanto, diante das razões expostas, CONCEDO, DE OFÍCIO, ORDEM DE HABEAS CORPUS para o trancamento desta ação penal tão somente no que tange ao crime de associação para o tráfico transnacional de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 35), com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem.

2. Mérito

As investigações no âmbito da denominada Operação Oversea iniciaram-se em 2013, a partir da informação (posteriormente comprovada) acerca da existência de um grupo criminoso bastante estruturado e especializado no narcotráfico internacional.

Consta a fls. 22/23 dos autos nº 0002800-46.2013.4.03.6104 o Memorando nº 04/2013-CH/GISE/RPO, de 15.01.2013, do chefe do Grupo de Investigações Sensíveis em Ribeirão Preto/SP - GISE/RPO/DPF/SR/SP, endereçado ao chefe do SIP/DPF/SR/SP, referente a informações sobre a atuação de organização criminosa na cidade portuária de Santos, o que deu origem às investigações realizadas pela Delegacia de Polícia Federal (DPF) em Santos, in verbis:

Senhor Delegado,
1. Chegou ao conhecimento desta Unidade de Análise que existe uma organização criminosa na Baixada Santista voltada ao tráfico internacional de cocaína. A droga parte do Porto de Santos e o principal destino é a Europa.
2. O grupo se notabiliza pela divisão de tarefas entre seus membros, que desempenham funções como entregar a mercadoria nos navios, cooptar a tripulação dos mesmos para receber a droga em alto mar, armazenar os carregamentos na região de Santos antes de embarcá-lo, transacionar com os compradores europeus e com os fornecedores bolivianos, etc.
3. Há também pessoas ligadas ao grupo que fornecem informações sobre as rotas e os destinos dos navios, as mercadorias por eles transportadas, os importadores e exportadores, etc. Sua função é fazer o acompanhamento dos carregamentos de entorpecentes que são inseridos nos contêineres. Não recebemos informações sobre o envolvimento ou não dos importadores e exportadores com a organização, que podem ou não ter ligação com a organização criminosa.
4. A droga seria fornecida ao grupo por membros do alto escalão do Primeiro Comando da Capital. Uma pessoa conhecida pela alcunha de Gold seria o principal articulador do esquema e contaria com Juliana e Rita, que seriam responsáveis pela logística de transporte e de armazenamento da droga na baixada santista e também pela contabilidade da organização.
5. O principal responsável pela colocação da droga nas embarcações é uma pessoa que atende pelo nome ou codinome de Josias. Prestam-lhe auxílio nesta tarefa as pessoas de Carolina, Tânia, Amélia e Isabelly Vitória (todos nomes fictícios), que obtêm informações sobre as rotas dos navios e dos contêineres e são responsáveis pelo embarque da droga no seu interior. Este grupo possui contato com despachantes aduaneiros e seus auxiliares (ainda não indentificados), que são as pessoas que fornecem informações sobre o trajeto dos contêineres a serem utilizados pela organização.
6. O grupo conta com estrangeiros que retiram a cocaína dos contêineres nos países de destino. Alguns de seus membros trabalham embarcados e fazem parte da tripulação dos navios. As informações recebidas dão conta que este núcleo presta o mesmo tipo de "serviço" para outros traficantes.
7. Gold costuma encontrar-se com seus comparsas num lugar conhecido por "Hornet", que seria uma empresa situada na Zona Leste de São Paulo. De lá, a droga é trazida para a baixada santista, onde fica armazenada até a chegada do momento de seu embarque nos navios.
8. Para furtar-se à ação da Polícia, o grupo não fala sobre assuntos ilícitos por meio da rede de telefonia comum. O principal meio utilizado para se comunicarem é o serviço Blackberry Messenger, ou BBM, software de troca de mensagens instantâneas por meio de telefones celulares da empresa RIM Networks, com sede no Canadá. Cada aparelho Blackberry possui um número "PIN" que é único e o distingue dos demais no serviço de mensagens da empresa.

Com o avanço das investigações, ficou apurado que a estrutura criminosa era composta, fundamentalmente, por três células (Gold, Porto de Santos e Mogi), que dividiam as tarefas de aquisição e revenda da droga e toda a logística envolvendo a sua camuflagem em contêineres até a efetiva colocação nos navios que partiam do porto de Santos com destino ao exterior.

As investigações possibilitaram a realização de 21 (vinte e uma) apreensões de drogas, sendo que cada uma delas foi catalogada com um número de evento. No presente feito, trata-se, como já mencionado, do evento nº 13, relativo à apreensão, em 17.12.2013, de 145,67 kg (cento e quarenta e cinco quilos e sessenta e sete gramas) de cocaína destinada a Las Palmas, nas Ilhas Canárias/Espanha, continente europeu, por meio do navio MSC Athos.

As provas produzidas nestes autos comprovam que ANDRÉ, vulgo André do Rap, Boy, RM, Andressa, Vencedor, Alexandre Pato, Glória de Deus, Deus é Fiel, Que Deus Proteja Todos Nós Hoje e Sempre, Paz, Vai Corinthians; JEFFERSON, vulgo Dente, Coelho, Isabelly Vitória, Kamilly, Ruan ou Gabrielly, e GILCIMAR, vulgo Nego ou Poocker, transportaram grande quantidade de droga que seria remetida para o exterior, em um contêiner posto num navio que tinha por destino a Espanha.

Essa droga estava disposta em 136 (cento e trinta e seis) tabletes, todos acondicionados em cinco malas de viagem.

A informação técnica e o laudo pericial realizado, instruído com o registro fotográfico da diligência realizada pelas equipes da Polícia e da Receita Federal, demonstram claramente a materialidade do delito.

A autoria também ficou suficientemente comprovada, não havendo qualquer fundamento que legitime a absolvição pretendida pelas defesas dos réus.

As tratativas em torno da remessa da droga para o exterior iniciaram-se em maio de 2013, mas foram intensificadas a partir de novembro, após a aprovação, por parte dos donos da droga, para a colocação da cocaína no contêiner que teria como destino Las Palmas.

O relatório da Polícia Federal referente ao evento nº 13 (autos nº 0004506-64.2013.403.6104) descreve o envolvimento de cada um dos acusados e reproduz os diálogos interceptados:

Evento nº 13
17/12/2013 no recinto alfandegado da Santos Brasil. Apreensão de 140 quilos de cocaína que estavam num contêiner de carnes da Friboi, que seria embarcado no navio MSC Athos, com destino ao porto de Lãs Palmas, na Espanha. IPL n" 1418/2013-DPF/STS/SP.
(...)
- Da função dos alvos:
Conforme veremos nas mensagens adiante, podemos observar a participação dos principais alvos da Operação OVERSEA, desempenhando suas funções claramente.
1. André de Oliveira Macedo (André do Rap, RMM, Rei)
Chefe da quadrilha de exportadores de cocaína no porto de Santos. Todas as decisões passam por seu aval. Participou ativamente das negociações.
(...)
4. Jefferson Moreira da Silva - (Dente, Coelho) PIN 27BB706B:Isabely Vitoria, 28I47B3D:KamiIly, 26C2F8E5:Ruan S2,
Negociou com a quadrilha de SUAÉLIO MARTINS LEDA "(Huy), oferecendo cargas e destinos que lhe eram informados por Leandro e Ricardo "Kaká". É o braço direito de André do Rap
(...)
6. Gilcimar de Abreu (Poocker)
Funcionário da FriBoi JBS que informa os contêineres da referida empresa para a quadrilha exportar droga.
(...)
- Dos diálogos interceptados:
No dia 19/11/2013 a quadrilha faz a estufagem da droga.
Esta negociação já se arrastava há meses, e teve seu início em maio de 2013, quando foi efetuada a vigilância do encontro entre "Ricardo", Jefferson Moreira da Silva "Isabelly Vitória/Dente" e Wagner Vicente de Liro "Driely/Bafinho" no Habib's do Guarujá e que gerou o Relatório de Vigilância 03/2013 em 20/05/2013.
Ao longo destes meses diversas cargas x navios x destinos foram oferecidos, mas não foram aceitas, até que surgiu uma com destino final Lãs Palmas - Espanha e que atendia as necessidades da quadrilha. Com isso foi dada a aprovação para colocação da cocaína no interior do contêiner.
Na sequência pode-se verificar que são passados dados importantes para
montar o "quebra cabeça" e localizar o contêiner contendo a cocaína.
1. Destino: Lãs Palmas - Ilhas Canárias - Espanha
2. Navio: MSC AThos
3. Contêiner Refrigerado
4. Carga final em Lãs Palmas
5. Frigorífico de grande porte com alcance mundial.
6. Envolvimento de Funcionário da JBS Friboi - Gilcimar
Leandro "Popó" passa o número do celular 97931537, que está em nome da esposa de Gilcimar, e que vem sendo utilizado pelo próprio Gilcimar, para que Jefferson pegue as informações mais precisas dos contêineres de interesse da quadrilha.
ID:2403067
Data/Hora: 29/11/2013 13:37:51
Direção: Originada
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isabelly Vitoria) - 26c2f8e5_jm
Contato: HOLT (Leandro - Popo) - 2a7c20a9
Observações: @
Jefferson: O papel não veio detalhado não
Jefferson: Não veio o nome do busao
Jefferson: Só veio o numero da ex e a data
Jefferson: Porque chegando la a primeira coisa qui ele vai perguntar vai ser do busao
Leandro (Popó - Holt): Q eu vou pegar o num do mlk e passo pra vcs ligar pra ele do orelhão
Leandro (Popó - Holt): 97931537
Leandro (Popó - Holt): Liga nele q ele te fala na hr
Após reuniões pessoais e apresentação de alternativas de destinos, a quadrilha dona da droga resolve aceitar fazer o embarque da cocaína no MSC Athos, num contêiner refrigerado, com destino a Las Palmas. André os informa que é um contêiner de um frigorífico grande, o que é coerente com o fato de pegaram informações com o Gilcimar, funcionário da JBS/Friboi.
ID: 2498503
Data/ Hora: 10/12/2013 14:39:23
Direção: Recebida
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isabetly Vitoria) - 26c2tT3e5_im
Contato: Huy (mio / alfredo / tubarão) - 2a70d806
Observações: @
Huy: To falando e do canários
Huy: então você não tem o athos só tem o antuer
Huy: Só posso manda um
Jefferson: O canária você quer qui vá no athos
ID: 2498563
Data/Hora: 10/12/2013 14:48:45
Direção: Recebida
Alvo: André do Rap - 2óc52123Jm
Contato: Huy (mio / alfrcdo / tubarão) - 2a70d806
Observações: @
Huy: Então eles me troxe uns papeis aqui pra mim só que o athos não veio a reserva só veio do antur c de outro que vai pró mesmo lugar que vai o athos então e to perguntando aqui pra eles amigo o me fala uma coisa o anthos não veio a reserva dele só veio do a do antw e de outro que não e o athos o outro que veio que não e o athos não serve só serve o athos posso mando no athos o não eles não sabe me responder
Huy: Então só que eu não sei o que o athos vai levar porque não veio a reserva dele
André do Rap: E aquelee destribuidor laaa
André do Rap: q manda pó mundo tdoo
André do Rap: Q o athos ta na mão tbmm
André do Rap: E a mercadoriaa e do mesmo generoo
André do Rap: Q laa e um. Frigo nee
Ainda nos preparativos finais a quadrilha antes de fazer a inserção da droga se preocupa em deixar já acertados os valores combinados com o funcionário da Santos Brasil ao qual apelidaram de Xerox (uma alusão ao Raio x / escâner) e ao Gilcimar da Friboi.
Ressaltamos a participação do Wellington "W gordinho" integrante da quadrilha, que em conjunto com Jefferson, buscou a droga e levou para o Terminal da Friboi.
ID:2517141
Data / Hora: 12/12/2013 09:43:00
Direção: Originada
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isabclly Vitoria) - 26c2f8c5_im
Contato: Qui deus proteja (André do rap) - 26c52123
Observações: @
Jefferson: Não foi ninguém ainda
Jefferson: Sim mais tamo na dependência do mano la
Jefferson: Só to no aguarde pra levar o pessoal na rodoviária
André do Rap: O w gordim ta envolvidoo
Jefferson: Ta simmm
Jefferson: ele foi comigo na rodoviária buscar o pessoal
Jefferson: Você tem de falar com alfredo pra mandar o couro do xerox
SUAÉLIO (Huy) e André conversam para saber em qual moeda vão pagar a pessoa da Santos Brasil, assim como Gilcimar de Abreu. Fica decidido que o primeiro será pago em Reais e o Gilcimar de Abreu em dólares.
ID:251S644
Data/Hora: 12/12/2013 17:50:16
Direção: Recebida
Alvo: André do Rap - 26c52123_jm
Contato: Huy (mio / alfredo / tubarão) - 2a7(kiS06
Observações: @
Huy: o cara da fota e em reais e os menino do termi e em verde não e isso
Huy: Eu sei to te falando e que o mino da foto cobrou pra nos 150 R por caixa fica tranquilo
Huy: Eu não sei se eles precisa de um lugar para coloca isso o vai em cima mesmo
Huy: Tu acha que isso sai esse semna ainda
André do Rap: Por q o ded ja canto tendeu
No dia 14, enfim chega o momento da estufagem do contêiner com cocaína. Leandro "Popó" avisa Jefferson e utiliza a expressão "baile" na intenção de disfarçar sua atividade delituosa, mas Jefferson já o entrega perguntando se é o das Ilhas Canárias.

ID:2530151
Data/Hora: 14/12/20U 01:12:08
Direção: Recebida
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isabelly Vitoria) - 26c2fSe5_im
Contato: HOLT (Leandro - Popo) - 2a7c20a9
Observações: @
Leandro: Dar pra ir pró baile agora
Leandro: Ta do jeito
Jefferson: Esse e o canari
Leandro: Isso
Logo após o êxito na estufagem, Jefferson informa seu chefe André do Rap e em seguida avisa um dos donos da droga, SUAELIO MARTINS LEDA, (nicknames Eu, Canam Alfredo, Tuba Rico, Mio, Huy) que conseguiram emprenhar o contêiner para as canárias que vai viajar no MSC Athos, e que ele está previsto para sair dia 16.
ID: 2530388
Data/ Hora: 14/12/201303:11:22
Direção: Originada
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isabclly Vitoria) - 26c2f8c5_im
Contato: Qui deus proteja (André do rap) - 26c52123
Observações: @
Jefferson: Já levei o pessoal no aeroporto
1D: 2536598
Data/Hora: 14/12/2013 14:45:31
Direção: Reechida
Alvo: Andressa (andré do Rap) - 273613ed_im
Contato: Kamilly (Jefferson / ruan / Isabelly vitória) - 28l47b3d
Observações: @
Jefferson: Deixei ontem o pessoal no aeroporto
ID: 2537063
Data/Hora: 14/12/2013 16:51:52
Direção: Recebida
Alvo: Ruan (Jefferson / K.amÍlly / Isabelly Vitoria) - 26c2f8e5_im
Coniato: Huy (mio / alfredo / tubarão) - 2a70d806
Observações: @
Huy: Qual que já foi depositado
Huy: O athos
Jefferson: Os canarios
Jefferson: Os canarios qui vai sai primeiro
Huy: a previsão do canario e pra 16
Jefferson: Qui a qui eu te mandei e a presenca
SUAELIO (Huy) avisa seu comparsa "R" que já emprenharam o contêiner com 137 peças e que dia 16 será levado para embarque.
ID: 2537418
Data/Hora: 14/12/2013 18:28:05
Direção: Originada
Alvo: (Eu, Canam, Huy, Alfredo) - 281ea5cO_im
Contato: Ricardo (R) - 265a3bbf
Observações: @
Huy: E o seguinte falaei com os meninos la de baixo eles falou que já deposito os 137 reais hoje não tem como retira mais
Huy: Que o banco vai enviar o deposito dia 16
Huy: Já ta dentro da caixa ok
No dia 16, Leandro avisa ao seu comparsa Jefferson que o contêiner foi
entregue e que já possui os documentos com os dados pertinentes, para que a ponta europeia da quadrilha possa retirar a droga antes que a carga original siga para o verdadeiro cliente da Friboi.
ID: 2545633
Data / Hora: 16/12/2013 14:33:24
Direção: Originada
Alvo: Leandro (Popó - Holt) - 2a7c20a9_im
Contato: Ruan (Jefferson - Isabelly) - 26c2f8e5
Observações: @
Leandro: Foi entregue
Jefferson: O mano já trouxe o comprovante
Jefferson: Assim qui você pegar me chama
Jefferson: Qui eu pego ai com vc
As conversas mantidas por ANDRÉ e JEFFERSON versam explicitamente sobre o planejamento do delito. Eles fazem referência ao porto de destino, ao navio da MSC escolhido pelo grupo e à quantidade da droga que seria transportada.

GILCIMAR era funcionário da JBS e atuava nos bastidores, dando suporte na execução do crime. O diálogo mantido em 29.11.2013, já transcrito (ID 2403067), evidencia que o grupo contava com a sua pronta disposição em auxiliá-los e que os contatos deveriam ser feitos por orelhão. A ausência do registro das conversas mantidas entre GILCIMAR e os demais agentes não afasta a autoria nem torna menos relevante a sua participação no crime.

A apreensão da cocaína somente foi possível em função dos dados colhidos com o monitoramento legalmente autorizado (autos nº 0004506-64.2013.403.6104):

Já com todas as informações coletadas ao longo das investigações, foi possível solicitar à alfândega que procedesse a abertura do lote de contêineres provenientes da JBS e que embarcariam no MSC Athos, com destino final Lãs Palmas.
(...)
No mesmo dia que fora encontrada a droga, a quadrilha já inicia a lamentação.
O primeiro a ser avisado foi o Leandro "Popo", que logo avisou Jefferson do ocorrido naquela tarde e que a cocaína deles foi apreendida pelas autoridades competentes.
(...)
Jefferson prontamente avisa seu chefe André do Rap que lamenta o fato de que não vão receber o dinheiro pelo trabalho de colocar a droga dentro do contêiner, visto que só recebem quando o contêiner segue viagem no navio, passando a responsabilidade para o comprador. André vai cobrar uma explicação ao mão podre da Santos Brasil, que solicitou
pagamento adiantado dando garantia do embarque do contêiner com a droga. Jefferson diz que tem que avisar aos donos da droga.
ID:2553877
Data/Hora: 17/12/2013 18:26:26
Direção: Originada
Alvo: Kamilly (Novo Isabely)-28147b3d_im
Contato: André de Oliveira Macedo ( do RAP) - 273613ed
Observações: @
Jefferson: Teve problema la
Jefferson: Ta passando aki ele
André do Rap: Q isso não fala iso naoo
Jefferson: Qui nem chego a passar na xerox
Jefferson: Tem qui da uma explicação mil grau
Jefferson: E porque tem de explicar pro alfredo direitinho
André do Rap: Meu mano tu não sabee q ódio q to aquiii
André do Rap: Pior q ninguém recebeee. Ai e fodaaaa
André do Rap: Subidaa nadaaa
André do Rap: E aquele maluko vai devolve a moeda q ele pago farofaaa
Jefferson: Ele disse qui o pessoal chego e foi direto no lote
Jefferson: Ele disse qui já tava pra ir embora tudo ok
Jefferson: Ai o pessoal chego pra visto e mando abrir o lote todo
André do Rap: Quer q eu passe po alfredoo
Jefferson: Porque ele ta esperando o cara mandar os dados qui ja tava tudo ok
(...)
André do Rap se lamenta com seu operacional numero 1, Jefferson, que queimaram novamente a JBS Friboi, a qual julga ser a melhor empresa para fazer estufagem com cocaína e pede para Jefferson procurar o Gilmar (Gilcimar) para conversar.
ID: 2563585
Data/Hora: 18/12/201320:34:37
Direção: Originada
Alvo: Ruan (Jefferson / Kamilly / Isahelly Vitoria) - 26c2f8e5_im
Contato: Qui deus proteja (André do rap) - 26e52123
Observação: @
Jefferson: Você podia pedir pro gilamr fala com ele la
Jefferson: So e foda q queimo o melhor lugar
André do Rap: E da um tempo nee
André do Rap: Q nos ja tinha. Tido acidente la
Jefferson: Ae acha o gima
Em operações desse porte, raramente a qualificação dos envolvidos se dá prontamente. Na maioria expressiva dos casos, a identificação decorre de um processo que inclui a análise e somatória de dados e informações angariadas ao longo de todo o trabalho investigativo. Essa é a hipótese dos autos. O relatório final do IPL nº 788/2013, apresentado pela autoridade policial, aborda o tema relativo ao processo de identificação dos alvos (vol. 2 e 3):

111.13. ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO, nicknames ANDRÉ DO RAP, BOY, RM, ANDRESSA, VENCEDOR, ALEXANDRE PATO, GLÓRIA DE DEUS, DEUS É FIEL, QUE DEUS PROTEJA A TODOS NÓS HOJE E SEMPRE, PAZ PAZ!!!!!!! VAI CORINT1ANSS. Usuário dos PINs 27c2eela, 27c34600, 26c52123, 273613ed.
André do RAP foi identificado graças ao conjunto de detalhes e dados captados junto a todas as conversas mantidas pelo mesmo via BBM com seus interlocutores, cruzados com dados de facebook de sua página pessoal e da MRF (Movimento Revolucionário das Favelas).
Apesar de mudar por mais de uma vez de PIN, era fácil sua identificação, pois as conversas com os mesmos alvos sempre se mantiveram (especialmente com suas mulheres/namoradas/amantes), afora serem citadas, aleatoriamente, características suas, como o prenome André, a existência de sua filha de alcunha Bi, sua ligação com a MRF (Movimento Revolucionário das Favelas), etc.
Hiperlink IP
https://www.facebook.com/andrc.dorap.3?fref=ts. (página de André)
https://www.facebook.com/MRFProducoes?fref=ts (página da MRF)
(...)
Logo após o início da operação, ANDRÉ DO RAP deixou a Comarca do
Guarujá/SP, e, segundo relatório de vigilância elaborado a nosso pedido por colegas de Aracaju/SE, residiu durante algum tempo na Comarca de Aracaju/SE.
Além de ser um dos principais responsáveis pelo envio de drogas para o exterior via Porto de Santos/SP, André tem participação ativa no famigerado PCC Primeiro Comando da Capital da Baixada Santista, tendo inclusive delegado a seu braço direito, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, vulgo DENTE, a tarefa de cobrar dos membros do PCC da região da Baixada Santista a chamada "rifa".
Rifa é uma das formas de aporte financeiro para manter o PCC. Na Rifa,
cada membro do PCC contribui com R$ 600,00 ou R$ 800,00 mensais, dependendo da época, e recebe um talão com vinte números sequenciais e com eles participam de sorteios de carros e motos.
(...)
111.14. JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, nicknames DENTE/COELHO. ISABELLY VITÓRIA, KAMILLY, RUAN E GABRIELLY. Usuário dos PINs 28dd7fef, 27bb706b, 28147b3d, 26c2f8e5, 289494dc
JEFFERSON foi identificado por detalhes presentes nas interceptações de conversas via BBM, tais como citação do primeiro nome, combinado a diligências de vigilâncias em que esteve presente e em virtude de notícia do nascimento de seu filho, Ruan, perante a Santa Casa de Santos/SP, quando foi possível determinar sua qualificação completa a partir de sua esposa que então estava internada em tal instituição.
JEFFERSON, ou DENTE, é o braço direito de ANDRÉ DE OLIVEIRA MACEDO, o ANDRÉ DO RAP na organização criminosa. Assim como seus parceiros, em todo o período interceptado demonstrou não exercer nenhuma atividade lícita, transcorrendo todos os seus dias transitando entre Praia Grande, Guarujá, Santos, São Vicente, São Paulo e Mogi das Cruzes/SP, sempre em busca de meios para facilitar o envio de drogas para o exterior.
111.26. GILCIMAR DE ABREU, vulgo Nego, usuário do PIN 2afl)0c54, onde utilizou o nickname POOCKER
GILCIMAR foi identificado, quando, no decorrer das conversas de BBM, citou seu número de telefone NEXTEL (13) 78221537. Neste momento, foi possível confirmar sua qualificação, bem como seu local de trabalho, que é o escritório da JBS (Friboi) em Cubatão/SP.
ID:325063
Data / Hora: 09/07/2013 23:55:17
Direção: Recebida
Alvo: Poocker (Flávio/Jonny Cage) - 2att)0c54_im
Contato: Loro José - 289ÍW615
Mensagem: Oi
ID: 325064
Data / Hora: 09/07/2013 23:55:29
Direção: Originada
Alvo: Poockcr (Flávio/Jonny Cage) - 2aíOOc54_im
Contato: Loro José - 2K90d615
Mensagem: E ae
ID: 325065
Data / Hora: 09/07/2013 23:55:33
Direção: Recebida
Alvo: Poocker (Flávio/Jonny Cage) - 2afDOc54_im
Contato: Loro José - 28£JOd615
Mensagem: Trq
ID: 325066
Data / Hora: 09/07/2013 23:55:45
Direção: Originada
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Mensagem: Mais ta meio osso esse nextel
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Mensagem: Não relaxa só pra te chamar
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GILCIMAR reside no morro da Nova Cintra, e é conhecido de POPÓ, conforme demonstra, por exemplo, o áudio de interceptação de seu rádio, na data de 02/10/2013, ligação às 19:45:00.
É também um dos responsáveis pelo levantamento de possíveis contêineres e destinos para o embarque de drogas para a Europa.
(...)
Ocorre que referido número de celular (997931537) está em nome de Tâmara Rutigliano Roque Veiga, CPF 227.510.168-39, esposa de GILCIMAR (e que mantém fotos com o mesmo em sua página de facebook https://www.t'acebook.com/tâmara.rutigliano?fref=ts).
O carregamento de cocaína ora em comento foi apreendido na data de 17/12/2013 (evento n° 13), no Porto de Santos/SP, tendo sido constatado que o contêiner era oriundo da JBS de Cubatão, confirmando a associação de GILCIMAR à quadrilha.
Quando da deflagração desta Operação, duas equipes de policiais foram
mandadas no encalço de GILCIMAR: uma foi até a casa dele, e outra no trabalho.
Porém, não foi possível prendê-lo, pois às 06:00 hs do dia 31/03/2014 ele já não estava mais em casa, e também não apareceu para trabalhar nesse dia, estando, portanto, foragido da Justiça.
Foi tentado contato com GILCIMAR nesse mesmo dia através do celular
de sua esposa, mas as ligações caíam diretamente na caixa postal. Segundo informações da JBS, Gilcimar jamais retornou ao local de trabalho.
Conforme fundamentado, foi a somatória de todos esses dados que resultou na identificação dos apelantes, sendo irrelevante, nesse contexto, a não localização dos aparelhos de telefone utilizados pelos alvos.

Em juízo (CD fls. 572), o DPF Rodrigo Paschoal Fernandes, testemunha comum, declarou que presidira a operação desde o seu início, confirmando, detalhadamente, a participação de todos eles no delito.

Disse que ANDRÉ "era um dos cabeças da organização criminosa, sempre mantinha contato com outros membros". JEFFERSON "era o braço direito dele [de ANDRÉ]". GILCIMAR se associou a eles na execução do evento 13, ele era funcionário da Friboi e "ficou responsável em arrumar o contêiner para que essa droga pudesse ser enviada para a Europa".

No tocante a JEFFERSON e ANDRÉ, a testemunha foi enfática ao afirmar que "era frequente eles estarem participando de vários embarques de drogas para o exterior". No tocante a GILCIMAR, disse que não se recordava se sua participação estava circunscrita ao mencionado evento, mas concluiu: "salvo engano, esse foi o único carregamento de droga para o exterior que apareceu o nome do senhor GILCIMAR, depois disso a gente não conseguiu identificar nenhuma participação dele em outro evento".

Anoto, por oportuno, que as declarações prestadas pela testemunha se alinham a todo o conjunto probatório produzido, não havendo qualquer elemento que comprometa a sua validade e força probante.

Assim sendo, mantenho a condenação de ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO, JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.

3. Dosimetria das penas

De início, consigno que os argumentos indicados pelo MPF em suas razões de apelação, relativos à majoração da pena-base em decorrência da natureza e da quantidade da droga apreendida, bem como diante do ousado e sofisticado esquema utilizado para a execução do crime, embora pertinentes e hábeis para embasar a elevação da pena, não poderão fazê-lo no caso específico dos autos. Explico.

O presente feito foi desmembrado da ação penal nº 0005832-25.2014.4.03.6104 porque, na ocasião, ANDRÉ, JEFFERSON e GILCIMAR estavam foragidos. Ambas as ações penais versam sobre o mesmo fato criminoso (evento nº 13) e, em tese, as circunstâncias objetivas relacionadas à natureza e à quantidade da droga movimentada e ao modus operandi utilizado pelos acusados aplicam-se, indistintamente, a todos os condenados.

Ocorre que, naqueles autos (0005832-25.2014.4.03.6104), o pedido do MPF de majoração da pena-base não foi conhecido, pois tal pleito dera-se com base na prática do delito previsto no art. 2º da Lei nº 12.850/2013, matéria estranha à lide.

Assim, passo a dosar a sanção de cada um dos réus dentro do limite imposto pela sentença, a fim de não incorrer em reformatio in pejus.

Estabelecida essa diretriz, passo à dosimetria das penas. Relativamente a JEFFERSON e GILCIMAR, procederei de modo conjunto por serem comuns os vetores aplicáveis a ambos.

JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base em 8 (oito) anos de reclusão para cada um dos apelantes. Assim o fez com fundamento no objetivo de obter lucro fácil e com base na grande quantidade de droga movimentada.

A sentença está fundamentada e baseou-se nas circunstâncias previstas no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei nº 11.343/2006. Não obstante isso, as penas aplicadas devem ser redimensionadas.

Com relação à finalidade lucrativa, assiste razão à defesa de JEFFERSON. Não se justifica o agravamento da pena por motivo de obtenção de lucro fácil, advindo do tráfico de drogas, em detrimento da saúde pública nacional e internacional, conforme exposto na sentença, pois a motivação é inerente ao tipo penal, o qual visa exatamente a tutelar a saúde pública.

Desse modo, remanesce o aumento da pena-base com fundamento apenas na natureza e na quantidade da droga apreendida e, pelos motivos já expostos, dentro dos contornos fixados na sentença.

Assim, redimensiono a pena-base privativa de liberdade de cada um dos réus para 7 (sete) anos de reclusão.

Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias atenuantes nem agravantes, o que mantenho, ficando inalterada a pena intermediária.

Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/2 (metade). De fato, incide a causa de aumento de pena, pois está bem demonstrado nos autos que se tratava de tráfico transnacional de drogas.

Todavia, o aumento aplicado é exacerbado, sendo a fração de 1/6 (um sexto) mais razoável e condizente com a orientação firmada nesta Turma: ACR 0003048-86.2011.4.03.6005/MS, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 25.08.2015, DJe de 31.08.2015; ACR 0006410-53.2007.4.03.6000/MS, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 06.10.2015, DJe de 16.10.2015; ACR 0008341-15.2013.4.03.6119/SP, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 06.10.2015, DJe de 15.10.2015. Por isso, altero para 1/6 (um sexto) a fração de aumento e, em função disso, a pena para cada um desses acusados fica em 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão.

É inaplicável no caso a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Segundo essa norma, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo esses quatro requisitos concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada. No caso, porém, os diálogos telefônicos monitorados, a prova testemunhal e o modus operandi adotado na perpetração do delito denotam dedicação a atividades ilícitas, bem como integração a organização criminosa, razão pela qual os acusados não fazem jus à concessão desse benefício legal.

Assim sendo, não havendo outras majorantes ou minorantes, a pena definitiva privativa de liberdade para cada um desses acusados fica estabelecida em 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão.

Multa

A pena de multa foi fixada pelo juízo em 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa. No entanto, considerando-se o redimensionamento ora realizado e obedecendo-se aos mesmos critérios utilizados na fixação da pena privativa de liberdade, estabeleço a pena de multa em 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa (pena-base: 700 dias-multa acrescida de 1/6, em razão da transnacionalidade).

Mantenho o valor do dia-multa em 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tal como fixado na sentença, em virtude da situação econômica dos réus, por serem integrantes de grupo criminoso com vasto poderio econômico.

Mantenho, ainda, o regime fechado para início do cumprimento das penas privativas de liberdade, nos termos do art. 33 do Código Penal.

Anoto que, por conta da ausência de elementos concretos nesta instância recursal, em especial diante da existência de outras condenações em desfavor dos réus, não há como, neste feito, ser realizada a detração, cujo exame incumbirá ao juízo da execução competente, nos termos do art. 66, III, "c", da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

Não há que se falar em substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 do Código Penal.

ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO

Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base privativa de liberdade em 8 (oito) anos de reclusão, com fundamento no objetivo de obter lucro fácil, nos maus antecedentes e diante da grande quantidade de droga movimentada.

A sentença está fundamentada e baseou-se nos vetores previstos no art. 59 do Código Penal e no art. 42 da Lei nº 11.343/2006. Não obstante isso, a pena-base deve ser redimensionada.

Com relação à finalidade lucrativa, assiste razão à defesa. Não se justifica o agravamento da pena por motivo de obtenção de lucro fácil, advindo do tráfico de drogas, em detrimento da saúde pública nacional e internacional, conforme exposto na sentença, pois a motivação é inerente ao tipo penal, o qual visa exatamente a tutelar a saúde pública.

No tocante ao apontamento mencionado com trânsito em julgado e que já foi alcançado pelo chamado "período depurador" (CP, art. 64, I), há controvérsia sobre o tema e tenho entendido que a reincidência, como agravante, tem maior força que os antecedentes, como circunstância judicial para fixação da pena-base. Assim, se o legislador prevê um prazo máximo de cinco anos para que uma condenação transitada em julgado tenha o efeito de produzir a reincidência, não vejo razão para que esse limite não se estenda também aos antecedentes. Nesse sentido, aliás, já decidiu o STF no HC nº 130.613/RJ (Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.11.2015, DJe 17.12.2015), tendo sido reconhecida a repercussão geral desse tema no RE nº 593.818-RG/SC. Contudo, ainda não foi julgado o assunto pelo Pleno do STF.

Ocorre que tenho ficado vencido no âmbito da Turma e o STJ, em feito no qual eu fora relator da apelação criminal, deu provimento ao recurso especial do MPF "para reconhecer a análise desfavorável dos antecedentes do recorrido A. V. e, assim, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que refaça a dosimetria da pena considerando como desfavorável o vetor antecedentes" (REsp nº 1.717.649/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, d. 10.08.2018, DJe 16.08.2018).

Em face dessa decisão houve interposição de agravo regimental, ao qual foi negado provimento, em acórdão assim ementado:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÕES CRIMINAIS ANTERIORES, COM MAIS DE CINCO ANOS DE EXTINÇÃO DA PENA. CONFIGURAÇÃO DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. PERÍODO DEPURADOR PREVISTO NO ART. 64, I, DO CP. INAPLICABILIDADE. SISTEMA DA PERPETUIDADE ADOTADO QUANTO AOS ANTECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Este Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento consolidado no sentido de que condenações criminais anteriores com mais de cinco anos de extinção da pena podem ser sopesadas, no momento da fixação da pena-base, para dosar a reprimenda, tendo em vista a adoção pelo Código Penal do sistema da perpetuidade: ao contrário do que se verifica na reincidência (CP, art. 64, I), o legislador não limitou temporalmente a configuração dos maus antecedentes ao período depurador quinquenal.
2. Agravo regimental desprovido.
(REsp nº 1.717.649/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 02.10.2018, DJe 10.10.2018; destaquei)
Por isso, até que o STF julgue a repercussão geral acima citada, ajusto-me ao posicionamento do STJ, com a ressalva do meu entendimento, para evitar desnecessárias controvérsias no âmbito deste Tribunal Regional Federal, o que poderia levar a indesejável retardamento na solução dos casos a serem julgados.

Desse modo, remanesce o aumento da pena-base com fundamento nos maus antecedentes e na natureza e quantidade da droga apreendida, sendo que, pelos motivos já expostos, atenho-me aos contornos fixados na sentença.

Assim, redimensiono a pena-base privativa de liberdade para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase, o juízo reconheceu a circunstância agravante do art. 62, I, do Código Penal, pois o acusado se destacou na organização da atividade criminosa exercida pelos demais agentes, sendo um dos principais responsáveis por todos os detalhes envolvendo a execução do crime, o que confirmo.

A posição de destaque do apelante está detalhada no capítulo referente à autoria, devendo permanecer incólume a exasperação da pena tal qual realizada na sentença.

Não foi reconhecida nenhuma circunstância atenuante.

Assim, mantida a fração de 1/6 (um sexto), a pena intermediária fica em 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão.

Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento de pena prevista no inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/2 (metade).

De fato, incide a causa de aumento de pena, pois está bem demonstrado nos autos que se tratava de tráfico transnacional de drogas. Todavia, o aumento aplicado é exacerbado, sendo a fração de 1/6 (um sexto) mais razoável e condizente com a orientação firmada nesta Turma: ACR 0003048-86.2011.4.03.6005/MS, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 25.08.2015, DJe de 31.08.2015; ACR 0006410-53.2007.4.03.6000/MS, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 06.10.2015, DJe de 16.10.2015; ACR 0008341-15.2013.4.03.6119/SP, Rel. Des. Federal Cecilia Mello, j. 06.10.2015, DJe de 15.10.2015. Assim, majorada em 1/6 (um sexto), a pena resulta em 10 (dez) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

É inaplicável a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Com efeito, segundo essa norma, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo esses quatro requisitos concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada. No caso, além de ostentar maus antecedentes, os diálogos monitorados na Operação Oversea, a prova testemunhal e o modus operandi adotado na perpetração do delito denotam dedicação a atividades ilícitas, bem como integração a organização criminosa. Por isso, o réu não faz jus à concessão desse benefício legal.

Assim, torno definitiva a pena privativa de liberdade em 10 (dez) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Multa

A pena de multa foi fixada pelo juízo em 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa. Considerando-se o redimensionamento ora realizado e obedecendo-se aos mesmos critérios utilizados na fixação da pena privativa de liberdade, a pena de multa resultaria em 1.020 (mil e vinte) dias- multa (pena-base (750 dias-multa acrescida de 1/6, em razão da agravante, e de mais 1/6, em virtude da transnacionalidade). Todavia, a fim de não incorrer na reformatio in pejus, mantenho a pena de multa em 975 (novecentos e setenta e cinco) dias- multa. Mantenho, outrossim, o valor do dia-multa em 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, em virtude da situação econômica do réu, por ser integrante de grupo criminoso com vasto poderio econômico.

Mantenho, ainda, o regime fechado para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, nos termos do art. 33 do Código Penal.

Anoto que, por conta da ausência de elementos concretos nesta instância recursal, em especial diante da existência de outras condenações em desfavor dos réus, não há como, neste feito, ser realizada a detração, cujo exame incumbirá ao juízo da execução competente, nos termos do art. 66, III, "c", da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal).

Não há que se falar em substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, pois não estão preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 44 do Código Penal.

Esclareço, por fim, que a ação penal nº 0004039-51.2014.4.03.6104 refere-se à apreensão de 56,74 kg (cinquenta e seis quilos e setecentos e quarenta gramas) de cocaína, ocorrida em 27.03.2014 e catalogada como o "evento 21" da Operação Oversea. Já a ação penal nº 0012478-85.2013.4.03.6104 é relativa a apreensão de 84,10 kg (oitenta e quatro quilos e dez gramas) de cocaína, retratada no "evento 2". Tratando-se de casos díspares, não se justifica a comparação feita pela defesa de ANDRÉ e JEFFERSON no tocante às penas fixadas.

Posto isso, REJEITO AS QUESTÕES PRELIMINARES, mas, DE OFÍCIO, CONCEDO ORDEM DE HABEAS CORPUS para trancar a ação penal quanto ao crime de associação para o tráfico transnacional de drogas, com fundamento no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, ante a ocorrência de flagrante ilegalidade consistente no bis in idem; NEGO PROVIMENTO à apelação da acusação; DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa de ANDRÉ e JEFFERSON, apenas para reduzir a pena-base fixada na sentença para cada um deles e fixar em 1/6 (um sexto) a causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito; NEGO PROVIMENTO à apelação de GILCIMAR e, DE OFÍCIO, reduzo a pena-base fixada na sentença e fixo em 1/6 (um sexto) a causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito. Em razão disso, as penas de JEFFERSON MOREIRA DA SILVA e GILCIMAR DE ABREU ficam definitivamente fixadas em 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 816 (oitocentos e dezesseis) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, para cada um, e a pena de ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO fica definitivamente fixada em 10 (dez) anos, 2 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 975 (novecentos e setenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, tudo nos termos da fundamentação supra.

A manutenção da prisão preventiva dos réus ANDRÉ OLIVEIRA MACEDO e de GILCIMAR DE ABREU é necessária porque esses réus permaneceram foragidos durante toda a instrução processual, o que denota a necessidade de se garantir a aplicação da lei penal, e suas prisões estão pautadas na gravidade concreta do delito, que envolveu grande quantidade de droga e uma estrutura criminosa reveladora da sua periculosidade e da probabilidade de reiteração delitiva. Lembro, ainda, que este feito estava pautado para julgamento na sessão de 12 de março passado e só não foi realizado em virtude de atitudes das próprias defesas. Quanto ao corréu JEFFERSON MOREIRA DA SILVA, sua prisão também seria necessária, mas ele foi beneficiado por decisão monocrática de Ministro do Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus impetrado naquela Corte, mas ainda não julgado pela Primeira Turma.

Por oportuno e a propósito, não compete a este Tribunal a análise do pedido apresentado pela defesa de ANDRÉ, no dia 23 de junho p.p, para que lhe sejam estendidos os efeitos da liminar deferida no mencionado habeas corpus, uma vez que tal pretensão deve ser deduzida a quem deferiu a medida, se for o caso, dadas as razões objetivas e subjetivas que levaram ao seu deferimento e podem não ser as mesmas. Volto a dizer que, no caso, este feito deveria ter sido julgado no dia 12 de março de 2020, dentro do prazo de 90 (noventa) dias a partir da entrada em vigor da nova redação do art. 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal (se é que esse dispositivo se aplica aos feitos que estão no Tribunal para análise de recurso), e só não o foi por atitudes da própria defesa, provocando o retardamento do julgamento.

Mantenho o perdimento dos bens apreendidos, vez que guardam relação com o envolvimento do réu com o narcotráfico. Ademais inexiste qualquer indicativo de sua origem lícita.

Comunique-se imediatamente o teor deste julgamento ao Ministro Marco Aurélio, Relator do HC nº 185.443/SP no Supremo Tribunal Federal, bem como aos juízos responsáveis pelas custódias dos acusados.

É o voto.

NINO TOLDO
Desembargador Federal


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