Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/09/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002224-76.2015.4.03.6106/SP
2015.61.06.002224-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : FLAVIANO ALVES DE SOUZA
ADVOGADO : SP394233 BARBARA MENDES MARINI (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022247620154036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. FALSIFICAÇÃO DE SELO PÚBLICO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. ART. 29 DA LEI N. 9.605/98. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO.
1. Em regra, o uso de anilhas do Ibama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1º, III, do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção (TRF da 3ª Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, Relator Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).
2. O Relatório Geral SISPASS, do Ibama, indica que o réu era registrado como criador amador de passeriformes desde 2011. Nesses termos, não é crível que não tivesse consciência da necessária autorização do Ibama para a manutenção de espécimes da fauna silvestre em cativeiro. Portanto, evidenciado o dolo, deve ser reformada a sentença para condenação do réu pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98.
3. Apelação da acusação provida em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98. Regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 14 de setembro de 2020.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002224-76.2015.4.03.6106/SP
2015.61.06.002224-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : FLAVIANO ALVES DE SOUZA
ADVOGADO : SP394233 BARBARA MENDES MARINI (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022247620154036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença de fls. 243/245v., que absolveu Flaviano Alves Souza da prática do delito do art. 29, § 1º, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
O Ministério Público Federal sustenta o que segue:
Antônio Torre da Silva apela com os seguintes fundamentos:
a) restou comprovado nos autos que o réu tinha consciência de que as anilhas eram irregulares;
b) a manutenção irregular dos pássaros e o uso consciente e voluntário das anilhas adulteradas e falsificadas indicam que o réu tinha familiaridade com os procedimentos da criação amadora de aves;
c) o réu não apresentou argumento plausível para o fato de adquirir aves de pessoas desconhecidas (fls. 249/251).
Foram apresentadas contrarrazões (fls. 278/284).
O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Eduardo Pelella, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 291/296).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002224-76.2015.4.03.6106/SP
2015.61.06.002224-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : FLAVIANO ALVES DE SOUZA
ADVOGADO : SP394233 BARBARA MENDES MARINI (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022247620154036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

Imputação. Flaviano Alves de Souza, nascido em 15.12.46, foi denunciado pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98 e do art. 296, § 1º, III, do Código Penal.
Narra a denúncia que, em 15.02.14, Flaviano Alves de Souza manteve em cativeiro, sem permissão dos órgãos competentes, 6 (seis) sicalis flaveola brasiliensis (canários da terra) e 1 (um) sporophila caerulescens (coleirinho papa-capim), pássaros da fauna silvestre nos termos da Instrução Normativa n. 10/11, do Ibama. Houve, ainda, apreensão de 3 (três) anilhas irregulares (fls. 65/66).
Delito ambiental e uso de anilhas falsas. Consunção. Em regra, o uso de anilhas do Ibama adulteradas ou falsificadas caracteriza de forma autônoma o crime previsto no art. 296, § 1º, I ou III do Código Penal. Contudo, revejo meu entendimento para admitir que se o objetivo da conduta é apenas simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental, incide o princípio da consunção:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. ART. 29, § 1º, III, LEI 9.605/98. USO DE SELO PÚBLICO FALSIFICADO. ART. 296, § 1º, I e III, CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO. PERDÃO JUDICIAL. ART. 29, § 2º, LEI 9.605/98.
1. A pequena quantidade de aves apreendidas não desnatura o disposto no artigo 29, §1º, III, da Lei n. 9.605/98, que pune o ato de quem guarda, mantém em cativeiro ou depósito espécimes da fauna silvestre nativa sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Inaplicável o princípio da insignificância.
2. O uso de anilha adulterada, quando destinada a dar a aparência de regularidade à atividade consistente em manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre, constitui crime-meio e, por isso, fica absorvido pelo crime-fim.
3. Aplica-se o princípio da consunção diante da relação de dependência entre a prática do uso de anilha adulterada e a prática do crime ambiental, já que, o delito previsto no art. art. 296, § 1º, I e III, do Código Penal afigura-se como crime-meio empregado para a consecução do delito 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, e se exaure neste último.
4. A aplicação do perdão judicial previsto no § 2º do artigo 29 da Lei nº 9.605/98 pressupõe a existência de circunstâncias especiais como a guarda doméstica, em pequena quantidade, de aves silvestres domesticadas e com apego sentimental. O uso de anilhas adulteradas em parte de plantel que se encontrava misturada com outras aves com registro regular constitui circunstância que desaconselha a aplicação do benefício legal.
5. Condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo de 5 (cinco) anos referido no artigo 64, I, do CP e que já não geram efeitos negativos da reincidência, não podem ensejar o agravamento da pena-base, de acordo com a vedação de pena de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVII, "b", da CF) e com os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
6. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
7. Apelação parcialmente provida.
(TRF da 3ª Região, Ap. n. 2017.61.36.000481-8, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 18.03.19).

Do caso dos autos. Imputa-se a Flaviano Alves de Souza a prática do delito do art. 296, § 1º, III, do Código Penal, tendo em vista a apreensão de 3 (três) anilhas em sua residência. Laudo pericial apontou que as anilhas, embora com características semelhantes às originais, não estão "em conformidade com as especificações técnicas apresentadas pela empresa que fabrica as anilhas oficiais, ANILHAS CAPRI Ltda. e apresenta indícios de adulteração/falsificação (fl. 39).
Nos termos do entendimento acima mencionado, deve ser aplicado o princípio da consunção, pois o uso de anilhas falsificadas apenas busca simular a legitimidade da posse irregular de espécimes da fauna silvestre, exaurindo-se o falso como crime-meio para o cometimento do delito ambiental.
Portanto, resta absorvida a conduta prevista no art. 296, § 1º, III, do Código Penal, pelo crime ambiental do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98, impondo-se a absolvição do réu quanto à imputação autônoma relacionada ao uso de selo ou sinal público adulterado.
Cumpre analisar a materialidade e autoria em relação ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98.
Materialidade. A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes elementos dos autos:
a) Boletim de ocorrência ambiental e termo de apreensão lavrados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em 15.02.14 (fls. 4/5v. e 8);
b) Auto de infração ambiental lavrado em 15.02.14 (fl. 6);
c) Exame de constatação lavrado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em 15.02.14, com discriminação das aves da fauna silvestre que foram apreendidas (6 canários da terra e 1 coleirinho papa-capim) (fls. 11/16);
d) Relatório Geral SISPASS no qual Flaviano Alves de Souza consta como criador amador de passeriformes (fls. 45/49v.).

Autoria. Está comprovada a autoria delitiva.

Em sede policial, Flaviano Alves Souza afirmou que Policiais Ambientais estiveram em sua residência e apreenderam 6 (sies) canários da terra e 1 (um) coleirinho papa-capim. Adquiriu os pássaros de moradores de Onda Verde (SP) dos quais não sabe indicar nomes e endereços. Acreditava que as anilhas eram regulares (fls. 25/25v.).

Em interrogatório judicial, Flaviano Alves Souza declarou que comprou as aves por meio de colegas há cerca de 1 (um) ano. As aves já estavam anilhadas quando as adquiriu por meio de troca (por exemplo, com ferramentas). Não sabe dizer o nome dos vendedores. Acreditava que toda a documentação estava correta. Foi enganado, sequer entendia o que era anilha. Não sabia que as aves não podiam ser mantidas em cativeiro. Morou em São Paulo (SP) por 35 (trinta e cinco) anos, não estava familiarizado com o assunto. Sua profissão é de pintor de automóveis. Atualmente é aposentado, com renda mensal aproximada de R$ 1.000,00 (mil reais) (cf. mídia, fl. 224).

Conforme se verifica, o réu admitiu que mantinha as aves em cativeiro. A afirmação de que adquiriu as aves de terceiros não permite afastar a prática delitiva.

O Relatório Geral SISPASS, encaminhado pelo Ibama, indica que Flaviano Alves de Souza era registrado como criador amador de passeriformes desde 2011 (fls. 45/49v.). Nesses termos, não é crível que não tivesse consciência da necessária autorização do Ibama para a manutenção de espécimes da fauna silvestre em cativeiro.

Portanto, evidenciado o dolo, deve ser reformada a sentença para condenação do réu pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98.

Dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria da pena, registro que o réu não tem antecedentes criminais. Os motivos, circunstâncias e consequências do crime são comuns à espécie delitiva e inexistem elementos nos autos que permitam afirmar a personalidade e conduta social do réu. Nesses termos, fixo a pena-base no mínimo legal de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.

Pelo que se infere dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a atenuante da confissão (CP, art. 65, III, d) incide sempre que fundamentar a condenação do acusado, pouco relevando se extrajudicial ou parcial, mitigando-se ademais a sua espontaneidade (STJ, HC n. 154544, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 23.03.10; HC n. 151745, Rel. Min. Felix Fischer, j. 16.03.10; HC n. 126108, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 30.06.10; HC n. 146825, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.06.10; HC n. 154617, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 29.04.10; HC n. 164758, Rel. Min. Og Fernandes, j. 19.08.10). A oposição de excludente de culpabilidade não obsta o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (STJ, HC n. 283620, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 20.02.14; AgReg em REsp n. 1376126, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 04.02.14; Resp n. 1163090, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 01.03.11).

No caso dos autos, o réu admitiu manter espécimes da fauna silvestre em cativeiro. No entanto, considerando que a pena-base foi fixada no mínimo legal, deixo de reduzi-la, pois, nos termos da Súmula n. 231 do Superior Tribunal de Justiça, "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Pelas mesmas razões, deixo de reduzir a pena por ter o réu mais de 70 (setenta) anos nesta data.

Ausentes circunstâncias agravantes e causas de aumento ou de diminuição de pena, resta definitiva a pena de 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal.

Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).

Nos termos do art. 44, I, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para condenar Flaviano Alves de Souza a 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no mínimo valor unitário legal, pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei n. 9.605/98. Regime inicial aberto, com substituição da pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito consistente em multa no valor de 1 (um) salário mínimo.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 16/09/2020 09:00:35