Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/03/2021
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004665-28.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.004665-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA
: CHARLES EJIKE UZOETO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046652820174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. DELAÇÃO PREMIADA. NÃO INCIDÊNCIA.
1. Do tráfico de entorpecentes.
2. A materialidade restou comprovada nos autos.
3. Da autoria e dolo de Crislaine Teixeira de Oliveira. A versão dos fatos apresentada pela ré não é crível. As assinaturas nas encomendas são dela e, como ela mesma reconhece, postou as encomendas. Ainda que não soubesse o que havia dentro dos pacotes, no mínimo, a apelante agiu com dolo eventual, aceitando postar encomenda ao exterior, para um terceiro que conhecia há pouco tempo e cujas atividades profissionais ela não sabia ao certo. Cumpre destacar que é plausível a versão de que a ré tinha como única vantagem ficar com o "troco" da postagem nos correios. O conjunto probatório dos autos aponta para isso. Contudo, o tipo penal em tela pode ser praticado "ainda que gratuitamente".
4. Da autoria e dolo de Charles Ejike Uzoeto (Bruno). É obrigação da acusação produzir as provas necessárias para demonstrar a materialidade e autoria, nos termos do artigo 156 do CPP, que dispõe que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Não cabe ao magistrado deduzir que o réu é culpado, sem provas produzidas pela acusação. Ante a fragilidade do conjunto probatório e da fundada dúvida, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP, absolvido o réu CHARLES EJIKE UZOETO da imputação relativa à prática do crime previsto no artigo 33, caput, c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06.
5. Dosimetria da pena de Crislaine Teixeira de Oliveira.
6. Primeira fase. Não há qualquer evidência nos autos de que a ré promovia ou organizava a atividade criminosa e, muito menos, que aliciasse outras pessoas e dirigisse a atividade delas. Tal fundamentação é desconexa com as provas dos autos no que diz respeito à ré. Em razão disso, a valoração negativa de sua culpabilidade deve ser afastada.
7. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis, já que afastada aqui a valoração negativa referente à culpabilidade e, considerando o entendimento fixado pela 11ª Turma desta Corte, assim como a quantidade da droga apreendida, 608,40g (seiscentos e oito gramas e 40 miligramas) de cocaína, a pena-base deve ser reduzida para 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
8. Segunda fase da dosimetria. Agravante de reincidência afastada. Pena resta fixada nesta fase intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, pois não pode ser reduzida abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria, como preconiza a Súmula 231 do STJ.
9. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto). Todavia, não aplicada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas pois os fatos tratados na presente ação penal, ocorridos em três oportunidades, se deram em um período aproximado de 06 (seis) meses, o que descaracteriza seu envolvimento eventual com organização criminosa operadora de tráfico internacional de entorpecentes.
10. Mantida a majoração decorrente da continuidade delitiva, na fração de 1/5.
11. Não reconhecida a incidência do benefício continho no artigo 41 da Lei n.º 11.343/2006 (delação premiada). O fato de ter sido a acusada beneficiada com a aplicação da delação premiada na ação nº 0005252-84.2016.403.6181 não enseja seu reconhecimento automático neste feito. As informações prestadas pela corré não se revelaram capazes de promover a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime. A incidência da benesse em tela exige que as informações prestadas na colaboração voluntária pelo denunciado ou indiciado possuam um mínimo de lastro probatório, sob o risco de se reconhecer a incidência da referida causa de diminuição divorciada da identificação dos demais coautores ou partícipes, como bem exige a norma em comento.
12. Fixado o regime inicial SEMIABERTO (art. 33, § 2º, "b", do Código Penal).
13. Apelação do réu CHARLES EJIKE UZOETO provida.
14. Apelações da corré CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em DAR PROVIMENTO à apelação da Defesa de CHARLES EJIKE UZOETO, para, com fundamento no artigo 386, VII do CPP, absolvê-lo da prática do delito tipificado no art. 33, caput, c/c art. 40, I, todos da Lei nº. 11.343/06, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator. Prosseguindo no julgamento a Turma, por maioria, decide DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da Defesa da acusada CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA, não reconhecendo a incidência das causas de diminuição previstas nos artigos 33, § 4º, e 41, ambos da Lei n.º 11.343/2006, no cálculo de pena da corré, que fica definitivamente estabelecida em 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial SEMIABERTO, acrescida do pagamento de 699 (seiscentos e noventa e nove) dias-multa, nos termos do Voto Divergente, com que votou o Desembargador Federal Nino Toldo. Vencido o Desembargador Federal Relator que fazia incidir a causa de diminuição da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, na fração de 1/6 e, de ofício, aplicava a causa de diminuição presente no artigo 41 da Lei n.º 11.343/2006, em 1/3, e fixava a pena definitiva de 03 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime prisional ABERTO, e 388 (trezentos e oitenta e oito) dias-multa, substituída por 2 penas restritivas de direitos.



São Paulo, 23 de julho de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004665-28.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.004665-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA
: CHARLES EJIKE UZOETO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046652820174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

VOTO CONDUTOR

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação interposta por CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA e CHARLES EJIKE UZOETO contra a sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Federal de São Paulo/SP, em que foram condenados pela prática dos delitos tipificados no artigo 33, caput, c.c. artigo 41, inciso I, todos da Lei nº 11.343/2006.


Na sessão realizada em 23.07.2020, acompanhei o e. Relator para DAR PROVIMENTO à Apelação da Defesa de CHARLES EJIKE UZOETO para, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, absolve-lo da prática do delito tipificado no art. 33, caput, c.c. artigo 40, I, ambos da Lei n.º 11.343/2006; bem como para estabelecer a pena-base da corré CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA em 05 (cinco) anos de reclusão, tendo em vista que as condições do artigo 59 do Código Penal, e a quantidade total de droga apreendida (608,4 gramas de cocaína), não reclamam a fixação de patamar superior ao mínimo previsto in abstrato. Na segunda fase da dosimetria, acompanhei os critérios observados pelo e. Relator, de modo a afastar a agravante da reincidência e reconhecer a presença da atenuante da confissão, permanecendo a pena no patamar de 05 (cinco) anos de reclusão. Acompanhei na manutenção da incidência da causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, a fim de majorar a pena em 1/6 (um sexto), de modo a fixá-la em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e o pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.


Todavia divergi parcialmente do e. Relator, quanto à dosimetria da pena da corré CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA, não reconhecendo a incidência das diminuições previstas nos artigos 33, § 4º, e 41, ambos da Lei n.º 11.343/2006.


Passo ao voto.


Da redução decorrente de aplicação contida no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas (Lei nº. 11.343/2006)


No caso concreto, em que pese o entendimento externado pelo e. Relator, não se mostra cabível a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.


Os fatos tratados na presente ação penal, ocorridos em três oportunidades distintas, se deram em um período aproximado de 06 (seis) meses, o que descaracteriza seu envolvimento eventual com organização criminosa operadora de tráfico internacional de entorpecentes.


O número de remessas, dentro do período de tempo no qual realizadas, demonstram reiteração da Apelante na prática delitiva no interesse de organização criminosa, razão pela qual a redução não merece prosperar.


Do redutor presente no artigo 41 da Lei de Drogas (Lei nº. 11.343/2006)


Também peço vênia ao e. Relator para não reconhecer a incidência do benefício continho no artigo 41 da Lei n.º 11.343/2006.


O fato de ter sido a acusada beneficiada com o redutor decorrente da delação premiada na ação nº 0005252-84.2016.403.6181 não enseja seu reconhecimento automático neste feito.


O artigo 41 da Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006, determina que:


Art. 41.  O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.


O patamar de diminuição da pena está relacionado ao grau de eficácia na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, em razão das informações prestadas pelo agente.


Nesse sentido, trago à colação julgados do Colendo Superior Tribunal de Justiça:


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. PENA-BASE. MAJORAÇÃO EM RAZÃO DA GRANDE QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA APREENDIDA (6 KG DE COCAÍNA). CONFISSÃO. SÚMULA 545/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DELAÇÃO PREMIADA. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. Na hipótese do tráfico ilícito de entorpecentes, é indispensável atentar para o que disciplina o art. 42 da Lei 11.343/2006, segundo o qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem expressamente fundamentou a majoração da pena-base do crime de tráfico em 1 ano, considerando a quantidade e natureza da droga apreendida - aproximadamente 6kg de cocaína -, nos termos do art. 42 da Lei 11.343/2006 e art. 59 do CP, não se mostrando desproporcional ou desarrazoada, porquanto fundamentada a exasperação em elementos concretos e dentro do critério da discricionariedade vinculada do julgador. 3. Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal (Súmula 545/STJ). No caso, o Tribunal a quo consignou que não há registros nos autos que a confissão tenha ocorrido ou que tenha sido utilizada para a condenação da acusada. Assim, se não há prova que a confissão foi utilizada, expressamente, como elemento probatório para a condenação, a referida atenuante não pode ser aplicada. 4. No tocante ao art. 41 da Lei n. 11.343/2006, cumpre ressaltar que o benefício da redução da pena, na hipótese, somente é possível se as informações prestadas pelo agente contribuírem eficazmente para a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, o que não é o caso em exame, uma vez que não há provas de que as informações dadas pela recorrida tenham sido eficientes na localização e prisão de outros integrantes da organização. Maiores considerações a respeito demandaria incursão no acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 5. Agravo regimental não provido. (grifei)

(AgRg no AREsp 1077234/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRÁFICO DE DROGAS E ART. 16 DA LEI N. 10.826/2003. TESES DE ABSOLVIÇÃO E DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. POSSIBILIDADE. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006). AFASTAMENTO DA MINORANTE COM FUNDAMENTO EM ELEMENTOS FÁTICOS DE QUE O PACIENTE SE DEDICA À ATIVIDADES CRIMINOSAS. CONCLUSÃO EM SENTIDO INVERSO. INVIABILIDADE. REDUÇÃO DA PENA EM RAZÃO DA INCIDÊNCIA DO ART. 41 DA LEI DE DROGAS. QUANTUM DE DIMINUIÇÃO. PROPORCIONALIDADE.

1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido a utilização do habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.

2. A análise das teses de desclassificação da conduta de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16, parágrafo único, IV, da Lei n. 10.826/2003), bem como a tese de desclassificação para o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da referida lei), segundo a jurisprudência desta Corte Superior, demandaria, necessariamente, exame do acervo fático-probatório, o que não se coaduna com a via estreita do habeas corpus.

3. O fundamento usado pelas instâncias originárias para exasperar a pena-base foi a diversidade e a quantidade de entorpecentes apreendidos (219 pinos de cocaína - 179,5 g e 33 invólucros contendo crack - 13,2 g), elemento capaz de justificar a elevação da reprimenda na primeira fase da dosimetria, conforme previsto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006.

4. Não há que se falar em aplicação da minorante prevista no art.

33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 quando o Magistrado de piso e a Corte estadual, apreciando todas as circunstâncias do caso concreto, entenderam que o paciente se dedicava a atividade criminosa.

5. Não se mostra desproporcional a redução de metade da pena, em razão da incidência do art. 41 da Lei de Drogas, quando o Magistrado sentenciante deixou consignado que a recuperação do produto foi parcial.

6. Ressalvado meu posicionamento, tem prevalecido neste Tribunal o entendimento de que não há que se falar em reformatio in peju quando o Tribunal local, em sede de apelação, em recurso exclusivo da defesa, inova na fundamentação sem contudo, agravar a situação do acusado (HC n. 311.722/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 13/6/2016).

7. Habeas corpus não conhecido. (grifei)

(HC 353.774/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 01/09/2016)


No caso concreto, as informações prestadas pela corré não se revelaram capazes de promover a identificação dos demais coautores ou partícipes do crime. Nesse sentido, como bem reconhecido pelo e. Relator, as declarações prestadas pela corré suscitaram dúvidas na autoria do corréu CHARLES, absolvido na presente oportunidade. A incidência da benesse em tela exige, s.m.j., que as informações prestadas na colaboração voluntária pelo denunciado ou indiciado possuam um mínimo de lastro probatório, sob o risco de se reconhecer a incidência da referida causa de diminuição divorciada da identificação dos demais coautores ou partícipes, como bem exige a norma em comento.


Por fim, fica mantido o acréscimo de 1/5 (um quinto) referente à incidência da continuidade delitiva, conforme ponderado pelo e. Relator em seu voto.


Dispositivo

Ante o exposto, divirjo parcialmente do e. Relator, a fim de não reconhecer a incidência das causas de diminuição previstas nos artigos 33, § 4º, e 41, ambos da Lei n.º 11.343/2006, no cálculo da pena da corré CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA, que fica definitivamente estabelecida em 07 (sete) anos de reclusão, no regime inicial SEMIABERTO (art. 33, § 2º, "b", do Código Penal), acrescida do pagamento de 699 (seiscentos e noventa e nove) dias-multa.


É o voto.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004665-28.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.004665-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA
: CHARLES EJIKE UZOETO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046652820174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de recursos de apelação, interpostos por CRISLANE TEIXEIRA SILVEIRA e CHARLES EJIKE UZOETO contra a r. sentença de fls. 432/446, por meio da qual foram eles condenados devido à prática dos delitos tipificados no art. 33, caput, c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06, nos autos de ação penal pública incondicionada em face deles ajuizada pelo Ministério Público Federal.

Segundo consta da denúncia (fls. 162/167), nos dias 30/09/2015, 01/10/2015 e 28/03/2016, os réus remeteram encomendas ao exterior, através das Agências Brasileira de Correios e Telégrafos da Vila Manchester, Mooca e Tatuapé, respectivamente, contendo substância entorpecente (cocaína) ao exterior, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Segundo a exordial, todas as vezes o denunciado CHARLES preparou as encomendas contendo os entorpecentes, entregando-as à denunciada CRISLAINE, que teria efetuado a remessa das encomendas em nome próprio, qualificando-os nos autos, como incursos nas penas do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, assim como do artigo 35 c/c artigo 40, inciso I, todos da Lei 11.343/06 por três vezes, na forma do artigo 69 do Código Penal.

A denúncia foi recebida em 19.12.2017 (fls. 211/212).

Após seguimento do feito, sobreveio sentença que julgou parcialmente procedente o pedido deduzido na denúncia, para condenar CHARLES EJIKE UZOETO e CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA pela prática do crime descrito nos artigos 33, caput, c.c. 40, I, da Lei 11.343/2006, condenando o primeiro à pena privativa de liberdade de 09 (nove) anos, 06 (seis) meses e 09 (nove) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e à pena pecuniária de 930 (novecentos e trinta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e a segunda, à pena privativa de liberdade de 07 (sete) anos, 10 (dez) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e à pena pecuniária de 780 (setecentos e oitenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Sentença publicada em 09/10/2019 (fls. 447).

Irresignadas, as defesas dos réus interpuseram recurso de apelação.

Em razões de apelação (fls. 479/485v), a defesa de CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA postula, em síntese, a sua absolvição, ante a ausência de provas de sua autoria. Subsidiariamente, pede que a pena-base seja fixada no mínimo legal; seja afastada a agravante da reincidência; a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 e que seja fixado o regime aberto ou semiaberto para cumprimento de pena.

Por sua vez, em suas razões de apelação a defesa de CHARLES EJIKE UZOETO (fls. 488/505) alega a inexistência de provas de prática delitiva, pleiteando a absolvição dos crimes de tráfico. Subsidiariamente, requer o reconhecimento de todas as circunstâncias judiciais como neutras; o afastamento da agravante de reincidência; a aplicação da causa de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 em 2/3 (dois terços); a aplicação do aumento da continuidade delitiva em sua fração mínima; bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e o regime prisional inicial aberto.

Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 509/514).

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 523/529), pelo provimento parcial dos recursos de apelação, com a exclusão da agravante de reincidência para ambos os réus e com a determinação de início de cumprimento de pena da acusada CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA no regime semiaberto.

É o relatório.

Processo sujeito a revisão, nos termos regimentais.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 02/06/2020 18:07:01



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0004665-28.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.004665-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA
: CHARLES EJIKE UZOETO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00046652820174036181 4P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Da materialidade delitiva


A materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) restou demonstrada pelo Auto de Apreensão e pelos Laudos de Perícia, os quais concluíram, definitivamente, que os materiais submetidos a exame se tratavam de cocaína, substância relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes (Lista F1) de uso proscrito no Brasil e causadora de dependência física ou psíquica:

a) Fato 1- dia 30/09/2015: auto de apreensão às fls. 05/08 e laudo de perícia às fls. 27/30, constatados 208 (duzentos e oito) gramas de cocaína, com destino à Londres-Inglaterra;

b) Fato 2- dia 01/10/2015: auto de apreensão às fls. 101/106 e laudo de perícia às fls. 128/131, constatados 96 (noventa e seis) gramas de cocaína, com destino à Irlanda;

c) Fato 3- dia 28/03/2016: auto de apreensão às fls. 111/116 e laudo de perícia às fls. 132/135, apreendidos 304,4 (trezentos e quatro gramas e quatro milgramas) de cocaína, com destino à Dublin-Irlanda.

As remessas postais estão comprovadas pelos documentos de fls. 05/08, 101/106 e 111/116.


Da autoria e dolo


Importante observar que, na tarde de 3 de maio de 2016, Crislaine tentou efetuar a postagem de entorpecente para endereço na Índia, sendo presa em flagrante delito quando estava em agência dos Correios situada na Rua Tuiuti, nº 2114, Tatuapé, São Paulo/SP, com essa finalidade, inclusive porque já havia a informação na referida agência de que uma pessoa com as características físicas de Crislaine poderia estar atuando no sentido de postar frequentemente encomendas ao exterior contendo drogas ilícitas.

Quando Crislaine lá compareceu em 3 de maio de 2016, foi preparado um formulário para remessa de encomenda para a Índia, a qual continha dois frascos de shampoo, dois frascos de condicionador e dois frascos de um cosmético. Diante da desconfiança de que a encomenda poderia conter substância ilícita, foram chamados policiais militares e examinado o conteúdo da encomenda, verificando-se que os dois frascos de cosmético ocultavam em seu interior cocaína.

Crislaine, então, foi levada à Delegacia de Polícia Civil, tendo informado que recebera a encomenda de Charles, e que sua irmã Giselli mandou que fizesse a postagem. Como Crislaine deveria encontrar os outros denunciados para lhes entregar o comprovante de remessa, acompanhou policiais civis até um bar próximo do local onde ela e Giselli residiam na Rua Musa Cabocla, Jardim Alto Alegre, São Paulo/SP, tendo então sido localizados e presos Charles e Giselli. Referida prisão gerou a ação penal n. 0005252-84.2016.403.6181, na qual os réus nesta ação penal foram condenados pela prática do crime de tráfico internacional de drogas (fls. 06 e 08 dos apensos relativos aos antecedentes), observando-se que sua irmã, Gisele, foi absolvida das acusações naquela Ação Penal.

Há, ainda, outras três remessas apreendidas em 30/09/2015, 01/10/2015 e 28/03/2016, que foram postadas em nome da ré CRISLAINE, que assinou os documentos de fls. 06, 104 e 105 e que geraram a presente Ação Penal.

O Laudo Pericial grafotécnico de fls. 328/334 confirmou ser de CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA a letra aposta no formulário dos Correios da encomenda postada em 30/09/2015 e o Laudo Complementar de fls. 353/358 constatou a convergência entre os padrões da acusada e o formulário da remessa de 28/03/2016.

E as imagens captadas pelas câmeras de segurança dos Correios comprovam que a pessoa de CRISLAINE foi quem pessoalmente efetuou as remessas na Agência Vila Manchester, no dia 30/09/2015 (fls. 10/11).


Da autoria e dolo de Crislaine Teixeira de Oliveira


Em Juízo, Crislaine reconheceu ter postado as três encomendas nos Correios, mas afirmou que não sabia que continham cocaína, o que fez a pedido de CHARLES, que ela conhecia como Bruno.

Disse que teve contato com ele através de sua irmã, que já o conhecia há três anos e já fazia isso há todo esse tempo para ele, então achou que não teria nenhum problema.

A acusada disse que CHARLES lhe entregou as caixas na rua, lhe deu o dinheiro da postagem e o que sobrasse (50, 60 reais) poderia ficar para ela.

Afirmou que recebia cerca de R$ 300,00 (trezentos reais) de Charles e ficava apenas com o troco, entre R$ 50,00 (cinquenta reais) e R$ 60,00 (sessenta reais), do pagamento da postagem, pois tinha de acompanhar sua filha, que era prematura e ficou três meses internada no hospital Santa Marcelina, então ela usava esse dinheiro para a condução.

Ela contou que o corréu CHARLES dizia que eram roupas, produtos de cabelo, produtos que mandaria para seus amigos e que ela nunca desconfiou que era droga.

Afirmou que CHARLES conhecia o ex-marido de sua irmã Gisele, o qual também é nigeriano e atualmente está preso por tráfico de drogas.

Disse que fez esse tipo de postagem umas três, quatro vezes e que sua outra irmã, JULIANA, chegou a fazer umas duas postagens e que CHARLES lhe disse que estava ilegal no Brasil, por isso não poderia enviar as caixas em nome dele.

Confirma que, no dia do flagrante que deu origem à outra ação penal, CHARLES havia pedido para GISELE postar a encomenda, ela não podia e a ré passaria perto da agência, então ela se ofereceu e que CHARLES já lhe indicava em qual agência deveria ir.

Não sabe porque CHARLES nega ter lhe fornecido as outras caixas postadas em dias diferentes da prisão em flagrante.

Vendo as fls. 05/08, 101/106 e 111/116, confirma ser sua a caligrafia.

Os dados eram verdadeiros, exceto o endereço, que CHARLES já lhe fornecia. Chegou a conversar com sua irmã sobre o motivo do próprio CHARLES não postar, mas que ela lhe disse que era em razão do documento e a ré não mais questionou. (mídia audiovisual de fl. 319).

Afirmou que quando foi presa lhe perguntaram quem havia lhe dado as encomendas e que ela informou que era Charles e que lhes indicaria, então ele ligou no telefone celular dela, oportunidade em que ela marcou o encontro com ele, para entregar o comprovante de postagem. Então seguiram para a casa de sua irmã, onde prenderam Charles.

Disse que conheceu Charles no Natal de 2015 novamente perguntada disse que foi em 2015, depois disse que não se lembrava exatamente a data, respondendo de forma completamente inconclusiva a essa pergunta.


A versão dos fatos apresentada pela ré não é crível. As assinaturas nas encomendas são dela e, como ela mesma reconhece, postou as encomendas. Ainda que não soubesse o que havia dentro dos pacotes, no mínimo, a apelante agiu com dolo eventual, aceitando postar encomenda ao exterior, para um terceiro que conhecia há pouco tempo e cujas atividades profissionais ela não sabia ao certo.

Cumpre destacar que é plausível a versão de que a ré tinha como única vantagem ficar com o "troco" da postagem nos correios. O conjunto probatório dos autos aponta para isso. Contudo, o tipo penal em tela pode ser praticado "ainda que gratuitamente".

Pelo exposto, resta demonstrado que a ré, de forma livre, voluntária e consciente, praticou o crime de tráfico de entorpecentes, vez que sua conduta amolda-se, como supra destacado, ao tipo descrito no art. 33 da Lei 11.343/06.


Da autoria e dolo de Charles Ejike Uzoeto (Bruno)


Em Juízo, o acusado Charles disse ser falsa a acusação. Afirmou que apenas uma vez fez um favor a um amigo e deu uma encomenda para GISELE, não ganhou nada para isso. Vive no Brasil desde o ano de 2010 e a conheceu na rua, ficavam numa praça para usar o wi-fi, em 2015.

Não teve relacionamento com ela. Conheceu CRISLAINE na casa de GISELE. Deu a encomenda para GISELE e só depois soube que ela deu à sua irmã. Não sabe explicar porque CRISLAINE disse que recebeu pelo menos três encomendas dele. Afirma que as irmãs querem culpá-lo agora.

Contou que um dia GISELE lhe disse que precisava de dinheiro e na ocasião um amigo lhe pediu para mandar umas coisas pelo Correio, mas não podia mandar pessoalmente porque não tinha documentos. Além disso, queria ajudar GISELE. Não a chamou para vender roupas com ele porque não tinha muita coisa para vender. Não sabia o que o amigo queria remeter, ele disse que eram cremes. Ele tinha pressa para mandar para a Índia. Os cremes estavam embalados, não os viu antes de postar, nem os objetos de fls. 28, 129 e 133. Tinha CPF e visto para ficar no Brasil. O amigo é nigeriano e se chama EMETA. Indagado sobre a outra irmã das rés- Juliana- ter dito que efetuou 5 ou 6 postagens de drogas a pedido do réu, conforme depoimento policial, negou e disse desconhecer o porquê de tal declaração. Nunca acompanhou as irmãs em agências dos Correios. Confirmou que seu "nome brasileiro" é BRUNO (mídia audiovisual de fl. 319).


É mais do que provável que seja o réu o mandante das outras postagens.

Entretanto, diferentemente dos fatos ocorridos na ação penal n° 0005252-84.2016.403.6181, onde o réu foi condenado pela prática de tráfico transnacional de entorpecentes a 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, no regime prisional semiaberto (tratou dos fatos ocorridos no dia 3 de maio de 2016, Crislaine e Charles foram condenados em razão da corré ter tentado efetuar a postagem de entorpecente para endereço na Índia, sendo presa em flagrante delito quando estava em agência dos Correios e, na Delegacia de Polícia Civil, informou que recebera a encomenda de Charles. Após, foi até um bar, juntamente com os policiais, onde Charles a esperava para pegar o comprovante, depois de telefonar para ela), não há qualquer prova material de que o réu CHARLES EJIKE UZOETO tenha sido o mandante dessas três postagens. Não há perícia grafotécnica, não há filmagens, não há testemunhas, nada além do interrogatório da corré Crislaine.

Assim, a sua afirmação de que naquela oportunidade foi o mandante, mas que não tem responsabilidade por remessas anteriores e que não sabe o motivo pelo qual as "irmãs" estão tentando incriminá-lo, apesar de merecer pouco crédito, levanta uma pequena dúvida, qual seja, a de que outras pessoas poderiam ter utilizado as rés como mulas, até porque a irmã da corré era casada com outro nigeriano preso anteriormente por tráfico de drogas, portanto há contato das "irmãs" com outras pessoas ligadas ao tráfico, o que sugere, ou seja, é possível, ainda que improvável, que a corré tenha tido contato com outros criminosos e, considerando a situação de flagrante na ação penal 0005252-84.2016.403.6181, tenha optado por incriminar apenas o réu CHARLES EJIKE UZOETO. É uma possibilidade improvável, mas plausível e levanta uma dúvida, o suficiente para absolver o réu.

Ademais, em seu interrogatório, a corré Crislaine não soube dizer ao certo quando conheceu o réu, mas entre os minutos 32 e 34 afirmou que o conheceu no Natal de 2015, na casa de sua irmã, portanto em data posterior a, pelo menos, duas postagens (30/09/2015 e 01/10/2015), fato suficiente para, em que pese a outra postagem ter ocorrido em 28/03/2016, colocar mais uma dúvida em relação à veracidade das declarações.

Relembro que é dever, mais do que isso, obrigação da acusação, produzir as provas necessárias para demonstrar a materialidade e autoria, nos termos do artigo 156, do CPP, que dispõe que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.

Não cabe ao magistrado deduzir que o réu é culpado, sem provas produzidas pela acusação.

Por oportuno, trago julgados do STF sobre a questão, importante relembrar:


AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, emdado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).
Precedentes.
- Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ('essentialia delicti') que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.
- Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita."
(HC 88.875/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJE 12/03/2012)
"Ação Penal. Deputado Federal. Falsificação de documento particular. Falsidade ideológica. Estelionato. Absolvição.
......................................................................................................
2. Na ausência de prova inequívoca de que o acusado emitiu ordens para o subordinado inserir informações falsas ou de que praticou ele mesmo as condutas descritas no tipo penal para falsificação ideológica dos documentos, é afastada a autoria.
......................................................................................................
4. Pretensão acusatória julgada improcedente."
(AP 421/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO - DJE 30/06/2015)
"DENÚNCIA. CRIMES DE PECULATO, CORRUPÇÃO PASSIVA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ALEGAÇÕES PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA: VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. PRECEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. PRECEDENTES. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. AÇÃO PENAL JULGADA IMPROCEDENTE.
1. É apta a denúncia que bem individualiza a conduta do réu, expondo de forma pormenorizada o fato criminoso, preenchendo, assim, os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal. Basta que, da leitura da peça acusatória, possam-se vislumbrar todos os elementos indispensáveis à existência de crime em tese, com autoria definida, de modo a permitir o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.
.....................................................................................................
5. Os depoimentos e laudos acostados aos autos não apresentam elementos de convicção suficientes para a formação de juízo de certeza sobre a responsabilização criminal do Réu pelos crimes de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica. Falta nos autos prova irrefutável a demonstrar a materialidade e autoria dos crimes a ele imputados.6. A delação de corréu e o depoimento de informante não podem servir como elemento decisivo para a condenação, notadamente porque não lhes são exigidos o compromisso legal de falar a verdade.
7. Ação penal julgada improcedente."
(AP 465/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - DJE 30/10/2014)
"Ação Penal. Senador da República. Artigo 20 da Lei nº 7.492/86. Absolvição.
1. O delito do art. 20 da Lei nº 7.492/86 consuma-se no momento da aplicação do recurso em finalidade diversa da prevista no contrato.
2. À falta de prova suficiente de que o réu concorreu para o crime, impõe-se a absolvição na forma do art. 386, V, do Código de Processo Penal.
3. Pretensão acusatória julgada improcedente."
(AP 554/RO, Rel. Min. ROBERTO BARROSO - DJE 08/06/2015)
"PROCESSUAL PENAL. DEPUTADO FEDERAL. ESTELIONATO. QUESTÃO INERENTE À ESFERA PRIVADA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS.
I - Denúncia pela suposta prática do crime de estelionato (art. 171, 'caput', do Código Penal).
II - Obtenção de vantagem ilícita mediante alegada simulação de contrato de natureza civil.
......................................................................................................
V - Ausentes elementos de prova aptos a propiciar condenação.
VI - Absolvição por deficiência de provas, com base no art. 386, V, do CPP."
(AP 612/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - DJE 30/10/2014)
"AÇÃO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. INVASÃO DE INSTALAÇÕES DE AUTARQUIA DA UNIÃO. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. ABSOLVIÇÃO.
......................................................................................................
2. Ainda que comprovada a materialidade do dano, a ausência de prova suficiente da autoria ou participação conduz à absolvição do réu por força do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Precedente."
(AP 619/BA, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI - DJE 11/02/2015)
"Ação penal. Ex-secretário de estado. Deputado Federal. Peculato (art. 312 do CP). Desvio de colchões doados pelo governo federal para auxílio a vítimas de enchentes. Entrega e desvio dos bens para uso em evento da agremiação política a que o réu se encontra filiado. Alegada determinação do acusado para a cessão do material. Prova precária de
envolvimento do réu no ilícito. Incidência do 'in dubio pro reo' e do favor rei. Pedido julgado improcedente, com a absolvição do réu com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
......................................................................................................
2. Diante da fragilidade da prova de efetivo envolvimento do acusado no crime em questão, é o caso de incidência dos brocardos - 'in dubio pro reo' e favor rei - somente restando proclamar a improcedência da pretensão ministerial.
3. Ação penal julgada improcedente."
(AP 678/MA, Rel. Min. DIAS TOFFOLI - DJE 05/02/2015)

Portanto, ante a fragilidade do conjunto probatório e da fundada dúvida, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP, absolvo o réu CHARLES EJIKE UZOETO da imputação relativa à prática do crime previsto no artigo 33, caput c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06.


DOSIMETRIA DA PENA de CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA

Primeira fase.

A pena-base, que foi fixada em 05 (cinco) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 560 (quinhentos e sessenta) dias-multa, ao fundamento de que as circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP eram favoráveis à ré.

Para tanto, a magistrada "a quo" valorou negativamente a culpabilidade, afirmando que "(...) a culpabilidade é acentuada, pois a ré possuía papel relevante e fundamental na atividade criminosa, promovendo-a e organizando-a, aliciando pessoas e dirigindo a atividade destas, devendo a circunstância da culpabilidade ser valorada em seu desfavor".

Também foi considerada a natureza e a quantidade da droga apreendida: 608,40g (seiscentos e oito gramas e 40 miligramas) de cocaína, considerando as três remessas objeto destes autos.


Da culpabilidade

Não há qualquer evidência nos autos de que a ré promovia ou organizava a atividade criminosa e, muito menos, que aliciasse outras pessoas e dirigisse a atividade delas. Tal fundamentação é desconexa com as provas dos autos no que diz respeito à ré. Em razão disso, a valoração negativa de sua culpabilidade deve ser afastada de pronto.


Da natureza e quantidade do entorpecente

De fato, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343 /06, devem ser consideradas para exasperação da pena-base.

Nesse sentido colaciono julgado do Supremo Tribunal Federal:

(STF - HC 125781 / SP - Relator: Min. DIAS TOFFOLI - Segunda Turma - Dje 27-04-2015).


De outro lado, o fato de o grau de pureza da droga não ter sido aferido por laudo pericial não afasta a possibilidade de majoração da pena-base, com fundamento na natureza da droga apreendida, pois se trata de cocaína que, independentemente do real grau de pureza, é usualmente diluída para revenda e continua causando malefícios indescritíveis a seus usuários.

Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis, já que afastada aqui a valoração negativa referente à culpabilidade e, considerando o entendimento fixado pela 11ª Turma desta Corte, assim como a quantidade da droga apreendida, 608,40g (seiscentos e oito gramas e 40 miligramas) de cocaína, a pena-base deve ser reduzida para 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.


Segunda Fase da dosimetria

Na segunda fase da dosimetria, a magistrada sentenciante considerou a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea e as compensou.

A agravante da reincidência dever ser afastada, como muito bem aponta o Ministério Público Federal em seu parecer.

O presente processo versa sobre condutas ocorridas nos dias 30/09/2015, 01/10/2015 e 28/03/2016. A condenação com trânsito em julgado em desfavor da apelante, na ação penal n° 0005252-84.2016.403.6181, ocorreu em razão da prisão em flagrante ocorrida em 03/05/2016, portanto em data posterior aos crimes aqui sob julgamento.

O artigo 63 do Código Penal prevê:

"Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior".

Desnecessário alongar-se mais sobre o tema, dada a clareza do texto legal, pelo que resta afastada a agravante da reincidência.

Assim, a pena resta fixada nesta fase intermediária em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, pois não pode ser reduzida abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria, como preconiza a Súmula 231 do STJ.


Terceira Fase da dosimetria

Nesta fase, o magistrado sentenciante aplicou a causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (transnacionalidade do delito), em 1/6 e não reconheceu a causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06, fixando a pena definitiva em 07 (sete) anos, 10 (dez) meses e 14 (catorze) dias de reclusão e 780 (setecentos e oitenta) dias-multa.

A defesa requer a aplicação da causa de diminuição do artigo 33, §4°, da Lei n° 11.343/2006.

Artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06

Aplicada com acerto a causa de aumento da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois presente uma única causa de aumento do referido dispositivo.

Assim, a pena passa a ser fixada em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.


Da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06.

A causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/06 prevê redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta da apelante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.

Sobre o papel das "mulas" no narcotráfico e sua hipotética integração em organizações criminosas, bem apreciou essa questão o TRF- 5ª Região, asseverando que:


"A etimologia do léxico "integrar" remete a íntegro, inteiro, conjunto. Muitas são as acepções da palavra, mas na frase objeto do nosso estudo, pertine àquela de incluir-se como elemento do conjunto, como membro da quadrilha.
O apelante - ficou claro - foi utilizado como "mula".
No âmbito do tráfico, o termo "mula" não foi adotado à toa. Nomeou-se assim o indivíduo que se faz de correio de drogas, especialmente em viagens internacionais. Para tanto é remunerado e apenas segue ordens. São tão menosprezados pelos escalões superiores das organizações criminosas do tráfico que não raro os próprios traficantes que contratam as "mulas" as denunciam aos órgãos de segurança e imigração, com intuito de, para efetuarem a prisão, os policiais não poderem revistar outros indivíduos, também "mulas", estes transportando maiores quantidades de entorpecentes.
São pessoas aliciadas, que participam do fato delituoso em condição vexatória e com grande risco para a vida, quando conduzem a droga dentro de suas próprias vísceras.
Reconheço que o só fato de ser o responsável pelo transporte da droga não importa, necessariamente, não integrar a organização criminosa. Todavia, alguém que exerce esse papel pela primeira vez, como é o caso, segundo a própria sentença, não deve ser considerado membro da organização criminosa, que na verdade "terceirizou" a arriscada atividade." (TRF - 5ª R. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.81.00.007277-3 - rel. JOSÉ MARIA LUCENA - j. 13.11.2008 - DJU 02.12.2008)

Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.

Trata-se de apelante primária, que não ostenta maus antecedentes, conforme comprovam os documentos acostados aos autos, bem como considerando que não há prova nos autos de que se dedique a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Caberia à acusação fazer tal comprovação, o que não ocorreu no caso dos autos. Certamente, estava a serviço de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.

Nesse ponto, ao contrário do apontado na sentença apelada, a ré não detinha qualquer antecedente criminal à época dos fatos, como já destacado por ocasião da análise e afastamento da agravante da reincidência. Ademais, a outra fundamentação, qual seja, a de que a ré não tinha emprego quando cometeu o crime deve ser rechaçada de pronto. Restou claro dos autos que a ré tinha uma filha recém-nascida, que possuía problemas de saúde e ela estava se dedicando ao seu tratamento, abandonada pelo marido à época e vivendo em condições de miserabilidade, tanto que aceitou realizar as postagens para ficar com o "troco".

Acrescente-se ainda que nos autos da Ação Penal 0005252-84.2016.403.6181 foi a colaboração da ré que levou à prisão do corréu CHARLES EJIKE UZOETO.


Nesse sentido os julgados do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA Habeas corpus. Penal. tráfico internacional de drogas. Condenação. Dosimetria da pena. Pretendida aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Incidência da causa de aumento da pena prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06. Alegação de bis in idem. Fixação do regime mais gravoso desprovida de fundamentação idônea. Questões não analisadas
pelo Superior Tribunal de Justiça. Inadmissível supressão de instância. (...). 4. Descabe afastar a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 com base em mera conjectura ou ilação de que os réus integrariam organização criminosa. 5. O exercício da função de mula, embora indispensável para o tráfico internacional, não traduz, por si só, adesão, em caráter estável e permanente, à estrutura de
organização criminosa, até porque esse recrutamento pode ter por finalidade um único transporte de droga. 6. Ordem denegada. Habeas corpus concedido de ofício para o fim de, reconhecida a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, determinar ao juízo processante que fixe o quantum de redução pertinente na espécie".
(HC 124107, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 04/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 21-11- 2014 PUBLIC 24-11-2014)
"EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...) 2. Pertinente à dosimetria da pena, encontra-se a aplicação da causa de diminuição da pena objeto do §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Inobstante a gravidade dos delitos imputados ao Recorrente, os elementos disponíveis estão a aconselhar, à falta de dados empíricos embasadores da exclusão da causa de diminuição da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.346/2006, o restabelecimento da sentença de primeiro grau que a aplicou. Tudo indica tratar-se, o Recorrente, de "mula" ou pequeno traficante, presentes apenas ilações ou conjecturas de envolvimento com grupo criminoso ou dedicação às atividades criminosas. 4. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente provido".
(RHC 118.008, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 18-11- 2013 PUBLIC 19-11-2013)

Portanto, a ré faz jus à aplicação da referida causa de diminuição, entretanto, na fração mínima de 1/6 (um sexto), pois se associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa de tráfico internacional de drogas, cumprindo papel de importância para o êxito da citada organização.

Nesse sentido o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO EM SEU GRAU MÍNIMO (1/6). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBLIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/1990 (REDAÇÃO CONFERIDA DA PELA LEI 11.464/2007). ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
I - Não prospera a alegação de ausência de fundamentação idônea na exasperação da pena-base, que foi aumentada em 1 ano (num intervalo de 10 anos) com supedâneo em quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, valendo anotar que, em se tratando de tráfico , a quantidade da droga apreendida é fator que deve preponderar na fixação da reprimenda. II - O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao dar parcial provimento à apelação da defesa, fez incidir a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 e estabeleceu a redução na fração 1/6, porque "as assim denominadas 'mulas', conquanto não integrem, em caráter estável e permanente, a organização criminosa, têm plena e perfeita consciência de que estão a serviço de grupo dessa natureza", não merecendo, assim, uma redução maior. III - O juiz não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista quando presentes os requisitos para a concessão desse benefício, possuindo plena discricionariedade para aplicar, de forma fundamentada, a redução no patamar que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, como ocorreu no caso concreto. IV - A reprimenda fixada, definitivamente, em 5 anos, 4 meses e 5 dias de reclusão, num intervalo que varia de 5 a 15 anos, não desbordou os lindes da proporcionalidade e da razoabilidade, não havendo, a meu ver, flagrante ilegalidade ou teratologia que justifiquem a concessão da ordem, sendo certo que não se pode utilizar "o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente" (HC 94.655/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia). V - Mantida a reprimenda no patamar superior a 4 anos, fica superado o pedido de conversão da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, porquanto não atendido o requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal. VI - O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado. VII - Ordem concedida em parte, para determinar ao magistrado da execução que fixe, motivadamente, o regime inicial de cumprimento da pena afastando a regra do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, declarado inconstitucional pelo Plenário desta Corte.
(HC 115.149, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJ 2.5.2013)

Assim, aplicada a redução em 1/6, resta fixada a pena em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos.


DA CONTINUIDADE DELITIVA


A configuração da continuidade delitiva exige a prática de um ou mais crimes da mesma espécie em condições de tempo, lugar e modo de execução do delito indicativas de serem, as condutas subsequentes, continuação da primeira. (HC 106173 / PR - PARANÁ, DJe-150 PUBLIC 01-08-2012, Relatora Min. Rosa Weber, Julgamento: 19/06/2012 Órgão Julgador: Primeira Turma , STF).

O artigo 71 do Código Penal arrola os requisitos necessários à caracterização do crime continuado, a saber: (i) mais de uma ação ou omissão; (ii) prática de dois ou mais crimes da mesma espécie; (iii) condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes; e (iv) os crimes subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro. (HC 107636 / RS - RIO GRANDE DO SUL, Publicação, DJe-058 PUBLIC 21-03-2012, Relator Min. Luiz Fux, Julgamento: 06/03/2012 Órgão Julgador: Primeira Turma, STF)

O caso dos autos, todavia, não encontra respaldo na previsão contida no artigo 71 do Código Penal.

Os fatos 02 e 03, apesar de crimes da mesma espécie (tráfico de entorpecentes), ocorreram em lapso de mais de cinco meses: fato 02 em 01/10/2015 e fato 03/03/2016.

Todavia, ausente apelação da acusação quanto ao ponto, mantida a majoração tal como fixada na sentença apelada, em 1/5 (um quinto), como preconizado em pacífica jurisprudência emanada do STJ, o que resulta em uma pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 582 (quinhentos e oitenta e dois) dias-multa.

Nesse ponto destaco que se aplica a pena de multa uma única vez, pois o disposto no art. 72 se restringe às formas de concurso material e formal.

Nesse sentido julgado do STJ:

"A jurisprudência desta Corte assentou compreensão no sentido de que o art. 72 do Código Penal é restrito às hipóteses de concursos formal ou material, não sendo aplicável aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. Desse modo, a pena pecuniária deve ser aplicada conforme o regramento estabelecido para o crime continuado, e não cumulativamente, como procedeu a Corte de origem." (AgRg no AREsp 484.057/SP, j. 27/02/2018)


Da delação premiada


O benefício da delação premiada está previsto na Lei nº 11.343/2006, que assim dispõe:

"Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços."

Tal benefício é previsto em legislação especial, a Lei de Drogas. Cabe destacar que salientar que na lei atual e mais moderna, Lei 11.343/06, não se admite o perdão judicial como previa a revogada Lei de Tóxicos 10.409/2002, mas somente a redução da pena, que varia de um a dois terços, entendendo grande parte da doutrina que esta variação do quantum da extensão do benefício é analisada de acordo com o grau de eficácia e resultados obtidos com a delação consoante convencimento subjetivo do Magistrado.

O instituto da delação premiada objetiva estimular o fornecimento de informações acerca da existência de organização criminosa ou revelação dos demais integrantes de uma quadrilha, grupo ou bando, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, propiciando ao "delator" a redução da pena.

Analisando o dispositivo legal é possível perceber que a lei tem como objetivo beneficiar o indivíduo que colabora de maneira eficaz, possibilitando o desmantelamento de eventual organização criminosa, prejudicando a traficância e, por conseguinte, diminuindo o risco à saúde pública.

Para o legislador, tal medida poderá ser alcançada pela prisão dos demais coautores ou partícipes do crime, bem como pela apreensão, ainda que parcial, da droga a ser comercializada.

No caso concreto, na ação penal n° 0005252-84.2016.4.03.6181 a ré foi beneficiada com a aplicação da delação premiada.

Naqueles autos restou demonstrado que a acusada CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA forneceu, por iniciativa própria e voluntariamente, as informações que dispunha sobre os fatos, aos investigadores da Polícia Civil que efetuaram a prisão de CHARLES EJIKE UZOETO, o que permitiu fosse ele processado e condenado naqueles autos a uma pena definitiva de em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, no regime prisional semiaberto e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos, pela prática do crime de tráfico transnacional de entorpecentes.

Em razão disso, naquela ação, a pena da acusada foi reduzida na fração de 1/3 (um terço).

Nestes autos, em que pese o corréu estar aqui sendo absolvido, destaco que tal fato só ocorre em razão da acusação não ter produzido provas suficientes para a sua condenação e haver dúvida quanto a ele ter praticado o crime, mas isso não significa que a ré não tenha fornecido as informações de que dispunha.

A ré não pode ser prejudicada pela acusação não ter provado os fatos e, ademais, ele só foi condenado na ação penal n° 0005252-84.2016.4.03.6181 e aqui está sendo processado em decorrência da colaboração voluntária da ré. Ela não tem qualquer responsabilidade pela acusação não ter aprofundado as investigações e acostado aos autos provas robustas que levassem à condenação do corréu.

Portanto, considerando que nos autos da ação penal n° 0005252-84.2016.4.03.6181 a ré foi beneficiada com o redução da delação premiada e que só foi possível chegar ao corréu nessa ação em razão daquela delação, deve ser estendida a ela a redução lá atribuída, no patamar mínimo de 1/3 (um terço), resultando em uma pena definitiva para a ré CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA, de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 388 (trezentos e oitenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos.



Do regime inicial de cumprimento de pena.


Observo que a sentença fixou o regime inicial fechado.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33, § 2º do Código Penal.

Destaco que se trata de ré primária, que não ostenta maus antecedentes. A pena-base foi fixada no mínimo legal, o que favorece seja fixado o regime inicial aberto, com fundamento no art. 33, § 2º, c, do Código Penal.


Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Presentes os requisitos previstos no artigo 44, § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade e proibição de frequentar determinados lugares, a serem definidos pelo Juízo das Execuções Penais. Anoto que é inoportuna a substituição da reprimenda segregacional por prestação pecuniária quando a condenada, desempregada, é desprovida de condição financeira para arcar com tal obrigação, ainda mais quando já lhe foi imposta pena de multa.


Por todo o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação da defesa de CHARLES EJIKE UZOETO, para, com fundamento no artigo 386, VII do CPP, absolvê-lo da prática do delito tipificado no art. 33, caput, c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06; DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de CRISLAINE TEIXEIRA DE OLIVEIRA, para afastar a agravante da reincidência, fazer incidir a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/6 e, DE OFÍCIO, aplicar a causa de diminuição presente no artigo 41 da Lei 11.343/06, em 1/3 (um terço), resultando em uma pena definitiva de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, no regime prisional aberto, e 388 (trezentos e oitenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos, substituída por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade e proibição de frequentar determinados lugares, a serem definidos pelos Juízo das Execuções Penais.

Oficie-se o Juízo das Execuções Criminais, o Ministério da Justiça e o Consulado da Nigéria, em São Paulo.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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